PROCESSO DE SUPRIMENTO
RECURSO DE REVISÃO
Sumário

1.O Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, não contém norma expressa no sentido de conferir ao requerido do processo de suprimento, dado como ausente e que não deduza oposição, forma de solicitar a reapreciação judicial da decisão proferida pelo M.P.
2.O termo “trânsito em julgado” encontra-se reservado no CPC para as decisões judiciais, das quais não se pode mais recorrer, seja porque já passaram todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou.
3.Porém, as normas do Código de Processo Civil não devem ser interpretadas de forma compartimentada, mas de harmonia com a coerência do sistema jurídico no seu conjunto, nomeadamente o regime jurídico decorrente do Decreto-Lei n.º 272/2001.
4.À semelhança das decisões do conservador, a decisão do M.P. nos procedimentos que correm perante si, a que alude o art. 2º do mesmo diploma legal, têm força igual à das sentenças que suprem o consentimento em situações similares.
5.Diferente interpretação levaria a uma subversão do sistema estatuído com o Decreto-Lei n.º 272/2001 e a uma clara violação da intenção do legislador.
6.Por isso, a decisão do M.P. sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 697º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para efeitos de interposição de recurso de revisão.
7.Com o recurso de revisão abre-se a instância que o caso julgado extinguira, mantendo-se a mesma quanto às pessoas.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

        Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I.-... ...ammed Y. ..., requerido na acção de suprimento do consentimento instaurado perante o Ministério Público, ao abrigo do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, por Rola ...'d ... ... ...'a, veio, por requerimento dirigido ao M.P., interpor recurso de revisão da decisão proferida por este no dia 20/11/2012, na qual foi suprido o seu consentimento no pedido a apresentar pela requerente de atribuição da nacionalidade portuguesa ao filho menor de ambos, Badr ... M ..., nascido a 6/02/2009, solicitando a final:
a)-seja o recurso de revisão com base em simulação processual admitido e tido como procedente por provado;
b)-seja a decisão datada de 20/11/2012 anulada, nos termos do art. 701º, n.º 2, do CPC, por falta de um pressuposto processual que seria a ausência do recorrente em parte incerta;
c)-seja oficiosamente notificada a Conservatória de Registos Centrais para cancelar o registo de nascimento do menor, nos termos do art. 91º, n.º 1, al. e) do CPC;
d)-seja o recurso de revisão com base em nulidade de citação admitido e tido como procedente por provado;
e)-sejam os termos do processo posteriores à citação do Recorrente anulados e ordenada a citação do mesmo para POBox 63762, RiYadh, Saudi Arabia 11526, a fim de se poder opor ao suprimento de consentimento.

Pelo despacho judicial de fls. 142 foi determinado que se desse baixa da distribuição e se remetesse o requerimento ao processo ao qual foi dirigido.

O Ministério Público determinou então a apresentação do expediente na secção central do tribunal a fim de ser distribuído por um dos Srs. Juízes do Tribunal de Família e Menores de Cascais.

Por despacho judicial de fls. 150, foi recebido o recurso de revisão, determinando-se o cumprimento do disposto no artigo 699.°, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Notificada pessoalmente a requerente dos autos de suprimento, veio esta responder nos termos constantes de fls. 200 e ss.. suscitando as seguintes excepções:
-a excepção dilatória inominada  consistente no facto do recurso ter sido dirigido ao M.P. e não ao Tribunal, o qual não pode resolver um conflito de interesses que não lhe foi pedido – arts. 3º, n.º 1, 588º, al. a) do CPC;
-irregularidade da apresentação da peça processual, pois que esta não foi apresentada por transmissão electrónica, sendo que essa irregularidade influi no exame e decisão da causa, pois que o recurso de revisão tem prazo para ser apresentado e desconhece quando tal ocorreu;
-irregularidade no pagamento da taxa de justiça devida, pois que o seu valor foi liquidado por valor inferior ao devido;
-inadequação do meio processual, pois que não se impugna uma qualquer decisão judicial, mas sim uma decisão proferida por um representante do Estado;
-ineptidão parcial do requerimento petitório, quanto ao pedido formulado em c), por falta de narração de factos;
-incompetência absoluta do tribunal, quanto ao pedido formulado em c), por ser privativo do registo civil;
-ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, atenta a falta de demanda do filho menor;
-falta de constituição de advogado, pois que a procuração não contém todos os elementos fixados na lei;
-abuso de direito;
-caducidade do direito de acção.

