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ARRENDAMENTO
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO
COMUNICAÇÃO AO LOCATÁRIO
Sumário
I–Atendendo a que a opoente alegou concretamente que a senhoria tinha perfeito e seguro conhecimento de que a inquilina contava mais de sessenta e cinco anos quando lhe efectuou a comunicação previsto no artigo 30º do NRAU, haveria que tomar em consideração tal factualidade no âmbito da instrução da causa, tanto mais que inexistiu, na comunicação efectuada, qualquer advertência acerca da cominação legal ínsita no preceito. II–A provar-se esse mesmo conhecimento – traduzido em factos alegados e susceptíveis de prova – poderá mesmo questionar-se a licitude da actuação da senhoria que, consciente de não existir fundamento legal para a operar a convolação como contrato de arrendamento ao abrigo do NRAU (respectivo artigo 30º), envereda mesmo assim por essa via, na censurável tentativa de obtenção de um efeito automático e formal, decorrente da eventual ausência de apresentação do comprovativo da idade do inquilino (inferior a 65 anos), que sabia perfeitamente não ter correspondência alguma com a ...idade, sendo certo que a sua eventual e hipotética má fé neste domínio, paralisaria necessariamente o efeito jurídico que buscou, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil. III–O estado dos autos não habilitava, portanto, a imediata decisão, havendo que permitir a produção de prova acerca da factualidade alegada pelas partes, proferindo-se oportunamente, face aos factos apurados em juízo, a pertinente sentença. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO:
Apresentaram Maria do ... da ... de ... ... ... Corte ... e Filomena Maria Lau da ... ... ... requerimento executivo contra Georgina ... ... do .... Essencialmente alegaram:
A primeira exequente e a executada celebraram, em 11 de Janeiro de 1976, contrato de arrendamento para fins habitacionais, pelo preço de seis meses renováveis, relativo ao imóvel sito na Avenida Nossa Senhora do ..., nº …., Torre, Cascais.
As partes convencionaram uma renda mensal inicial de 5 contos.
Fruto das sucessivas actualizações anuais, a renda cifrava-se, no final de 2013, em € 137,00.
Mediante carta datada de 6 de Janeiro de 2014, nos termos do artigo 30º do NRAU, as exequentes deram início ao processo de actualização extraordinária da renda e a transição para o NRAU.
O referido processo foi concluído em Fevereiro de 2014, conforme carta das exequentes de 11 de Fevereiro de 2014, nos seguintes termos:
Contrato de arrendamento para fins habitacionais, nos termos do novo regime de arrendamento urbano, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, por um período de cinco anos, a contar do recebimento da comunicação, nos termos da alínea b), do nº 5, do artigo 33º do NRAU.
Valor da renda mensal de € 1.333,62, correspondente a um 1/15 do valor patrimonial tributário, sendo a renda actualizada devida desde o primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção.
O contrato manteve-se em plena execução, até que, mediante carta datada de 4 de Dezembro de 2014, a executada veio proceder à denúncia do contrato, alegadamente com efeitos para 31 de Janeiro de 2015.
As exequentes aceitaram a referida denúncia, mas desde logo alertaram para a necessidade de ser cumprido o prazo de pré-aviso legal (120 dias).
Atento o facto de o contrato ter sido celebrado pelo prazo certo de cinco anos a contra de 11 de Fevereiro de 2014, temos que um terço da duração inicial do contrato se verifica em Outubro de 2015, pelo que os 120 dias de pré-aviso terminarão em Fevereiro de 2016, o que foi sendo reiterado nas comunicações mantidas com a executada.
Finalmente, mediante carta da executada datada de 20 de Fevereiro de 2015, foi acordada a entrega do imóvel para o dia 27 de Fevereiro de 2015, a qual como acordado aconteceu na referida data, mais uma vez alertando as exequentes para as rendas em dívida pelo incumprimento do pré-aviso em falta.
Mostra-se em dívida, na presente data, as seguintes quantias: rendas vencidas e não pagas até ao presente (Fevereiro a Julho de 2015) - € 8.001,72; Indemnização de 50% na mora pelo pagamento das rendas devidas - € 4.000,60; Rendas vincendas até final do período de pré-aviso em falta (até final de Fevereiro de 2016) - € 9.315,34.
Tendo a executada sido interpelada para o seu pagamento nos termos da lei, não logrou proceder a qualquer pagamento.
Ao valor liquidado - € 21.337,92 – deverá ainda acrescer o valor correspondente a juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Apresentou a executada oposição, na qual invocou a ilegitimidade das exequentes, a inexistência de título executivo, a nulidade dos recibos de renda e das comunicações realizadas nos termos do artigo 30º do NRAU, a ineficácia da convolação do contrato de arrendamento ao regime do NRAU; a inexigibilidade da renda actualizada e o abuso de direito das exequentes.
As exequentes contestaram a oposição à execução concluindo pela sua improcedência.
De seguida, foi proferido saneador-sentença, datado de 18 de Maio de 2016, nos seguintes termos:
“(… ) V — DO TÍTULO EXECUTIVO .
