MÉDICO
CLÁUSULA CONTRATUAL
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário

I-O artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, consagra a teoria da impressão do destinatário.
II-A nulidade da cláusula inserta em negócio jurídico decorrente do disposto no art. 280º nº 1 do Código Civil, é de conhecimento oficioso (art. 286º do mesmo diploma).”
III-Uma mesma cláusula contratual não pode ser, a um tempo, cum potuerit…e cum voluerit”.
IV-Todavia , se isso suceder tal não implica sem mais a respectiva nulidade , mas antes a redução do negócio nos moldes contemplados no artigo 292º que estatui:
( Redução)
A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
V-O ónus da prova de uma vontade conjectural no sentido oposto a uma redução do negócio incumbe ao contratante que pretenda a invalidade total do negócio.
VI-Nos casos de dúvida quanto ao conteúdo da vontade conjectural de redução de um negócio jurídico deve funcionar o critério adoptado pelo artigo 292º do CC.
Como tal a redução só não se verifica quando se prove uma vontade hipotética ou conjectural que a ela se oponha , na dúvida sobre o seu conteúdo , o negócio reduz-se.
VII-O principio da igualdade contemplado no nº 1º do artigo 59º da CRP por um lado não se equipara a igualitarismo e por outro também não logra aplicação a situações de igualdade meramente abstracta que não se reportem a diferenciações em termos de igualdade entre trabalhadores em termos de prova expressa , concreta ( e não meramente abstracta e hipotética ) de trabalho igual em sede de natureza , quantidade e qualidade.
VIII-É necessário invocar a tal título paradigmas e prová-los.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AA, residente na (…), intentou  acção [1], com processo comum, contra Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, com sede na Rua José António Serrano, 1500-199, Lisboa.

Pede :
-A declaração de que  tem direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”;
-A condenação do Réu a pagar-lhe tal quantia desde que se venceu em Julho de 2014, no montante actual de € 14.445,00 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante actual de 240,75 €, e vincendos até integral pagamento.

Alega, em síntese, que , em 17 de Setembro de 2008 , celebrou com o Réu um contrato de trabalho , por tempo indeterminado, nos termos do qual foi admitida ao serviço deste para prestar a actividade profissional de Especialista de Medicina Interna na equipa fixa do Serviço de Urgência.

Na mesma data, através de adenda ao contrato, foi ainda acordado, nomeadamente, que enquanto integrasse a equipa de urgência, para além do seu horário normal, asseguraria, anualmente, 45 períodos de urgência, pelos quais foi estabelecida a quantia mensal de referência de 2700,00 €, a pagar em 12 prestações mensais.

Em 2 de Março de 2010, celebrou com o Réu nova adenda ao contrato nos termos da qual consignaram que permaneceria na equipa fixa de urgência durante, pelo menos, um período de 4 anos e que como contrapartida da tal permanência o Réu se obrigava a dar-lhe um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência quando passasse a exercer funções nos locais específicos da sua área e responsabilidade ou em Unidade de Cuidados Intensivos.

Tal veio a ocorrer, tendo passado a exercer funções de internista na enfermaria 7.2 do Hospital Curry Cabral.

Todavia, o Réu não tem procedido ao pagamento do montante de 2.889,00 € mensais correspondente à retribuição que lhe era paga a título de suplemento de serviço de urgência.

Concluiu pela violação do disposto no art. 129º nº 1, al. d) do CT, bem como da cláusula 2ª do contrato.

Realizou-se audiência de partes.[2]

O  R. contestou.[3]

Alegou , em síntese, que do nº 1 da cláusula 2ª da adenda ao contrato não decorre a obrigação de garantir, de modo automático, o estatuto remuneratório vigente durante o exercício de funções na equipa fixa.

Tal obrigação só se verifica se o empregador determinar que a médica passe a exercer funções na Área de Medicina, desde que o Centro identifique a necessidade de implementar projectos de interesse para a instituição e sempre que a médica se disponibilize para integrar ou coordenar os referido projectos.

O direito a tal estatuto remuneratório está dependente da verificação de quatro requisitos cumulativos que não se verificaram até ao momento, a saber:
a)Que a médica passe a exercer funções na área de Medicina;
b)Que o centro experiencie a necessidade de implementar projectos de interesse institucional;
c)Que a médica se disponibilize para integrar e/ou coordenar projectos dessa natureza, e
d)Que o Centro entenda que a médica detém o perfil adequado para assegurar essa participação.

Assim, apenas estava obrigado a integrar a Autora na Área de Medicina, garantindo-lhe a percepção de estatuto remuneratório idêntico ao aplicável aos médicos vinculados por CIT que estejam adstritos à mesma Área, o que fez passando esta a auferir a quantia de 2.849,22 € (valor do nível remuneratório 47, relativo à 2ª posição remuneratória da categoria de assistente).

Concluiu que a continuidade de pagamento do suplemento de trabalho penoso quando a Autora já não o garante constituiria violação da proibição orçamental de pagar mais do que está previsto para a função pública e inobservância do princípio da igualdade, segundo o qual a trabalho igual deverá ser pago salário igual.

Fixou-se o valor da causa em Euros  14. 685,75.[4]

Foi proferido despacho saneador.[5]

Dispensou-se a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizou-se  julgamento ( vide actas de fls. 99 a 101, 102 a 105, 106 a 116, 118 a 121 e 131 a 142 ), que foi gravado. [6]

Fixou-se a matéria de facto provada e não provada[7] que não foi alvo de reparos.

Foi proferida sentença [8] [9]que - em sede decisória - teve os seguintes moldes:
“Pelo exposto, julgo improcedente a acção intentada por AA e consequentemente absolvo o Réu Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE dos pedidos formulados.
Custas pela Autora.
Registe e notifique. “ – fim de transcrição.
A Autora  recorreu.[10]
Concluiu que:
(…)
Assim, sustenta que a sentença deve ser revogada, julgando-se a acção procedente e condenando-se o Apelado nos pedidos.

Não se vislumbra que o Réu tenha contra alegado.

O recurso foi recebido.[11]

Já na Relação [12]o MPº lavrou parecer no sentido da improcedência do recurso.[13]

A Autora respondeu.

Sustentou a bondade do recurso.[14]

Foram colhidos os vistos.

Nada obsta ao conhecimento do recurso.
***

Eís a matéria de facto dada como assente em 1ª instância (que se mostra impugnada no tocante ao ponto de facto nº 30):
1.Em 17 de Setembro de 2008, entre o Réu, Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., como primeiro outorgante, e a a Autora, AA, como segunda outorgante, foi celebrado o acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho Por Tempo Indeterminado”, cuja cópia se encontra a fls. 20 a 25 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2.Consta da cláusula 1ª do acordo referido em 1 que:
“1.O PRIMEIRO OUTORGANTE admite a SEGUNDA OUTORGANTE ao seu serviço e esta obriga-se a prestar-lhe a sua actividade profissional de Especialista de Medicina Interna na equipa fixa do Serviço de Urgência.
2.No caso da SEGUNDA OUTORGANTE pretender deixar a equipa fixa do Serviço de Urgência o PRIMEIRO OUTORGANTE garante à SEGUNDA OUTORGANTE a integração na Área de Medicina, no prazo máximo de e (três meses), em condições contratuais idênticas às vigentes para os médicos com contrato individual de trabalho por tempo indeterminado integrados nesta área, desde que a permanência no Serviço de Urgência não seja inferior a um ano.
3 (…).
4 (…).
5 (…).”.

3.Consta da cláusula 2ª do acordo referido em 1, sob a epígrafe “Remunerações e subsídios”, que:
“1.Como contrapartida da actividade prestada, o PRIMEIRO OUTORGANTE obriga-se a pagar à SEGUNDA, em função do cumprimento do seu período normal de trabalho, uma remuneração mensal de 2.500 € (dois mil e quinhentos euros), sujeita às contribuições e impostos obrigatórios devidos por lei, a actualizar de acordo com aquilo que vier a ser aprovado no âmbito do regime do contrato individual de trabalho.
2.Para além do período normal de trabalho e enquanto integrar a equipa fixa de urgência, a SEGUNDA OUTORGANTE assegurará complementarmente períodos de trabalho em sistema rotativo de acordo com a adenda em anexo que deste contrato faz parte integrante.
3. (…).
4. (…).
5. (…).
6. (…).
7. (…).”.

4.Consta da cláusula 3ª do acordo referido em 1, que “A SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se a prestar 40 (quarenta) horas de trabalho semanal (…)”.

