INSCRIÇÃO NA SEGURANÇA SOCIAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATO CELEBRADO POR ENTIDADE PÚBLICA
NULIDADE DO CONTRATO
ALEGAÇÃO DA NULIDADE
Sumário

I.O Tribunal do Trabalho não tem competência, mesmo por acessoriedade, complementaridade ou dependência, atenta a diferente natureza das relações jurídica em causa, para decidir o pedido submetido pelo trabalhador relativo à sua inscrição, pelo empregador, na segurança social.
II.O contrato de trabalho celebrado por uma entidade publica, sem observância das regras legais imperativas, nomeadamente concernentes ao ingresso em funções publicas, é nulo e produz efeitos enquanto for executado.
III.Invoca a invalidade do contrato a R. que na contestação descreve que o vinculo laboral alegado pelo trabalhador viola a lei, devendo em tal data ter-se por invocada a nulidade ainda que a R. não use expressamente este termo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Autor (A.): e recorrente: AA.
Réu (R.): Exército Português.

O A. demandou o R. pedindo a sua condenação a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre as partes em vigor desde 01.06.1998 com as legais consequências.

O Réu contestou arguindo que estava em causa uma prestação de serviços e não uma relação laboral.
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Saneados os autos e efetuado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada em parte, e:
a) Declarou ter existido um contrato de trabalho, nulo, entre A e Ré desde 01.06.1998 até 14.01.2015
b) Declarou que, o Autor foi ilicitamente despedido pelo Réu e, em consequência, este deverá pagar-lhe:
c) A indemnização por despedimento correspondente a trinta dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade;
d) todas as retribuições vencidas e vincendas desde a data do “despedimento” ocorrido em 30.12.2014, incluindo o subsidio de férias e de natal e respectivos valores de subsidio de refeição, cujo valor se relega para execução da sentença.
e) Sobre estes montantes, acrescem os correspondentes juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.

(Sentença corrigida de fls. 155 e ss., com a redação da al. d) da parte decisória conferida pelo despacho retificativo de 2.6.16, a fls. 199 e ss.).

Destaca-se ainda que, no relatório, a sentença contém a seguinte decisão:
Relativamente ao pedido formulado na alínea B) da petição inicial -inscrição do Autor na Segurança Social, a competência para o efeito é dos tribunais administrativos e fiscais e não dos tribunais comuns, mormente, dos tribunais do trabalho. Nesta medida, estamos perante uma excepção de incompetência material, que constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da ré desta parte da instância, conforme art.º 96º al. a), 97º, 98º e 99º, n.º 1, do novo CPC.
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Não se conformando, o A. apelou na parte vencida, tendo apresentado motivação e formulado as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida.
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O R. contra-alegou patrocinado pelo MºPº, tendo concluído que (…) Remata pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
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Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO.
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – a quem cabe a competência material para conhecer do pedido de inscrição do A. na segurança social; e qual o termo final da contagem dos salários intercalares, se é até à data da notificação da contestação, se até à data da prolação da decisão recorrida. 
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São estes os factos apurados nos autos:

1.O A. foi admitido ao serviço da R., por contrato que esta denominou de “contrato de prestação de serviços”, celebrado em 1 de Junho de 1998, doc. n.º 1.
2.Devendo tais serviços ser prestados na área de Gestão da Produção e Operações –Projecto de Informatização dos Recursos Produtivos da R., idem doc. n.º 1.
3.Sob dependência funcional e técnica do NOI/Direcção (da R.), doc. n.º 1.
4.Esse contrato foi objecto de uma Adenda, em 01 de Janeiro de 2003, doc. n.º 2.
5.Passando o A., ainda na área da informatização dos recursos produtivos da R. e a administrar com acompanhamento da exploração de sistemas e métodos instalados como parte do projecto de informatização dos recursos processuais e operacionais nos vários sectores de funcionamento da R., doc. n.º 2.
6.Orientar e apoiar os utilizadores, resolver situações imprevistas e falhas do sistema quando possível ou providenciar a sua correcção, idem doc. n.º 2.
7.Controlar a coerência da base de dados, adequar a aplicação na exploração do projecto, idem doc. n.º 2..
8.Colaborar com as chefias na coordenação da gestão do projecto de forma a manter o bom funcionamento organizacional, idem doc. n.º 2.
9.Dessa adenda resulta também, que a R. colocaria ao dispor do A. os meios necessários ao cumprimento dos serviços que lhe fossem atribuídos, idem doc. n.º 2.
10.Os “serviços” do A. eram prestados com dependência funcional e técnica do NOI ( Núcleo de Organização Informática )/ Direcção, idem doc. n.º 1.
11. Desde o início do contrato que o A. exerce as suas funções sob a autoridade, fiscalização e direcção da R.
12.São seus actuais superiores hierárquicos imediatos, o director actual, Sr. BB e o sub-director, Sr. CC, que compõem a Direcção do NOI ( Núcleo de Organização Informática ), os quais, nomeadamente, supervisionam as tarefas do A. e dão indicações e instruções sobre os trabalhos a executar.
13.O A. cumpria inicialmente o horário de trabalho estipulado pela R., de segunda a sexta- feira, das 09.00 horas às 17.00 horas, docs. 3 e 4 ,
14.Entretanto alterado para as 10.00 – 18.00, por razões de serviços, « i.e. » que o A efectue os procedimentos de segurança informática, após a saída do restante pessoal.
15.O cumprimento desse horário é controlado pelos Serviços de Pessoal da R.
16.Mediante o preenchimento manual de fichas de ponto.
17.Actualmente, mediante o preenchimento automático de cartões de ponto.
18.Devendo o A. compensar qualquer período em que falte ou esteja ausente.
19.A sua assiduidade e/ou as suas faltas são supervisionadas pela Sr.ª D.ª DD, trabalhadora ao serviço da R.
20.O A. cumpre pois o regime de faltas aplicável aos restantes trabalhadores.
21.E beneficia do regime de férias e feriados dos restantes trabalhadores da R., doc. n.º 5.
22.Goza períodos de férias de 25 dias úteis, acrescidos de dois, um por antiguidade e outro por idade, doc. 5.
23.Que agenda ou marca igualmente de acordo e sob autorização da R.,
24.Compatibilizando-as com o seu colega de departamento e funções, EE, que exerce a mesma actividade do A. e com quem distribui as tarefas diárias,
25.Este colaborador detém com a R. um contrato de trabalho em vigor.
26.Os meios de produção, equipamentos ou instrumentos de trabalho, já eram colocados à disposição do A. pela R., idem doc. nº 2.
27.Tal como ainda o são hoje em dia, já que quer o seu posto de trabalho (Núcleo de Organização Informática – NOI) quer os meios (computadores, secretária, cadeira e outros) por si utilizados pertencem ou são exclusivamente disponibilizados pela R.
28.O A. trabalha nas instalações e exclusivamente para a R., sendo os valores que desta aufere como contrapartida do seu trabalho, a sua única fonte de rendimento.
29.O A. sempre recebeu uma remuneração mensal certa, como contrapartida do seu trabalho, independentemente do resultado da sua actividade, docs. 1 e 2, actualmente € 1. 275,66, doc. 6 e 7.
30.Ao A. são liquidados os usualmente designados 13º e 14º meses (subsídios de Férias e de Natal), se bem que em regime de duodécimos, doc. n.º 6.
31.Esses dois subsídios são “diluídos” nas retribuições que o A. aufere ao longo dos 12 meses do ano, idem doc. n.º 6.
32.Sem bem que no ano em curso, haja auferido de uma só vez, o subsídio de férias em Junho de 2014., doc. 7.
33.São-lhe, ainda, abonadas as diuturnidades correspondentes à sua antiguidade, idem doc. n.º 6.
34.Em 20 de Setembro de 2011 o A. requereu à R. a regularização da sua situação laboral, doc. n.º 8. 35. Tendo, nesse requerimento, relevado o facto de exercer as suas funções diária e regularmente, subordinado à direcção e fiscalização da R., idem doc. n.º 8.
36.Concretizando “…ser de elementar justiça o reconhecimento de que a sua relação contratual reveste a forma de um Contrato de Trabalho Permanente e não de uma Prestação de Serviços”, idem doc. n.º 8.
37.O contrato do A foi denunciado pelo Ré em 30.12.2014 com efeitos no dia seguinte 31.12.2014, por força da entrada em vigor do Dec-lei nº 167/2014 de 06.11.
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De Direito.

