COMPROPRIETÁRIO
DESPEJO
Sumário

-O comproprietário, sozinho ou desacompanhado dos demais, só como administrador pode pretender resolver o contrato de arrendamento ou intentar acção de despejo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam em Conferência os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


M... e mulher, M..., J... e mulher M... e A..., com os sinais nos autos, vieram em 2 de Julho de 2015, com a ref. 20281036, apresentar no Balcão Nacional do Arrendamento, requerimento para procedimento especial de despejo (PED) contra M..., Lda., argumentando e pedindo no seguintes termos:

1.Os Requerentes são os legítimos comproprietários de metade (1/2) de uma fracção autónoma individualizada pela letra "A", unidade destinada a comércio ou serviços, a qual se acha dividida em vinte e sete lojas separadas entre si, por paredes a bloco e vidro, dois lavabos, sendo um situado no rés-do-chão e outro na cave, fracção localizada no rés-do-chão e cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado "Edificio A Torre", no quarteirão formado pela Avenida Dr. ... ... de ... para onde tem o número quatro de policia, pela Rua ... ... para onde tem os números trinta e oito a quarenta e dois de policia, e pela Rua ... ... para onde tem os números vinte e cinco e vinte e sete de polícia, inscrito na matriz predial sob o artigo 1...-A, da freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número 4...-A da referida freguesia, prédio ao qual foi atribuída a licença de utilização nº ... de 23 de Fevereiro de 1985, emitida pela Câmara Municipal do Funchal.

2.A Requerida é uma sociedade comercial por quotas constituída por escritura pública ..., inscrita ..., com a denominação originária de T... Limitada, que foi sucessivamente alterada para C... Lda. e posteriormente para M.... Lda., sendo esta última a sua denominação actual.

3.Entre os Requerentes e outros, de uma parte, e a Requerida, por outra parte, foi celebrado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, cujo objecto é a referida fracção autónoma, destinando-se exclusivamente a um centro comercial em sistema de comércio integrado, pelo prazo certo de 1 (um) ano, com início a 1 de Julho de 1984, tendo ficado convencionado que o mesmo se renovaria sucessivamente por iguais períodos enquanto não houvesse denúncia.

4.A renda mensal devida pela Requerida era inicialmente no montante de 850.000$00, o que equivaleria nos dias de hoje a €4.239,78, tendo esta renda sido alterada por acordo das partes para o montante de 2.400.000$00, o que equivaleria nos dias de hoje a €11.971,15, tendo ainda sido acordado que o pagamento da renda seria efectuado mensalmente até ao dia 20 (vinte) do mês a que dissesse respeito.

5.Em virtude das sucessivas actualizações anuais, a renda acima referida foi de €17.938,70 em 2013, de €18.116,29 em 2014, sendo esta a renda que actualmente vigora.

6.Na qualidade de proprietários de metade da fracção acima identificada, os Requerentes têm direito a receber metade da renda mensal fixada, pelo que os Requerentes tinham o direito de receber, mensalmente, €8.969,35 em 2013, €9.058,15 em 2014, e €9.058,15 em 2015.

7.A Requerida não cumpre a obrigação de pagamento de renda desde Fevereiro de 2013, pelo que estão em dívida 31 meses de rendas, correspondentes aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2013, Janeiro a Dezembro de 2014 e Janeiro a Agosto de 2015.

8.Face à mora da Requerida, que é fundamento de resolução do contrato de arrendamento por parte dos senhorios, os Requerentes procederam à notificação judicial avulsa da Requerida, pela qual lhe comunicaram quer o montante em dívida quer a resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo, por falta de pagamento das rendas, nos termos e para os efeitos do disposto no n.o 3 do artigo 1083.° do CC.

9.A referida notificação foi efectuada no dia 30 de Julho de 2015, não tendo a Requerida procedido, dentro do prazo legal de 30 dias, ao pagamento da totalidade da quantia em dívida acrescida da indemnização devida.