5.Na mesma data, em 17 de Setembro de 2008, o Réu e a Autora celebraram o acordo denominado “Adenda”, cuja cópia se encontra a fls. 26 e 27 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, do qual consta:

“1.A SEGUNDA OUTORGANTE enquanto integrar a equipa fixa da urgência, para além do seu horário normal, deverá assegurar, anualmente, de acordo com o esquema organizativo para a equipa fixa, 45 períodos de urgência, calculados do seguinte modo:
a)Dias úteis, das 16 às 8 horas da manhã seguinte – 504,90 € (quinhentos e quatro euros e noventa cêntimos) e,
b)Sábados, Domingos e Feriados – 878,05 € (oitocentos e setenta e oito euros e cinco cêntimos).
2.Pela realização do trabalho supra, ambos os outorgantes estabelecem como quantia mensal de referência o valor de 2 700 €, a pagar em 12 prestações mensais, actualizável nos termos do previsto na parte final do nº 1 da cláusula 2ª do contrato.
3.No período de licença de férias o valor a abonar terá como base a remuneração mensal de referência.
4.Fora dos períodos de licença de férias a remuneração mensal será paga em montante variável, de acordo com os períodos de urgência efectuados em cada mês e até perfazer as 45 escalas de urgência que a segunda outorgante se obriga a realizar no decurso do ano de execução do presente contrato.
5.Sempre que a segunda outorgante, por causas que não lhe forem imputáveis ou devido ao exercício de direitos e cumprimento de obrigações, realize menos de quatro períodos de urgência, ser-lhe-á abonada a quantia mínima correspondente a três períodos de urgência em dias úteis e um período de urgência correspondente a Sábado, Domingo ou Feriado, com excepção dos períodos em que a responsabilidade pelo pagamento for da segurança social, nos termos legais aplicáveis.
6.Se por necessidade imperiosa do serviço o trabalho efectuado exceder o limite atrás fixado, a 2ª outorgante será remunerada de acordo com as regras em vigor na instituição.
7.(…).”.
6.Em 2 de Março de 2010, entre o Réu, Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., como primeiro outorgante, e a Autora, AA, como segunda outorgante, foi celebrado o acordo escrito denominado “Adenda”, cuja cópia se encontra a fls. 28 a 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7.Consta da cláusula 1ª do acordo referido em 6, que “A SEGUNDA OUTORGANTE, após ter acordado com o PRIMEIRO OUTORGANTE integrar a equipa fixa de urgência, obriga-se a permanecer nessas funções durante, pelo menos um período de quatro anos.”.

8.Consta da cláusula 2ª do acordo referido em 6, que:

“1.Como contrapartida da permanência na equipa fixa de urgência, caso a SEGUNDA OUTORGANTE passe a exercer as funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos, e se disponibilize, dentro do respectivo horário de trabalho, para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização, de relevante interesse para a instituição, terá direito ao seguinte regime remuneratório:
a)Permanência de quatro anos: manter um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
b)Permanência de três anos: manter um regime remuneratório equivalente a 90% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
c)Permanência de dois anos: manter um regime remuneratório equivalente a 85% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;”.

9.Em 2 de Agosto de 2011, entre o Réu, Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., como primeiro outorgante, e a Autora, AA, como segunda outorgante, foi celebrado o acordo escrito denominado “Adenda ao Contrato de Individual de Trabalho”, cuja cópia se encontra a fls. 30 a 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual declararam alterar a cláusula 8ª do contrato individual de trabalho celebrado a 18 de Setembro de 2008, e aditado pelas adendas subsequentes, nos termos dele constantes, e manter as cláusulas estipuladas no contrato individual de trabalho celebrado a 18 de Setembro de 2008 e subsequentes adendas.

10.A cláusula 2ª inserta no acordo em 6 tinha como objectivo incentivar a manutenção, na equipa fixa, dos médicos que integravam.
11.O incentivo à manutenção dos médicos na equipa fixa resultou da dificuldade do Réu no recrutamento, atentas as condições específicas de tal serviço, para a integração na equipa médica de urgência.
12.Não existe a especialidade de emergencista, pelo que a prestação de trabalho em serviço de urgência, só por si, não confere grau de especialização.
13.O trabalho no serviço de urgência é prestado em condições de tensão (física e psicológica), no horário entre as 8.00 e as 16.00 de segunda-feira a sexta-feira, a que acresce a permanência em banco de urgência por um período de 24.00 horas.
14.A estrutura organizativa da equipa fixa não previa a chefia de equipa e a execução de actividades organizativas, embora tais funções fossem, de facto, exercidas, nomeadamente pela Autora.
15.Em 4 de Março de 2013, a Autora remeteu ao Conselho de Administração do Réu a carta cuja cópia se encontra a fls. 35 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, através da qual informa que pretende cessar as suas funções na Equipa Fixa de Urgência de Medicina Interna da Urgência Polivalente do Centro Hospitalar de Lisboa Central e integrar a Área de Medicina Interna, nas condições previstas no contrato.
16.Em Julho de 2013, por o Réu ainda não ter dado seguimento ao pedido referido em 15, a Autora e a Drª BB (que se encontrava nas mesmas condições) reuniram com a Administradora do Réu, Drª CC, com o Director Clínico, Dr. DD e o Chefe de Equipa, Dr. EE, solicitando explicações pela demora no deferimento do pedido de cessação de funções na Equipa de Urgência e integração noutros locais da área da especialidade.
17.No âmbito da referida reunião foi explicado que o Réu não dispunha de profissionais para as substituir no serviço de urgência e solicitado que garantissem o trabalho no serviço de urgência durante o Verão e até Setembro de 2013.
18.A Autora aceitou a solicitação referida em 17.
19.Como em Maio de 2014 ainda não havia sido deferido o pedido referido em 15, a Autora reuniu novamente com o Director Clínico, Dr. DD e remeteu-lhe, em 23 de Maio de 2014, a carta cuja cópia se encontra a fls. 33 e 34 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, solicitando novamente a cessação de funções na Equipa Fixa de Urgência e integração na área de Medicina interna e disponibilizando-se para se manter em funções na equipa de urgência até 30 de Setembro de 2014 com o intuito de minorar qualquer dificuldade no período de férias.
20.Em 23 de Maio de 2014 a Autora remeteu ao Conselho de Administração do Réu a carta cuja cópia se encontra a fls. 43 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, solicitando informação sobre a remuneração a auferir pela passagem para o exercício de funções na enfermaria e sobre o modo de cálculo do preço/hora e ainda em que percentagem seriam consideradas as horas extraordinárias.
21.Por ofício de 17.06.2014, cuja cópia se encontra a fls. 36 dos autos, o Réu comunicou à Autora que a mesma seria colocada na Área de Medicina – Unidade de Medicina 2 (7.2), a partir de 1 de Julho de 2014, mantendo o Serviço de Urgência nas mesmas equipas.
22.O Réu notificou a Autora da informação nº 73/2014, cuja cópia se encontra a fls. 37 a 41 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
23.A Autora respondeu à notificação da informação nº 73/2014 por carta datada de 19 de Julho de 2014, cuja cópia se encontra a fls. 42 dos autos, manifestando a sua discordância relativamente à apreciação constante da referida informação.
24. Em 24 de Julho de 2014, a Autora comunicou ao Conselho de Administração do Réu, por carta de fls. 44 dos autos, a sua discordância relativamente ao vencimento mensal de 1876,67 €, relativo ao mês de Julho de 2014, depositado na sua conta bancária em 21/07/2014.

25.Em Julho de 2014 a Autora auferia a seguinte remuneração:
-Remuneração base: 2.678,00 €;
-Suplemento de serviço de urgência: 2.889,00 €;
-Subsídio de alimentação: 4,27 € por dia.
26. A partir de Julho de 2014 a Autora passou a auferir a seguinte remuneração:
-Remuneração base: 2.849, 22 €;
-Subsídio de alimentação: 4,27 € por dia.