Da competência material.

Não oferece quaisquer dúvidas que a competência material para decidir o pedido de inscrição do trabalhador na Segurança Social pertence aos Tribunais da jurisdição administrativa e tributária.
Nesse sentido, e por todos, cfr. o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 17.01.2008, que decidiu que "É competente em razão da matéria o tribunal tributário, e não o tribunal do trabalho, para conhecer do pedido de condenação dos réus a reconstituir retroactivamente o contexto contributivo do autor junto da previdência social, inscrevendo-o e fazendo a entrega das contribuições sociais na instituição respectiva" (cfr. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931)
O Supremo Tribunal Administrativo decidiu, na mesma linha (acórdão de 16.5.12, idem em www.dgsi.pt), que "A jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal dos Conflitos vai no sentido da competência dos tribunais tributários para conhecer da acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos à Segurança Social das diferenças que aquele considera terem existido nas contribuições devidas".

E esta Relação de Lisboa decidiu, no acórdão. de 7.12.11, que "O Tribunal do Trabalho não é competente para a apreciação do pedido de pagamento de quantias que o trabalhador auferiria a título de subsidio de desemprego da Segurança Social, por a entidade empregadora não ter procedido à entrega da totalidade dos descontos para aquela".

O A. está de acordo com isto. O que ele afirma, diferentemente, é que no caso, dada a conexão com os demais pedidos, o Tribunal laboral é competente por acessoriedade, complementaridade ou dependência, sendo que o contrário até se traduziria na exigência da prática de atos inúteis, exigindo-lhe um esforço processual desnecessário, quando a questão seria facilmente equacionada com os demais pedidos. 

Contudo, cremos que não tem razão.

O que importaria era, sim, demonstrar onde está a tal conexão suscetível de tornar competente o Tribunal do Trabalho, coisa que o A. não faz.

Exarou o Tribunal de Conflitos na fundamentação de decisão acima referida:
"Releva para a apreciação da competência em razão da matéria os termos em que a acção é proposta, o modo como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos; o quid disputatum ou quid decidendum. (...). (O pedido relativo à segurança social insere-se)  no âmbito da relação jurídica contributiva, e visa assegurar o cumprimento, pela empregadora, da respectiva obrigação contributiva, que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a estabelecer. Com efeito, quer a Lei 28/84, de 14 de Agosto (art. 24°), quer a Lei 17/2000, de 8 de Agosto (arts. 60° e 62°), quer a Lei 32/2002, de 20 de Dezembro (arts. 45° e 47°/1), quer finalmente a Lei 4/2007, de 16 de Janeiro (arts. 56°/1 e 59°/1) impõem a obrigação de contribuição para os regimes de Segurança Social aos beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, às respectivas entidades empregadoras, estabelecendo mesmo a responsabilidade destas pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, pelo que devem, para o efeito, proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes, e fazer o respectivo pagamento juntamente com a contribuição própria. (...) Está, assim, delineada, uma relação jurídica bilateral, de natureza contributiva, que impõe à empregadora a obrigação de efectuar uma prestação pecuniária (a contribuição), correspondendo a tal obrigação o direito da Segurança Social a essa prestação. Embora fundada na relação laboral, esta relação jurídica contributiva não se confunde com ela, e apenas incide sobre um dos sujeitos da relação laboral, a entidade empregadora, responsável pelo pagamento, mesmo na parte respeitante ao trabalhador. Como se refere nos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos n.° 02/04, de 27.10.2004, e n.° 03/06, de 04.10.2006 (...) no âmbito desta relação jurídica contributiva a empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico; é perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indirecta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente tendo poderes para intervenções coactivas, que as entidades empregadoras têm de cumprir a sua obrigação contributiva. Os aludidos acórdãos são igualmente conformes no entendimento - que aqui também se acolhe e que, aliás, se abona em recente jurisprudência do STA Acs. de 05.06.2002 e de 11.02.2004, disponíveis na base de dados do ITIJ. e nalguma doutrina Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, 1996, pág. 366 e ss. que citam - de que as contribuições para a Segurança Social, enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são impostos ou taxas, mas imposições parafiscais: embora apresentem grandes semelhanças com os impostos, partilhando das características destes (patrimonialidade, obrigatoriedade, afectação a entidades públicas), contêm, em vários domínios do seu regime jurídico, algumas especificidades que deles as distinguem - designadamente quanto às finalidades, forma de criação e modificação, e natureza dos organismos em favor dos quais são atribuídos - e que melhor se acomodam à tese da parafiscalidade. (...) A acção, na parte em que versa sobre a relação jurídica contributiva, e sobre eventual obrigação dos réus, enquanto sujeitos passivos dessa obrigação, perante a Segurança Social, tem por objecto matéria que é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. arts. 4º e 49°/l .c) do ETAF), já que tal obrigação tem, como vimos, natureza parafiscal.