Posteriormente determinou-se e foi realizada uma diligência/conferência.

Após se ter determinado a apensação aos presentes autos do processo que correu termos nos serviços do Ministério Público (processo n.º 3256/12.2TACSC) e terem sido realizadas outras diligências, foram os autos ao Ministério Público.

Foi proferido o parecer de fls. 535, pugnando-se aí pela procedência dos pedidos do A. constantes (em alternativa aos primeiros) de fls. 18 dos autos.

Após o tribunal conheceu do recurso de revisão, tendo decidido julgar procedente o fundamento da revisão invocado pelo Requerente/Recorrente e previsto no artigo 696, alínea e) do Código de Processo Civil, e determinou a anulação de todo o processado (Processo n. ° 3256/12.2TACSC) após a apresentação do requerimento inicial.

Inconformada veio a requerente dos autos de suprimento/requerida no recurso de revisão interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:

A)-A R. não se conforma com todos e cada um dos segmentos decisórios insertos na douta sentença, que, a final, julgou “procedente o fundamento de revisão invocado pelo Requerente/Recorrente e previsto no art.º 696.º alínea e) do Código do Processo Civil, e consequentemente determina a anulação de todo o processado (processo n.º 3256/12.2TACSC) após a apresentação do requerimento inicial.” Na verdade,
B)-deveria o tribunal a quo, em face da matéria em causa, ao invés de proferir a decisão que emanou, reconhecer a sua incompetência absoluta, e, consequentemente, abster-se de conhecer do objecto do litígio, absolvendo a R. da instância.
C)-Não só não o fez, por errónea interpretação e aplicação do direito como ainda, porquanto embora devendo deixou de conhecer dos fundamentos de facto e direito dados a conhecer pelo Requerimento que a aqui R. fez presente em 11.06.2014, a que coube a Refª Citius 17075567, através do qual arguiu a verificação da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e da hierarquia.
D)-Sendo certo que, como os autos o demonstram, sobre as “questões supra” as descritas na conclusão precedente, cujo conhecimento se impunha, o tribunal a quo, não emitiu um único juízo, nem deu a conhecer a razão porque não o fez, o que só por si, faz verificar a nulidade da decisão proferida tal como o consagra o disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea d) primeira parte do C.P.C., o que se argui e requer seja declarado. E, conhecendo-se do devido se reconheça: A Incompetência absoluta em razão da matéria do tribunal a quo, para conhecimento do objecto do presente litigio, Pois na verdade,
E)-Com a presente acção cuja decisão se coloca em crise, pretendeu o Recorrente (Besher ...ammed Y, Bakhett) obter a anulação do consentimento conferido à Requerida para obtenção da nacionalidade de seu filho. Dito de outra forma,
F)-Pretendeu o Recorrente (Besher ...ammed Y, Bakhett) reagir contenciosamente contra um acto relativo à atribuição da nacionalidade portuguesa. (a supressão do consentimento dada pelo M.P.)
G)-Nos termos da lei, - cfr. art.,s 25.º,26.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, art. 62.º do D.L. n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, concatenado com os art.s 37.º n..º 1 e 40.º n.º 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto,
H)-A competência em razão da matéria mostra-se fixada nos tribunais administrativos.
I)-Tudo a concluir que, o tribunal a quo, é absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer do objecto do presente litígio
J)-Por outro lado, considerando-se apenas e, em singelo, o objecto do recurso de revisão (revisão de decisão proferida pelo M.P.), conhecendo-se que nos termos das disposições conjugadas do art.º 16.º do D.L. n.º 272/2001, de 13 de Outubro, e, art.s 696.º, 697.º n.º 1, 698.º e 700.º todos do C.P.C., a competência para a revisão mostra-se fixada na entidade que proferiu a decisão a rever,
