EDP
DISTRIBUIÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
Sumário

I–A “EDP Distribuição”, aqui R., é a entidade concessionária da rede nacional de distribuição em alta e média tensão em Portugal Continental.
II–Estando hoje separada a actividade da distribuição da de comercialização de electricidade, por via do disposto no DL 9/2006 de 15/2, a R. não pode ser responsabilizada por via contratual.
III–A actividade de distribuição de energia eléctrica é uma actividade perigosa, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios usados.
IV–Resulta do disposto no art 493º/2 do CC uma presunção de culpa, para cuja elisão não basta a demonstração de que se agiu com a diligência com que teria agido um homem médio, mas é necessário a prova de que se empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.
V–A maior perigosidade das situações englobadas no nº 2 dessa norma relativamente às englobáveis no seu nº 1, justifica que a elisão da presunção só possa ser feita do modo referido, e não também, como ali, através da relevância negativa da causa virtual.
VI–Na situação dos autos, porque não se provou a causa da avaria, tem de se excluir a responsabilização da R. pela prática de facto ilícito, pois que este sempre implicaria a prática pela mesma de uma qualquer desconformidade técnica ou a não observância de quaisquer normas que regulassem a distribuição eléctrica.
VII – Estando em causa nos autos acidente ocorrido na condução e entrega da energia, não se tendo verificado caso de força maior, existe responsabilidade objectiva da R., não interessando sequer saber se a instalação se encontrava ao tempo do acidente de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–S ....., intentou  acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra a EDP Distribuição Energia, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 39.596,64, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, para indemnização dos danos patrimoniais que alega ter sofrido em equipamentos seus, em consequência de um pico de corrente ocorrido nas suas instalações, em 24/7/2009, que imputa à responsabilidade da R.

A R. defendeu-se por excepção, invocando, por um lado, a ineptidão da petição inicial por inexistência de factos essenciais consubstanciadores da causa de pedir e, por outro, negou dedicar-se ao fornecimento de energia eléctrica a empresas ou particulares, actividade que lhe está vedada desde 1 de Janeiro de 2007, nos termos do DL 29/2006 de 15 de Fevereiro, impugnando, deste modo, a existência de qualquer contrato de fornecimento de energia eléctrica com a A. e genericamente o demais circunstancialismo invocado por esta.

A A. replicou, pugnando pela improcedência da excepção.
Foi dirigido convite à A. para aperfeiçoamento da petição inicial, a que a mesma correspondeu a fls. 75.

Foi proferido despacho saneador que conheceu da excepção dilatória, julgando-a improcedente, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 35.858,46, acrescida de juros de mora, à taxa legal anual, desde a data da citação até integral pagamento, e absolvendo a R. do demais peticionado, condenando ambas as partes em custas, na proporção do respectivo decaimento.

II–Do assim decidido, apelou a R., que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:

A)-Merece censura a decisão do tribunal a quo, devendo ser julgado procedente o presente recurso de Apelação interposto, e por conseguinte, revogada a decisão recorrida que condenou a Recorrente com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, por força da aplicação da presunção de culpa consagrada no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil.
B)-O tribunal a quo sustentou errada e insuficientemente a convicção sobre a (alegada) responsabilidade da Recorrente;
C)-Resulta da prova produzida, nomeadamente, dos depoimentos das testemunhas da Recorrente, que esta logrou afastar a presunção do artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil.
D)-O tribunal a quo, violou as regras de direito probatório, por não ter dado por provados, factos para os quais constam dos autos elementos probatórios suficientes, e, por ter considerado como suficientes para sustentar a alegada responsabilidade, os factos provados, da forma como foram dados por provados;
E)-Não figura a Autora como parte em nenhum contrato de fornecimento de energia elétrica com nenhum Comercializador, nem tão pouco com a ora Recorrente, assim é a Autora parte ilegítima na presente ação;
F)-A 24.07.2009, pelas treze horas e quarenta e cinco minutos, ocorreu um incidente na rede de média tensão da Recorrente, que levou à avaria da caixa terminal de cabo que faz a ligação entre a distribuição aérea e subterrânea de energia elétrica em média tensão no ramal da Ré, que alimenta o Posto de Transformação da Autora, na Quinta da ……….., em Alenquer;
G)-Ocorreu por parte do tribunal a quo, um manifesto erro de na apreciação da prova, impondo-se ora, ao abrigo do disposto no artigo 640.º, CPC, a reapreciação da matéria de facto dada como provada na douta sentença, nos seguintes termos:
H)-O ponto a) dos factos não provados na sentença ora recorrida, deverá ser alterado, devendo passar a constar que “foi dado por provado que à data da ocorrência, a Autora não era cliente da recorrente, porquanto não era parte em qualquer contrato de fornecimento de energia elétrica.”
I)-A titular do contrato era a empresa I…….., e não a ora Autora.
J)-O tribunal a quo, fez uma errada apreciação e valoração da prova produzida, porquanto, (i) deu por não provados factos para os quais tinha sustento probatório para dar por provados, bem como, (ii) sustentou a condenação em factos que deu por provados, que no entanto apenas poderiam sustentar a absolvição da Recorrente!
K)-O ponto 6. dos factos provados na sentença (fls. 3/12) deverá ser alterado nos seguintes termos: “A Autora apresentou danos em equipamentos ligados à eletricidade, não tendo sido no entanto possível estabelecer uma ligação (nexo causal) entre a distribuição da energia pela Ré e  os referidos danos, de todo o modo, sofridos para além do ponto de entrega da energia pela Ré em média tensão.(…)”
L)-No ponto 7. dos factos provados deverá figurar o seguinte: “A autora utilizou, por sua própria iniciativa e opção, mesmo após a Ré ter disponibilizado um gerador da operadora de rede, 700 litros de gasóleo para alimentação do gerador para fornecimento de energia às instalações com o que despendeu a quantia de € 695,80 (seiscentos e noventa e cinco euros e oitenta cêntimos).”
M)-Deverá a responsabilidade ter-se por afastada, porquanto logrou a ora Recorrente, provar a inexistência de culpa da sua parte, afastando a presunção do artigo 493.º, n.º2 do Código Civil.
N)-A responsabilidade da operadora de rede, cessa no momento em que a energia distribuída em média tensão chega ao ponto de entrega ao cliente, para transformação para baixa tensão, por ele próprio.
O)-A atuação da Recorrente preenche o segmento normativo do artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil, na parte em que «empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias».
P)-A Recorrente exonerou-se da responsabilidade, ao alegar que os danos, não obstante a adoção das providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar, se teriam verificado por qualquer outra causa, em qualquer outro momento.
Q)-Era a rede interna da Autora, que não se encontrava preparada para os fenómenos da rede.
R)-Deveria o tribunal a quo, ter equacionado o instituto da culpa do Lesado, na produção dos danos sofridos pela Autora pela destruição dos seus equipamentos, porquanto foi a própria Autora que prescindiu de utilizar o gerador disponibilizado pela ora Recorrente, por ter um próprio.
S)-Fica demonstrado que, os danos sofridos pela Autora não se ficaram a dever nem à avaria, nem ao mau estado de conservação da rede, que à data dos factos encontrava-se em perfeito estado de conservação, mas antes a qualquer outro facto que se encontra fora do controlo da ora Recorrente e que era por isso, imprevisível.
T)-Perante a prova produzida, dúvidas não restam pois que, os danos sofridos pela Autora, não se ficaram a dever a qualquer ação ou omissão da ora Recorrente, porquanto aquela, recusou o gerador disponibilizado por esta.
U)-Nada ficou estabelecido para efeitos de ajuste de pagamentos relativos aos gastos com o gasóleo, nem sequer a Autora contactou a Recorrente a solicitar o fornecimento temporário de energia através do gerador da operadora de rede.
V)-É a Autora responsável pela transformação e distribuição em Baixa tensão da energia que lhe era fornecida em média tensão pela Recorrente, competindo-lhe a conservação da sua rede interna.
W)-A responsabilidade pelo risco é afastada com a prova de que a instalação se encontrava, ao tempo do incidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação (artigo 509.º, n.º1, parte final, Código Civil), prova que a Recorrente logrou fazer.
Neste termos e nos demais de direito, que V. Exa. Doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada totalmente procedente, por provada e assim ser revogada a decisão proferida em 1ª instância, devendo a Recorrente ser absolvida dos pedidos formulados pela Autora.

A A. ofereceu contra alegações nelas defendendo o decidido.