A embargante invoca a falta de título executivo por a comunicação que lhe foi feita do montante em dívida não ter sido acompanhada do respectivo contrato de arrendamento. Ora, o artigo 14.º-A do NRAU prevê que «O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.», donde o título executivo para pagamento de rendas em atraso e encargos consiste num duplo documento — no contrato de arrendamento e no comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Não se confunda, como o faz a embargante, o contrato de arrendamento a juntar com o requerimento executivo com a comunicação ao arrendatário do valor em dívida. Esta última não tem de ser acompanhada do contrato de arrendamento, pois o inquilino tem conhecimento do mesmo — cf., por todos, o ac. da RL de 06.04.2010, processo n.º 505/09.8TCSNT-8, disponível in www.dgsi.pt. Quanto às rendas em atraso e respectiva indemnização, foi junto como título executivo somente comunicação na qual consta como valor €4.000,86, no entanto, as exequentes peticionam pagamento de rendas que se venceram em data posterior à da comunicação e respectiva indemnização. Sendo de exequibilidade imediata a obrigação exequenda e visando-se o pagamento imediato à custa do património do executado, sem que haja uma prévia acção declarativa a definir e fixar o direito do credor, o título executivo deve ser preciso e conter com rigor todos os termos da obrigação, não podendo a obrigação exequenda sair do âmbito aí delimitado e estabelecendo o artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que “toda a execução tem por base num título, pelo qual determinam o fim e os limites da acção executiva”. Todavia, a obrigação exequenda pode ser ilíquida, caso em que pode ser feita a liquidação na própria execução nos termos do artigo 716.º do Código de Processo Civil. Sendo a liquidação dependente apenas de cálculo aritmético, o exequente deverá especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir com um pedido líquido — cf. o citado artigo 716.º, n.º 1. No caso dos autos, como atrás se expôs, nos termos do disposto no artigo 14.º-A do NRAU, o título executivo é constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação feita mediante comunicação do valor em dívida pelo senhorio à arrendatária. Não desconhecemos que a jurisprudência se divide em três interpretações deste preceito legal: uma que defende que o valor da execução não pode abranger as rendas que se venceram em data posterior à da comunicação, outra que admite que a execução abranja as rendas que entretanto se venceram mas já não engloba a indemnização referente a estas últimas e, por fim, uma que admite que na execução seja executado o valor das rendas que se venceram após a comunicação e a respectiva indemnização. No caso dos autos, o contrato de arrendamento cuja execução fundamenta o pedido de pagamento da quantia exequenda foi denunciado pela embargante, pelo que o locado já tinha sido entregue aquando da instauração dos autos principais. A comunicação à executada que compõe o título executivo reporta-se somente às rendas em dívida e respectiva indemnização à data da sua realização. Não pondo a embargante em causa a data da entrega do locado, nem a data de denúncia do contrato de arrendamento, o valor das rendas que se venceram após a mencionada comunicação e a respectiva indemnização resultam de mero cálculo aritmético, como, de resto, é feito no requerimento executivo no campo da “liquidação”. Mais, nessa comunicação é referido que não se prescinde do prazo de denúncia prévia de 120 dias, pelo que, em bom rigor, a embargante sabia que, além das rendas já vencidas, se nada, entretanto pagasse, ainda seria devedora, na perspectiva de quem clamou a qualidade de representante do senhorio, das rendas respeitantes ao prazo de denúncia prévia e respectiva indemnização. Acresce que nada na lei impõe que, nos termos do disposto no artigo 11.º do NRAU, quem assina a comunicação comprove a sua qualidade de representante de todos os senhorios. Mas, ainda que o exigisse, sempre estaríamos perante um abuso de direito vir invocar a falta de comprovação dessa qualidade a acompanhar a mencionada comunicação, pois consta da documentação junta ao requerimento executivo que a embargante, na pessoa do seu Ilustre mandatário, trocou correspondência com quem assinou a comunicação, não pondo, em caso algum, em causa a sua qualidade de representante do senhorio. Assim, se para efeitos de execução do contrato de arrendamento, designadamente para contestar a actualização da renda e denúncia do contrato, o faz na pessoa da exequente Maria ..., igualmente deve ter-se por boa a comunicação do pagamento de rendas em falta assinado pela mesma pessoa. O mesmo vale, mutatis mutandis, para a actualização das rendas operadas nos termos do disposto no artigo 30.º do NRAU, não havendo qualquer nulidade na comunicação dessa actualização. Acresce que o facto de a exequente Maria ... se apresentar nas comunicações escritas como a única representante do senhorio, sendo ela própria igualmente proprietária, não induz em erro a embargante. Para efeitos de execução do contrato de arrendamento é irrelevante se quem se apresenta como único representante do senhorio seja ele mesmo senhorio, pois da perspectiva de quem recebe as declarações desse representante somente interessa ter a noção de que está a representar o senhorio, sendo irrelevante que esse representante seja ele mesmo senhorio. Logo, não existe qualquer indução de erro que conduza a qualquer invalidade.
VI—DA NULIDADE DOS RECIBOS. A embargante invoca a nulidade dos recibos emitidos por serem assinados por pessoa diversa da das exequentes. Ora, a emissão dos recibos por outrem que não o senhorio pode conduzir a que o arrendatário se recuse a cumprir com a sua obrigação de pagamento das rendas até que lhe sejam entregues os recibos validamente emitidos. No entanto, não faz com que as rendas vencidas deixem de ser devidas. Assim, face à confissão das exequentes das rendas que foram pagas, tal é suficiente para que se torne exigível o pagamento das restantes rendas que se venceram, pois o recibo nada mais é do que o atestar o pagamento, o que a referida confissão faz. VII—DA INEFICÁCIA DA CONVOLAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO. A embargante vem defender que não se aplique o regime de actualização de rendas, nem de duração do contrato de arrendamento previsto no NRAU por, à data da comunicação dessa actualização, ter mais de sessenta e cinco anos. No entanto, não obstante invocar o artigo 36.º do NRAU, não juntou qualquer prova documental, fosse fotocópia de bilhete de identidade, fosse certidão de nascimento, fosse qualquer outra idónea a demonstrar a sua idade ou que, pelo menos, na referida data já tivesse mais de sessenta e cinco anos. Ora, o artigo 32.º, n.º 4, do NRAU, prevê a necessidade de o arrendatário, fazer acompanhar a sua oposição à actualização da renda com documento comprovativo de ter completado 65 anos. Não refere qual o documento, pelo que basta qualquer documento idóneo a comprovar a idade mínima de sessenta e cinco anos. Mas tem que ser junto um documento, pois no caso dos autos a embargante não resida no locado há tantos anos que permitisse saber com segurança que seria forçoso ter sessenta e cinco ou mais anos. Nem se refira que as exequentes lhe deram pessoalmente os pêsames aquando do falecimento do seu marido, em 1999, em que teria 64 anos, pois o aspecto físico não espelha a idade real das pessoas, havendo indivíduos com 50 que parecem ter 70 e outros com 70 que parecem ter 50, dependendo do seu estado de saúde, genética e cuidados com a pele. Daí que a lei exija comprovativo em suporte documental relativamente à idade do arrendatário. Não se verifica, pois, qualquer impedimento à actualização da renda e aplicação do regime previsto no NRAU.