10.Nestes termos, a cessação do referido contrato operou no dia 30 de Julho de 2015, sendo que a desocupação do mesmo era devida até ao dia 30 de Agosto, o que não sucedeu.

11.Dos montantes referidos no ponto 7, já foi requerida a execução para pagamento de quantia certa referente às rendas dos meses de Fevereiro a Dezembro de 2013, e de Janeiro a Dezembro de 2014.

12.Pelo que é devida aos Requerentes a quantia de €72.465,17 a titulo de rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora a contra da data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento, e que na data do presente requerimento são no montante de €956,94.

13.Além disso, são devidas aos Requerentes todas as rendas que se vierem a vencer na pendência do procedimento especial de despejo até efectiva entrega do locado, acrescidas dos juros à taxa legal em vigor, desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento e/ou até efectiva entrega do locado.

Juntaram documentos.

Entre esses documentos avulta a notificação judicial avulsa referida, promovida pelos mesmos Requerentes, contra a Requerida, M... LDA., nos termos da qual foi esta notificada:
(…) nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 1083.° e do nº 2 do artigo 1084.° do CC e do nº 7 do artigo 9.° da Lei 6/2006, de 27/02, notificando-a de que:
1.Pela presente notificação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14º-A e no nº 5 do artigo 15.°, ambos da Lei 6/2006, de 27/02, os Requerentes, na qualidade de senhorios, comunicam à Requerida, na qualidade de arrendatária, que se encontram em dívida as quantias referentes às rendas vencidas e não pagas no montante de € 261.709,49 (duzentos e sessenta e um mil, setecentos e nove euros, quarenta e nove cêntimos), montante ao qual acresce a quantia de € 130.854,74 (cento e trinta mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros, setenta e quatro cêntimos), a título de indemnização pela falta de pagamento da renda nos 8 (oito) dias seguintes a contar da data de vencimento de cada uma das mesmas, de acordo com o disposto no artigo 1041.° do CC, assim como o montante dos juros à taxa legal em vigor desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento e que na data da presente notificação judicial são no valor de € 12.234,08 (doze mil, duzentos e trinta e quatro euros, oito cêntimos).
2.Pela presente notificação avulsa é resolvido, com efeitos a partir da data de recepção da presente notificação, o contrato de arrendamento para fins não habitacionais, melhor identificado no artigo 2º do presente articulado, nos termos e para os efeitos do disposto nos nº 3 do artigo 1083º do Código Civil.
3.Em consequência da produção de efeitos da resolução, deve proceder ao despejo do imóvel que actualmente ocupa e entregá-lo aos Requerentes, livre e desocupado de pessoas e bens, e no estado em que o mesmo se encontrava à data de início do arrendamento, no final do mês posterior à data de recepção da presente notificação, nos termos do disposto no artigo 1087º do Código Civil.

A Requerida deduziu oposição, arguindo, entre outras, a ineficácia da comunicação da resolução do contrato de arrendamento firmado entre as partes.

Em face da oposição foram os autos apresentados à distribuição.

Foi ordenada a notificação dos Requerentes para se pronunciarem quanto às excepções arguidas, tendo vindo eles a pugnar pela improcedência das mesmas.

O processo teve ainda outros desenvolvimentos não totalmente perceptíveis na versão em papel.

A Requerida tem efectuado depósitos nos autos.

Conclusos os autos a 14 de Junho de 2016, é prolatado despacho saneador, com a ref. 42269242, a fls. 256, e com ele conhecida da excepção dilatória inominada invocada pela Requerida.