Encontrada norma legal atributiva da competência a um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, fica logo afastada a competência dos tribunais do trabalho, face às regras dos arts. 66° do CPC e 18°/l da LOFTJ, que, à partida, limitam a competência dos tribunais judiciais às causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

(... Mas será a competência não direta mas por conexão?) No alargado rol das competências, em matéria cível, dos tribunais do trabalho, elencado no art. 85° da LOFTJ, contém-se, na alínea o), a de conhecer “(d)as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”. Leite Ferreira, depois de acentuar que apenas releva, para efeitos de competência, a conexão objectiva em sentido restrito, ou seja, a que emana da interligação dos diversos pedidos, precisa o seguinte:  “Em qualquer dos seus aspectos, a conexão objectiva pressupõe uma causa dependente de outra. Mas, na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental. Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objectivo, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra. Em consequência disso, a competência do órgão jurisdicional projecta-se sobre a questão complementar na medida em que esta sofre a influência daquela. Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade. Simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal Cod. de Proc. do Trabalho anotado 4ª ed., pág.80/81..

(...) Não se verifica a conexão a que se reporta o preceito legal acima transcrito. Na verdade, se é certo que a relação jurídica contributiva se estabelece tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, verdade é também que ela não emerge de relação conexa com a relação de trabalho. Ela concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador e o Estado. No âmbito desta relação jurídica a empregadora não se acha constituída em qualquer dever jurídico perante o trabalhador: a sua obrigação contributiva existe face à Segurança Social e é perante esta que tal obrigação deve ser cumprida. Não existe, pois, qualquer conexão entre a relação jurídica contributiva e o contrato de trabalho (...), o pedido não está numa situação de acessoriedade, nem tão pouco de complementaridade ou dependência,

Também o citado acórdão desta Relação de Lisboa salienta:
"a natureza tributária ou parafiscal dos descontos ou contribuições a efectuar pelas entidades empregadoras para a Segurança Social, por força dos contratos de trabalho que hajam celebrado. (...) E porque tais contribuições revestem natureza tributária ou parafiscal, acompanhamos o afirmado no Ac. do STJ de 15/02/2005 (www.dgsi.pt, proc. 04S3037), que salienta que “não há razões para duvidar da incompetência directa dos tribunais do trabalho para decidir das questões emergentes da relação contributiva, ou seja, da incompetência material dos tribunais do trabalho quando o único objectivo da acção proposta pelo trabalhador contra a sua entidade empregadora seja a condenação desta a pagar à Segurança Social as contribuições que devia ter pago na pendência do contrato de trabalho”.