K)-Não sendo o tribunal a quo, a antedita, é, também por esta via, absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer do objecto do presente litígio.
L)-Pelo que, por devido, requer-se a V. Exas, Venerandos Desembargadores, que suprindo a nulidade em que recaiu o tribunal a quo, revoguem a decisão recorrida e, em sua substituição, emanem outra em que reconheçam ser o tribunal a quo, e, o composto por v/ Exas, absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objecto do presente litígio, determinando em obediência ao disposto no art.º 99.º n.º 1 do C.P.C., a absolvição da aqui R. da instância. Por outro lado, Da incompetência absoluta do tribunal a quo, em razão da hierarquia
M)-Nos termos do disposto no art.º 67 do CPC, a competência do tribunal de 1ª instância, para o conhecimento em sede de recurso de decisões de outras entidades, está dependente, da existência de norma que reconheça essa possibilidade.
N)-Percorrendo o ordenamento jurídico, não encontra a R. uma qualquer norma que fixe no douto tribunal a quo tal competência,
O)-Consequentemente, não tendo sido conhecida a arguida excepção pelo tribunal a quo, requer-se a V. Exas, Venerandos Desembargadores, que suprindo a nulidade em que recaiu o tribunal a quo, revoguem a decisão recorrida e, em sua substituição, emanem outra em que reconheçam ser o tribunal a quo, e, o composto por v/ Exas, absolutamente incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do objecto do presente litígio, determinando em obediência ao disposto no art.º 99.º n.º 1 do C.P.C., a absolvição da aqui R. da instância. Posto o supra,
P)-A Recorrente não se conforma igualmente com o segmento decisório que, conhecendo da arguida excepção de inadequação do meio processual a julgou improcedente.
Q)-Na verdade, por via da presente acção foi interposto “recurso de revisão da sentença proferida no âmbito dos autos que correram termos no Ministério Público junto ao Tribunal de Família e Cascais e a que correspondeu o Proc. n.º 3256/12.2TACSC.” Conhece-se:
R)-Que, não coloca em crise, ou seja, que não impugna uma qualquer decisão judicial
S)-Consequentemente ao julgar não verificada a arguida excepção de inadequação do meio processual o tribunal a quo, por erro de julgamento violou o disposto no art.º 627.º n.º 1 do C.P.C., devendo em consequência o doutamente decidido ser revogado e, substituído por acórdão em que se reconheça verificada a arguida excepção e, em consequência se determine a absolvição da R. da presente instância.
T)-De igual modo, a R. não se conforma com a decisão proferida quanto à arguida verificação da excepção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário. Na verdade,
U)-Se, é certo que, as partes no Processo de supressão de consentimento foram a aqui R. e o então recorrente nos presentes autos (Besher ...ammed Y, Bakhett)
V)-Não menos é, que por força da decisão proferida e posta em crise pelo “recurso de revisão interposto), a aqui R., adquiriu o direito de, só por si, (com base no suprimento concedido) requer a nacionalidade portuguesa em benefício de seu filho menor.
W)O que fez e logrou obter,
X)-Tendo em consequência seu filho, visto reconhecida a nacionalidade portuguesa
Y)-Adquiriu, pois, o menor o direito à cidadania portuguesa. (direito próprio)
Z)-Com o recurso interposto, pretendeu o então recorrente (Besher ...ammed Y, Bakhett) obter a anulação de todos os actos subsequentes à verificação da sua falta de citação no processo de supressão de consentimento.