Para a apreciação de tal excepção deram-se como assentes os seguintes factos:
1.No dia 2 de Julho de 2015 deu entrada em juízo notificação judicial avulsa na qual se lê: "M..., N1F ..., e mulher, M..., NIF ..., casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes ...; J..., NIF ... e mulher M..., NIF ..., casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes ...; A.., NIF ..., solteiro, maior, residente ..., doravante designados por Requerentes, Vêm, nos termos e para os efeitos do n. ° 2 do artigo 1084. ° do Código Civil (CC), da alínea a) do n.o 7 do artigo 9.° da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14/08 e do artigo 256. ° do Código de Processo Civil (CPC) requerer a NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA de M.... LDA., NIPC ..., sociedade por quotas com sede ..., doravante apenas designada por Requerida, (...) Termos em que os Requerentes, estando a Requerida em mora no pagamento das referidas rendas, vêm pela presente notificação resolver o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo, por falta de pagamento das rendas, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 1083.° do CC."
2.Dos documentos autênticos juntos aos autos denominados "Arrendamento" e "Alteração de arrendamento", outorgados respectivamente 10.09.1985 e 14.2.1997, constam como outorgantes na qualidade de senhorios: "M... (que também usa M...) e consorte M...; M... e consorte M...; J... e consorte M...; J... e consorte M...; J... e consorte M...; J... (por si e em representação de A...) e consorte M... e J... e consorte M ..." e na qualidade de arrendatária, a sociedade comercial C... Lda. devidamente representada."
3.O bem objecto dos escritos referidos em 2. é a fracção autónoma individualizada pela letra “A”, unidade destinada a comércio ou serviços, a qual se acha dividida em vinte e sete lojas separadas entre si, por paredes a bloco e vidro, dois lavabos, sendo um situado no rés-do-chão e outro na cave, fracção localizada no rés-do-chão e cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado "Edificio A Torre", no quarteirão formado pela Avenida Dr. ... ... ... para onde tem o número quatro de polícia, pela Rua ... ... para onde tem os números trinta e oito a quarenta e dois de policia, e pela Rua ... ... para onde tem os números vinte e cinco e vinte e sete de polícia, inscrito na matriz predial sob o artigo 1...-A, da freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número 4...-A da referida freguesia, prédio ao qual foi atribuída a licença de utilização n. ° ... de 23 de Fevereiro de 1985, emitida pela Câmara Municipal do Funchal.
4.O direito de propriedade da fracção referida em 3. encontra-se registado (quotas diversas do mesmo) a favor de M... (que também usa M...) e mulher M...; J... ; J... e mulher M...; M... e mulher M...; J... e mulher M...; J... e mulher ...; J... e mulher M...; A...

Em sede de aplicação do direito considerou-se nomeadamente que compulsada a comunicação utilizada para a cessação extrajudicial do contrato – notificação judicial avulsa) verifica-se que foi subscrita por apenas uma parte dos senhorios/ comproprietários, ou seja, os mesmos que requereram, na sua sequência, o PED. Ora, pelo supra exposto, a comunicação é manifestamente ineficaz, por inobservância do requisito da unanimidade prescrito no citado normativo do artigo 11º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, a qual é plenamente aplicável in casu, e a qual é explícita, taxativa e imperativa, não prevendo nem admitindo qualquer tipo de excepção.
Entendeu-se que tal situação configura uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do nº 2 do art. 576º, 577º  e 578º, todos do NCPC (2013).

Por isso se determinou a absolvição da Requerida da instância.

Inconformados, recorrem os Requerentes, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Conclusões de recurso dos Requerentes:
Os Requerentes motivam a sua apelação. Apresentam conclusões.

Impugnam a decisão da matéria de facto.

Há que ver porém o seguinte: decidido apenas a absolvição da instância pelo facto da notificação judicial avulsa não ter sido requerida pela totalidade dos comproprietários da fracção objecto de arrendamento comercial à Requerida.

A este segmento decisório e a esta fundamentação se limita a matéria a conhecer no tribunal superior. Algo mais será sempre matéria nova.

