PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
HOMOLOGAÇÃO
Sumário

I-O escopo do PER é a obtenção de um acordo duradouro entre o devedor e uma maioria de credores a fim evitar a insolvência do devedor.
II-A celeridade inerente a este tipo de processo não pode pôr em causa o princípio da igualdade dos credores.
III-A exclusão do direito de voto relativamente aos créditos “que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano” (nº2 do artº212º do CIRE) é expressão do referido princípio da igualdade, uma vez que visa evitar que o(s) maior(es) credor(es) imponha(m) aos demais credores condições mais desfavoráveis em termos de redução dos seus créditos e de agravamento das condições de pagamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


No presente processo especial de revitalização em que é requerente, João ………….., devidamente identificado a fls.1, foi proferida a seguinte decisão final:
 “-…-
O plano foi aprovado (cfr. fls. 142).
Assim homologo por sentença, nos termos do 17°F, n.ºs 5 e 6, do CIRE, o plano de revitalização do Devedor João …………….
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações - art.º 17°F, n.º 6, do CIRE.
Custas pelo apresentante com taxa de justiça reduzida a 1/4 - art.ºs17°F, n.º 7, e 302°, n.º 1, ambos do CIRE - sendo o valor da acção para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do art.º 301° do CIRE.
Registe, notifique e publicite nos termos dos art.ºs37° e 38°, ex vi, n.º 6 do art.º 17°F, todos do CIRE.
Notifique o devedor para, querendo, se pronunciar relativamente à remuneração a fixar ao Sr. Administrador Judicial Provisório, no prazo de 5 (cinco) dias.
-…-”

Desta decisão veio a C…….., ………, credora, igualmente, identificada nos mesmos autos, recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

A.-O Devedor João ……….. deu início a um Processo Especial de Revitalização nos termos do artigo 17.º-C do CIRE, manifestando a sua intenção de dar inicio às negociações com vista à aprovação de um plano de pagamentos.
B.-O supra mencionado processo correu termos no Juiz 2 da Secção de Comércio de Sintra, Comarca de Lisboa Oeste.
C.-Para Administrador Judicial Provisório foi nomeado, o Exmo. Senhor Dr. Jorge Manuel ………...
D.-A ora Recorrente reclamou créditos ao abrigo do artigo 17.ºD do CIRE no valor total de € 17.696,77 (dezassete mil seiscentos e noventa e seis euros e setenta e sete cêntimos).
E.-Tendo o seu crédito sido reconhecido como crédito comum e devidamente incluído na lista provisória de créditos apresentada pelo Exmo. Senhor Administrador Judicial Provisório, nos termos do artigo 17.ºD, n.º 3 do CIRE.
F.-A lista provisória de créditos não foi impugnada pelo que foi convertida em definitiva.
G.-Na sequência das negociações entre Devedores e Credores - às quais a aqui Recorrente aderiu - foi apresentado plano de pagamentos com vista à revitalização do devedor.
H.-O referido plano foi votado desfavoravelmente pela aqui Recorrente e pelos Credores Banco PSA Finance e Barclays Bank.
I.-E votado favoravelmente pelos Credores BCP e Fazenda Nacional.
J.-Tendo o plano sido aprovado com 74,88% dos votos a favor.
K.-Assim, em 24/0212016 foi proferida sentença homologatória do plano de pagamentos aprovado com vista à revitalização dos Devedores.
L.-A qual foi publicada em 26/0212016.
M.-Salvo o devido respeito, não poderá a Credora Cofidis concordar com o teor da douta sentença proferida.
N.-O Plano de pagamentos apresentado pelo Devedor apenas salvaguardava a posição do Credor Hipotecário - BCP - prevendo para o Crédito Garantido a reestruturação dos créditos com alargamento do prazo até aos 80 anos do mutuário e a introdução de um período de carência de capital de 12 meses.
O.-No que concerne aos Credores comuns a proposta apresentada implicava o perdão de 65% dos respectivos créditos e o pagamento do remanescente em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, sem vencimento de juros.
P.-Para os créditos da Fazenda Nacional, previa o pagamento da totalidade da quantia reclamada e reconhecida em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no mês seguinte à data da sentença homologatória do plano nos termos do n.º 1, do artigo 17.º-F e n.º 5 do artigo 14.º, ambos do CIRE. Propõe-se o pagamento dos juros vencidos e vincendos com a redução legalmente admissível. Mais se requer a dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 52.°, n.º 4 e 74.°, n.º 1 da LGT.
Q.-Quanto ao crédito subordinado o plano propunha o perdão de 90% dos respectivos créditos e o pagamento do remanescente em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, sem vencimento de juros.
R.-Nos termos do artigo 212.º, n.º 2, alínea a) do CIRE não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.
S.-No caso em apreço o crédito BCP credor hipotecário, as únicas alterações introduzidas para o crédito garantido traduziram-se num aumento do prazo contratual e numa carência de capital por 12 meses.
T.-Contudo, e apesar das alterações introduzidas, a aprovação do plano pelo BCP não comporta para aquela entidade qualquer redução do crédito garantido ou constrangimento à sua cobrança, razão pela qual o voto de tal entidade não pode entrar no cômputo do quorum deliberativo, pela singela razão que nem sequer tinha direito de voto. - Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
U.-Pelo que, e salvo o devido respeito, não poderia o Credor BCP ter tido expressão no mapa de votação do plano - cfr. artigo 212.º, n.º2, alínea a) do CIRE.
V.-O que, considerando que o plano de pagamento do Devedor foi aprovado com o voto maioritário do credor BCP, implicaria que o mesmo tivesse sido recusado, por não se verificar existência de quorum necessário à sua aprovação.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, assim, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo de homologação do plano de recuperação apresentado. 
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Neste Tribunal de Recurso foi exarada a seguinte decisão singular/ parte decisória - artº656º do CPC:
“-…-
- Assim e pelos fundamentos expostos, decide-se revogar a decisão recorrida e, em consequência, recusar a homologação do PER aprovado e homologado pela decisão recorrida.
- Custas pelos apelados.
-…-”