VIII—DA INEXIGIBILIDADE DA RENDA ACTUALIZADA. A embargante invoca a falta de avaliação fiscal do locado para obstar à actualização da renda. No entanto, olvida que a mesma ocorreu, conforme matriz junta aos autos como documento n.º 4 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido. Mais, a embargante não invoca que tenha apresentado qualquer oposição à actualização da renda com fundamento no estado do locado. Não se verifica, pois, qualquer causa de inexigibilidade da renda actualizada.
IX—DO ABUSO DE DIREITO. A embargante invoca o estado em que se encontrava o locado para concluir que as exequentes actuam em abuso de Direito por terem actualizado a renda e exigirem o pagamento das rendas do pré-aviso da denúncia. No entanto, parece-nos que não lhe assiste razão, pois, se, de facto, entendesse que o locado não se encontrava em condições de ser habitado ou que a renda actualizada era superior à de mercado para um imóvel no estado em que o locado se encontrava, teria comunicado esse estado ao senhorio e exigido obras ou denunciado o contrato com esse fundamento, o que não alega que tenha feito. O motivo da denúncia foi, sinteticamente, a não entrega de recibos.
X—DO CÁLCULO DO PRÉ-AVISO. A embargante invoca que as rendas referentes ao pré-aviso de 120 dias não somam ao prazo mínimo de duração do contrato de 1/3. Parece-nos que, nesta matéria, lhe assiste razão. Prevê o artigo 1098.º, n.º 1, do Código Civil, que o prazo de denúncia é de 120 dias do termo do contrato, o que vale dizer que é de 120 dias do termo do prazo mínimo de duração do contrato no caso concreto. Assim, são devidos 9 meses de renda referentes a esse período — Fevereiro a Outubro de 2015, inclusive —, ou seja, 9 x €1.333,62 = €12.002,58. Mais, a embargante não invocou que poderia ter havido um outro inquilino a ocupar o locado e a pagar essa renda durante o prazo do pré-aviso, donde não ilidiu a presunção prevista no artigo 1098.º, n.º 3, do Código Civil, sendo devidas essas rendas sem necessidade que o senhorio invoque justamente esse prejuízo — falta de recebimento de rendas no período do pré-aviso. A essas rendas acresce a indemnização de 50% pela falta de pagamento — artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil. XI—Face ao exposto, julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado e, consequentemente, à quantia exequenda deverão ser deduzidos os montantes peticionados nos autos principais referentes às rendas de Novembro de 2015 a Fevereiro de 2016, inclusive, e respectiva indemnização. Custas pela executada/embargante e exequentes/embargadas na proporção do respectivo decaimento que se fixa, respectivamente, em 85% e 15% — artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil” (cfr. fls. 103 a 109).
A executada apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 152 a 153).
Juntas as competentes alegações, a fls. 110 a 125, formulou a apelante as seguintes conclusões:
A)-Vem o presente recurso interposto do Saneador – Sentença que julgou improcedente a alegada ineficácia da convolação do contrato de arrendamento ao abrigo do NRAU, bem como julgou igualmente improcedente a excepção de abuso de direito por verificação do brocado “tu quoque”, tendo, finalmente, defendido que a indemnização prevista no art. 1098º, n.º 3 do Código Civil (CC) opera “ipsis jure” (ou seja qualificada como um presunção “juris et de jure”), decisões com as quais a ora Recorrente não se pode conformar.
B)-Resulta dos arts. 36º, n.º 1 e 32º, n.º 4, ambos do NRAU, como condição imprescindível para que o contrato de arrendamento não se convole como contrato de arrendamento ao abrigo do NRAU, é necessário que o arrendatário invoque ter idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
C)-Se o arrendatário não tem 65 (sessenta e cinco) ou mais anos de idade, não pode impedir a convolação do contrato de arrendamento às disposições do NRAU.
D)-A dúvida existe na questão da comprovação, no sentido de sabermos se a comprovação é uma formalidade “ad probationem” ou uma formalidade “ad substantiam”.
E)-Isto é, a questão da comprovação de idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos por parte do arrendatário tem de ser sempre comprovada por documento idóneo (maxime cartão de cidadão ou certidão de nascimento) aquando da respectiva invocação, sem a qual o arrendatário não se pode opor à convolação do contrato (formalidade “ad substantiam”);
F)-Ou, em alternativa, o arrendatário pode invocar a respectiva idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, comprovando-a por diversas formas, até anteriores, nomeadamente por já ser do absoluto conhecimento do senhorio essa circunstância factual, o que a classificaria como uma formalidade “ad probationem”.
G)-Ou seja, a questão fulcral que fica para resolver, é a de saber se há necessidade de, com a comunicação prevista no art. 32º do NRAU com a invocação de idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, o arrendatário comprovar essa circunstância quando a mesma é, desde há muito, conhecida pelo senhorio.
H)-O entendimento do Tribunal “a quo” parece ambíguo pois se diz que: “Ora o artigo 32º, n.º 4 do NRAU, prevê a necessidade de o arrendatário, fazer acompanhar a sua oposição à actualização da renda com o documento comprovativo de ter completado 65 anos.”
I)-Também diz:“Não refere qual o documento, pelo que basta qualquer documento idóneo a comprovar a idade mínia de sessenta e cinco anos.”
J)-Ou seja, parece que o Tribunal “a quo” entende que a comprovação por um qualquer documento é uma formalidade “ad probationem” mas que a junção desse qualquer documento é uma formalidade “ad substantiam”.