27.A criação pelo Réu da denominada “Equipa dedicada do Serviço de Urgência Polivalente” foi determinada pela necessidade de dar uma nova organização ao sistema de respostas urgentes/emergentes.
28.Os médicos da equipa fixa trabalham de 2ª a 6ª feira entre as 8.00 e as 16.00 horas e para assegurar a efectiva articulação entre a equipa fixa e as equipas complementares (que garantem o funcionamento de 2ª a 6ª feira no período nocturno e fim-de-semana) um dos médicos da equipa fixa prossegue, em cada dia, em funções, acompanhando a respectiva equipa complementar.
29.Existe dificuldade de recrutamento de médicos para a equipa fixa de urgência, nomeadamente por falta de pessoal qualificado para o perfil de emergencista.
30.A remuneração dos médicos da equipa fixa compreende um suplemento remuneratório devido pela penosidade das funções.
31.No momento da integração da Autora na Área de Medicina – Unidade de Medicina 2 (7.2), onde passou a exercer funções desde 1 de Julho de 2014, o Réu não tinha em fase de implementação (nem veio posteriormente a ter) qualquer projecto ao qual tenha atribuído a qualificação de “relevante interesse institucional”.
32.A Autora detém e detinha em 1 de Julho de 2014, a categoria de assistente.
***

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do Novo CPC [15]  ex vi do artigo 87º do CPT aplicável[16])[17].
In casu, mostra-se interposto um único recurso pela Autora.
E neste , em sede conclusiva , suscitam-se duas questões.
A primeira concerne à impugnação da matéria de facto.
E neste não se detecta qualquer irregularidade de ordem formal que implique a respectiva rejeição.[18][19]

Segundo a apelante:
-O ponto 30 dos factos dados como provados – ou seja que:
30.A remuneração dos médicos da equipa fixa compreende um suplemento remuneratório devido pela penosidade das funções -  deveria ter sido julgado “não provado”;
(…)
Em face do exposto, julga-se prejudicada a apreciação desta vertente do recurso.
****

A segunda questão a dilucidar consiste em saber se os pedidos deduzidos pela Autora (recorde-se que pede:
-A declaração de que  tem direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”;
-A condenação do Réu a pagar-lhe tal quantia desde que se venceu em Julho de 2014, no montante actual de € 14.445,00 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante actual de 240,75 €, e vincendos até integral pagamento )  deviam ter sido julgados procedente.

De acordo com a recorrente:
-O artigo 1.º, alínea b) do Decreto Lei n.º 50-A/2007, de 28/02, criou o Apelado, com a natureza de entidade pública empresarial, por fusão do Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Santa Marta, EPE;
-Sendo que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do sobredito Decreto Lei, aplicava-se ao Apelado, designadamente, o Capítulo IV do Decreto Lei n.º 233/2005, de 29/12;
-Do qual fazia parte o artigo 19.º, cujo n.º 1, dispunha que “os trabalhadores dos hospitais EPE estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos”;
-Por consequência, a fixação das remunerações entre Apelado e
Apelante é feita nos termos prescritos pelo Direito do Trabalho;
-A clausula segunda do acordo celebrado entre Apelante e Apelado foi-o por iniciativa do Apelado, segundo redacção deste, que a Apelante se limitou a subscrever, no circunstancialismo a que se referem os números 10, 11, 12, 13, 27 e 29, dos factos dados como provados;
-Sendo a remuneração ali ajustada um prémio para a permanência na equipa fixa de urgência a fixar de acordo com os períodos de permanência e desde que a Apelante estivesse disponível, como manifestou estar, para integrar projectos de relevante interesse do Apelado;
-Pelo que, ao absolver o Apelado do pedido, violou a sentença
a quo o principio pacta sunt servanda est – artigo 406.º, n.º 1, do
Código Civil;
-E, bem assim, o disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do
CT”–fim de transcrição.
A tal título a sentença discorreu:
“O litígio das partes circunscreve-se à interpretação do clausulado contratual constante do acordo denominado “Adenda”, máxime do ponto 1 da sua cláusula 2ª, celebrado entre as partes em 2 de Março de 2010.
Da interpretação da cláusula
No entender da Autora, o Réu, por via da adenda ao contrato de trabalho, e como contrapartida da permanência da Autora na equipa fixa de urgência pelo período de quatro anos, obrigou-se a manter-lhe, após saída desta do referido serviço, um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência, pelo que tem direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”.

Pelo contrário, no entender do Réu, da adenda ao contrato não decorre a obrigação de garantir, de modo automático, o estatuto remuneratório vigente durante o exercício de funções na equipa fixa, apenas existindo tal obrigação se e quanto se verificarem os quatro requisitos cumulativos nela previstos (1- Que a médica passe a exercer funções na área de Medicina; 2- Que o centro experiencie a necessidade de implementar projectos de interesse institucional; 3 - Que a médica se disponibilize para integrar e/ou coordenar projectos dessa natureza, e 4 - Que o Centro entenda que a médica detém o perfil adequado para assegurar essa participação), o que não ocorreu até ao momento.

Com relevância para a apreciação da questão, nomeadamente do circunstancialismo fáctico que antecedeu a subscrição do acordo em discussão nos autos provou-se que:

-Em 17 de Setembro de 2008, entre o Réu, Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., como primeiro outorgante, e a Autora, AA, como segunda outorgante, foi celebrado o acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho Por Tempo Indeterminado”, nos termos do qual o primeiro admitiu a segunda ao seu serviço para prestar a actividade de especialista de Medicina Interna na equipa fixa do Serviço de Urgência, com um período normal de trabalho de 40 horas semanais, mediante a retribuição mensal de 2.500,00 € (pontos 1 a 3 dos factos provados);
-Nos termos do referido acordo e da adenda ao mesmo, celebrada na mesma data, as partes acordaram ainda que para além do período normal de trabalho e enquanto integrar a equipa fixa de urgência, a Autora asseguraria ainda, anualmente, 45 períodos de urgência, por cuja realização foi estabelecida a quantia mensal de referência de 2 700, 00 €, a pagar em 12 prestações mensais, actualizáveis (pontos 3 e 5 dos factos provados);
-Ainda nos termos do referido acordo “contrato de trabalho”, o Réu assumiu a obrigação de integração da Autora na Área de Medicina, no prazo máximo de 3 meses, em condições contratuais idênticas às vigentes para os médicos com contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, integrados nessa área, caso a Autora pretenda deixar a equipa fixa do Serviço de Urgência e a sua permanência neste serviço não fosse inferior a um ano - cláusula 1ª – (ponto 2 dos factos provados);
-Em 2 de Março de 2010, o Réu e a Autora celebraram o acordo denominado “Adenda”, cuja interpretação se encontra em discussão dos autos, nos termos do qual a Autora se obrigou a integrar a equipa de urgência durante, pelo menos, um período de 4 anos, o que veio a ocorrer (pontos 6, 7 e 21 dos factos provados);
-Como contrapartida de tal obrigação de permanência da Autora na equipa fixa de urgência, consignou-se na cláusula 2ª do citado acordo um regime remuneratório que vigoraria após a saída da Autora da equipa de urgência, nas condições nela definidas e ao qual o Réu se vinculava (ponto 8 dos factos provados);
-Tal cláusula tinha como objectivo incentivar a manutenção, na equipa fixa, dos médicos que a integravam, dada a dificuldade de recrutamento de médicos para a mesma, nomeadamente por falta de pessoal qualificado para o perfil de emergencista (pontos 10 e 29 dos factos provados).

Consta do ponto 1 da cláusula 2ª do acordo “adenda”, firmado entre Autora e Réu, em 2 de Março de 2010:

“1.Como contrapartida da permanência na equipa fixa de urgência, caso a SEGUNDA OUTORGANTE passe a exercer as funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos, e se disponibilize, dentro do respectivo horário de trabalho, para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização, de relevante interesse para a instituição, terá direito ao seguinte regime remuneratório:
d)Permanência de quatro anos: manter um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
e)Permanência de três anos: manter um regime remuneratório equivalente a 90% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
f)Permanência de dois anos: manter um regime remuneratório equivalente a 85% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;”.

O conteúdo das declarações de vontade constantes da cláusula em apreço será interpretado de acordo com os princípios que emergem do art. 236º nº 1 do Código Civil, nos termos do qual “a declaração de vontade vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, tendo igualmente presente o que resulta do nº 1 do art. 238º do Código Civil, que determina que “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso”.

A declaração em causa pautar-se-á pelo critério objectivista adoptado na interpretação da declaração receptícia nos negócios entre vivos, em que a declaração negocial, como elemento referente à vontade, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante (denominada teoria da impressão do destinatário).

Como afirma Inocêncio Galvão Teles (Manual dos Contratos em Geral, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1965, pg. 356, cintando Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, pag. 162 e ss) a “declaração deve interpretar-se – objectivamente – como a interpretaria uma pessoa de qualidades médias, colocada na real situação em que se encontrava aquele a quem a declaração foi feita”.

Como bem explicita Mota Pinto a propósito da teoria da impressão (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Ed., 1976, pg 419), deverá considerar-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra, devendo ter em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, normalmente esclarecida teria conhecido e figurando-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável.

