ACIDENTE DE VIAÇÃO
MANOBRA DE SALVAMENTO
Sumário

I–Constitui manobra de salvamento, ou de último recurso, a do condutor de um motociclo que, perante a mudança repentina e não sinalizada de um veículo da fila de trânsito do meio para a fila da esquerda onde o mesmo se encontrava, instintivamente, para não embater ou ser embatido por ele, como seguramente sucederia, desviou o guiador para esquerda, com o que derrapou e caiu, acabando por, em arrastamento, vir a colidir com o referido veículo, cerca de 15 metros à frente.
II–Neste contexto, e como é próprio da manobra de salvamento, que se reconduz ao mecanismo do estado de necessidade, a manobra do condutor do motociclo não se mostra ilícita, ou pelo menos não é culposa, cabendo a responsabilidade total na eclosão do sinistro à condutora do veículo, cuja conduta ilícita e culposa – cfr arts 14º/2 e 35º CE - foi a causa mediata do mesmo.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–Pedro T...M..., instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra Seguros Logo, SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia mínima de € 23.413,56, sem prejuízo do requerido no art. 26º da petição, e correspondentes juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Invocou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação em que foram intervenientes um motociclo, pertença dele e por ele conduzido, e um veículo ligeiro de passageiros, cujos riscos de circulação se mostravam seguros pela R; e que, em local composto por três vias de trânsito, seguindo o seu veículo na fila mais à esquerda e o  seguro na R., na fila do meio, este procedeu a uma - repentina e não sinalizada - manobra de mudança desta fila para aquela, facto que levou a que o A. procedesse a uma travagem brusca e desviasse o guiador do motociclo para a esquerda, na tentativa de alterar a sua trajectória e evitar a colisão eminente com o automóvel, acabando o motociclo e ele por caírem ao solo, e seguirem em arrastamento, até virem a colidir com o veículo seguro na R. Na sequência do sinistro foram diagnosticadas ao A. escoriações  particularmente incidentes no joelho esquerdo, e uma fractura na mão esquerda, tendo sido submetido a uma operação ao 2º metacarpo, com o que ficou dependente da  família e amigos para o auxiliar nos  actos do dia a dia, e o levou a um ciclo de sessões de fisioterapia, durante cerca de 3 meses. Após alta hospitalar ficou incapacitado para exercer a sua actividade como oficial piloto na empresa TAP Portugal, que o forçou a uma baixa médica por um período total de 102 dias, tendo nesse período de tempo equacionado, com angústia, a possibilidade de não poder mais exercer a sua profissão. Na peritagem a R. estabeleceu que a reparação do motociclo teria um custo de € 1700, e avaliou os danos no vestuário do A., aquando do sinistro, num custo total de € 80, mas não contemplou o valor das luvas e botas, igualmente destruídas, num total global de € 115. O A. optou por ordenar uma reparação parcial do motociclo em Junho de 2012, mas não prescinde da respectiva reparação integral. Não tendo guardado comprovativos dos transportes que utilizou, requer o ressarcimento dos danos por privação de transporte próprio, através da equidade, requerendo, para esse efeito, que a indemnização mínima diária seja tida como de € 10, desde a data do acidente, até à data da alta definitiva. Entre aquelas datas esteve privado das suas remunerações normais, sendo que se não tivesse estado de baixa médica teria auferido como retribuição regular do seu trabalho o total de € 23.154. Pede, a título de danos morais, uma quantia não inferior a € 8.000. 

A R. contestou, referindo que em face das averiguações que levou a cabo, o A. seguia, tal como a condutora do PG, na faixa do meio, e mudou para a faixa da esquerda como esta, sendo que esta o fez sem ter incorrido em qualquer manobra ilegal, entendendo que a forma como o acidente terá ocorrido será de se imputar totalmente à culpa do próprio A. que seguia desatento e em excesso de velocidade, únicas circunstâncias que podem justificar o seu despiste. Em matéria de danos, põe em causa o dano da privação do veículo, por um lado, porque o A. ficou sem poder conduzir, por outro porque nunca solicitou um veículo de substituição, e por outro ainda porque, atentos os rendimentos do A. foi só porque não quis que não ordenou a reparação do veículo. No que toca às perdas salariais invoca que o A. reclama valores médios de complementos salariais sem comprovar que, trabalhando, a eles teria direito naquele período em concreto.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente absolvendo a R. do pedido.

II–Do assim decidido, apelou o A. que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:

I.-O Tribunal a quo errou na determinação da aplicabilidade da norma prevista no Art. 570º do Código Civil;
II.-O Tribunal a quo considerou não existir prova suficiente que permitisse apurar com um mínimo de rigor a dinâmica do acidente (“circunstâncias não apuradas”), mas subsumiu tal factualidade à norma vertida no Art 570.º do Código Civil, atribuindo culpa ao lesado, ora Recorrente, na produção do acidente;
III.-Não constando da matéria de facto provada qualquer menção a culpa do Autor, ou sequer à execução por parte deste de qualquer manobra especialmente regulada no Código da Estrada que se consubstancie no nexo causal da produção do acidente, não poderia o Tribunal a quo aplicar a norma supra referida, uma vez que não se verifica o seu pressuposto de aplicação: a culpa do lesado;
IV.-Por outro lado, como se verá infra, a prova produzida nos autos, demonstrou à saciedade que o acidente objecto dos presentes autos ocorreu única e exclusivamente em virtude do comportamento da condutora do veículo seguro na Recorrida;
V.-No entanto, e ainda que assim não fosse, o que por mera cautela de patrocínio se admite sem contudo conceder, não tendo ficado o Tribunal a quo cabalmente esclarecido quanto à dinâmica do acidente, referindo expressamente que o mesmo ocorreu “Em circunstâncias não concretamente apuradas” [cfr. alínea f) do Ponto II da Sentença recorrida], sempre teria o mesmo de aplicar a norma constante do Art 506.º, n.º2 do Código Civil e não a decorrente do Art 570.º do mesmo Código;
VI.-No que se refere à matéria de facto, não se alcança como pode o Tribunal a quo ter considerado provado que o veículo do Recorrente circulava atrás do veículo seguro na Recorrida, como leva aos factos provados na respetiva alínea d), considerando que nenhuma testemunha referiu tal circunstância, seja da parte da Recorrida, seja da parte do Recorrente, e que a única referência feita a tal facto consta apenas da Contestação que não veio a ser provado por qualquer depoimento prestado em Audiência de Julgamento;
VII.-Assim, não tendo a Recorrida logrado provar a sua tese de que o motociclo do Recorrente seguia atrás do veículo por si seguro, não poderia tal facto ser dado como provado pelo Tribunal
a quo, tanto mais que do depoimento da testemunha Mário M...,
única que referiu os sentidos de marcha dos veículos antes da colisão, resulta que os veículos se encontravam em filas de trânsito distintas;
VIII.-Por outro lado, como já foi supra referido, o Tribunal a quo considerou como facto provado que o embate ocorre “em circunstâncias não concretamente apuradas mas que ocorreram no momento em que o motociclo passou a seguir pela faixa mais à esquerda, este veio a despistar-se tendo ficado marcado no pavimento 16,5m de marcas de arrastamento pelo solo do motociclo do Autor”, cfr. alínea f) dos Factos Provados;
IX.-Em primeiro lugar, cumpre notar que a alegação de que o Autor aqui Recorrente havia procedido a uma mudança de fila decorre apenas das declarações constantes do Auto de Participação de Acidente de Viação junto como Doc. Nº 1 da Petição Inicial, e não leva em conta a demais prova produzida pelo Recorrente em Audiência de Julgamento, que veio a esclarecer cabalmente que, nos momentos que precederam o acidente, já há muito que o veículo do Recorrente se encontrava na referida fila de trânsito sendo seguido por um outro veículo automóvel, tripulado pela testemunha Mário M...;
X.-Da conjugação de toda a prova produzida, seja documental, seja testemunhal, resulta claramente assente que o único condutor que realizou uma manobra especialmente regulada no Código da Estrada imediatamente antes do acidente, a saber mudança de fila de trânsito, foi a condutora do veículo seguro na Recorrida que sempre confessou tal manobra, como assim o fez a sua passageira, igualmente ouvida como testemunha nos autos;
XI.-Acresce que as versões de ambos os condutores são absolutamente coadunáveis com a dinâmica do acidente tal como relatada pelo Recorrente, à excepção da questão da prévia sinalização da manobra de mudança de fila por parte da condutora do veículo seguro na Recorrida;
XII.-Por outro lado, não se entende como poderá o Tribunal a quo considerar que a declaração feita pela testemunha Mário M... não se coaduna com o resultado do Esboço do Auto de Participação de Acidente de Viação (“croqui”) junto como Doc. N.º 1 pelo Recorrente com a sua Petição Inicial, do qual apenas consta a posição final dos veículos após o embate, e as marcas de arrastamento do motociclo do Recorrente, após a respetiva queda, em nada incompatíveis com o depoimento da referida testemunha;
XIII.-O Tribunal a quo considerou adicionalmente que o depoimento da testemunha Mário M... também não se coadunava com as declarações da condutora do veículo seguro na Recorrida, não podendo mais uma vez o Recorrente concordar com tal argumento;
XIV.-Como resulta da própria Sentença recorrida, a condutora do veículo seguro na Recorrida nada diz a respeito da conduta do Recorrente ou da sua localização na via nos momentos que precederam a colisão, indicando apenas que só se apercebe da sua presença após sentir um embate na traseira do seu veículo;
XV.-Mais se diga que, no que se refere às declarações da passageira da viatura segura na Recorrida, Cátia S..., esta nada presenciou, apenas se apercebeu do embate na traseira da viatura em que circulava;
XVI.-Por fim, o Tribunal a quo considera que o depoimento da testemunha Mário M... também não se coaduna com as indicações dos dois peritos da Recorrida quanto aos danos nos veículos;