(E quando o autor formula outro ou outros pedidos para cuja apreciação o tribunal do trabalho tem directa competência?) Aí terá que se equacionar o disposto na al. o) do artº 85º da LOFTJ. E a pergunta que se impõe é a de saber se entre a relação contributiva subjacente à obrigação de pagamento das referidas contribuições à Segurança Social por parte da entidade empregadora, existe alguma conexão com a relação laboral. A resposta é dada pelo mesmo Ac. do nosso Supremo Tribunal, quando, com toda a clareza e rigor, refere: “diz-se que duas causas são conexas quando estejam interligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido). Todavia, como diz Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pag. 71 e seguintes), para que a extensão de competência prevista na referida alínea o) tenha lugar não basta uma qualquer conexão. A tal respeito escreveu aquele autor: «A alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm – trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc. Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir:
a) da unidade da causa de pedir;
b) da relacionação dos diversos pedidos.
Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir – Cod. Proc. Civil, art. 498.º, n.º 4 – pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos. Sempre que isso aconteça não poderá dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade de acções conexas.
Se dum mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa. (…)
A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho. Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais do trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (…) De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos».

Essa conexão, continua aquele autor, pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal”.

E como se conclui no Acórdão desta Relação de 7/3/2007, in www.dgsi.pt, também no caso que nos ocupa “não restam dúvidas de que a relação contributiva está dependente da relação laboral, uma vez que se esta não existisse, a ré não teria a obrigação de pagar contribuições à Segurança Social, relativamente à pessoa do aqui autor. Acontece, porém, que entre os pedidos emergentes da relação laboral e o pedido de condenação da ré no pagamento das contribuições à Segurança Social não existe nenhuma das referidas modalidades de conexão, sendo autónomos e independentes entre si. Com efeito, a formulação daqueles não depende da formulação deste e vice-versa. Cada um deles pode ser formulado separadamente”.

Acresce que, nos termos dos artºs 51º e 56º da Lei 4/2007 de 16/1 – Lei de Bases da Segurança Social – é obrigatória a inscrição dos trabalhadores e das entidades patronais como contribuintes, bem como o pagamento das respectivas contribuições, obrigações que no caso dos trabalhadores por conta de outrem estão a cargo do empregador.

A obrigação de liquidar e pagar as contribuições não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. Com efeito, ambas as violações contratuais (o não pagamento de prestações retributivas e a omissão de contribuição para o sistema de segurança social) estão relacionadas com a existência de um contrato de trabalho, mas cada uma delas tem um conteúdo próprio e independente, já que qualquer uma pode ocorrer sem o concurso da outra.

Nunca existiria, no caso em apreço, uma conexão directa, por o pedido de pagamento da prestações do subsídio de desemprego, não estar numa situação de acessoriedade, complementaridade e/ou dependência".

Estas considerações, que acompanhamos, e que não foram ultrapassadas pelas alterações legislativas, mantendo-se o mesmo regime, elucidam a questão: não há conexão entre este pedido, relativo à inscrição na segurança social, e os demais, pelo que decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar-se incompetente materialmente.
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Da data dos descontos.

Refere o preambulo do Decreto-Lei n.º 167/2014, de 6.11, que "Os vários estudos realizados ao longo das últimas décadas referem a existência de estabelecimentos fabris que se encontram, há muito, de uma forma geral, a atravessar uma profunda crise, apresentando baixa produtividade, produtos desatualizados, reduzida capacidade competitiva e dotados de modelos de gestão e de cultura empresarial inadequados. (....) É o caso das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento(OGFE) (...), atualmente sujeitas, nos termos da Lei Orgânica do Exército, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/2009, de 15 de setembro, aos poderes de direção e fiscalização do Comando da Logística do Exército, o qual integra os denominados órgãos centrais de administração e direção daquele ramo das Forças Armadas, (que) têm vindo a sofrer (...) sucessivas intervenções, na tentativa de as adaptar à evolução verificada no setor e aos novos desígnios da defesa nacional. (...) O quadro jurídico em que assenta a operação de extinção das OGFE e OGME é, num primeiro plano, o da Lei Orgânica do Exército, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/2009, de 15 de setembro, o do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, com as necessárias adaptações, que estabelece o regime geral de extinção, fusão e reestruturação de serviços públicos e de racionalização de efetivos, e, finalmente, ao nível do enquadramento das condições de requalificação dos recursos humanos, pelo vertido na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, em matéria de reafetação de trabalhadores em caso de reorganização de órgãos ou serviços da Administração Pública".

Consequentemente o R. denunciou o contrato dos autos, designado "de prestação de serviços pelas partes (n.º 37 dos factos provados).