A factualidade apurada relativamente ao circunstancialismo fáctico que determinou a subscrição do acordo cuja interpretação cabe efectuar, bem como o teor dos clausulados contratuais que o antecederam, permitem, de forma apriorística, afirmar que a redacção da cláusula 2ª do acordo em análise nos autos foi elaborada com o exclusivo intuito de incentivar a Autora a manter a sua permanência na equipa fixa de Urgência mediante a atribuição de uma vantagem com expressão remuneratória, isto é, económica. Não se evidencia estar subjacente à referida declaração, a vontade de assegurar à Autora qualquer outro tipo de contrapartida que não se traduzisse numa vantagem remuneratória, nomeadamente a de lhe assegurar, após a sua saída do Serviço de Urgência, a colocação num outro serviço na Área de Medicina porquanto tal vantagem já se mostrava assegurada pelo Contrato de Trabalho celebrado em 17 de Setembro de 2008, desde que a Autora permanecesse um ano no referido serviço, facto que já se verificava à data da celebração do acordo que integra a cláusula ora em apreciação (Cláusula 1ª nº 2 do contrato de trabalho a que se reporta o ponto 2 dos factos provados).

No concerne ao conteúdo de tal vantagem remuneratória, cumpre determinar o significado do enunciado “regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência” utilizado para expressar a referida vantagem remuneratória.

Conforme resulta da factualidade provada (pontos 3, 5 e 25 dos factos provados), a Autora enquanto integrou a equipa fixa do Serviço de Urgência auferia uma remuneração-base (que inicialmente era de 2.500,00 € e à data da sua saída do referido Serviço ascendia a 2.678,00 €, em resultado da respectiva actualização) e um suplemento de serviço de urgência (que inicialmente tinha como valor mensal de referência 2.700,00 € e à data da sua saída do referido Serviço ascendia a 2.889,00 €, em resultado da respectiva actualização), acrescido de subsídio de alimentação.

O enunciado declarativo que emerge da cláusula em análise “regime remuneratório similar” reporta-se, sem dúvida, ao conceito de remuneração como abrangendo todas as prestações patrimoniais devidas ao trabalhador em razão do contrato e não ao conceito de retribuição com o significado de contrapartida da prestação laborativa.

É este o propósito que emerge do sentido literal da cláusula contratual, bem como da análise conjugada desta com o clausulado contratual inserto no contrato de trabalho celebrado em 17.09.2008, nos termos do qual o Réu se vinculou a integrar a Autora (após saída desta do serviço de urgência) na Área de Medicina, garantindo-lhe a percepção de estatuto remuneratório idêntico ao aplicável aos médicos vinculados por CIT que estivesse adstritos à mesma Área, o que ocorreu, conforme factualidade provada (ponto 26), passando a Autora a auferir a quantia de 2.849,22 € (valor do nível remuneratório 47, relativo à 2ª posição remuneratória da categoria de assistente).

Decorre do exposto que a vontade real das partes, com a utilização da expressão/enunciado “regime remuneratório similar” foi a de reportar-se ao conjunto de prestações pecuniárias auferidas pela Autora enquanto integrada na equipa fixa do Serviço de Urgência (que abrange o suplemento de serviço de urgência) e não à remuneração mensal com o sentido clássico de retribuição, já que se assim fosse não haveria qualquer vantagem na permanência na equipa fixa pelo período de 4 anos (a Autora quando saiu passou a auferir uma remuneração base superior à que auferia na equipa fixa de urgência).

É igualmente esse o sentido que decorre da aplicação do critério legal previsto para a interpretação dos negócios jurídicos inter vivos. No caso dos autos ocorre convergência entre a vontade real dos declarantes e o sentido da declaração à luz do critério legal previsto no art. 236º do C.C..

Tal interpretação não foi sequer colocada em causa pelo Réu, aquando da contestação da acção (pese embora em sede de julgamento a tenha questionado, numa defesa titubeante).

Dos pressupostos ou condições de funcionamento/eficácia da cláusula.

Reclama a Autora, na presente acção, o direito a direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”.

O Réu defendeu-se com fundamento na não verificação dos requisitos cumulativos de que depende a atribuição de tal retribuição, que reconduziu a 4 : 1- Que a médica passe a exercer funções na área de Medicina; 2- Que o centro experiencie a necessidade de implementar projectos de interesse institucional; 3 -Que a médica se disponibilize para integrar e/ou coordenar projectos dessa natureza, e 4 - Que o Centro entenda que a médica detém o perfil adequado para assegurar essa participação.
Definido que está o conteúdo da expressão “regime remuneratório similar”, cumpre analisar se o mesmo está ou não dependente da verificação de alguma ou algumas condições, ou pelo contrário, a Autora tem direito ao mesmo a partir do momento em que cessou funções na equipa fixa do Serviço de Urgência e passou a exercer funções na Área de Medicina.
A questão em apreço impõe, mais uma vez, recurso ao acordo contratual subscrito pelas partes, às circunstâncias subjacentes à sua subscrição e a convocação das regras gerais de interpretação:
Consta da cláusula 1ª do acordo subscrito em 2 de Março de 2010, que “A SEGUNDA OUTORGANTE, após ter acordado com o PRIMEIRO OUTORGANTE integrar a equipa fixa de urgência, obriga-se a permanecer nessas funções durante, pelo menos um período de quatro anos.”.

Consta da cláusula 2ª do acordo referido, que:

“1.Como contrapartida da permanência na equipa fixa de urgência, caso a SEGUNDA OUTORGANTE passe a exercer as funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos, e se disponibilize, dentro do respectivo horário de trabalho, para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização, de relevante interesse para a instituição, terá direito ao seguinte regime remuneratório:
g)Permanência de quatro anos: manter um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
h)Permanência de três anos: manter um regime remuneratório equivalente a 90% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
i)Permanência de dois anos: manter um regime remuneratório equivalente a 85% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;”.

Da cláusula 1ª resulta, com linear clareza, a assunção pela Autora da obrigação de permanência na equipa fixa de urgência por um período mínimo de quatro anos.

Por sua vez, a cláusula 2ª - que prevê a obrigação de o Réu atribuir à Autora determinado regime remuneratório – contém igualmente a definição de condições/pressupostos, que apontam, do ponto de vista literal, para a conclusão de o direito da Autora ao regime remuneratório similar ao anteriormente por si auferido, depende da verificação das condições nela descriminadas, que se reconduzem às seguintes condições:
-Após 4 anos de permanência na equipa fixa de urgência, a Autora passe a exercer funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos;
-A Autora se disponibilize para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização;
-Que existam ou sejam implementados projectos de relevante interesse para a instituição no âmbito da especialização da Autora.

Não evidencia no clausulado o 4º requisito elencado pelo Réu.
Revertendo ao caso dos autos, conforme resulta da factualidade provada (e as partes estão de acordo), mostram-se verificados três dos pressupostos/condições, isto é, a Autora deixou de prestar funções na equipa fixa do serviço de urgência, onde permaneceu quatro anos, passou a exercer, desde 1 de Julho de 2014, funções na Área de Medicina – Unidade de Medicina 2 (7.2), e está disponível para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização.

Todavia, não se verifica, pelo menos, o último pressuposto/condição previsto na cláusula: não existe nem existia à data da integração da Autora na Área de Medicina – Unidade de Medicina 2 (7.2), onde passou a exercer funções desde 1 de Julho de 2014, qualquer projecto ao qual tenha atribuído a qualificação de “relevante interesse institucional”.

Coloca-se, pois, a questão de saber se as partes pretenderam sujeitar a produção dos efeitos de tal cláusula contratual (isto é do negócio jurídico) à verificação das várias condições elencadas, nomeadamente à condição suspensiva de virem a existir projectos, no âmbito da respectiva especialização, de relevante interesse para a instituição.

O nosso ordenamento jurídico admite, conforme resulta do art. 270º do Código Civil, que as partes sujeitem a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos jurídicos do negócio jurídico, sendo certo que, nos termos do art. 275º nº 2 do C.C., se a condição for impedida, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem prejudica, tem-se a mesma por verificada.

Poderemos no caso dos autos, afirmar que as partes pretenderam sujeitar a produção dos efeitos do negócio à existência de um projecto de relevante interesse para a instituição?

Conforme decorre da factualidade provada, o acordo surgiu com o objectivo de incentivar a manutenção, na equipa fixa, dos médicos que a integravam. Evidencia-se para parte do Réu a vontade de criar na Autora (e demais médicos) a expectativa de os mesmos, após a saída da equipa fixa, continuarem a ser remunerados com o subsídio de penosidade, levando-os a actuar contratualmente no sentido da permanência o maior número de anos.