K)-Posição, como prova o presente recurso, com a qual a ora Recorrente não concorda.
L)-Importa, antes de tudo, dizer que o contrato de arrendamento é datado de 1976 (quase há 40 (quarenta) anos), data em que a ora Recorrente, o marido e o filho voltaram de Moçambique em virtude da descolonização.
M)-À data da assinatura do contrato de arrendamento, feito na presença da Recorrida Filomena Maria Lau da ... de ... ... a ora Recorrente tinha já 41 (quarenta e um anos) de idade.
N)-Por outro lado, como fácil será de perceber, entre 1976 e 2014 (data da carta da Senhoria/as em que pretendem a convolação do contrato de arrendamento ao regime do NRAU), este contrato de arrendamento foi-se desenvolvendo entre as partes, nomeadamente com as actualizações anuais da renda e com outras circunstâncias próprias dos contratos.
O)-Entre 1976 e 2014, como se sabe, houve inúmeras alterações legislativas ao nível da legislação aplicável aos arrendamentos urbanos, alterações essas que, como era natural, se foram aplicando ao contrato de arrendamento dos Autos.
P)-Em 2006 é aprovado o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), mais concretamente em 27 de Fevereiro de 2006.
Q)-Em 20 de Dezembro de 2006, já com a expectativa da produção dos efeitos do NRAU, a Senhoria Maria ... …..-... ……-..., ora Recorrida, envia à ora Recorrente a carta que ora se junta como doc. 1 e se considera reproduzida para todos os devidos e legais feitos.
R)-A junção actual deste documento é feita ao abrigo do disposto no art. 651º do CPC, uma vez que o Tribunal “a quo” ao proferir Saneador – Sentença impediu, impossibilitou, a produção de prova testemunhal que iria precisamente incidir sobre esta circunstância.
S)-Em tal carta a ora Recorrida refere expressamente o seguinte:“Gostaria de saber da sua vontade de chegarmos um acordo relativamente à actualização do valor da renda em função da mais recente legislação. Caso não esteja interessada em chegar a acordo, agradeço-lhe o favor de marcar para o mês de Janeiro / Fevereiro de 2007 um dia e hora para avistoria da casa com os técnicos competentes, a fim de se ...izar a avaliação do mesmo paraefeitos de actualização de renda, pois como certamente sabe, esta depende da verificação doestado de conservação do imóvel arrendado e dos rendimentos auferidos pelo arrendatário.”.
T)-Esta comunicação é feita com a perfeita consciência, por parte das senhorias, de que a idade da ora Recorrente, já nessa altura, era superior a 65 (sessenta e cinco) anos, pois, como se sabe, a actualização de rendas ao abrigo do NRAU só era possível em casos em que o inquilino tivesse idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos se houvesse acordo entre senhorio e inquilino.
U)-Em resposta a esta comunicação escrita da senhoria, a ora Recorrentes como inquilina, responde à mesma em carta datada de 22 de Janeiro de 2007 e enviada em 24 de Janeiro de 2007, conforme doc. 2 que ora se junta e se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos e só agora se junta, nos termos do disposto no art. 651º do CPC, uma vez que a Decisão do Tribunal “a quo” impediu (impossibilitou) a produção de prova testemunhal sobre estes factos.
V)-Nessa carta a ora Recorrente, sobre aquele ponto especifico da actualização da renda, refere expressamente o seguinte:“A respeito do novo regime de actualização das rendas, a avaliação será feita por uma Comissão Arbitral Municipal que, para o concelho de Cascais, ainda nem sequer está constituída, como poderá informar-se junto da Câmara.”
W)-Continua “Assim, a avaliação para efeitos da nova renda não será feita por técnicos indicados pelo senhorio, pelo que não se põe a questão de marcar um dia para a vistoria da casa, como me pede na sua carta.”
X)-E termina da seguinte forma: “De facto, não estou disposta a fazer qualquer acordo relativamente ao valor da nova renda, pois, como já tenho mais de 65 anos de idade, a actualização será faseada durante 10 anos e, como há-de compreender, é um benefício que não devo desaproveitar.” (realce e sublinhado nosso).
Y)-A esta carta, repita-se, de 2007 (há portanto mais de 8 (oito) anos), a Senhoria não apresentou qualquer oposição, não requereu qualquer comprovação, não apresentou qualquer dúvida ou qualquer suspeita, pura e simplesmente porque sabe, sempre soube, que a inquilina, ora Recorrente, há muito que completou os 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
Z)-Nestas condições, Venerandos Desembargadores, será legítimo, será do Direito e da Justiça, aceitar que um contrato de arrendamento se convole ao regime do NRAU, por que a inquilina não comprovou um facto, que está absolutamente comprovado e que é do absoluto conhecimento da senhoria?
AA)-Evidente que há necessidade de comprovar a idade, mas quando essa comprovação não for prévia ou não for do conhecimento do senhorio, o que não é o caso dos presentes Autos.
BB)-Pensar ou interpretar de outra forma, seria conceber, por exemplo, que sempre que há uma alteração legislativa no âmbito do regime do arrendamento urbano, o inquilino terá de comprovar a respectiva idade, com prejuízo das comprovações anteriores ou mesmo do conhecimento dessa idade por parte do senhorio.
CC)-Não nos parece que seja essa a boa solução legislativa e jurisprudencial.
DD)-É evidente que ambas as Recorridas, sabiam e sabem, sem margem para qualquer dúvida ou suspeita que, à data de 6 de Janeiro de 2014 (data do envio da comunicação do art. 30º do NRAU), a arrendatária, ora Recorrente, tinha já mais de 65 (sessenta e cinco) anos, mais concretamente, tinha 78 (setenta e oito anos) (tendo actualmente 80 (oitenta) anos de idade).