Não sendo o A., formalmente, trabalhador do R., com vinculo reconhecido com o Estado, era-o materialmente, de acordo com a valoração efetuada na sentença e que não é discutida, do qual promana a subordinação jurídica do A. face ao R..

A questão está, simplesmente, na declaração de nulidade efetuada pelo Tribunal a quo, atentando que não poderia o vínculo ser válido por inverificados os pressupostos legais desde logo para a admissão de pessoal no setor publico, nomeadamente o acesso por via concursal, ex vi art.º 5º e 7º da Lei 2004, de 22.7, sendo pois nulo, mas valendo durante todo o tempo em que foi executado, por força do disposto no art.º 122/1 do Código do Trabalho. Tempo esse que seria o que medeia até à contestação da ação, já que o R. pôs fim ao contrato denunciando-o sem invocar qualquer  nulidade.
É contra este raciocínio que o A. se insurge, alegando que a nulidade não foi declarada pelo R. (cfr. fls. 8 das alegações, afirmando mesmo que o R. fez "absoluto silencio quanto a alguma espécie de nulidade do contrato", e a fls. 9 que "nos autos... o R. nunca declarou ou alegou a nulidade do contrato"), antes tendo sido "oficiosamente julgada pelo tribunal em 29.2.2016.

Nota-se que existe alguma incoerência do recorrente na sua exposição, considerando que a fls. 7 se revolta contra a possibilidade do Estado poder "invocar displicentemente a nulidade do vinculo a que o próprio dá origem".

Mas tomemo-lo como uma observação genérica e vejamos o articulado do R.. Nele não se vê, efetivamente, menção alguma ao termo "nulidade". Vê-se, sim, uma referência a uma invalidade por violação da lei no art.º 31: "O A. nem sequer poderia ter sido contratado pelas OGME mediante um contrato individual de trabalho, por tal estar legalmente vedado, pois, nos termos do disposto no art.º 6º do Decreto-Lei n.º 253/93, de 15 de julho (...) e, posteriormente o art.º 3º do Decreto-Lei n.º 234/96, de 7 de dezembro, veio estabelecer, no n.º 1, que «até à publicação do novo Estatuto do Pessoal Civil dos EFE não são permitidas novas admissões de pessoal, qualquer  que seja o tipo de vínculo, regime jurídico ou forma de contrato»".

Qual a consequência disto? Defende a sentença recorrida que "o R. nunca invocou a nulidade do contrato pelo que o mesmo só cessou com a notificação da R. ao A. (...) na qual invoca a proibição da celebração do contrato em causa.

Ora, a nulidade é uma forma de invalidade em que, por força de um vício, o negócio não produz efeitos (cfr. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 331), mostrando-se deficiente na configuração exigida por lei (cfr. Januário Gomes, Constituição Relação Arrendamento Urbano, 106). A nulidade é um vício especialmente grave, insanável, invocável por qualquer interessado de conhecimento oficioso (art.º 286, Código Civil), e, no direito civil, com efeitos em regra ex tunc (art.º 289/1).

Ora, a lei afirma expressamente que os negócios celebrados contra norma legal imperativa são nulos (art.º 294).

No direito do trabalho, não podendo as partes ser restituídas à situação em que estariam se não celebrassem o negócio nulo, a regra é que os seus efeitos só se produzem ex nunc, i.é, para futuro.

Afigura-se-nos que o R. invocou suficientemente a invalidade, não pela designação mas descrevendo o vício que decorreria da violação da lei, e que é a nulidade. 

Nem se diga que o R. não age de boa fé. No caso, embora as situações de precariedade como a do A. devam ser desincentivadas, ainda para mais no seio do Estado, não se vê como imputar a essa entidade, que ora age como empregador, ora como legislador, que ora se assume Estado administração, ora Estado comunidade, e face aos factos apurados, a atuação finalística orientada a prejudicar este ou aquele (ou até o conjunto de trabalhadores na situação do A.).

Destarte conclui-se pela improcedência do recurso.   
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DECISÃO.
Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela R..


Lisboa, 2 de novembro de 2016


Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
Paula Santos