XVII.-A este respeito diga-se, antes de mais, que não foram ouvidos dois peritos nos autos, apenas um, indicado como mera testemunha e não para prova pericial, André C..., que prestou depoimento por ter sido o averiguador escolhido pela Recorrida para investigar as circunstâncias do acidente e não para avaliar danos nos veículos;
XVIII.-Porém, e salvo o devido respeito, a prova dos danos nas viaturas vai precisamente ao encontro da versão do Recorrente, pelo que mais uma vez aqui falece o argumento do Tribunal a quo, porquanto não só não existiu qualquer dúvida quanto à circunstância de que o motociclo do Recorrente colidiu na traseira do veículo seguro na Recorrida, facto aceite por Recorrente e Recorrida nos respetivos articulados, como também essa constatação nada esclarece quanto à dinâmica do acidente no que concerne ao comportamento prévio dos condutores que determina o nexo causal do mesmo;
XIX.-Por outro lado, atenta a matéria de facto considerada como provada, no Ponto IV da Sentença, mais uma vez na parte correspondente à respetiva fundamentação, o Tribunal a quo refere que “(…) da parte da R. foram ouvidos dois peritos. Um deles analisou documentos e a partir deles, fez uma leitura da ocorrência extraindo dela danos no A. decorrentes do seu despiste, que relevam não adequação do A. ao estado do tempo, trânsito, as marcas de arrastamento acontecem todas na faixa da esquerda”;
XX.-Na verdade e como já se viu, apenas foi ouvido um perito averiguador, André C..., de cujo depoimento não foi possível extrair qualquer facto relativo à conduta do ora Recorrente e sua relação de causalidade direta ou indireta com o acidente em apreço;
XXI.-Pelo contrário, a testemunha supra identificada, nas perguntas que lhe foram colocadas a respeito da dinâmica do acidente, apenas refere a existência de dúvidas quanto a esta matéria e que as suas diligências e conclusões a esse respeito foram por si reduzidas a escrito num Relatório de Averiguação que nunca foi junto aos autos;
XXII.-Ou seja, a testemunha André C..., único perito ouvido nos autos, investigou o acidente, elaborou um relatório a respeito dessa investigação cujo conteúdo nunca foi revelado e quando inquirido sobre a dinâmica do acidente se limitou a referir o que se acima se transcreveu das suas declarações entre os minutos 13:20 e 13:40.
XXIII.-Atento o que ficou supra exposto a respeito do Esboço do Auto de Participação de Acidente de Viação, concatenado com o facto de nem a condutora do veículo seguro na Recorrida, nem a sua passageira, terem feito qualquer relato atinente ao comportamento e localização na via do Recorrente nos momentos anteriores ao embate do motociclo após a sua queda e antes da colisão na traseira do automóvel, e, bem assim, que o único perito da Recorrida que foi ouvido nada referiu a respeito do comportamento do Recorrente ou dinâmica global do acidente, remetendo para um Relatório que nunca foi junto aos autos, é manifesto que o argumento invocado pelo Tribunal para formar a sua convicção labora em erro manifesto;
XXIV.-E, consequentemente, o Tribunal a quo ao afastar a validade do depoimento prestado pela única testemunha isenta e objetiva, sem qualquer interesse direto ou indireto na causa, que efetivamente presenciou o acidente que decorreu todo à sua frente, Mário M..., e que corrobora integralmente a dinâmica do acidente relatada pelo Recorrente, ao considerar que o mesmo está em contradição com o referido Esboço e depoimentos das testemunhas da Recorrente, errou na apreciação da prova;
XXV.-Mais, face ao depoimento claro, isento e objectivo da única testemunha ocular, cujos excertos acima se transcreveram, não poderia ter o Tribunal a quo ter considerado como facto provado que o acidente ocorreu “em circunstâncias não concretamente apuradas mas que ocorreram no momento em que o motociclo passou a seguir pela faixa mias à esquerda, este veio a despistar-se tendo ficado marcado no pavimento 16,5m de marcas de arrastamento pelo solo do motociclo conduzido pelo A.”;
XXVI.-E, consequentemente, andou mal o Tribunal a quo quando considerou não ter o Recorrente logrado provar o direito que alega e, ainda, que o mesmo seria o responsável pelo evento danoso;
XXVII.-Assim, atenta toda a prova produzida, mas em especial tendo em consideração o depoimento testemunhal de Mário M..., da alínea f) dos Factos Provados deveria constar: “O Autor circulava na via de trânsito mais à esquerda, e o veículo seguro na Recorrida na via do meio, quando a dado momento, e sem que nada o fizesse prever, o veículo seguro na Ré procede a uma repentina e não sinalizada manobra de mudança de fila do meio para a fila mais à esquerda. Tal conduta, levou a que o Autor procedesse a uma travagem brusca e desviasse o guiador do motociclo para a esquerda, na tentativa de evitar a colisão eminente com o automóvel, acabando o motociclo e o seu condutor por caírem ao solo, tendo o motociclo em consequência sido arrastado pelo pavimento cerca de 16,5m até colidir com a traseira do veículo seguro na Ré”.
XXVIII.-E, consequentemente, atenta toda a prova produzida que acima se referiu, apenas poderia o Tribunal a quo ter condenado a Recorrida ao pagamento ao Recorrente das quantias por este peticionadas, considerando que ficou provada a dinâmica do acidente tal como pelo mesmo foi devidamente relatada, pois quanto aos danos reclamados foram todos considerados provados , estanso esta matéria assente.