EE)-Perante isto, as Recorridas e também o Tribunal “a quo” agarram-se a uma formalidade não essencial (art. 36º do NRAU comprovação da idade do arrendatário) para tentarem convolar o contrato de arrendamento existente, num novo contrato de arrendamento sujeito às novas regras do NRAU e a uma nova renda.
FF)-Pese embora o NRAU refira que o arrendatário tem de invocar e comprovar que tem idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, a invocação, essa sim, é uma formalidade essencial (veja-se art. 31º, n.º 4, alínea b) do NRAU – que fala apenas em invocar a idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos na resposta a dar pelo arrendatário ao senhorio), mas a comprovação, não é, nem pode ser uma formalidade essencial, sendo antes, ao que parece, uma possibilidade de o senhorio comprovar uma determinada alegação do arrendatário.
GG)-Ou seja, na resposta à comunicação prevista no art. 30º do NRAU o arrendatário deve, desde logo, invocar, a questão essencial da idade se esta for superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
HH)-É isto que dispõe textualmente o referido art. 31º, n.º 4, alínea b) do NRAU, não falando sequer em comprovação.
II)-Da forma sistemática e sequencial da lei (NRAU), fala primeiro em invocar (art. 31º, n.º 4, alínea b) do NRAU) para só depois, mais à frente (art. 36º, n.º 1 do NRAU) falar em “comprovação”.
JJ)-E reparem V.Exas., Venerandos Desembargadores, que a lei (NRAU) não fala em prova, mais sim em comprovação (são duas realidades distintas).
KK)-Parece humildemente que no espirito do legislador estava a necessidade de comprovação, caso o senhorio questionasse a invocação da idade do arrendatário, daí a lei falar em comprovação e não em prova.
LL)-Se assim não fosse, o legislador, logo no art. 31 n.º 4, alínea b) do NRAU teria dito que o arrendatário tem de invocar e provar (e então já não comprovar) a factualidade relativa à idade.
MM)-Esta parece ser, de facto, a melhor solução interpretativa e sistemática da lei (NRAU).
NN)-Comprovada aliás pelo disposto no art. 342º, n.º 2 do CC, no sentido de que a arrendatária alegou uma circunstância impeditiva da convolação do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, sendo portanto obrigação dos senhorios provar que essa circunstância não é verdadeira.
OO)-A Jurisprudência sobre esta questão específica ainda é rara.
PP)-De qualquer forma, no âmbito de uma questão de invocação, não da idade, mas sim do rendimento anual bruto corrigido (RABC) (também previsto no art. 36º do NRAU), o Supremo Tribunal de Justiça emitiu em 17 de Março de 2013 e no âmbito do processo 2188/15.7 T8PRT.P1.S1 Douto Acórdão em que expressa o seguinte: “Porém, é abusivo e, portanto, ilegítimo, nos termos do art. 334.º do CC, o exercício do direito invocado pelo senhorio de ver cessada a limitação da atualização da renda com base na falta de apresentação tempestiva, por parte da arrendatária, do documento comprovativo da impossibilidade de apresentação da declaração de rendimentos emitida pela Autoridade Tributária, quando aquele sabia que tal declaração já tinha sido pedida e que a arrendatária, de acordo com os seus rendimentos, estava em condições de poder continuar a ter aquele benefício.” (realce e sublinhado nosso).
QQ)-Ou seja, num caso em que a inquilina tinha de comprovar o respectivo RABC, não o tendo feito, mas sabendo o senhorio que a arrendatária de acordo com os respectivos rendimentos poderia continuar a ter o benefício da limitação da renda, o Supremo Tribunal de Justiça, entendeu, e bem, que a pretensão do senhorio era abusiva.
RR)-Qual a diferença para a questão da idade que, nos presentes Autos, anteriormente comprovada pela inquilina e conhecida pelas senhorias?
SS)-Por outro lado, ainda nesta questão, parece evidente que a intenção do legislador não foi penalizar um arrendatário que, de facto, tenha 65 (sessenta e cinco) anos e beneficiar o senhorio, nas situações em que o arrendatário, logo na carta de resposta ao senhorio, não envie documento comprovativo da idade (que não é exigido pela lei).
TT)-Seria uma pena, ou melhor, uma penalização, extremamente gravosa, relativamente ao incumprimento cometido, isto se considerarmos que há incumprimento com a ausência do envio de prova da idade logo na resposta do arrendatário ao senhorio, o que não decorre da lei, como já vimos.
UU)-Não pode a ora Recorrente, nem sequer o Direito e a Justiça, conformar-se com a alegação / justificação empírica do Tribunal “a quo” relativamente à aparência da idade das pessoas e respectivo aspecto físico.
VV)-Assim e por todas as razões invocadas, não se conforma a ora Recorrente com a Decisão do Tribunal “a quo” no sentido de não se verifica qualquer impedimento à actualização da renda e aplicação do regime previsto no NRAU, pois tal, no humildíssimo entendimento da ora Recorrida, não é verdade.
WW)-Nesse sentido, toma a ora Recorrente a liberdade de requerer a V.Exas., Venerandos Desembargadores, a prolação de Douto Acórdão anulando, nesta parte, a Decisão do Tribunal “a quo”, substituindo-a por outro no sentido de que nos casos em que o senhorio sabe e conhece que o inquilino tem, à data da comunicação prevista no art. 36º do NRAU, idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, não é necessária a comprovação desse facto porque já sabido e conhecido do senhorio, sendo abusivo o exercício do senhorio ao convolar esse contrato de arrendamento para o regime do NRAU, isto no sentido de que a formalidade prevista no art. 32º, n.º 4 do NRAU é uma formalidade “ad probationem” e não uma formalidade “ad substantiam”.
XX)-Durante quatro décadas de relação contratual, o imóvel nunca teve qualquer intervenção promovida pelos senhorios, que sempre se recusaram a intervir no imóvel, apesar das várias solicitações da Arrendatária, não tendo realizado quaisquer obras de reabilitação, conservação ou qualquer tipo de outras obras que permitissem a vivência condigna no imóvel.