Há que resumir ao essencial o que portanto é útil da conclusão da minuta do presente recurso:

Em sede de factos os Requerentes pretendem: 
A- que o nº 4 dos factos assentes passe a ter a seguinte redacção:
" O direito de propriedade da Facção referida em 3 encontra-se registado a favor de:
a   M... (que também usa M...) e mulher M... na proporção de 1/6;
b.J... e mulher M... na proporção de 1/6;
c.M... e mulher M... na proporção de 1/6;
d.J... e mulher M... na proporção de 1/12;
e.J... e mulher M... na proporção de 1/12;
f.J... e mulher M... na proporção de 1/12;
g.A..., na proporção de 1/12;
h.J... e mulher M... e A... na proporção de 1/6."

B-que se adite o seguinte:
5. " À data da apresentação da notificação judicial avulsa, os únicos sócios da sociedade M... Lda. são M..., casado com M..., J..., casado com M..., J..., casado com M..., e J..., casado com M... "
Em sede de direito, em síntese, dizem:

1-O Tribunal a quo utilizou para fundamentar e completar a sua decisão um acórdão (Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 01/07/2014, na base de dados do ITIJ (proc. 3084/13.8YLPRT.Ll-7 - Cristina Coelho)) cuja aplicabi1idade ao presente caso foi especificamente impugnada, já que a situação tratada no mesmo é substancialmente diferente da do presente processo, não existindo qualquer identidade, entre os factos alegados e situações jurídicas identificadas em cada um dos processos.

2-O Tribunal a quo não pode retirar conclusões daquele acórdão para aplicar ao presente caso, por as premissas assim não o permitirem:
a)A causa daquele acórdão é a discussão sobre o conflito dos direitos de propriedade e de usufruto face a uma denúncia para realização de obras.
b)A causa do presente processo é a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelos comproprietários.

3- A comunicação efectuada pelos Requerentes/Recorrentes não é "manifestamente ineficaz" (sic), já que existem outras questões de facto e de direito que, tendo sido alegadas, não foram apreciadas pelo Tribunal a quo e que, a serem tidas em conta, levam a concluir pela eficácia da notificação.

4-A jurisprudência dos Tribunais Superiores são maioritariamente no sentido contrário, sendo mesmo assente que um comproprietário tem legitimidade e capacidade para, desacompanhado dos outros com proprietários, pedir a resolução de contrato de arrendamento urbano e demandar o arrendatário numa acção de despejo, dado tratar-se de acto de administração. (negrito e sublinhado nossos)

5-É também assente que não é desejável razoavelmente, impor uma pluralidade activa, inviabilizando, na prática, o exercício do direito, pelo que não se afigura curial, nem praticável, que todos os consortes tivessem que vir à acção, fazer declarar um direito material.

6-Vide Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2003, processo n.o 03B811; do Tribunal da Relação do Porto de 24/06/1999, processo n.o 0032866; de 06/12/1990, processo n.o 9050688; e de 23/10/2001, processo n.o 0120983, todos disponíveis no site da dgsi.net.

7-Esta mesma posição é a que tem correspondência mínima na lei: o n.o 1 do artigo 1407º do CC dispõe que "É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985º ... ", que prevê que " ... todos os sócios têm igual poder para administrar. "

8-O n.o 1 do artigo 1407.0 do CC dispõe ainda que" ... para que haja a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas. "

9-Nos poderes de administração incluem-se aqueles que visam a valorização e protecção do património, que são os objectivos principalmente visados com a resolução do contrato e com o despejo, assim como o direito de resolver o contrato (judicial e/ou extrajudicialmente) e a legitimidade substantiva e processual para, por si sós, requererem o despejo, com fundamento na falta do pagamento das rendas.

10-Quanto à questão da maioria exigida pelo artigo 1407º do CC, a presente acção foi proposta por 3 dos comproprietários, representando estes comproprietários metade do valor total da propriedade, já que a soma das quotas-partes de cada um deles é de 3/6, posição foi também acolhida e expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2005, processo nº 05BI057, disponível no mesmo site.

11-Existindo uma situação que prejudica todos os proprietários (a falta de pagamento de renda a todos os comproprietários), a maioria deles pode actuar e proceder à resolução do contrato para todos eles e exigir do inquilino faltoso o pagamento das rendas em atraso.