Desta decisão singular veio o credor reclamante, BANCO ………., S.A., “requerer a V. Exa. que se digne ordenar a rectificação do douto acórdão proferido em 18.05.2016, e em consequência ser o ora credor reclamante Banco ………, SA., notificado, das alegações oferecidas pelo credor C……, concedendo-lhe assim prazo para exercer o contraditório.”

Notificada a C…… na qualidade de recorrente para responder aquele arguida nulidade, nomeadamente, para esclarecer se o reclamante/BCP foi, ou não, notificado do recurso e respectivas alegações, respondeu (fls.213 e v.) que, “por lapso a questionada notificação não ocorreu (…)”.

A fim se suprir a nulidade detectada ordenou-se a notificação do “reclamante/BCP para exercer o aludido e imprescindível contraditório, em relação ao alegado pela recorrente/Cofidis, no prazo de 10 dias, atento também à urgência do processo.”

Notificado o Banco reclamante/ veio contra-alegar, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1.-O Banco …….., S.A. reclamou créditos no montante total de €66.773,75 dos quais €53.767,49 dizem respeito a dívidas resultante de dois contratos de mútuo com hipoteca sobre fracção autónoma designada pela letra "B" correspondente ao Rés-do-chão direito, com arrecadação n.º 5 na cobertura, do prédio urbano sito na Rua …………, n.º 23, Alto do Zambujal, lote 22, freguesia da Buraca, concelho da Amadora, e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial da Amadora sob a ficha n.. ……, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ……. E €453,88 dizem respeito ao saldo devedor existente na conta de depósito à ordem n.º 92378242.
2.-O Senhor Administrador Judicial Provisório, reconheceu os créditos acima indicados, no valor de €54.221,37 na lista provisória dos créditos reconhecidos de acordo com a parte final do nº 2 do artigo 17.ºD do CIRE.
3.-A lista provisória converteu-se em definitiva, dada a inexistência de impugnações nos termos do número 4 do artigo 17.º do CIRE, sendo a totalidade dos créditos reconhecidos de €94.266,95.
4.-O plano de pagamento aprovado prevê que o contrato celebrado com o Banco ……., S.A. tenha um período de carência de 12 meses o seja alargado o período d pagamento para 80 anos.
5.-O plano foi aprovado por 74,88% de votos favoráveis e 25,12% de votos desfavoráveis.
6.-Os artigos 17.º e seguintes do CIRE, quanto aos procedimentos de votação, não fazem qualquer referência à aplicação das regras do artigo 212.º do CIRE.
7.-A referência ao artigo 212.º do CIRE deixou de constar com a entrada em vigor do Decreto-Lei 26/2015 de 6 de Fevereiro.
8.-As regras no que diz respeito à votação dos planos de revitalização são as constante no número 3 do artigo 17.º F do CIRE, "Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções."
9.-A aprovação do plano foi efectuada nos termos da legislação em vigor à data do anúncio do processo.
10.-Se o legislador retirou do artigo 17.º F a referência às regras de votação do artigo 212.º do CIRE é porque pretendeu que estas não fossem efectivamente aplicáveis ao processo especial de revitalização.
11.-O processo especial de revitalização é um procedimento especial e mais simplificado, pelo que todos os credores tê m direito de voto.