Da análise conjugada do segmento da potencial condição com as obrigações decorrentes da cláusula constatam-se duas evidências: -As partes não concretizaram minimamente o tipo de projectos que poderiam ser de relevante interesse para a instituição, que tipo de funções a Autora nele (s) desempenharia nem sequer cuidaram de determinar, com clareza, que se exigia, por parte da Autora, efectivo desempenho de alguma função nesse projecto, limitaram-se a referir “…e se disponibilize”;
-Não ocorre correspectividade (sinalagma genético) entre o coordenar/integrar o projecto e o montante a auferir “vencimento base e suplemento de penosidade”; Com efeito, o factor determinante do recebimento do vencimento base e suplemento de penosidade não se mostra indexado ao tipo de projecto ou funções que a Autora desempenharia mas apenas ao número de anos que a mesma permaneceria na equipa fixa de urgência (à permanência de quatro anos corresponde o pagamento da totalidade da anterior remuneração (vencimento-base e subsídio de penosidade; permanência de três anos corresponde o pagamento de 90% dos referidos valores e a permanência de dois anos corresponde 85% dos mesmos).

A utilização de termos vagos e indiscriminados na suposta “condição suspensiva”, que não permitem minimamente definir em que termos se produziriam os efeitos do negócio jurídico aliada ao único objectivo evidente do negócio – permitir continuar a auferir o subsídio de penosidade como contrapartida da permanência por 4 anos na equipa fixa – permite inferir não estarmos perante uma verdadeira condição suspensiva da cláusula, sujeita à disciplina dos arts. 270º a 277º do C.C., mas sim perante um artifício linguístico destinado a conferir aparência de legalidade e conformidade da cláusula à lei (nomeadamente ao princípio da igualdade remuneratória com consagração constitucional e infraconstitucional), que necessariamente determina a nulidade da cláusula por violação da lei (regime legal imperativo).

As partes não desconheciam a impossibilidade de acordarem numa remuneração superior à legalmente admissível pela tabela salarial aprovada e não desconheciam que teriam que encontrar justificação para sustentam a legalidade de tal acordo.

Não obstante e ainda que considerássemos estar perante uma verdadeira condição suspensiva da eficácia da cláusula, as suas consequências jurídicas conduzirão ao mesmo resultando prático.

Com efeito, se considerarmos que na cláusula em apreço foi aposta uma condição suspensiva válida - o que não se afigura por a existência e implementação do projecto ter ficado na inteira discricionariedade/arbitrariedade de um dos contratentes, o que configura uma cláusula suspensiva potestativa arbitrária – a mesma não poderá considerar-se verificada nos termos do art. 275º nº 2 do C.C. por falta de alegação e demonstração de que o Réu, em violação das regras da boa-fé, impediu a sua verificação.

Tal determinaria a conclusão de que não estando verificada a condição suspensiva que condiciona a eficácia do negócio jurídico, não assiste à Autora o direito invocado (não sendo a condição uma obrigação, no sentido visado pelo art. 398º do C.C., mas sim uma cláusula que afecta a eficácia das obrigações contratuais, está afastada a aplicabilidade do regime das obrigações, designadamente o da impossibilidade de cumprimento imputável ao devedor).

Se pelo contrário, entendermos que estamos perante uma condição suspensiva inválida (condição potestativa arbitrária), devendo a mesma considerar-se não escrita ou ainda que a mesma é válida e que se deve considerar verificada pelo facto de o Réu até hoje não ter promovido a implementação ou criação de um projecto, continuaremos a obter o mesmo resultado – a cláusula contratual continua afectada pelo vício da nulidade decorrente da inexistência de sinalagma: à obrigação de pagamento do Réu do subsídio de penosidade (que em Julho de 2014 ascendia a 2.889,00 – valor superior ao vencimento base) não corresponde, por parte da Autora, qualquer contraprestação, não podendo, obviamente a obrigação de permanência no serviço de urgência por 4 anos (durante dos quais recorde-se auferiu o subsídio de penosidade) justificar a atribuição “ad eterno” e sem qualquer limitação temporal de tal montante. “ – fim de transcrição.

Efectivamente , da cláusula em causa , em nosso entender , não resulta nenhum quarto requisito até pelos motivos enunciados na sentença recorrida.

Mas e quanto aos outros três ?
Isto é:
1-Após 4 anos de permanência na equipa fixa de urgência, a Autora passe a exercer funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos;
2-A Autora se disponibilize para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização;
3-Que existam ou sejam implementados projectos de relevante interesse para a instituição no âmbito da especialização da Autora.

Em relação aos dois primeiros, em nosso entender, mostram-se verificados na situação em exame.

Tal conclusão decorre dos factos provados em  19 e 21 ( ou seja :
19-Como em Maio de 2014 ainda não havia sido deferido o pedido referido em 15, a Autora reuniu novamente com o Director Clínico, Dr. DD e remeteu-lhe, em 23 de Maio de 2014, a carta cuja cópia se encontra a fls. 33 e 34 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, solicitando novamente a cessação de funções na Equipa Fixa de Urgência e integração na área de Medicina interna e disponibilizando-se para se manter em funções na equipa de urgência até 30 de Setembro de 2014 com o intuito de minorar qualquer dificuldade no período de férias).
Saliente-se que na parte final dessa missiva a Autora refere:
“Mais informo que estou disponível  para integrar dentro do horário de trabalho, projectos de interesse relevante para a instituição “ – vide fls. 34 in fine.

21.Por ofício de 17.06.2014, cuja cópia se encontra a fls. 36 dos autos, o Réu comunicou à Autora que a mesma seria colocada na Área de Medicina – Unidade de Medicina 2 (7.2), a partir de 1 de Julho de 2014, mantendo o Serviço de Urgência nas mesmas equipas).

Mas e no tocante ao terceiro ( ou seja:
3-Que existam ou sejam implementados projectos de relevante interesse para a instituição no âmbito da especialização da Autora) ?
Será que efectivamente  como clª e é legal ?
Tal como , nesse particular , bem se referiu na sentença recorrida:
O conteúdo das declarações de vontade constantes da cláusula em apreço será interpretado de acordo com os princípios que emergem do art. 236º nº 1 do Código Civil, nos termos do qual “a declaração de vontade vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, tendo igualmente presente o que resulta do nº 1 do art. 238º do Código Civil, que determina que “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso”.

A declaração em causa pautar-se-á pelo critério objectivista adoptado na interpretação da declaração receptícia nos negócios entre vivos, em que a declaração negocial, como elemento referente à vontade, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante (denominada teoria da impressão do destinatário).

Como afirma Inocêncio Galvão Teles (Manual dos Contratos em Geral, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1965, pg. 356, cintando Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, pag. 162 e ss) a “declaração deve interpretar-se – objectivamente – como a interpretaria uma pessoa de qualidades médias, colocada na real situação em que se encontrava aquele a quem a declaração foi feita”.

Como bem explicita Mota Pinto a propósito da teoria da impressão (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Ed., 1976, pg 419), deverá considerar-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra, devendo ter em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, normalmente esclarecida teria conhecido e figurando-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável. “ – fim de transcrição.

Atente-se neste ponto especialmente na matéria apurada em 8 e 31 onde se consignou:
8.Consta da cláusula 2ª do acordo referido em 6, que:
1.Como contrapartida da permanência na equipa fixa de urgência, caso a SEGUNDA OUTORGANTE passe a exercer as funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos, e se disponibilize, dentro do respectivo horário de trabalho, para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização, de relevante interesse para a instituição, terá direito ao seguinte regime remuneratório:
a)Permanência de quatro anos: manter um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
b)Permanência de três anos: manter um regime remuneratório equivalente a 90% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
c)Permanência de dois anos: manter um regime remuneratório equivalente a 85% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;”.

31.No momento da integração da Autora na Área de Medicina – Unidade de Medicina 2 (7.2), onde passou a exercer funções desde 1 de Julho de 2014, o Réu não tinha em fase de implementação (nem veio posteriormente a ter) qualquer projecto ao qual tenha atribuído a qualificação de “relevante interesse institucional”.

Analisando a cláusula interpretanda , tendo em atenção a teoria da impressão do destinatário consagrada no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil[20], entendemos – em consonância com o Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Novembro de 2016 que procedeu à interpretação desta mesma cláusula contratual[21] (vide acórdão de 2.11.2016 , proferido no âmbito do processo n.º 13072/14.1T8LSB.L1; Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto ;por agora, ao que pensamos , inédito [22] ) – que a mesma não permite, em termos objectivos, concluir que a manutenção do regime retributivo depende, ainda, de que o empregador, segundo a sua estratégia empresarial, implemente ou continue projectos e os catalogue como de relevante interesse para a instituição.