12-No presente caso existe um conflito de interesses, verificado por os comproprietários que não subscreveram a notificação judicial avulsa serem também os únicos sócios da sociedade Requerida/Recorrida.

13-O conflito de interesses ocorre quando uma pessoa demonstra um interesse secundário no resultado de determinada acção, sendo esse interesse contrário ao de outra pessoa e ocorre principalmente nas questões económicas, onde uma das partes tendem a ganhar lucro, enquanto a outra sai no prejuízo.

14-Nos presentes autos, verifica-se que os restantes comproprietários (de metade do prédio) são também os sócios da Requerida (e devedora) e que esta e os seus sócios não fazem qualquer distinção entre as esferas jurídicas da sociedade e dos seus sócios (que também são senhorios), actuando na relação arrendatária em consequência, pondo em causa os direitos e legítimos interesses legalmente protegidos dos Requerentes (os outros comproprietários).

15-Os comproprietários que também são sócios da Requerida não têm interesse nem em pagar nem em que a sua sociedade seja despejada, o que gera um conflito com o interesse de todos os proprietários, já que o interesse primordial de todos comproprietários, perante a cedência de gozo de um imóvel, é receber a respectiva contrapartida.

16-Na avaliação dos interesses e na aplicação da lei, o aplicador tem que ponderar os princípios jurídicos, como o princípio da imparcialidade, o princípio da proporcionalidade e o princípio da boa-fé.

17-Não é proporcional exigir aos Requerentes/Recorrentes que obtivessem o assentimento de todos os restantes, já que os mesmos estão numa situação de conflito de interesses e não têm o discernimento e distanciamento necessário para tomar tal decisão.
18-Caso o sistema considerasse que tal exigência teria de ser aplicada, então isso conduziria a uma situação na qual os Requerentes/Recorrentes são proprietários de um imóvel, arrendaram o mesmo mediante o pagamento de uma contrapartida mensal, o arrendatário explora um estabelecimento aberto ao público do qual retira proveitos, mas deixou de pagar a renda devida por essa ocupação e não desocupa o locado, está a enriquecer à custa dos Requerentes e estes nada podem fazer para defender os seus interesses e os dos seus comproprietários, já que estes são ao mesmo tempo senhorios e sócios da arrendatária e não têm interesse nem em pagar a renda nem em proceder à resolução do contrato e despejo do locado, o que constitui uma verdadeira injustiça contrária ao sistema, e que este não pode permitir.

19-Esta situação deve ser resolvida de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1407.° do CC, que manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985.° do CC, o que significa que, a propósito da compropriedade, a lei manda aplicar regras relativas às sociedades.

20-Desta remissão legal resulta que as situações de compropriedade e de sociedade podem ser configuradas como situações análogas, ou seja, uma situação em que cada comproprietário é considerado como um sócio na titularidade da propriedade (sendo a propriedade nesta caso encarada como a sociedade), detendo uma quota dessa propriedade, à qual estão inerentes direitos, deveres, ónus e impedimentos.

21-Nesta concepção, o objecto principal e o interesse primordial do sócio/comproprietário é o gozo próprio do seu bem e, nos casos em que existe a cedência de tal gozo, é receber a respectiva contrapartida.

22-Um dos impedimentos é precisamente o impedimento de voto por existência de conflito de interesses (que, como acima se evidenciou, existe no presente caso), ou seja, existindo interesses próprios, morais ou materiais, do sócio/comproprietário no exercício do direito de voto, a lei considera que o mesmo não pode votar nem influenciar o resultado da votação sobre tais assuntos.

23-O impedimento do direito de voto, em caso de conflito de interesses, surge como um mecanismo de prevenção ao abuso do direito, tendo em vista prevenir situações em que o sócio/comproprietário se depara com uma situação de conflito de interesses, entre os seus interesses, próprios e pessoais, e os interesses da sociedade, tendo em conta que o sócio/comproprietário tem o dever de agir de acordo com a lei, com os estatutos sociais e deve ter em conta o fim social.