AA)-não sendo o menor, parte na presente acção, como os autos o demonstram,
BB)-Dúvidas não existem – cfr. art.º 33.º do CPC, que a sua falta é motivo de ilegitimidade. Assim e, uma vez que,
CC)-A ilegitimidade, cfr. art.º 33.º, 576.º n.º 1 todos do CPC, é uma execepção dilatória, por provada, deverá a mesma ser julgada procedente e, a R. absolvida da instância – cfr. art. 278.º n.º 1 alínea e) do C.P.C
DD)-Não foi o supra o douto entendimento do tribunal a quo, pelo que, ainda que por erro de julgamento violou o disposto no art.º 33.º n.º 1 e 2 do C.P.C., devendo em consequência o doutamente decido ser revogado por acórdão em que se reconheça verificada a arguida excepção e, em consequência se determine a absolvição da R. da instância. Pois, Somente assim se fará a Costumada Justiça, o que se pede

Foram apresentadas contra-alegações pelo requerido dos autos de suprimento/requerente do recurso de revisão, nas quais propugna pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1.-Rola ...d ... ... ...a propôs, a 12/07/2012, contra ... ...ammed Y. ..., nos serviços do Ministério Público, processo de suprimento do consentimento, ao abrigo do disposto no artigo 2.°, n.º 1, alínea b) do DL n." 272/2001, de 13/09.
2.-No requerimento inicial não indicou morada referente ao [aí] Requerido e alegou que o mesmo se encontrava "ausente em parte incerta e desconhecida". Mais alegou, no articulado inicial apresentado, que, após o divórcio (24/03/2010), deixou de ter contacto com o Requerido, não mantendo este qualquer contacto com o menor ou com a Requerente; desconhecendo em absoluto onde o Requerido se encontraria, tudo conforme fls. 2 e ss. do Apenso A.
3.-Notificada para comprovar nos autos a alegada ausência do aí Requerido e a última residência conhecida do mesmo, veio a [aí] Requerente indicar como última residência conhecida do Requerido: Abdoun Área, Sa ' ed Zaghlul Street, AI Khateeb Complex, Building n." 3, 3 rd Floor, Apartment n." 6, Amman, Jordan. Não juntou prova documental para atestar o alegado.
4.-Nessa sequência, determinou-se a notificação do [aí] Requerido na morada indicada para, em dez dias, se pronunciar sobre o requerimento de consentimento apresentado pela Requerente.
5.-Por carta postal simples de 24/10/2012, remetida para "Abdoun Área, Saed Zaghlul Street, AI Khateeb Complex, Building n." 3,3 rd Floor, Apartment n." 6, Amman, Jordan", foi ... ...ammed Y. ... "notificado, na qualidade de Progenitor, relativamente ao processo supra identificado, da junção do requerimento de que se junta cópia".
6.-Foram tomadas declarações à Requerente no dia 12/11/2012, conforme resulta de fls. 45-46 dos autos apensos.
7.-A 20/11/2012, foi proferida, pelo Ministério Público, a decisão de fls. 48 a 51 dos autos, que aqui se reproduz, tendo-se deferido o requerido e autorizado "o suprimento do consentimento do Requerido no pedido a apresentar pela Requerente de atribuição de nacionalidade portuguesa ao seu filho menor Badr Beshir M ...".
8.-Em tal decisão consta, além do mais, que: "(. . .) Efectuada a citação do requerido não foi efectuada qualquer oposição. (. . .)".
9.-A decisão em questão foi registada a 21/11/2012 e notificada à Requerente por carta remetida na mesma data à Ilustre Mandatária da Requerente.
10.-A 5/12/2012 certificou-se que a decisão transitara em julgado no dia 3/12/2012.
11.-Em 15/07/2013, o Recorrente foi notificado pela Unidade de Apoio Cível dos Serviços do Ministério Público de Cascais da cópia do processo n." 3256/12.2TACSC.
*

III.-As questões a decidir resumem-se, essencialmente, em apurar:
1.-Se a decisão recorrida é nula;
2.-se o tribunal é incompetente em razão da matéria e da hierarquia e se o meio processual utilizado é inadequado;
3.-se ocorre uma situação de ilegitimidade passiva, por falta de intervenção na lide do menor;
4.-se é caso de alterar a decisão recorrida.
***

IV.-Da questão de direito:

Da questão da incompetência absoluta do tribunal/inadequação do meio processual/nulidade da decisão recorrida:
A apelante começa por afirmar ser a decisão nula, nos termos do art.º 615.º n.º 1 alínea d) primeira parte do C.P.C, por ter deixado de conhecer dos fundamentos de facto e direito dados a conhecer pelo Requerimento de 11.06.2014, a que coube a Refª Citius 17075567, através do qual arguiu a verificação da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e da hierarquia, não tendo o tribunal emitido um único juízo.
A nulidade por omissão de pronúncia a que alude o art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC, constitui a cominação para o incumprimento do disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 608º, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Não assiste razão à apelante.