A R. apresentou contra-alegações, nelas defendendo o decidido.

III–O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
a)-No dia 26 de Novembro de 2010, pelas 17:50h, ocorreu um acidente de viação na Av. Dr. A...B..., em S.M.O..., Concelho de Lisboa, em que foram  intervenientes:  Motociclo com a matrícula ...4-...0-..., da marca Honda VFR 800, propriedade do Autor e conduzido por ele; e  Veículo Ligeiro de passageiros com a matrícula ...9-...6-..., da marca Opel Corsa, propriedade de Carla C...P...A... e conduzido pela própria.
b)-Os riscos de circulação do veículo com a matrícula ...9-...6-... encontravam-se validamente transferidos para a Ré, nos termos da sua Apólice nº 10-7000026467.
c)-No dia, hora e local acima indicados, os veículos intervenientes circulavam no sentido Oeste / Este da Av. Dr. A...B..., que no local é composta por três vias de trânsito;
d)-O A. circulava atrás do PG;
e)-Chovia no momento do acidente;
f)-O A. seguia, tal como a condutora do PG, na faixa central de tal via, tendo mudado de faixa, tal como a condutora do PG, momentos antes do acidente;
e)-O embate ocorre com ambas os veículos dentro da faixa de rodagem mais à esquerda;
f)-Em circunstâncias não concretamente apuradas mas que ocorreram no momento em que o motociclo passou a seguir pela faixa mais a esquerda, este veio a despistar-se tendo ficado marcado no pavimento 16,5m de marcas de arrastamento pelo solo do motociclo conduzido pelo A.;
g)-O A. foi transportado para o H...C...C..., onde recebeu tratamento sob o episódio de urgência n.º 10087148, foram-lhe diagnosticadas escoriações várias, particularmente incidentes no joelho esquerdo, e uma fractura na mão esquerda (fractura de Bennett à esquerda),
h)-Tendo sido submetido a uma operação para fixação percutânea ao 2º metacarpo com fios de Kirschner,;
i)-No dia 28 de Novembro de 2010, o A. regressou a casa, com a mão esquerda engessada, com dores e escoriações;
j)-Após a remoção do gesso, o A. iniciou um ciclo de 15 sessões de fisioterapia, com início em 17 de Janeiro de 2011 e final a 8 de Fevereiro de 2011 destinado a recuperar a normal mobilidade da mão esquerda;
l)-Esteve de baixa médica por um período de 102 dias, desde o dia 26 de Novembro de 2010 até ao dia 7 de Março de 2011 inclusive.;
m)-Durante o período referido, o Autor beneficiou de um subsídio de doença concedido pela Segurança Social, no valor total de € 10.683,09 e deixou de auferir o seu rendimento pela entidade empregadora, TAP Portugal.;
n)-O A. é oficial piloto na empresa TAP Portugal.;
o)-O A. nasceu a 23 de Agosto de 1978.;
p)-O A. tinha 32 anos à data do acidente;.
q)-A R. fez peritagem ao motociclo e estabeleceu que a reparação do motociclo teria um custo de € 1700.;
r)-Em 16 de Dezembro de 2010, a R. procedeu à avaliação parcial do vestuário que o Autor envergava na altura do acidente e que ficou destruído, tendo avaliado estes danos num custo total de € 80.;
s)-Em consequência directa e necessária do acidente em questão, o Autor teve perdas salariais no valor total de € 12.470,91 .
t)-A título de taxas moderadoras o A. pagou € 27,65;
u)-O A. foi submetido de urgência a uma operação cirúrgica com internamento hospitalar de 3 dias, ficando com a mão esquerda totalmente imobilizada durante cerca de 2 meses;
v)-O A. teve dores;
x)-Fez sessões de fisioterapia;
z)-A 29 de Dezembro de 2010, veio a Ré comunicar ao Autor a sua indisponibilidade para assumir qualquer parcela de responsabilidade pelo ressarcimento dos danos em questão.

IV–Em função das conclusões das alegações importa decidir, constituindo objecto do recurso:
-se a matéria de facto deverá ser alterada nos termos pretendidos pelo apelante, e se em função dessa alteração, se deverá concluir pela culpa exclusiva na eclosão do acidente por parte da condutora do veiculo seguro na R;
-não procedendo a alteração da matéria de facto pretendida, se a que resultou provada na 1ª instância, não permitia a aplicação  do disposto no art 570º CC, como foi entendido pelo tribunal recorrido, devendo antes aplicar-se o disposto no art 506º/2 CC.

Convém assinalar que a matéria de facto tida como provada contém (naturalmente que, por lapso), duas alíneas e) e  duas alíneas f), supondo-se que a alínea f) a que o apelante se reporta seja a segunda, a partir de agora designada por al f) 2. 

Diz-se nessa alínea da matéria provada:
«Em circunstâncias não concretamente apuradas mas que ocorreram no momento em que o motociclo passou a seguir pela faixa mais a esquerda, este veio a despistar-se tendo ficado marcado no pavimento 16,5m de marcas de arrastamento pelo solo do motociclo conduzido pelo A.».

Pretende o apelante que, sopesada a prova produzido nos autos, se dê como provado, que:
 «O Autor circulava na via de trânsito mais à esquerda, e o veículo seguro na Recorrida na via do meio, quando a dado momento, e sem que nada o fizesse prever, o veículo seguro na Ré procede a uma repentina e não sinalizada manobra de mudança de fila do meio para a fila mais à esquerda. Tal conduta, levou a que o Autor procedesse a uma travagem brusca e desviasse o guiador do motociclo para a esquerda, na tentativa de evitar a colisão eminente com o automóvel, acabando o motociclo e o seu condutor por caírem ao solo, tendo o motociclo em consequência sido arrastado pelo pavimento cerca de 16,5m até colidir com a traseira do veículo seguro na R.»