12.-A lista definitiva dos créditos reconhecidos - resultante da lista provisória convertida em definitiva por falta de impugnação - serve de base às negociações e posterior votação e aprovação do plano de recuperação.
13.-A classificação dos créditos como comuns, garantidos, privilegiados ou subordinados, de acordo com o disposto nos artigos 47.º e 48.º do CIRE não é definida no âmbito do PER, ao contrário do alegado pela Recorrente.
14.-A qualificação dos créditos não tem relevância para o número de votos dos credores aquando da votação do plano de revitalização.
15.-A lista definitiva de credores, nos termos em que é esta é prevista no artigo 17.ºD não faz caso julgado, relativamente ao incidente de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência.
16.-No que diz respeito ao PER não é emitida a lista definitiva plasmada no artigo 129.º do CIRE, nem é proferida sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do artigo 140.º do CIRE.
17.-Estamos perante num âmbito mais restrito e simplificado, que não influi para a votação do plano.
18.-Veja-se neste sentido o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-04-2015, in www.dgsi.pt.
19.-Todos os credores têm direito de voto, nos termos dos valores que lhe foram reconhecidos na lista definitiva dos créditos reconhecidos.
20.-É esse valor que determina os votos de cada um dos credores, e não o tipo de crédito que foi reconhecido.
21.-A lista de créditos serve de base às negociações entre o devedor e os seus credores, bem como à votação e aprovação do plano de recuperação.
22.-Para que o credor exerça o seu direito a participar nas negociações e votar o plano, basta que o seu crédito seja admitido e integre a lista. O número de votos será o equivalente ao valor dos seus créditos, sendo independente da existência ou não de quaisquer garantias.
23.-É irrelevante para o exercício do direito de voto se um credor goza ou não de garantias, uma vez que a lista definitiva dos créditos reconhecidos não faz caso julgado.
24.-Nestes sentido, veja-se o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2014 in www.dgsi.pt.
25.-Caso assim não se entenda, o que não concede mas se pondera por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que os créditos do Banco Comercial Português, S.A. foram efectivamente alterados, uma vez que ocorreu um aumento do período de duração do contrato e introduzindo um período de carência de 12 meses.
26.-O plano aprovado afecta efectivamente os contratos de mútuo com hipoteca celebrados com os devedores, uma vez que determinam a existência de um período de carência, que não havia sido contratualizado e aumenta o prazo de duração e estabelecido inicialmente pelas partes.
27.-Pelo que, o plano de revitalização determina a modificação do seu crédito pela parte dispositiva do plano de revitalização.
Nestes termos requerer que seja julgado improcedente o recurso apresentado pela Credora Cofidis, confirmando-se a sentença recorrida.
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APRECIANDO E DECIDINDO EM CONFERÊNCIA:
Thema decidendum
- Em função das conclusões do recurso, temos que:
A recorrente questiona o direito de voto exercido pelo credor BCP relativamente ao plano de revitalização aprovado neste PER.
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Argumenta o reclamante BCP, em síntese que:

“-…-
-Os artigos 17.º e seguintes do CIRE, quanto aos procedimentos de votação, não fazem qualquer referência à aplicação das regras do artigo 212.º do CIRE.
-A referência ao artigo 212.º do CIRE deixou de constar com a entrada em vigor do Decreto-Lei 26/2015 de 6 de Fevereiro.
-As regras no que diz respeito à votação dos planos de revitalização são as constante no número 3 do artigo 17.º F do CIRE, "Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções."
-Se o legislador retirou do artigo 17.º F a referência às regras de votação do artigo 212.º do CIRE é porque pretendeu que estas não fossem efectivamente aplicáveis ao processo especial de revitalização.
-A classificação dos créditos como comuns, garantidos, privilegiados ou subordinados, de acordo com o disposto nos artigos 47.º e 48.º do CIRE não é definida no âmbito do PER, ao contrário do alegado pela Recorrente.
-A qualificação dos créditos não tem relevância para o número de votos dos credores aquando da votação do plano de revitalização.
-Todos os credores têm direito de voto, nos termos dos valores que lhe foram reconhecidos na lista definitiva dos créditos reconhecidos.
-É irrelevante para o exercício do direito de voto se um credor goza ou não de garantias, uma vez que a lista definitiva dos créditos reconhecidos não faz caso julgado.
-Os créditos do Banco Comercial Português, S.A. foram efectivamente alterados, uma vez que ocorreu um aumento do período de duração do contrato e introduzindo um período de carência de 12 meses.
-…-”

- Quid juris?

Diverso entendimento tem este Tribunal de Recurso, o qual foi expresso da maneira seguinte:

“-…-
Segundo o recorrente, o artº212º, nº2 a) do CIRE não confere direito de voto, relativamente, aos titulares dos créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.
Deste modo e porque, o crédito garantido do credor BCP apenas se traduziu num aumento do prazo contratual e numa carência de capital por 12 meses, não devia aquele credor exercer o aludido direito de voto.

A propósito do direito de voto, estabelece o citado nº2 a) do artº212º do CIRE, aplicável ex vi, artº17-F do mesmo diploma legal:
-Não conferem direito de voto, os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.

Recordemos o plano de revitalização em apreço:
-…-

PLANO DE REVITALIZACÃO.
O presente plano de recuperação prevê a satisfação dos credores pela recuperação do Devedor, permitindo que o pagamento aos credores seja efectuado à custa dos rendimentos gerados, tal qual indicado no presente PER.
O Devedor enfrenta dificuldades sérias para cumprir as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez e por não conseguir obter crédito.
O presente plano obstará à probabilidade séria da impossibilidade de cumprimento, pelo Devedor, num futuro próximo, das suas obrigações vincendas.

Por conseguinte, propõe-se o pagamento a todos os credores nos seguintes termos:
I)-Quanto aos créditos garantidos do Banco Comercial Português, S.A., credor hipotecário, propõe-se a reestruturação dos créditos com alargamento do prazo até aos 80 anos do mutuário e a introdução de um período de carência de capital de 12 meses.
II)-Quanto aos credores comuns, propõe-se o perdão de 65% dos respectivos créditos e o pagamento do remanescente em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, sem vencimento de juros.
III)-Quanto aos créditos comuns do Estado - Fazenda Nacional, propõe-se o pagamento da totalidade da quantia reclamada e reconhecida em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no mês seguinte à data da sentença homologatória do plano nos termos do n.º 1, do artigo 17°-F e n.º 5 do artigo 14.º, ambos do CIRE. Propõe-se o pagamento dos juros vencidos e vincendos com a redução legalmente admissível. Mais se requer a dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 522, n.º 4 e 74.º, n.º 1 da LGT.
IV)-Quanto ao credor subordinado, propõe-se a perdão de 90%o dos respectivos créditos e o pagamento do remanescente em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, sem vencimento de juros.
A primeira prestação vence-se no mês seguinte à data do trânsito de homologação do plano especial de revitalização
As vantagens do presente plano de revitalização, passam pela probabilidade de recebimento dos seus créditos para todos os credores.
Todos os pagamentos serão feitos mediante transferência bancaria para NIB a indicar por cada um dos credores, devendo posteriormente ser remetido para o Devedor o respectivo recibo de quitação.
-…-”

A Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3-2, criou o designado programa “Revitalizar” e a Lei 16/2012, de 20 de Abril, veio aditar ao Título I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) o Capítulo II, no qual veio instituir a regulamentação do Processo Especial de Revitalização (PER), que “destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização” – artº17º-A.

Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, 2.ª Edição, 2013, pág. 140, referem que o PER: “enquanto o primeiro constitui uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores”.