Nenhum tempo verbal foi usado susceptível de indiciar que, além da disponibilização que a cláusula prevê, o seu funcionamento dependesse da efectiva implementação ou prossecução de projectos por parte do empregador e, muito menos, que estivesse na mão deste proceder à sua classificação como de “relevante interesse para a instituição”. Por outro lado, não se divisa na cláusula a obrigação de o empregador criar ou implementar projectos para que o trabalhador tenha a oportunidade de os integrar.

De todo o modo, ainda que se admitisse que a adenda contratual exige a invocada terceira condição, a mesma integra uma cláusula contratual que , a osso ver, é em simultâneo “cum potuerit “e 
“cum voluerit”  [23] e não suspensiva [24]como se decidiu em 1ª instância.[25][26].

É que para a mesma se verificar têm que existir :
a-projectos, no âmbito da respectiva especialização o que até depende antes de mais da Ré/devedora  (  que a Autora se disponha a integrar ; o que no caso  até se verifica)[27] ;
b-que a Ré/devedora  os repute de relevante interesse para a instituição.

Ou seja , tudo nesse ponto estava – sempre esteve e está - nas mãos da devedora ou seja a Ré-recorrida.

Nomeadamente, a possibilidade de tal exigência ser cumprida; ou seja:
-a verificação de projectos… no âmbito da respectiva especialização…;
-e que a Ré os repute de relevante interesse para a instituição.

Tal remete-nos , salvo melhor opinião, para uma condição que não só depende exclusivamente da vontade da Ré para ser observada (cum voluerit - atribuição de relevante interesse para a instituição) como também  para ser cumprida (cum potuerit ; que a mesma implemente projectos, no âmbito da respectiva especialização).

Ora , como se salienta em sumário de ac. desta Relação de 12-12-2013 , proferido no âmbito do processo nº 1439/10.9TVLSB.L1-2 , Relator Desembargador EZAGÜY Martins ( acessível em www.dgsi.pt) [28]“:
I–Uma mesma cláusula contratual não pode ser, a um tempo, cum potuerit…e cum voluerit” – fim de transcrição. [29]
In casu, tal condição de subordinação dos efeitos jurídicos da manutenção de regime remuneratório da Autora / recorrente similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência; estaria , assim, por um lado dependente da existência de projectos, no âmbito da respectiva especialização;
- e por outro também dependeria da vontade da Ré ( que por acaso na situação em exame até era devedora do valor em causa …) de os reputar de relevante interesse para a instituição.
Tal não é , a nosso ver, admissível.
Daí que, também por esta via, não se verifique ,no caso concreto , qualquer terceira condição inverificada.
Argumentar-se-á , tal como implicitamente se fez em sede da verberada sentença , que tal aposição sempre redunda na nulidade , ao abrigo do disposto nos artigos 280º [30] e 286º [31]ambos do Código  Civil , da cláusula em apreço.
Mas será assim ?
Em nosso entender , com respeito por distinta opinião, a resposta é negativa.
Recorde-se nesse particular o disposto no artigo 292º do CC que regula:
(Redução)
A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
Ora , no caso concreto, não está provado ( pela Ré a quem , a nosso ver[32], o ónus dessa prova incumbia[33]  [34]; visto que o ónus da prova de uma vontade conjectural no sentido oposto a uma redução do negócio incumbe ao contratante que pretenda a invalidade total do negócio )  nem sequer indiciado que todo o negócio ( isto é a celebração da adenda )  não teria sido celebrado – concluído - sem a parte viciada.
Aliás, a matéria assente até permite inferir o inverso.

Basta recordar os pontos de facto nºs:
11.O incentivo à manutenção dos médicos na equipa fixa resultou da dificuldade do Réu no recrutamento, atentas as condições específicas de tal serviço, para a integração na equipa médica de urgência.
12.Não existe a especialidade de emergencista, pelo que a prestação de trabalho em serviço de urgência, só por si, não confere grau de especialização.
13.O trabalho no serviço de urgência é prestado em condições de tensão (física e psicológica), no horário entre as 8.00 e as 16.00 de segunda-feira a sexta-feira, a que acresce a permanência em banco de urgência por um período de 24.00 horas.
14.A estrutura organizativa da equipa fixa não previa a chefia de equipa e a execução de actividades organizativas, embora tais funções fossem, de facto, exercidas, nomeadamente pela Autora.
27.A criação pelo Réu da denominada “Equipa dedicada do Serviço de Urgência Polivalente” foi determinada pela necessidade de dar uma nova organização ao sistema de respostas urgentes/emergentes.
28.Os médicos da equipa fixa trabalham de 2ª a 6ª feira entre as 8.00 e as 16.00 horas e para assegurar a efectiva articulação entre a equipa fixa e as equipas complementares (que garantem o funcionamento de 2ª a 6ª feira no período nocturno e fim-de-semana) um dos médicos da equipa fixa prossegue, em cada dia, em funções, acompanhando a respectiva equipa complementar.
29.Existe dificuldade de recrutamento de médicos para a equipa fixa de urgência, nomeadamente por falta de pessoal qualificado para o perfil de emergencista.
E saliente-se que tal como refere o Professor Luís  A. Carvalho Fernandes[35] , nos casos de dúvida quanto ao conteúdo da vontade conjectural “funciona nestes casos o critério adoptado pelo Direito positivo.
Deste modo , uma vez que segundo o artigo 292º do CC, a redução só não se verifica quando se prove uma vontade hipotética ou conjectural que a ela se oponha , na dúvida sobre o seu conteúdo , o negócio reduz-se” – fim de transcrição.
Aliás, no caso concreto , em nosso entender , salvo melhor opinião , até  fazendo-se prevalecer o principio geral da boa fé sempre cumpria extrair tal inferência.[36]
Recorde-se os factos provados sob os nºs 11 e 29.
Em resumo, o negócio em apreço  sempre teria que ser reduzido nos referidos moldes.

Ou seja , in casu, mostram-se perfeitamente  verificadas as condições da adenda e como tal até logra aplicação a norma invocada pela recorrente que consta do nº 1º do artigo 406º do CC que dispõe:
(Eficácia dos contratos)
1.O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2.Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.

E saliente-se , já agora, que , a nosso ver, nem em sede de sentença nem de recurso não se aventou sequer a possibilidade de aplicabilidade ao caso em apreço do princípio geral da irredutibilidade da retribuição (contida no artigo 129º/d) do C. Trabalho de 2009)[37][38].

Em síntese, o que acabou de se enunciar leva à procedência da acção e do recurso.
***

Mas e quanto à parte da sentença que se considerou:

Pelo exposto e sem necessidade de outras considerações a cláusula em apreço, convencionada pelas partes, mostra-se contrária à lei por falta de justificação sinalagmática, reconduzindo-se a uma liberalidade proibida por lei, na medida em que da sua aplicação decorrerá, necessariamente, a violação do princípio da igualdade na vertente do princípio do trabalho igual salário igual.
O princípio do trabalho igual salário igual está expressamente reconhecido no art. 59.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa, cujo teor é o seguinte: «[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) [à] retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

O citado princípio emana do princípio geral da igualdade, previsto no art. 13.º, da Constituição da República Portuguesa, que determina, no seu n.º 1, que «[t]odos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei», mais especificando, no seu n.º 2, que «[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

O princípio geral da igualdade, como princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º, da Lei Fundamental), enquadra-se na parte reservada aos Direitos e Deveres Fundamentais (Parte I, Título I, do texto constitucional português), partilha, com os demais direitos e deveres fundamentais, da característica da aplicabilidade directa, bem como da vinculação a ele de todos os entes públicos e privados.

Como salienta J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[39], «[a] base constitucional do princípio da igualdade é a igual dignidade social de todos os cidadãos – que, aliás, não é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas (cfr. art. 1.º) –, cujo sentido imediato consiste na proclamação da idêntica “validade cívica” de todos os cidadãos, independentemente da sua inserção económica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social discriminatórias. O princípio da igualdade é, assim, não apenas um princípio de disciplina das relações entre o cidadão e o Estado (ou equiparadas), mas também uma regra de estatuto social dos cidadãos, um princípio de conformação social e de qualificação da posição de cada cidadão na colectividade».

Constituem manifestações essenciais do princípio da igualdade a proibição do arbítrio, a proibição de tratar desigualmente situações materialmente idênticas, com base em critérios subjectivos e sem justificação razoável e a proibição do tratamento igualitário de situações que, na sua essência, são desiguais. «Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes»[40]4.

Do princípio da igualdade decorre, também, a proibição da discriminação que, não significando ou impondo uma exigência de igualdade absoluta nem impedindo as diferenciações de tratamento, qualifica como de factores ilegítimos de discriminação aqueles que, previstos a título exemplificativo, constam do n.º 2, do artigo 13.º. Como referem os autores supra citados «[o] que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo»[41].