Na verdade, o apelante, apesar de se referir à al f) da matéria de facto, o que pretende ver alterado é toda a matéria de facto que contrarie a versão do acidente a que se reporta e que condensou da forma acima referida.

Assim sendo, está em causa também a alteração da expressão final constante da al f)1 - «momentos antes do acidente», pois que foi dado como provado nesse ponto da matéria de facto que, «o A. seguia, tal como a condutora do PG, na faixa central de tal via, tendo  mudado de faixa, tal como a condutora do PG, momentos antes do acidente» 

Convém deixar já expresso que se concorda com o apelante na análise que faz da prova produzida.

Vejamos porquê e de que modo.

Na impugnação da matéria de facto está em causa apenas a matéria que se reporta ao acidente. E a respeito desta depuseram, enquanto testemunhas presenciais,  Mário L...M..., Carla P...A... e Cátia F...S.... Releva também ao nível em referência, o testemunho do agente da PSP que foi participante do acidente, António M...M....

A testemunha Carla A... era a condutora do veículo seguro na R.

A testemunha Cátia, acompanhava-a, estando sentada ao seu lado direito.

A testemunha Mário L...M..., primeira testemunha a depor na audiência de julgamento, referenciou-se como seguindo na faixa mais à esquerda, atrás do motociclo, e ter assistido à manobra de mudança de fila de trânsito por parte da condutora do Opel, sendo que, após o sinistro, tendo perguntado ao (aqui) A. “se estava bem”, ter-se-á logo ausentado.
 
Será pelo seu testemunho que se iniciará a reapreciação da prova.
Espontaneamente, logo no início do respectivo depoimento, referiu: «Vinha atrás do senhor da moto, sei que o sinal fechou, e uma senhora num Opel, que ia atrás do autocarro, de repente meteu-se, sem fazer sinal nem nada, o senhor da moto caiu, vinha à minha frente e caiu por causa da senhora …».

Explicitando estas asserções em função das seguintes circunstâncias fácticas: Vinha atrás da moto a 10/15 m dela e estavam a aproximar-se de um sinal que estava fechado, circulando ambos a uma velocidade de 10/15 Km/h.. Foi então que «a senhora saiu detrás do autocarro e veio para o lado esquerdo, meteu-se no espaço  ... o condutor da moto não tinha maneira de evitar». Referindo ainda: «A senhora estava parada atrás do autocarro com o semáforo vermelho»; «na altura não houve embate»; «a moto ia mais ao menos a meio do carro quando a senhora se meteu… a moto desgovernada resvalou com o condutor e bate no carro…»

Sendo esta essencialmente a versão do acidente dada por esta testemunha, atentemos na que é trazida pela condutora do veiculo e pela passageira neste.

A condutora – que demorou algum tempo a referir-se como tal, insistindo antes na sua qualidade de testemunha - «eu aqui estou como testemunha» -, optou por iniciar o relato do sinistro omitindo o que se passara antes de ela própria ter mudado de fila de trânsito, da central para a esquerda, referindo: «Recordo que eu ia na fila mais à esquerda, a meio do autocarro, tinha um autocarro no lado direito, o sinal estava a ficar  vermelho, abrandámos, e sentimos um grande estrondo, saímos assustadas, e vi o senhor Pedro caído no chão… Ele disse que eu tinha mudado de faixa, eu disse que ia minha faixa». Admitiu que «não chegou a ver a moto» e frisou que ainda andou na faixa da esquerda vários metros, 8 /12 m (em função da sala de audiências, a que atribuiu 4 m). Convidada a ler as suas próprias declarações constantes do escrito junto a fls 23 dos autos (intitulado “Declaração manuscrita do acidente”) não conseguiu perceber o que escrevera entrelinhado, referindo estar imperceptível.

À excepção dessa parte entrelinhada, contém esse manuscrito, datado de 26/11/2010, a seguinte “descrição do acidente”:
«Perto da rotunda de Moscavide, vinha no sentido do túnel da Av B...-S... para a dita Rotunda, vinha na segunda faixa (do meio), tinha um autocarro na frente parado, uma vez que tínhamos o sinal vermelho, estando a faixa do lado mais à esquerda vazia, resolvi fazer o pisca pisca para a esquerda e mudar para a dita faixa mais à esquerda e percorri uns metros para a frente (é aqui que se mostra entrelinhado uma expressão que se inicia com «ficando com …», não se percebendo o que se segue), quando de repente, senti um solavanco na traseira da minha viatura  e constatei através do espelho que havia uma mota com o condutor caído, atrás do meu carro. Saí logo, antes fazendo os quatro piscas, com colete vestido e coloquei o triângulo mais atrás, onde estava a mota caída».