O objectivo de tal processo/PER é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização do devedor, pressupondo sempre a aprovação desse acordo por uma maioria qualificada de créditos, como aconteceu in casu.

Quanto à questão da exclusão do direito de voto, os referidos estudiosos sobre esta matéria, Carvalho Fernandes e João Labareda - ob. cit., pág. 175 - parecem excluir a aplicação ao PER do citado artº212º nº2 do CIRE.

Posição diversa é defendida por Luís M. Martins, in, “Recuperação de Pessoas Singulares” 2012, 2.ª Edição, Almedina, pág. 62/63: “As limitações ao direito de voto são de aplicar ao PER, pois não obstante a remissão operada ser apenas para as regras de quorum constantes no nº 1 do artigo 212º/CIRE, o que são considerados créditos com direito de voto está explicado nos nºs 2 a 4 do citado preceito legal”.

Pensamos ser esta a melhor solução.
Com efeito, no nº 1 desse preceito legal prevê-se que, o PER seja aprovado, estando presentes ou representados pelo menos um terço do total dos créditos com direito de voto, quando obtiver dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Por sua vez, o seu nº 2 identifica, negativamente, os créditos que tem direito de voto.
Logo, saber quais os créditos que têm direito de voto implica interpretar e aplicar o seu nº 2, o qual delimita negativamente os créditos com direito de voto, excluindo esse direito aos créditos “que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano”.
A ratio dessa norma é evitar que o maior credor, como é o caso, não sendo afectado com a aprovação do PER, imponha aos demais credores condições mais desfavoráveis, nomeadamente, com redução dos valores dos respectivos créditos e mais gravosas condições de pagamento.
Consigna-se ainda que, a nova redacção do nº 3 do artº17º-F, introduzida pelo DL 26/2015, de 6-2 e em vigor a partir de 2/3/2015, deixou de fazer remissão para o nº 1 do artº212º do CIRE - cfr. Alexandre de Soveral Martins, in, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 490.
Tudo visto e porque o crédito em causa não foi na realidade modificado na parte dispositiva do enunciado plano, não podia o credor BCP exercer o direito de voto, nos termos do mencionado artº202 nº2 a) do CIRE.
-…-”
Impõe-se ainda sublinhar que a alteração introduzida pelo DL 26/2015, ao contrário do alegado pelo contestante Banco, reforça a tese por nós expendida, sendo certo também que a celeridade inerente ao processo de revitalização, não pode pôr em causa os princípios da igualdade e da proporcionalidade que têm que estar subjacentes a qualquer plano – cfr. o paradigmático Acordão do STJ, de 3-11-2015, proferido no pº 863/14.2T8BRR.L1.S1 - 6ª Secção e publicitado, in, www.dgsi.pt, com este sumário:
I-O princípio da igualdade dos credores (art.194.º do CIRE) não é absoluto, pois permite, em consideração do princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (n.º 1 do art.1.º do mesmo código), que se adopte um tratamento diferenciado, conquanto o mesmo se justifique por razões objectivas.
II-Posto que os credores que são titulares de créditos de valores elevados já têm, por esse motivo, um voto decisivo, é insuficiente invocar a imprescindibilidade da aprovação, pelos mesmos, do plano de revitalização para lhes dar um tratamento mais favorável, sendo certo que essa circunstância não permite conceder aos credores que não o aprovaram um tratamento manifestamente mais desfavorável.
III-Não se descortinando, nos factos provados, qualquer razão objectiva para que um crédito que foi, nos termos do plano de revitalização, reduzido em 50% seja pago em 120 prestações iguais e sucessivas, há que considerar que o mesmo viola o princípio da igualdade dos credores, o que constitui causa oficiosa de recusa da respectiva homologação (art.215.º do CIRE).

DECISÃO:

-Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação de Lisboa (1ª Secção) acordam, em Conferência, em manter o antes decidido singularmente, ou seja, “revogar a decisão recorrida e, em consequência, recusar a homologação do PER aprovado e homologado pela decisão recorrida”.
- Custas pelos apelados.


Lisboa,06-12-2016


Relator:Afonso Henrique C. Ferreira
1º Adjunto:Rui M. Torres Vouga
2º Adjunto:Maria do Rosário P. P. Gonçalves.