Com efeito, exarou-se na decisão recorrida que:
 “Da incompetência absoluta do Tribunal suscitada pela Recorrida/Requerida:
Nos artigos 59.° a 64.° do seu articulado de resposta, defende a Recorrida que a matéria em causa nos presentes autos é privativa do registo civil, pelo que não pode nem deve ser conhecida por meio deste processo nem por este Tribunal.
Estando em causa um recurso de revisão de uma decisão transitada em julgado, com um dos fundamentos previstos no artigo 696.° do Código do Processo Civil, dúvidas não existem que a entidade para dele conhecer é o Tribunal e, em concreto, a Secção de Família e Menores competente.
Na situação sub judice, está-se perante uma decisão que, com a entrada em vigor do DL n.º 272/2001, de 13/10, passou a ser proferida pelo Ministério Púbico. Considerando que o que se pretendeu com tal transferência de competências foi tão somente desonerar os tribunais de processos que não consubstanciavam verdadeiros litígios, sem que assim se coarctasse às partes os direitos que a lei lhes sempre concedeu, como seja, no caso, a propositura do recurso de revisão nos casos previstos [agora] nos artigos 696.° e ss. do Código do Processo Civil, resta concluir que o recurso deve efectivamente seguir os seus termos nesta 3.a Secção de Família e Menores de Cascais da Comarca Lisboa Oeste, por ser a competente para tramitar e decidir o presente recurso de revisão.
*
O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia”.
E mais adiante:
Da inadequação do meio processual:
Conforme já se referiu supra, está-se perante um recurso de revisão de uma decisão transitada em julgado, baseando-se esse recurso em dois dos fundamentos previstos no artigo 696.° do Código do Processo Civil.
Repete-se que, na situação sub judice, está-se perante uma decisão que, com a entrada em vigor do DL n." 272/2001, de 13/10, passou a ser proferida pelo Digno Magistrado do Ministério Púbico. Considerando que o que se pretendeu com tal transferência de competências foi tão somente desonerar os tribunais de processos que não consubstanciavam verdadeiros litígios, sem que assim se coarctasse às partes os direitos que a lei lhes sempre concedeu, como seja, no caso, a propositura do recurso de revisão nos casos previstos [agora] nos artigos 696.° e ss. do Código do Processo Civil, resta concluir que o recurso deve efectivamente seguir os seus termos, sendo o processo o próprio.
Para além disso, importa sublinhar que, face aos fundamentos invocados, o Requerido no processo n." 3256/12.2TACSC (aqui Recorrente) não poderia ter lançado mão da acção a que alude o artigo 3.°, n." 6 do DL n." 272/2001, de 13/10, visto, por um lado, só ter legitimidade para o efeito "o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição" e, por outro lado, em situações em que se alega e/ou está em causa a falta/nulidade de citação não pode uma parte reagir no prazo e termos previstos no citado normativo. Ao Recorrente não lhe resta senão este meio processual.

Desta transcrição deriva que o tribunal a quo conheceu da questão da competência do tribunal em razão da matéria e da hierarquia.

E ainda que não tivesse apreciado todos os fundamentos aduzidos pela ora apelante, trata-se de um vício que não determina a nulidade da sentença, mas, quanto muito, enfraquece o seu poder persuasivo.

A sentença não enferma, por isso, da apontada nulidade.

Por outra via:

Diz a apelante que:
-Com a presente acção cuja decisão se coloca em crise, pretendeu o Recorrente (Besher ...ammed Y, Bakhett) obter a anulação do consentimento conferido à Requerida para obtenção da nacionalidade de seu filho e reagir contenciosamente contra um acto relativo à atribuição da nacionalidade portuguesa. (a supressão do consentimento dada pelo M.P.).
-Nos termos da lei, - cfr. art.,s 25.º,26.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, art. 62.º do D.L. n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, concatenado com os art.s 37.º n..º 1 e 40.º n.º 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, a  competência em razão da matéria mostra-se fixada nos tribunais administrativos.
-Por outro lado, considerando-se apenas e, em singelo, o objecto do recurso de revisão (revisão de decisão proferida pelo M.P.), conhecendo-se que nos termos das disposições conjugadas do art.º 16.º do D.L. n.º 272/2001, de 13 de Outubro, e, art.s 696.º, 697.º n.º 1, 698.º e 700.º todos do C.P.C., a competência para a revisão mostra-se fixada na entidade que proferiu a decisão a rever,
-Percorrendo o ordenamento jurídico, não encontra a R. uma qualquer norma que fixe no tribunal a quo competência em razão da matéria para conhecer do objecto do presente litígio.,
-A Recorrente não se conforma igualmente com o segmento decisório que, conhecendo da arguida excepção de inadequação do meio processual a julgou improcedente.

Vejamos.

O D.L. n.º 272/2001, de 13/10 procedeu à transferência para o MP de competência para a tramitação e decisão de alguns processos de jurisdição voluntária, elencados no art.2º, como é caso das acções de suprimento do consentimento dos representantes, sendo a causa de pedir a incapacidade ou a ausência da pessoa.