A testemunha que seguia ao lado da condutora, Cátia S..., que se referenciou como «colega da condutora», referiu, por sua vez: «Ia no meio, o sinal abriu, a colega foi para a faixa do lado, passado um bocado, bate. O carro não tinha praticamente nada, quando sentiu o embate estavam paradas». Esclareceu que «andamos um bocado, deu tempo para passar o autocarro e ficar mais ou menos à frente do autocarro». Apesar de ter referido que “ia distraída”, disse ter visto o “pisca pisca” e ter visto a colega olhar pelo retrovisor, e quando lhe foi chamada a atenção para essa incongruência, mencionou que «ouviu o pisca pisca» e que a colega «olha sempre pelo espelho».

O agente da PSP, António M...M..., nada adiantou relativamente ao  já constante do croquis junto à participação (cfr fls 19), apenas frisando que «marcas de arrastamento não se confundem com marcas de travagem» e, por isso, quando assinalou no croquis “marcas de arrastamento do veiculo nº 1” – moto – pelo solo,  e referiu na participação serem tais marcas de 16,35 m, foi precisamente isso que viu no local.

Dispõe-se também nos autos da declaração manuscrita e assinada por parte do condutor da moto – cfr fls 21-  igualmente com data de 26/11/2010, dela constando a seguinte «descrição do acidente»:
«Após ter mudado de faixa e de circular na faixa da esquerda já em desaceleração e baixa velocidade, a senhora que se encontrava na faixa central decide mudar de faixa sem fazer sinal (pisca – pisca), como eu me encontrava ligeiramente atras do carro em causa, essa manobra obrigou-me a travar bruscamente e a desviar a direcção da mota, o que originou a derrapagem da roda da frente e a posterior queda da mota e condutor. Toda esta situação se deu à chegada aos semáforos e apesar de ter sido a baixa velocidade devido à sua localização, provocou-me a queimadura do joelho e fractura de osso da mão esquerda». 

Como resulta assinalado nas conclusões das alegações, apenas foi ouvido um perito, André C..., que apesar de ter investigado, segundo referiu, o acidente, e ter elaborado um relatório, este não foi junto aos autos.

Foi ouvido, não exactamente outro perito, mas um gestor de sinistro, Mário N..., que tendo referido não ter ouvido falar da testemunha Mário Maia, depôs no sentido de ter ido a casa do A., talvez 15 dias após o acidente, e este ter apenas reclamado um blusão e calças, não tendo falado das botas ou/e das luvas.

O depoimento da testemunha Mário M... foi realizado de uma forma serena, objectiva, coerente e espontânea. Por outro lado, porque nenhuma ligação apresenta relativamente às partes, ou aos intervenientes no sinistro é, naturalmente, mais isento do que os depoimentos da condutora do veículo e o da sua acompanhante. Que, pelo contrário, não se configuraram como particularmente isentos, completos, ou mesmo claros, além de que revelaram uma preocupação excessiva em referirem o cumprimento dos cuidados estradais exigíveis.

De todo o modo, a versão que estas testemunhas trazem aos autos, à excepção da brusquidão imprimida pela condutora do veiculo na manobra de mudança de direcção, coaduna-se com a versão mais completa do sinistro dada pela testemunha Mário M..., não se vendo, por outro lado, de que modo a posição dos veículos assinalada no croqui possa colidir com a versão oferecida pela referida testemunha Mário M..., desde o momento em que a própria condutora do veículo admitiu que depois de ter mudado da faixa central para a esquerda, andou “um bocado” que, afinal, coincide, pouco mais ou menos, com os metros que correspondem às marcas de arrastamento no solo por parte do motociclo (16,5 m).

Do que se veio de reflectir resulta, como atrás logo se adiantou, que se entende proceder a pretendida impugnação da matéria de facto.

Por isso, alteram-se as respostas à matéria de facto contidas na al f) 1 e 2, respondendo-se, a uma e outra, respectivamente, do seguinte modo:
f)1-O A. seguia, tal como a condutora do PG, na faixa central de tal via, tendo entretanto mudado de faixa, para a da esquerda»;
f)2-«O A. circulava na via de trânsito mais à esquerda, e o veículo seguro na R. na via do meio, quando, a dado momento, de forma repentina e não sinalizada, este último mudou da faixa do meio para a faixa da esquerda, conduta que levou a que o A., para não embater ou ser embatido pelo veículo, desviasse o guiador do motociclo para a esquerda, acabando o motociclo e ele por caírem ao solo, tendo o motociclo, em consequência, sido arrastado pelo pavimento cerca de 16,5 m, até colidir com a traseira do veículo seguro na R.».

Esta matéria de facto implica que o A., procedendo, como procedeu – inflectindo o guiador do motociclo para a esquerda para não embater ou ser embatido pelo veículo - tenha operado o que se costuma designar por manobra de salvamento.

Dario Martins de Almeida [1] caracteriza tal manobra do seguinte modo: «… toda  a manobra pela qual um condutor a quem é imposta uma situação de perigo para a sua vida, manifesto e iminente, cede in extremis a um impulso de auto defesa para minimizar um prejuízo já inevitável ou para se furtar a ele, preferindo por isso entrar em transgressão às regras do trânsito ou causar porventura um dano a outrem, desde que, instintivamente, tenha esse dano por coisa menos grave do que ser atropelado».