A projecção do citado princípio da igualdade na dimensão que ora nos ocupa – trabalho igual, salário igual – mais não significa senão que a retribuição do trabalhador deverá ser conforme à quantidade do trabalho que executa (isto é, à sua duração e intensidade), à natureza do seu trabalho (isto é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do seu trabalho (isto é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade). Isto é, a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores.

O que é constitucionalmente desconforme é que se pague de forma diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de serviço e têm, designadamente, as mesmas habilitações ou o mesmo tempo de serviço.

Em rigor, o que se proíbe, pois, são as discriminações fundadas em meras categorias subjectivas, isto é, sem qualquer fundamento material.[42]

Revertendo para o caso dos autos, a atribuição à Autora de um subsídio de penosidade, sem qualquer limitação temporal, quando a mesma já não exerce funções em condições penosas não se mostra materialmente justificada e a aplicar-se violará o princípio da igualdade – na dimensão do princípio do trabalho igual salário igual – pois colocará a Autora numa vantagem económica desproporcionada e não justificada relativamente aos demais médicos que integram o mesmo serviço.

Pelo exposto, concluir-se pela nulidade da cláusula em apreço nos termos do disposto no art. 280º nº 1 do Código Civil, que é de conhecimento oficioso (art. 286º do C.C.) e consequentemente pela improcedência total da acção, por inexistência do direito que a Autora pretendia fazer valer.

Está, obviamente, afastada a possibilidade de aplicabilidade do princípio geral da irredutibilidade da retribuição (o art. 129º/d) do C.Trabalho de 2009):

A Autora deixou de exercer a contraprestação correspondente ao subsídio de penosidade.

O comportamento do Réu poderá ser analisado em sede de responsabilidade pré-contratual, todavia, a Autora não invocou tal causa de pedir, estando ao tribunal vedada a respectiva análise.fim de transcrição e sublinhado nosso.        ?

Nesse ponto, dir-se-á , desde logo, que o invocado princípio  da igualdade ( o que não equivale a igualitarismo[43] ) implica a invocação e prova expressa em termos concretos ( e não meramente abstractos ) de trabalho igual em sede de natureza , quantidade e qualidade dos paradigmas invocados.

Nada disso, com respeito por melhor opinião , se verifica , no caso concreto , nem em sede dos colegas da equipa de urgência fixa nem dos outros.

Efectivamente, em relação aos primeiros a partir do momento em que a Autora passa a prestar funções noutro serviço nem sequer existem elementos comparativos…

E se a Ré entende em relação aos primeiros pagar à Autora  um valor que também lhes paga, dir-se-á apenas sibi imputet… no tocante à primeira e efeitos dessa conduta.

Por sua vez, no tocante aos segundos a entender-se que se verifica desigualdade salarial entre os membros da respectiva equipa que até prestam trabalho igual em termos de natureza , quantidade e qualidade , o que têm de fazer é reagir em conformidade .

Agora o que , a nosso ver, com total consideração por raciocínio distinto ( e pelas distorções que o aqui perfilhado seja susceptível de gerar) , não se pode fazer é negar o direito desta trabalhadora ( a aqui Autora /recorrente ) à pretendida prestação salarial com base num princípio constitucional invocado na sentença recorrida , em termos meramente  abstractos , que nenhum trabalhador em concreto de qualquer dos sectores eventualmente afectados por tal arbítrio esgrimiu.

Tanto mais quanto a Ré/ recorrida , até assumiu tal obrigação (eventualmente em virtude da matéria apurada em 29 :

Existe dificuldade de recrutamento de médicos para a equipa fixa de urgência, nomeadamente por falta de pessoal qualificado para o perfil de emergencista )  na adenda em causa.

E também não se esgrima com a falta de correspectividade (sinalagma genético) entre o coordenar/integrar o projecto e o montante a auferir “vencimento base e suplemento de penosidade”.

É que não está provado[44] que todos os profissionais em causa aguentem integrar a equipa fixa de urgência por 4, 3 ou até dois anos nas condições ( que pelos vistos não são “pera doce” [45]) mencionadas em 10 a 13 dos factos assentes:

10.A cláusula 2ª inserta no acordo em 6 tinha como objectivo incentivar a manutenção, na equipa fixa, dos médicos que integravam.
11.O incentivo à manutenção dos médicos na equipa fixa resultou da dificuldade do Réu no recrutamento, atentas as condições específicas de tal serviço, para a integração na equipa médica de urgência.
12.Não existe a especialidade de emergencista, pelo que a prestação de trabalho em serviço de urgência, só por si, não confere grau de especialização.
13.O trabalho no serviço de urgência é prestado em condições de tensão (física e psicológica), no horário entre as 8.00 e as 16.00 de segunda-feira a sexta-feira, a que acresce a permanência em banco de urgência por um período de 24.00 horas.
Em suma , neste ponto não se acolhe o raciocínio constante da sentença recorrida que , contudo -  cumpre frisá-lo - contem  douta argumentação e concatenação de argumentos estribada nos factos apurados e no direito aplicável.

Todavia, pelos apontados motivos discorda-se , com respeito por opinião distinta , do ali dirimido.

Ou seja, em nosso entender, o recurso procede cumprindo condenar a Ré no pedido ; isto é a :
-a declarar que  a Autora / recorrente tem direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”;
-condenar o Réu a pagar-lhe tal quantia desde que se venceu em Julho de 2014, no montante actual de € 14.445,00 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante actual de 240,75 €, e vincendos até integral pagamento.
****

Nestes termos, julga-se procedente o recurso.

Em consequência, por se revogar a sentença recorrida :

1-declara-se  que  a Autora / recorrente tem direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”;
2-condena-se o Réu a pagar à Autora tal quantia desde que se venceu em Julho de 2014, no montante actual de € 14.445,00 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante actual de 240,75 €, e vincendos até integral pagamento.
Custas pela recorrida. 