24-O sócio/comproprietário, ao subordinar o exercício dos seus direitos aos seus interesses particulares, prejudica a sociedade e os restantes sócios/comproprietários, o que o leva a incorrer numa situação de abuso e a afastar-se do interesse social, sendo esta uma descrição perfeita da situação que se verifica na situação dos presentes autos entre Requerentes/Recorrentes e Requerida/Recorrida, conforme acima já se descreveu (os únicos sócios da Requerida são também sócios/comproprietários do imóvel).

25-VAZ SERRA (RLJ, 108.°, p.244) faz, a este propósito, apelo aos ditames da boa-fé e aos bons costumes que, no caso concreto, impeçam o sócio/comproprietário de votar sempre que este tenha um interesse oposto ao da sociedade.

26-(…) Há também conflito de interesses, quando estes são opostos, de tal modo que um deles não possa ser satisfeito sem o sacrifício do outro ou que quando existe possibilidade de a deliberação satisfazer o interesse particular do sócio/comproprietário em detrimento comum.

27-Não podem ser admitidas as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios/comproprietários de conseguir, através do não exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios/comproprietários ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes.

28-Perante a "dúplice posição" em que o sócio/comproprietário está colocado, este não está em condições de ajudar a formar a verdadeira e correcta vontade social, donde se conclui que no caso dos presentes autos, M..., J..., J..., e J..., únicos sócios da Requerida, e, ao mesmo tempo, sócios/comproprietários da imóvel, que em conjunto detêm 3/6 do mesmo, encontrando-se em situação de conflito dos seus próprios interesses e dos seus restantes comproprietários com os interesses da sociedade da qual são os únicos sócios, estavam impedidos de participar na tomada de decisão acerca da resolução do contrato de arrendamento que a Requerida/Recorrida incumpriu.

29-Mesmo quando se considerasse exigível a unanimidade dos comproprietários, o que por mero dever de patrocínio se admite, a comunicação para resolução extrajudicial do contrato foi efectuada por unanimidade dos comproprietários que não se encontram numa situação de conflito de interesses, pelo que todos os requisitos legais se encontram observados.

30-Por unanimidade, os comproprietários acima referidos e conforme resulta da alínea a) do nº 7 do artigo 9.° do NRAU, procederam à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas (artigos 1083.° e 1084.° do CC) que operou por notificação judicial avulsa.

31-A Requerida poderia ter-se defendido da resolução do contrato, efectuada pela notificação judicial avulsa, através do modo que legalmente lhe é conferido, expressamente previsto.

32-(…) O Tribunal a quo está a negar aos Requerentes, ora Recorrentes, o exercício de um direito que lhe é assegurado por lei (o direito receber as rendas devidas e a resolver o contrato quando tal pagamento não é efectuado).

33-A negação do exercício desse direito consubstancia a negação do direito fundamental e estruturante de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que o Tribunal a quo violou.
Concluem pela improcedência da excepção dilatória inominada.

A Requerida contra-motiva, pugnando pelo acerto da decisão recorrida.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III-OBJECTO DO RECURSO.
 
As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação são:
1-saber que factos ter em conta;
2-sobre se cabia ou não proferir a decisão recorrida.

IV-mérito do recurso.

1ª-questão.
Os Apelantes pretendem alterar a redacção do ponto 4 dos factos com base no teor da certidão do registo predial da fracção objecto do arrendamento, que especifica a quota de cada comproprietário. Com inteira razão.
Pretendem ainda acrescentar o facto nº 5 com a redacção proposta com base no teor da certidão do registo comercial da Requerida.
Com inteira razão, por eventualmente ter interesse para a boa solução da causa.
Por isso, os factos a ter em conta são a resenha fáctico-processual do relatório deste acórdão e o elenco de factos dado por provado, com a alteração e o aditamento agora deferidos.