Assinala este autor que esta figura aparece inserida no mecanismo do estado de necessidade - «para salvar interesses ou valores em perigo ou ameaçados, o seu titular vai ao ponto de sacrificar os interesses alheios tutelados pela ordem jurídica e vai ao ponto de assumir uma conduta cuja tipicidade é de origem criminal ou contravencional». E acrescenta, citando Eduardo Correia, que «a forma justificadora de tal princípio impõe-se logo que se verifique a adequação da conduta para salvar o bem jurídico em perigo, independentemente de o resultado desejado ser ou não atingido».

Assim, ainda que quem se socorre de uma manobra de salvamento possa por via dela praticar uma infracção estradal, esta justifica-se por ser  imposta ao condutor pela necessidade de evitar um mal maior.

A manobra de salvamento, também chamada manobra de último recurso, imposta pela extrema necessidade de evitar uma colisão, implica que a responsabilidade pelos danos causados recaia sobre quem mediatamente provocou essa manobra, sendo, não obstante, necessário, que tal manobra não tenha sido provocada por falta anterior de quem a ela recorre, antes a mesma se lhe imponha como o único meio de evitar consequências mais graves. 

Podendo falar-se no que a estas manobras respeita, de causalidade sem contacto – a verdadeira causa para a imputação do dever de indemnizar está no acto culposo de quem mediatamente provocou a manobra.

Assim, refere-se no sumário do Ac RP 25/3/1999 [2]Perante um veiculo automóvel que surge, a desfazer uma curva, a curta distância de outro veiculo, ocupando as duas hemi-faixas de rodagem e cortando a linha de trânsito ao outro, é justificado o facto de o condutor deste veiculo guinar para a esquerda para se furtar ao embate frontal, cabendo a responsabilidade pelos danos acusados ao condutor do primeiro veiculo, que provocou a referida manobra de salvamento ou de último recurso».

Ou, no sumário do Ac RP 12/11/2002 [3]: «Guinar para a esquerda, a fim de evitar o acidente, é manobra de salvamento e causa justificativa do facto».

Também na Relação do Porto, Ac 11/3/1993 [4]: «Não pode atribuir-se culpa na produção do acidente de viação ao condutor que, vendo-se em perigo de vida na iminência de embate frontal com veiculo que invadiu a sua faixa de rodagem depois de sair da mão dele, sai por sua vez para a faixa contrária, onde veio a colidir com o outro, que entretanto retomara a mão de transito», falando a respeito destas situações, Dario  de Almeida, de desencontro de reacções, que não impedem que sobre este último condutor recaía toda  a responsabilidade pelo acidente.

Já recentemente, no Ac RG 27/2/2014 [5], assinala-se: «Recai sobre aquele que alega uma manobra de salvamento (“manoeuvre de sauvetage”) o ónus da prova (art 342º/2 CC) dos factos que demonstram não só o escopo de evitar com a prática da transgressão às regras do trânsito a consumação de um dano grave, mas também de que aquela transgressão foi concretamente adequada à prossecução daquele fim».

Na situação dos autos, a súbita inflexão à esquerda pelo A. do guiador do motociclo que conduzia, para evitar embater ou ser embatido pelo veiculo seguro na R. e que o levou a derrapar – para o que concorreu, decerto, a circunstância de o pavimento estar molhado em consequência da chuva que se fazia sentir – fazendo o motociclo cair e arrastar-se até que foi embater no veículo seguro na R., não pode subsumir-se a excesso de velocidade – que nos termos do art 24º/1 do CE ocorre sempre que o condutor  não consegue  fazer parar o veiculo no espaço livre e visível à sua frente. A referida conduta por parte do A. não se configura como ilícita, ou pelo menos não se afigura culposa, antes tendo sido a conduta ilícita e culposa da condutora do veiculo seguro na R., na efectuação da manobra de mudança de via de trânsito, na medida a que a ela procedeu sem tomar as devidas precauções (cfr art 14º/2  21º/1 e 35º do CE),  a causa do sinistro. 

Assim se concluindo pela culpa exclusiva da condutora do veículo seguro na R. na eclosão do acidente, não faz qualquer sentido a ponderação da segunda questão objecto do recurso, que, por isso, resulta prejudicada.

Estando a R. em consequência do contrato de seguro, obrigada a indemnizar o lesado pelos danos resultantes do sinistro, vejamos que danos são esses.

Em consequência do acidente o A, então com 32 anos de idade, sofreu  escoriações várias, particularmente incidentes no joelho esquerdo, e uma fractura na mão esquerda (fractura de Bennett à esquerda), fractura esta que lhe implicou ter sido  submetido de urgência a uma operação cirúrgica para fixação percutânea ao 2º metacarpo com fios de Kirschner. Regressou a casa três dias depois, com a mão esquerda engessada, com dores e escoriações. Após a remoção do gesso – o que só sucedeu cerca de dois meses depois e lhe determinou entretanto a total imobilização dessa mão - sujeitou-se a 15 sessões de fisioterapia, que tiveram início em 17/1/2011 e  final a 8/2/2011, destinando-se as mesmas à recuperação da normal mobilidade da mão esquerda. Esteve de baixa médica por um período de 102 dias (desde 26/11/2010 a 7/3/2011). Durante este período, tendo beneficiado de um subsídio de doença concedido pela Segurança Social, no valor total de € 10.683,09, teve perdas salariais no valor total de € 12.470,91. A título de taxas moderadoras pagou € 27,65. A R. fez peritagem ao motociclo e estabeleceu que a reparação do mesmo teria um custo de € 1700,00. Em 16/12/2010, a R. procedeu à avaliação parcial do vestuário que o A. envergava na altura do acidente e que ficou destruído, tendo avaliado estes danos num custo total de € 80.
 