Essa transferência de competências teve por objectivo “desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial” (vide preâmbulo).

Porém, como igualmente aí refere “(…) aproxima-se a regulação de determinados interesses do seu titular, privilegiando-se o acordo como forma de solução e salvaguardando-se simultaneamente o acesso à via judicial nos casos em que não seja possível obter uma composição pelas próprias partes” (sublinhado nosso).

Em consonância estabeleceu-se no art. 3º, n.º 6, que:
No prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente acção no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo”.

Essa acção era, no caso, o processo regulado no art.º 1001º do CPC.

Acontece que o requerido na acção de suprimento não deduziu oposição.

Consequentemente, não poderia requerer a reapreciação da decisão proferida pelo M.P.

Deste modo, não contém o Dec. Lei n.º 272/2001 norma expressa no sentido de conferir ao requerido do pedido de suprimento, dado como ausente e que não deduziu oposição, forma de solicitar a reapreciação judicial da decisão proferida pelo M.P., ele que no decurso da acção de suprimento não se pode defender.

De resto, quando o requerido nos autos de suprimento tomou conhecimento da decisão já esta tinha produzido os seus efeitos.

Coloca-se, por isso, a questão de saber se é legalmente admissível a interposição de recurso de revisão desta decisão proferida pelo M.P., verificados que sejam os demais pressupostos previstos na lei (arts. 696º e segs. do CPC).

Constitui pressuposto do recurso de revisão que a decisão tenha transitado em julgado (vide n.º 1 do art. 696 citado).

Ora, o termo “trânsito em julgado” encontra-se reservado no CPC para as decisões judiciais, das quais não se pode mais recorrer, seja porque já passaram todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou.

Porém, as normas do Código de Processo Civil não devem ser interpretadas de forma compartimentada, mas de harmonia com a coerência do sistema jurídico no seu conjunto, nomeadamente o regime jurídico decorrente do Decreto-Lei n.º 272/2001.

Assim, a questão a decidir passa por apurar se a decisão do M.P. que deferiu o requerido e autorizou "o suprimento do consentimento do Requerido no pedido a apresentar pela Requerente de atribuição de nacionalidade portuguesa ao seu filho menor Badr Beshir M ...”, pode ser equiparado a uma decisão judicial para efeitos de recurso extraordinário de revisão
Nesta sede importa ter presente que, no que toca aos procedimentos tendentes à formação de acordo das partes, da competência da Conservatória do Registo Civil, a lei estabelece que as decisões do conservador produzem os mesmos efeitos que produziriam as sentenças judiciais sobre a mesma matéria (art. 17º, n.º 4).

É certo que inexiste no DL 272/2001 disposição similar para as decisões do MP.

Porém, o legislador, estabeleceu no art. 19º a aplicação subsidiária do CPC aos processos nele previstos.

Da conjugação dos referidos preceitos, resulta que a decisão do MP, que é, importa frisar, a entidade competente para o efeito, tem força igual à das sentenças que suprem o consentimento em situações similares.

O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é o conteúdo do acto, ou seja, o modo como regula os interesses privados.

Por isso, a decisão do M.P. sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 697º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Se, assim não fosse, estava-se a denegar a força do dito acto, como idóneo para produzir os seus efeitos, como se de sentença fosse. Ou seja, estava-se a denegar a competência da entidade que o produziu, quando é certo que a competência para o acto passou a ser da competência exclusiva do M.P.

Não faria sentido que nos processos de suprimento que correm perante o M.P. a respectiva decisão fosse insusceptível de recurso de revisão e os que corressem perante o tribunal fosse susceptível daquele recurso.

Cremos que outra interpretação levaria a uma subversão do sistema estatuído com o Decreto-Lei n.º 272/2001 e a uma clara violação da intenção do legislador.

Refira-se ainda que nunca a competência para conhecer do recurso de revisão poderia caber ao MP., como parece pretender a apelante, pois que tal atribuição não lhe é conferida pelo DL n.º 272/2001 e trata-se de matéria de natureza nitidamente contenciosa, da jurisdição dos tribunais.

Diz também a apelante que o requerente pretendeu reagir contenciosamente contra um acto relativo à atribuição da nacionalidade portuguesa (a supressão do consentimento dada pelo M.P.), sendo a competência em razão da matéria dos tribunais administrativos, nos termos da lei - cfr. art.,s 25.º,26.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, art. 62.º do D.L. n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, concatenado com os art.s 37.º n..º 1 e 40.º n.º 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto,

Não assiste razão à apelante.