2ª-questão.
O actual artigo 1083º do CC, que dispõe sobre a resolução e seus fundamentos do contrato de arrendamento, tem a redacção introduzida pelo artigo 3º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Com a actual redacção a lei prevê um conceito genérico e indeterminado de incumprimento como fundamento da resolução do contrato, tanto pelo arrendatário, como pelo senhorio, fazendo a enumeração meramente exemplificativa, nos nºs 2 e 3, dos fundamentos da resolução pelo senhorio, e a indicação também a título exemplificativo, no nº 4, de uma específica situação fundamento de resolução pelo arrendatário. Cfr. Arrendamento Urbano, de Laurinda Gemas e Outros, 3ª edição, Quid Júris, pág. 367.
Tem-se igualmente entendido que basta a falta de pagamento de uma única renda para fundamentar a resolução do contrato, mesmo que o arrendatário cumpra o pagamento das rendas posteriores, ou dos encargos, ou despesas. (…) cfr. artigo 1075º do CC. Quanto à duração da mora , no caso da resolução extrajudicial , é necessário que a mora tenha duração superior a três meses, como resulta do artigo 1083º, 3, 1ª  parte, que deve ser conjugado com o artigo 1084º, 1. A falta de pagamento da renda em casos de mora inferior a três meses pode fundamentar a resolução do contrato, mas deverá operar por via judicial, tendo de ser decretada em acção de despejo - cfr. artigo 1084º, 2 do CC e 14º do NLAU. Obra referida, pág. 376.
O propósito do legislador não foi de pretender tornar mais difícil ao senhorio a resolução do contrato. Antes se pretendeu facilitá-la, abrindo a possibilidade de operar extrajudicialmente, portanto, com dispensa do prévio controlo judicial – relegado para eventual oposição à execução.

Daqui resulta o seguinte: a falta do pagamento de renda, independentemente do número de rendas em atraso e da duração da mora, é susceptível de constituir fundamento da resolução do contrato, integrando a cláusula geral do artigo 1083º, 2 do CC. Se a mora for superior a 3 meses, a resolução pode operar judicial ou extrajudicialmente. Se igual ou inferior a 3 meses, a resolução só pode operar por acção de despejo com fundamento na falta do pagamento da renda. Obra referida, pág. 377.

O senhorio tem portanto desde 26 e Junho de 2006 a faculdade de promover a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento por motivo da falta de pagamento de renda, quando a mora é superior a três meses, a efectivar-se por comunicação nos termos do artigo 9º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro. Se o arrendatário não puser termo à mora nem entregar o arrendado, o senhorio terá de exercer a acção executiva.   

A notificação pelo senhorio é a efectuar por notificação judicial avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador, ou solicitador de execução - artigo 9º, 1 e 7 da Lei nº 6/2006.

A notificação produzirá efeitos a partir da data da assinatura do original da comunicação.

A comunicação pelo senhorio visa dar a conhecer ao arrendatário o valor das rendas que o senhorio considera estarem em dívida, de modo a permitir que aquele possa efectuar o seu pagamento, evitando assim a respectiva acção executiva - Ac. do TRC de 21-4-2009, proferido no p. n 7864/07.5TBLRA-B.C1, consultável no site da dgsi.net

No caso dos autos os Requerentes, na qualidade de senhorios, promoveram a comunicação à Requerida, com vista à resolução do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, cujo objecto é a fracção “A”, através de notificação judicial avulsa.

A Requerida não desocupou o locado, e os Requerentes, vieram deduzir procedimento especial de despejo (PED). 

Efectivamente dispõe o artigo 15º, 1, e) da Lei nº 6/2006, poderem servir de base à execução para entrega de coisa certa o contrato de arrendamento e a comunicação resolutória.

E os ora Requerentes instruíram o PED com o contrato de arrendamento, uma alteração ao mesmo, ambos titulados por escritura pública, e a notificação judicial avulsa da Requerida por eles promovida.

Mas dispõe o artigo 11º, 1 da Lei nº 6/2006:- havendo pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente.