O A. pede na acção 1700,00 € para a reparação do veiculo; 1.020,00 €, por ter ficado impossibilitado de se mover por meios próprios desde a data do acidente – 26/11/2010 - até à alta definitiva, ocorrida em 8/3/2011 – valor a que chega em função da importância diária de 10 €, que tem por equitativa, na medida em que não guardou comprovativos dos custos que despendeu em transportes alternativos; 195,00 € relativos à roupa e calçado destruída no acidente, fazendo incluir as botas e as luvas, para além do blusão e calças; 27,25 € de taxas moderadoras; 12.470,91 € relativos a perdas salariais; e 8000 €, no mínimo, relativos a danos não patrimoniais.

A partir do momento em que a R. fez peritagem ao motociclo e estabeleceu que a reparação do mesmo teria um custo de € 1700,00, o respeito pelo princípio da reparação integral dos danos sofridos pelo lesado, implica a ressarcibilidade pela R. do dano em referência, não obstando à mesma a circunstância de o A., em Junho de 2012, segundo alega, ter ordenado a reparação parcial do motociclo para o colocar em condições mínimas de circulação. Não há aqui qualquer enriquecimento sem causa por parte do A., haveria, sim, por parte da R., se o valor em causa não fosse atribuído ao lesado.

Sendo manifesto, em função das lesões que o acidente lhe implicou, que o A ficou desde a data do acidente – 26/11/2010 – até à data da alta – 8/3/2011 – sem condições para conduzir, necessitando, consequentemente, para se deslocar (entre o mais, para consultas e tratamentos) de ser transportado por outros, mereceria o mesmo ser ressarcido relativamente ao custo dos transportes públicos que para o efeito terá utilizado, constituindo este um dano patrimonial, ressarcimento a que se somaria o dano não patrimonial decorrente dos favores que terceiros lhe terão prestado para o transportar. Estão aqui em causa ainda prejuízos subsumíveis ao mais vasto dano por privação de veículo, não se vendo que nada obste à sua ressarcibilidade em termos equitativos, como o A. pede, quando os computa em função de uma indemnização mínima diária de 10 €. Entende-se, também em sede de equidade, e ponderando o valor não despendido pelo A. com o transporte próprio a que recorreria se não fora o sinistro, indemniza-lo, a este nível, com a atribuição de uma compensação no valor de 500.00 €.

Relativamente aos danos com o vestuário inutilizado, desde o momento em que em 16/12/2010 a R. procedeu à avaliação parcial do vestuário que o A. envergava na altura do acidente e que ficou destruído, tendo avaliado estes danos num custo total de € 80, não sendo certo que as luvas e botas que o A. (necessariamente) envergaria na altura,  tenham resultado inutilizadas, apenas se indemnizará o A. em função daqueles 80 €. Com efeito, é ao lesado que cumpre a prova do dano (art 342º/1 CC), e caso não consiga libertar-se do encargo dessa prova, intervém a regra de julgamento representada pelas normas sobre a distribuição do ónus da prova: a questão de facto correspondente é resolvida contra o lesado (art 346º in fine CC).

Já o valor despendido com taxas moderadoras e o valor correspondente às perdas salariais deverão, naturalmente, ser restituídos ao A., configurando-se como absolutamente razoável o cálculo destes últimos danos em função  dos valores médios dos complementos salariais, dada a incerteza dos reais valores desses complementos no período de tempo considerado se não fora o sinistro, por serem sempre incertos na retribuição laboral do A. os valores desses complementos.

Relativamente aos danos não patrimoniais – que, como é sabido, são  insusceptíveis de avaliação pecuniária, por estarem em causa nos correspondestes  prejuízos, bens  de natureza  espiritual, ideal ou moral, e não bens de natureza patrimonial – estando em causa como estão danos com suficiente gravidade – art 496º CC- e danos reportáveis a lesões de direito de personalidade  - dores, graves incómodos, angústia em relação ao futuro, dependência de terceiros por lesado jovem - entende-se, em sede, necessariamente, de equidade, e tenho em consideração os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos, considerando que o A. não resultou incapacitado para futuro, configurar-se como compensação adequada dos mesmos,  o valor de € 6.000,00.

Consequentemente, atribuir-se-á ao A. a indemnização global de € 20.778,00, na qual, a importância de € 14.278,00, vencerá juros desde a citação, e a remanescente de € 6.500,00 (cuja fixação se operou por via da equidade), de juros desde a data da presente decisão.

V-Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de € 20.778,00, acrescida, a de € 14.278,00, de juros desde a citação, e a de € 6.500,00, de juros desde a data da presente decisão.

Custas na 1ª instância e nesta, pelo A. e pela R., na proporção do decaimento.    

      
Lisboa, 10 de Novembro de 2016  



Maria Teresa Albuquerque
Jorge Vilaça                                             
Vaz Gomes



[1]-«Manual de Acidentes de Viação», 1980
[2]-Relator, Pinto de Almeida
[3]-Relator, Lemos Jorge
[4]-Relator, Coutinho de Azevedo
[5]-Relator, Edgar Valente