YY)-O imóvel encontrava-se, à data dos factos, num estado absolutamente deplorável, conforme exaustivamente alegado e provado nos Embargos apresentados.
ZZ)-Todos os factos, para além de resultarem de prova documental, resultariam também da prova testemunhal a produzir (nomeadamente a questão dos diversos pedidos feitos pela ora Recorrente às Recorridas no sentido de intervirem no imóvel, mantendo-o), o que foi inviabilizado pelo Tribunal “a quo”.
AAA) E o Tribunal “a quo” inviabilizando a produção da prova testemunhal também sobre esta matéria, entende, na nossa humilde opinião, mal, de que a ora Recorrente apenas invocou a falta de recibos para a denúncia do contrato.
BBB)-Como V.Exas. poderão verificar pelas alegações produzidas em sede de Embargos, a questão fundamental para a denúncia foi precisamente o estado deplorável do imóvel e a avançada idade da ora Recorrente, algo sobre o qual poderia e deveria ter sido admitida a produção de prova testemunhal.
CCC)-Como resulta evidente da prova documental junta aos Autos, as senhorias nunca cumpriram esta obrigação de conservação e reparação que para si decorria do contrato de arrendamento o que levou a que o imóvel arrendado estivesse num estado deplorável, inabitável, com riscos sérios para a saúde e integridade física da arrendatária, ora Recorrente, que ali se mantinha por questões emocionais no sentido de ter sido naquela casa que sempre viveu com o marido e com a família.
DDD)-Apesar de contratualmente ainda se encontrar vinculada até Outubro de 2015, logo em Fevereiro de 2015 a Arrendatária, ora Recorrente, viu-se obrigada a proceder à entrega do imóvel pelo facto de a permanência na habitação não se demonstrar segura e sã.
EEE)-Após entregar o imóvel, a arrendatária, ora Recorrente, deixou de proceder ao pagamento das rendas.
FFF)-O contrato de arrendamento é um contrato bilateral ou sinalagmático, decorrendo da relação contratual obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes.
GGG)-Correlativa à obrigação do arrendatário pagar o preço, existe, desde logo, a obrigação do senhorio assegurar o gozo adequado do imóvel para os fins a que este se destina, cabendo-lhe a realização de obras de conservação do imóvel.
HHH)-Ora, atendendo ao princípio geral da boa-fé objectiva no cumprimento dos contratos, V. Exas. entenderão que é inevitável que se pergunte como podem as ora Recorridas, após quatro décadas de incumprimento das suas obrigações, vir exigir que a Arrendatária suporte uma renda de um imóvel que foi obrigada a desocupar, temendo pela sua saúde e segurança e em prol de uma existência e vivência condigna.
III)-É que existindo incumprimento de uma das partes, decorre do conceito jurídico do tu quoque, que “aquele que incumpre o contrato, atingindo com isso determinada posição jurídica, não pode exigir do outro o cumprimento”, podendo a outra parte opor a excepção de não cumprimento do contrato, justamente por o primeiro contraente estar em violação da norma contratual.
JJJ)-Surgindo como consequência relevante a excepção de não cumprimento do contrato, regulada nos arts. 428.º a 431.º do CC, segundo a qual deve a parte recusar a realização da prestação a que se encontra adstrita, enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete.
KKK)-Assim, caso o senhorio não tenha realizado no local arrendado as obras a seu cargo, tem o arrendatário direito à redução da renda na medida proporcional à privação ou diminuição do gozo.
LLL)-E apenas cumprida a obrigação que incumbe ao senhorio, deve o inquilino parar a suspensão do pagamento das rendas, procedendo à sua liquidação integral, sem quaisquer juros ou pena pecuniária.
MMM)-Assim entende o Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo 3536/10.1TJCBRA.C1, quando nos diz que quando se trate de um não cumprimento do locador que exclua a totalidade do gozo da coisa, o locatário deve suspender o pagamento da totalidade da renda.
NNN)-Falhando assim o entendimento de que o arrendatário incorre em mora, por antes existir uma suspensão do pagamento devido à privação total do gozo da coisa, uma vez que enquanto usou a coisa (independentemente do seu estado lastimável), a arrendatária sempre realizou o rigoroso pagamento das rendas.
OOO)-Entende-se assim não serem devidas cobranças realizadas entre o mês de Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2016, tendo em conta que, apesar de a denúncia só ter produzido efeitos em Outubro, o pagamento não é exigível, uma vez que, por incumprimento das ora Recorridas, a casa estava inabitável, tendo a ora Recorrente sido obrigada a desocupá-la.
PPP)-Neste sentido, estando na presença de senhorios incumpridores das respectivas obrigações que para si decorriam do contrato de arrendamento e da lei, mas que querem vir invocar um alegado incumprimento da arrendatária, entende-se que os senhorios agem em claro e manifesto abuso de direito por “tu quoque”, excepção dilatória material que agora se invoca.
QQQ)-As senhorias incumpriram sucessiva e reiteradamente o contrato de arrendamento na questão da ...ização de obras no locado que permitisse a respectiva utilização para o fim que foi arrendada.
RRR)-Mesmo que se perspectivasse, apenas por mera hipótese de raciocínio, que a ora Recorrente está, também ela, em incumprimento, o que categoricamente se afirma que não acontece, ao agir contra a inquilina em claro incumprimento e em violação dos sinalagmas a que se obrigou no contrato de arrendamento, as senhorias excedem, manifestamente, os limites do seu direito agindo, portanto, em abuso de direito pela fórmula tu quoque.
SSS)-O abuso de direito na modalidade tu quoque tem subjacente a invocação ou aproveitamento de um acto ilícito por parte de quem o cometeu.
TTT)-Trata-se da violação clara do dever de honestidade, que é inaceitável para o direito.
UUU)-Por tudo o que se disse, é claro que as ora Recorridas ao intentarem a execução violaram o dever de honestidade nas relações jurídicas, o que determinava que o pedido deduzido improcedesse.