Escreve-se na decisão recorrida que o nº 1 tem subjacente a regra da unanimidade em relação às comunicações por iniciativa dos senhorios visando evitar que algum ou alguns deles pudessem isoladamente introduzir modificações na relação de arrendamento passíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de todos.

Escreve-se na decisão recorrida que a comunicação utilizada para a cessação extrajudicial do contrato em causa (notificação judicial avulsa) foi subscrita por apenas uma parte dos senhorios/comproprietários, ou seja, os mesmos que requereram, na sua sequência, o PED.

O Sr. Juiz entendeu que a comunicação é manifestamente ineficaz, por inobservância do requisito da unanimidade prescrito no citado normativo do n. ° 1 do artigo 11º, o qual é plenamente aplicável in casu.

O Sr. Juiz entendeu que o BNA procedeu ao indevido recebimento do requerimento especial de despejo por no caso, não se mostrem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização.

Por isso entendeu que a falta desses pressupostos levava à absolvição da instância, nos termos do n.o 2 do art. 576º, 577º e 578º, todos do NCPC (2013).

Que dizer?

Efectivamente a fracção arrendada pertence em compropriedade a vários consortes, com quotas definidas, sendo que o equivalente a metade pertence aos Requerentes, requerentes igualmente da notificação judicial avulsa, e a outra metade, está ausente da notificação judicial avulsa, mas ligada ao capital social da Requerida (são sócios da Requerida os seguintes: M..., com 1/6 da fracção arrendada, J... com 1/6 da fracção arrendada, J... com 1/12 da fracção e J... com 1/12 da fracção ). Portanto os Requerentes detêm a fracção arrendada em 50% do seu valor e os sócios da Requerida, são igualmente comproprietários da fracção nos restantes 50%.

Pergunta-se:a notificação judicial avulsa do artigo 9º, 1 e 7 da Lei nº 6/2006 deve ser subscrita por todos os consortes quando o arrendado é detido em compropriedade, por referência ao artigo 11º?

Responde-se que à partida parece ser assim, uma vez que estamos face a uma pluralidade de senhorios. O nº 1 do artigo 1405º do CC também constitui argumento ao dispor que os comproprietários exercem em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular.

A interpretação da norma não pode deixar de ir no sentido de exigir que no título estejam da parte dos senhorios e da parte dos arrendatários as pessoas, ou os seus representantes, necessárias para alcançar o fim em vista, o efeito útil do procedimento executivo. E como estamos perante um contrato, esta interpretação exigia que estivessem no título de um lado os senhorios, e do outro a arrendatária, pois pessoas jurídicas diferentes, e com diferente titularidade na relação contratual.

Mas há um outro aspecto. Segundo o nº 2 do artigo 1405º do CC cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum.

Esta norma já se aplica às acções reais, mas não às acções de despejo. 

Nos termos do artigo 1024.°, 1, do Código Civil (A locação como acto de administração): A locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos.

O comproprietário, sozinho ou desacompanhado dos demais, só como administrador pode pretender resolver o contrato de arrendamento ou intentar a acção de despejo.

No caso dos autos, os Requerentes, quer no PED, quer na notificação judicial avulsa, agem por si, coligados, mas não na qualidade de administradores – cfr. artigo 1407º do CC.
Assim improcede a apelação.

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, decide-se neste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes, ora Requerentes. Dispensa-se do pagamento do remanescente  - artigo 6º, 7 do RCP.
Valor da causa: € 688.419,02- cfr. fls. 260.



Lisboa, 10 de Novembro de 2016.


                   
Rui  António Correia  Moura                                                        
A. Ferreira de Almeida
              
Catarina Arelo Manso  (Vencida.  Nos termos do art. 1407º do C.C., nºs 1, 2 e 3, entendo que os autores podiam estar em juízo desacompanhados dos restantes comproprietários, para prosseguirem com a acção de despejo. Assim, deveria proceder o recurso)