O que está em causa é a competência para a apreciação de um recurso de revisão de uma decisão proferida em matéria de suprimento do consentimento de um dos progenitores do menor Badr ... M ..., ainda que para efeitos da sua representação em pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, e não um acto relativo à atribuição da nacionalidade portuguesa.

Ora, e independentemente da questão de saber se nos encontramos em presença de um caso em que é legalmente admissível suprir o consentimento, questão de que não cumpre conhecer na presente apelação, no caso sujeito à nossa apreciação não nos encontramos em presença de um contencioso de nacionalidade, ou seja, de um processo que respeite à atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade – caso em que a competência material recairia nos tribunais administrativos (art. 62º do Regulamento da Nacionalidade) -, mas sim de um mero suprimento do consentimento de um progenitor para a formulação de uma declaração de vontade em representação do menor.

De resto, flui do disposto nos arts. 1º e 3º do DL n.º 272/2001 ser a impugnação das decisões do MP. da competência dos tribunais judiciais.

Improcedem assim as questões postas pela apelante em matéria de incompetência e inadequação do meio processual.

Da questão da ilegitimidade passiva:

Na sentença recorrida entendeu-se que:
“Da ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário:
Estando-se perante um recurso de revisão de uma decisão proferida no processo n." 3256/12.2TACSC, em que são Requerente Rola ...' d ... ... ...' a e Requerido ... ...ammed Y. ..., logo avulta que, no âmbito do presente recurso, tem que assumir a qualidade de parte os mesmos intervenientes. 
Recorre-se de uma decisão proferida e transitada em julgado, nos termos e efeitos previstos nos artigos 696.° a 701.° do Código de Processo Civil, surgindo, e bem, como Recorrente/Requerente o progenitor do menor e como Recorrida/Requerida a progenitora do menor.
Destarte, e por as partes serem legítimas, julga-se improcedente a excepção invocada”.

Contrapõe a apelante que:
-Por força da decisão proferida e posta em crise pelo “recurso de revisão interposto, a aqui R., adquiriu o direito de, só por si, (com base no suprimento concedido) requerer a nacionalidade portuguesa em benefício de seu filho menor, o que fez e obteve;
-Adquiriu, pois, o menor o direito à cidadania portuguesa. (direito próprio);
-Com o recurso interposto, pretendeu o então recorrente (Besher ...ammed Y, Bakhett) obter a anulação de todos os actos subsequentes à verificação da sua falta de citação no processo de supressão de consentimento.
-Não sendo o menor, parte na presente acção, como os autos o demonstram, a sua falta é motivo de ilegitimidade passiva.

Não assiste, em nosso critério, razão ao apelante.

Como salienta o prof. Alberto dos Reis, o recurso de revisão tem carácter híbrido, é um misto de recurso e de acção – CPC Anotado, Vol. VI, pag. 375.

E acrescenta que com o recurso de revisão abre-se a instância que o caso julgado extinguira, mantendo-se a mesma quanto às pessoas, quanto ao pedido e à causa de pedir (pags. 376 e 377).

De resto, o recurso de revisão visa directamente a anulação de actos processuais praticados na acção de suprimento do consentimento, pelo que só reflexamente o menor poderá ser afectado pela mesma, caso no final do processo de suprimento este venha a ser negado e em decorrência de tal seja alterada a decisão proferida no processo administrativo de concessão da nacionalidade portuguesa.

Ora, só neste último processo o menor terá então interesse directo em intervir na defesa dos seus direitos.

Assim, também por esta razão, o menor não tem legitimidade para intervir nos autos de recurso de revisão, não tendo interesse directo em contradizer – art. 30º do CPC.

Improcede assim a questão da ilegitimidade posta na apelação, sendo caso de confirmar a sentença recorrida, na qual se considerou, sem impugnação, não ter o ora apelado sido regularmente citado na acção de suprimento e não terem sido efectuadas as citações legais - artigo 3.°, n." 3 do citado DL n.º 272/2001, de 13/10.
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IV.Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:
1.Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida;
2.Custas pela apelante;
3.Notifique.

 
Lisboa, 15 de Dezembro de 2016

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)