Lisboa, 16-11-2016



Leopoldo Soares
Alves Duarte
Maria José Costa Pinto


[1]Em 17.12.2014 – fls. 47.
[2]Fls. 55-56.
[3]Fls. 59 a 63.
[4]Vide fls.17 e 80.
[5]Fls. 80.
[6]Em sessões realizadas em 26.11.2015, 11.12.2015 15.1.2016, 2.2.2016, e 1.3.2016.
[7]Vide despacho constante da acta de fls. 131 a 142 .
[8]Vide fls. 143 a 170.
[9]Saliente-se que a sentença recorrida discorreu nos seguintes moldes:
“III-Fundamentação fáctico-jurídica:
(…).
E analisado o recurso, com respeito por opinião distinta, afigura-se-nos  que o mesmo deve proceder.
Concorda-se com a sentença recorrida quando refere:
“Reclama a Autora, na presente acção, o direito a direito a receber a retribuição que recebia quando exercia funções no Serviço de Urgência, em concreto, a componente que mensalmente lhe era paga a título de “Suplemento de Serviço de Urgência”.
O Réu defendeu-se com fundamento na não verificação dos requisitos cumulativos de que depende a atribuição de tal retribuição, que reconduziu a 4 : 1- Que a médica passe a exercer funções na área de Medicina; 2- Que o centro experiencie a necessidade de implementar projectos de interesse institucional; 3 -Que a médica se disponibilize para integrar e/ou coordenar projectos dessa natureza, e 4 - Que o Centro entenda que a médica detém o perfil adequado para assegurar essa participação.
Definido que está o conteúdo da expressão “regime remuneratório similar”, cumpre analisar se o mesmo está ou não dependente da verificação de alguma ou algumas condições, ou pelo contrário, a Autora tem direito ao mesmo a partir do momento em que cessou funções na equipa fixa do Serviço de Urgência e passou a exercer funções na Área de Medicina.
A questão em apreço impõe, mais uma vez, recurso ao acordo contratual subscrito pelas partes, às circunstâncias subjacentes à sua subscrição e a convocação das regras gerais de interpretação:
Consta da cláusula 1ª do acordo subscrito em 2 de Março de 2010, que “A SEGUNDA OUTORGANTE, após ter acordado com o PRIMEIRO OUTORGANTE integrar a equipa fixa de urgência, obriga-se a permanecer nessas funções durante, pelo menos um período de quatro anos.”.
Consta da cláusula 2ª do acordo referido, que:
“1.Como contrapartida da permanência na equipa fixa de urgência, caso a SEGUNDA OUTORGANTE passe a exercer as funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos, e se disponibilize, dentro do respectivo horário de trabalho, para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização, de relevante interesse para a instituição, terá direito ao seguinte regime remuneratório:
g)Permanência de quatro anos: manter um regime remuneratório similar ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
h)Permanência de três anos: manter um regime remuneratório equivalente a 90% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;
i)Permanência de dois anos: manter um regime remuneratório equivalente a 85% ao que detinha enquanto integrava a equipa fixa de urgência;”.
Da cláusula 1ª resulta, com linear clareza, a assunção pela Autora da obrigação de permanência na equipa fixa de urgência por um período mínimo de quatro anos.
Por sua vez, a cláusula 2ª - que prevê a obrigação de o Réu atribuir à Autora determinado regime remuneratório – contém igualmente a definição de condições/pressupostos, que apontam, do ponto de vista literal, para a conclusão de o direito da Autora ao regime remuneratório similar ao anteriormente por si auferido, depende da verificação das condições nela descriminadas, que se reconduzem às seguintes condições:
-Após 4 anos de permanência na equipa fixa de urgência, a Autora passe a exercer funções no (s) locais específicos da Área e Especialidade respectiva ou em Unidade de Cuidados Intensivos;
-A Autora se disponibilize para coordenar e/ou integrar projectos, no âmbito da respectiva especialização;
-Que existam ou sejam implementados projectos de relevante interesse para a instituição no âmbito da especialização da Autora.
Não evidencia no clausulado o 4º requisito elencado pelo Réu” – fim de transcrição.
[10]Vide fls. 180 a 206.
[11]Fls. 221 e 229 ( esta na Relação).
[12]Sendo certo que a gravação da audiência acompanhou os autos – vd. contra capa do processo.
[13]Vide fls. 231- 232.
[14]Vide fls. 235-236.
[15]Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[16]Atenta a data de interposição dos presentes autos  -  em vigor a partir de 1/1/2010 - aprovado pelo.:
Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro;
Alterado pelos seguintes diplomas:
-Decreto-Lei n.º 323/2001 de 17 de Dezembro;
-Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março; e
-Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro. 
[17] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).
[18]Recorde-se que segundo o artigo 640º do NCPC:
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1—Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2—No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:
a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos
que considere relevantes;
b)Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente
e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3—O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[19] Deve ainda salientar-se que de acordo com recente e abalizada jurisprudência do STJ:
Vide Acórdão do STJ de 7-07-2016 , proferido no processo n º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Relator Conselheiro  Gonçalves Rocha (acessível em www.dgsi.pt ) que logrou o seguinte sumário:
“ I-Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC. 
II-Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre. “ –fim de transcrição e sublinhado nosso.
Relembre-se ainda sobre o assunto o decidido em acórdão do  STJ , de 1 de Outubro de 2105 , no processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1  -  4ª Secção , Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes.
Tal aresto logrou o seguinte sumário:
“I-No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II-Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III-Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV-Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação“ – fim de transcrição e sublinhado nosso.
[19]Norma que regula:
(…)
[20]Vide sobre o assunto Comentário ao Código Civil  – Parte Geral  - da Universidade Católica Portuguesa  - Faculdade de Direito, UC Editora, 2014, pág. 540 e 541, nas anotações X e XI.
É certo que a declaratária no caso concreto é pessoa ( é  médica  ) bem mais do que “razoável” , que  se pauta  pelos ditames da boa fé , sendo de presumir , por motivos óbvios, como medianamente experiente  , informada , inteligente e diligente.
Contudo , o grau académico em causa como é óbvio conferia-lhe muita experiência certamente na sua área de saber , mas naquela a que nos estamos a reportar .
[21]Em acção similar a esta.
[22]Que , por motivos evidentes , é do conhecimento da Ré.
[23]Saliente-se que de acordo com o disposto no artigo 778º do C:
(Prazo dependente da possibilidade ou do arbítrio do devedor)
1.Se tiver sido estipulado que o devedor cumprirá quando puder, a prestação só é exigível tendo este a
possibilidade de cumprir; falecendo o devedor, é a prestação exigível dos seus herdeiros, independentemente da prova dessa possibilidade, mas sem prejuízo do disposto no artigo 2071º.
2.Quando o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, só dos seus herdeiros tem o credor o direito de
exigir que satisfaçam a prestação. 
[24]Nas palavras do Professor João de  Castro Mendes , Direito Civil (Teoria Geral ), Volume III , de harmonia com as lições dadas ao 2º ano jurídico de 1972-1973 , pelo aludido Professor , com a colaboração de Armindo Ribeiro Mendes , Lisboa, 1973, FDL ( vide págs 414 a 417): “ Dizem-se condições suspensivas  aquelas que fazem iniciar a produção do negócio  …” – fim de transcrição.
Por sua vez, as condições potestativas que são aquelas  em que o evento condicionante “depende da vontade duma das partes do negocio jurídico “ fim de transcrição.
E dentro destas últimas pode destrinçar-se entre:
-condições meramente potestativas ou arbitrárias , condições potestativas  propriamente ditas ou não arbitrárias;
-condições potestativas a parte debitoris a condições potestativas a parte creditoris ( nos  actos constitutivos da obrigação).
[25]Segundo o artigo 270º do CC:
(Noção de condição)
As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio
jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.
E tal como se referiu na sentença recorrida de acordo com o artigo 275º do CC .
Verificação e não verificação da condição)
1.A certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação.
2.Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.
[26]Vide também sobre este tipo de cláusulas Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume II , 2ª edição, revista e actualizada , Coimbra Editora , Limitada , págs 22 a 24.
[27]Como acima se salientou a fls . 34 in fine, a Autora refere:
 “Mais informo que estou disponível  para integrar dentro do horário de trabalho, projectos de interesse relevante para a instituição “ ..
[28]Que logrou , na parte para aqui relevante , o seguinte sumário:
“I-Uma mesma cláusula contratual  não pode ser,  a um tempo, cum potuerit…e cum voluerit” – fim de transcrição.
[29] Vide sobre este tipo de cláusulas contratuais  “cum potuerit “( o devedor compromete-se a cumprir somente quando as suas condições o permitirem ) e “cum voluerit “ ( neste caso o devedor pode estar em condições de cumprir , mas não é obrigado senão quando quiser)”  – Código Civil , Anotado , de Pires de Lima e Antunes Varela, , Volume II ( artigos 762º a 1250º) 2ª edição revista e actualizada , 1981, págs 22 a 24 , Coimbra Editora , Ldª .
[30] Que regula:
 (Requisitos do objecto negocial)
1.É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legamente impossível, contrário à lei ou
indeterminável.
2.É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.
[31] Segundo essa norma:
(Nulidade)
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente
pelo tribunal.
[32]Em nosso entender, aponta  neste sentido Luís  A. Carvalho Fernandes , Teoria Geral do Direito Civil , II , Fonte , conteúdo e garantia da relação jurídica , 5ª edição, revista e actualizada , Universidade Católica Editora, pág. 526.
[33] Vide artigo 342º do CC que regula:
(Ónus da prova)
1.Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2.A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3.Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
[34]No mesmo sentido (  sobre o ónus da prova nesse  ponto ) aponta , a nosso ver , o Comentário ao Código Civil , Parte Geral , Universidade Católica Editora , 2014, pág. . 728.
[35]Vide Teoria Geral do Direito Civil , II , Fonte , conteúdo e garantia da relação jurídica , 5ª edição, revista e actualizada , Universidade Católica Editora, pág. 526.
[36]Vide Luís  A. Carvalho Fernandes ,  obra citada,  págs. 526- 527.
Luís  A. Carvalho Fernandes , Teoria Geral do Direito Civil , II , Fonte , conteúdo e garantia da relação jurídica , 5ª edição, revista e actualizada , Universidade Católica Editora, pág. 526.
[37]Diploma aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[38]Tal norma regula:
Garantias do trabalhador
1-É proibido ao empregador:
a)Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem
como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa
desse exercício;
b)Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c)Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir
desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d)Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
e)Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código;
f)Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste
Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando
haja acordo;
g)Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste
Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h)Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele
indicada;
i)Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento
directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de
serviços aos seus trabalhadores;
j)Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o
propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
2-Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
[39]Obra citada, a páginas 337 e 338.
[40]J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, a páginas 339.
[41]Obra citada, a páginas 340.
[42]Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 313/89, de 9 de Março de 1989, proferido no processo nº 265/88, da 2ª Secção, in, BMJ nº 385, págs. 188 e ss..
[43]É que praticar justiça é dar tratamento igual a todos aqueles que em concreto e não meramente em abstracto se encontrem  em igualdade de condições.
[44]Tal prova , a nosso ver, também incumbia à recorrida ….
[45]O que , a nosso ver, é de fácil compreensão.