VVV)-Não foi esse, como já vimos, o entendimento do Tribunal “a quo”, pois entendeu, mal, que a inquilina, ora Recorrente, não comunicou o estado do imóvel às senhorias, e mal porque o Tribunal “a quo” decidiu não ouvir as testemunhas.
WWW)-Mas mesmo sem a inquirição das testemunhas, existem no processo elementos suficientes que mostram à evidência que as ora Recorridas, não cumprindo uma das principais obrigações que para si decorrem como senhorias num contrato de arrendamento, agiram claramente em abuso de direito pela na modalidade do “tu quoque”.
XXX)-Entende assim a ora Recorrente que ocorre pois a excepção dilatória material de abuso de direito (art. 334º do CC) que ora se invoca, pelo que, também por esta razão, como ora se pede e requer, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a ora Recorrente absolvida da execução contra si intentada.
YYY)-Caso V.Exas. assim não o entendam, no sentido de que não existem nos Autos elementos suficientes para uma Decisão sobre esta questão, deve ser ordenada, como ora se pede e requer, a remessa dos Autos para o Tribunal “a quo” e a produção do prova testemunhal requerida.
ZZZ)-Por último a questão da não invocação de prejuízos por parte das ora Recorridas em sede de requerimento executivo.
AAAA)-A partir da comunicação da denúncia do contrato por parte da arrendatária, ora Recorrente, a verdade é que as senhorias, ficaram, desde logo, habilitadas a diligenciar para encontrarem novos inquilinos, precavendo antecipadamente os danos que pudessem resultar do fim do contrato de arrendamento.
BBBB)-Já não se aceita que a obrigatoriedade do pagamento das rendas em falta até perfazer 1/3 do contrato de arrendamento, operem ou sejam devidas “ipsis jure”.
CCCC)-De facto, a Lei nada diz sobre esta questão limitando-se apenas a dizer que, “decorrido um terço inicial de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo” (art. 1098º, n.º 3 do CC), não referindo, ao contrário do que faz relativamente ao pré-aviso, a obrigatoriedade do arrendatário em suportar as rendas até que seja atingido o período de 1/3 do contrato.
DDDD)-Assim sendo, parece que a questão de cumprimento do 1/3 do contrato de arrendamento é uma salvaguarda das expectativas legítimas do senhorio, mas que só conduz a indemnização contratual no caso de haver danos do senhorio, o que não acontece se o senhorio, em momento imediatamente posterior arrendar novamente o locado.
EEEE)-Ou seja, parece que a responsabilidade que resulta da possibilidade de denúncia livre do contrato de arrendamento, só pode gerar direito a indemnização se resultaram danos para o senhorio, nomeadamente se este não conseguir arrendar o imóvel, um pouco como se passa em sede de direito laboral relativamente aos salários devidos na pendência da acção que contesta o despedimento, aos quais terão de ser deduzidos os valores que o trabalhador auferiu durante esse período a título de vencimento.
FFFF)-Se assim for, como humildemente se julga que é, uma vez que as Recorridas não invocam qualquer prejuízo ou dano, nomeadamente que não arrendaram o imóvel entre Fevereiro de 2015 e Outubro de 2015, não há nenhum fundamento para que a ora Recorrente seja condenada no pagamento das rendas relativas ao cumprimento do 1/3 do contrato pois a lei não dispõe sobre essa questão.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente se dignarão a dar suprimento, deve o presente recurso, como ora se pede e requer, ser julgado procedente e, em consequência:
a)-Ser proferido Douto Acórdão no sentido de que nos casos em que o senhorio sabe e conhece que o inquilino tem, à data da comunicação prevista no art. 36º do NRAU, idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, não é necessária a comprovação desse facto porque já sabido e conhecido do senhorio, sendo abusivo o exercício do senhorio ao convolar esse contrato de arrendamento para o regime do NRAU, isto no sentido de que a formalidade prevista no art. 32º, n.º 4 do NRAU é uma formalidade “ad probationem” e não uma formalidade “ad substantiam”.
b)-Ser proferido Douto Acórdão que considere verificada a excepção dilatória material de abuso de direito (art. 334º do CC) na modalidade do “tu quoque” e, em consequência, ser a ora Recorrente absolvida da execução contra si intentada.
c)-Caso V.Exas. assim não o entendam, no sentido de que não existem nos Autos elementos suficientes para uma Decisão sobre esta questão, deve ser ordenada, como ora se pede e requer, a remessa dos Autos para o Tribunal “a quo” e a produção do prova testemunhal requerida.
d)-Por último, e uma vez que as Recorridas não invocam qualquer prejuízo ou dano, nomeadamente que não arrendaram o imóvel entre Fevereiro de 2015 e Outubro de 2015, não há nenhum fundamento para que a ora Recorrente seja condenada no pagamento das rendas relativas ao cumprimento do 1/3 do contrato pois a lei não dispõe sobre essa questão, requerendo-se e pedindo-se a respectiva absolvição.
Contra-alegaram as exequentes, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
II–FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1–Insuficiência dos elementos juntos ao processo para o imediato conhecimento do mérito da causa. Arrendamento. Processo de transição para o NRAU (artigo 30º). Iniciativa do senhorio. Comunicação ao locatário. Omissão da apresentação de documento comprovativo de que a inquilina contava 65 ou mais anos de idade. Consequências.
2–Conhecimento prejudicado das restantes questões suscitadas na presente apelação.
Passemos à sua análise:
1–Insuficiência dos elementos juntos ao processo para o imediato conhecimento do mérito da causa. Arrendamento. Processo de transição para o NRAU (artigo 30º). Iniciativa do senhorio. Comunicação ao locatário. Omissão da apresentação de documento comprovativo de que a inquilina contava 65 ou mais anos de idade. Consequências.
Alega a recorrente:
O contrato de arrendamento é datado de 1976 (quase há 40 (quarenta) anos), data em que a ora Recorrente, o marido e o filho voltaram de Moçambique em virtude da descolonização.
À data da assinatura do contrato de arrendamento, feito na presença da Recorrida Filomena Maria Lau da ... de ... ... a ora Recorrente tinha já 41 (quarenta e um anos) de idade.
Por outro lado, como fácil será de perceber, entre 1976 e 2014 (data da carta da Senhoria/as em que pretendem a convolação do contrato de arrendamento ao regime do NRAU), este contrato de arrendamento foi-se desenvolvendo entre as partes, nomeadamente com as actualizações anuais da renda e com outras circunstâncias próprias dos contratos.
Entre 1976 e 2014, como se sabe, houve inúmeras alterações legislativas ao nível da legislação aplicável aos arrendamentos urbanos, alterações essas que, como era natural, se foram aplicando ao contrato de arrendamento dos Autos.
Em 2006 é aprovado o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), mais concretamente em 27 de Fevereiro de 2006.
Em 20 de Dezembro de 2006, já com a expectativa da produção dos efeitos do NRAU, a Senhoria Maria ... ….-... …..-..., ora Recorrida, envia à ora Recorrente a carta que ora se junta como doc. 1 e se considera reproduzida para todos os devidos e legais feitos.
Escreveu-se na decisão recorrida a este propósito:
“VII—DA INEFICÁCIA DA CONVOLAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO. A embargante vem defender que não se aplique o regime de actualização de rendas, nem de duração do contrato de arrendamento previsto no NRAU por, à data da comunicação dessa actualização, ter mais de sessenta e cinco anos. No entanto, não obstante invocar o artigo 36.º do NRAU, não juntou qualquer prova documental, fosse fotocópia de bilhete de identidade, fosse certidão de nascimento, fosse qualquer outra idónea a demonstrar a sua idade ou que, pelo menos, na referida data já tivesse mais de sessenta e cinco anos. Ora, o artigo 32.º, n.º 4, do NRAU, prevê a necessidade de o arrendatário, fazer acompanhar a sua oposição à actualização da renda com documento comprovativo de ter completado 65 anos. Não refere qual o documento, pelo que basta qualquer documento idóneo a comprovar a idade mínima de sessenta e cinco anos. Mas tem que ser junto um documento, pois no caso dos autos a embargante não resida no locado há tantos anos que permitisse saber com segurança que seria forçoso ter sessenta e cinco ou mais anos. Nem se refira que as exequentes lhe deram pessoalmente os pêsames aquando do falecimento do seu marido, em 1999, em que teria 64 anos, pois o aspecto físico não espelha a idade real das pessoas, havendo indivíduos com 50 que parecem ter 70 e outros com 70 que parecem ter 50, dependendo do seu estado de saúde, genética e cuidados com a pele. Daí que a lei exija comprovativo em suporte documental relativamente à idade do arrendatário. Não se verifica, pois, qualquer impedimento à actualização da renda e aplicação do regime previsto no NRAU”.
Apreciando:
Face à desenvolvida e pormenorizada alegação produzida pela opoente a respeito do conhecimento pessoal e directo por parte da senhoria relativamente à circunstância de a locatária contar já 65 anos, à data da comunicação que lhe foi dirigida, entendemos que não poderia o tribunal a quo, agindo conscienciosamente, considerar encontrarem-se reunidos todos os elementos de facto que o habilitavam imediatamente, com a segurança exigível, a decidir do fundo da causa.
A este propósito, basta atentar no recente acórdão do Tribunal Constitucional de 4 de Maio de 2016 (relator Pedro Machete), publicitado in www.jusnet.pt, onde se conclui: “Julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 30º, 31º e 32º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, segundo a qual “os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de excepção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção”, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição”.
Ora, atendendo a que a opoente alegou concretamente que a senhoria tinha perfeito e seguro conhecimento de que a inquilina contava mais de sessenta e cinco anos quando lhe efectuou a referida comunicação, haveria que tomar em consideração tal factualidade no âmbito da instrução da causa, tanto mais que inexistiu, na comunicação efectuada, qualquer advertência acerca da cominação legal ínsita no preceito.
Tais factos não podiam ser ignorados, como foram.
A provar-se esse mesmo conhecimento – traduzido em factos alegados e susceptíveis de prova – poderá mesmo questionar-se a licitude da actuação da senhoria que, consciente de não existir fundamento legal para a operar a convolação como contrato de arrendamento ao abrigo do NRAU (respectivo artigo 30º), envereda mesmo assim por essa via, na censurável tentativa de obtenção de um efeito automático e formal, decorrente da eventual ausência de apresentação do comprovativo da idade do inquilino (inferior a 65 anos), que sabia perfeitamente não ter correspondência alguma com a realidade.
A sua eventual e hipotética má fé neste domínio, paralisaria necessariamente o efeito jurídico que buscou, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil.
Precisamente neste mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 (relator Fernando Vasconcelos), publicitado in www.jusnet., na situação similar de ausência de demonstração atempada do RABC.
Por outro lado, o efeito tabelar, automático e verdadeiramente draconiado expresso no artigo 32º, nº 4, in fine, do NRAU, atenta efectivamente contra oprincípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, não podendo ser acolhido nos moldes simplisticamente perfilhados em 1ª instância.
Sobre este matéria, vide ainda o clarividente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Outubro de 2016 (relator Jorge Leal), publicitado in www.dgsi.pt.
Por tudo isto se conclui claramente que o estado dos autos não habilitava a imediata decisão, havendo que permitir a produção de prova acerca da factualidade alegada pelas partes, proferindo-se oportunamente, e face aos factos apurados em juízo, a pertinente sentença.
Pelo que procede a apelação.
2–Conhecimento prejudicado das restantes questões suscitadas na presente apelação.
Face ao decidido supra, considera-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na apelação.
IV–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.
Custas pela exequente apelada, atenta a oposição que manifestou ao presente recurso.