III–O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1.-A autora tem por objecto social a pesca, comercialização, transformação, congelação, distribuição de derivados da pesca e outros produtos alimentares, principalmente produtos congelados.
2.-A ré tem por objecto social a distribuição de energia eléctrica bem como a prestação de outros serviços acessórios ou complementares.
3.-No dia 24 de julho de 2009, próximo das 13 horas e 45 minutos, ocorreu uma avaria na caixa terminal de cabo que faz a ligação entre a distribuição aérea e a subterrânea de energia eléctrica em média tensão no ramal da A. ligado ao posto de transformação que alimenta as instalações da R. ………….., lote …, Santo Estêvão, Alenquer, cuja causa não foi possível estabelecer em concreto.
4.-Tal avaria traduziu-se em acumulação de energia térmica no interior da caixa aludida que resultou carbonizada.
5.-A avaria referida provocou uma variação de tensão eléctrica no fornecimento de energia às instalações indicadas.

6.-Do descrito resultaram estragos nos seguintes equipamentos pertencentes à autora ligados à electricidade:
a)-Estabilizador de tensão;
b)-Três computadores, cuja reposição importou a quantia de € 399,00 (trezentos e noventa e nove euros) por unidade;
c)-Três monitores de computador, cuja substituição importou a quantia de € 297,00 (duzentos e noventa e sete euros);
d)-Uma impressora a laser, cuja reposição importou a quantia de € 119,00 (cento e dezanove euros);
e)-Uma fonte de alimentação de embaladora de peixe, cuja reparação ascendeu à quantia de € 1.792,60 (mil setecentos e noventa e dois euros e sessenta cêntimos);
f)-Quadro de comando do controle de linhas de embalamento, cuja reparação foi orçamentada em € 19.853,24 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e três euros e vinte e quatro cêntimos);
g)-Fechaduras automáticas, controladores de portas e computador que controla o sistema de videovigilância (CCTV), cuja reparação foi orçamentada em € 11.073,82 (onze mil e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos) e substituição das armaduras de emergência orçamentada em € 830,00 (oitocentos e trinta euros);
h)-Compressor de água e sistema de aquecimento de água.

7.-A A. utilizou 700 litros de gasóleo para alimentação do gerador para fornecimento de energia às instalações com o que despendeu a quantia de € 695,80 (seiscentos e noventa e cinco euros e oitenta cêntimos).

O tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a)-À data referida em 3, a autora era cliente da ré que lhe fornecia energia elétrica, com a potência contratada de 399,14 kW (arts. 3.º da petição e 4.º do aperfeiçoamento);
b)-Com a substituição do equipamento referido em 6. a) a autora despendeu a quantia de € 2.972,62 (dois mil novecentos e setenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos).
A restante matéria vertida nos articulados, não mencionada acima, é irrespondível por ser irrelevante, conclusiva ou por conter matéria de direito e, bem assim, por ficar prejudicada face às regras de repartição do ónus de alegação e de prova.

IV–Das conclusões das alegações resultam para apreciação as seguintes questões, colocadas por precedência lógica:
1-se a matéria de facto dada como não provada no ponto a) dos factos não provados, e a dos pontos 6 e 7 da matéria de facto dada como provada, deverão ser alteradas no sentido pretendido pela R./apelante;
2-se, afastando-se a responsabilidade contratual da R.,  a A. não tem legitimidade para a acção;
3-se, se deverá entender que a R. logrou elidir a presunção de culpa do art 494º/2 CC;
4-se a R. afastou a responsabilidade pelo risco, nos termos do art 509º/1 parte final do CC, na medida em que provou que a instalação se encontrava ao tempo do acidente de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação;
5-se houve culpa do lesado no  que se refere à destruição dos equipamentos, por a A. ter prescindido de utilizar o gerador disponibilizado pela R;
6-de todo o modo, se a A. deve ser responsável pelos gastos de gasóleo por ter prescindido do gerador que lhe foi disponibilizado pela R .

1-No ponto a) dos factos não provados, consta que (não se provou que) «à data referida em 3) (24/7/2009) a A. era Cliente da R. que lhe fornecia energia eléctrica coma potência contratada de 399,14kW».

Trata-se de matéria, como o Exmo Juiz a quo, nesse ponto da matéria não provada, o refere, advinda do art 3º da petição e 4º do aperfeiçoamento. Por isso, matéria alegada pela A. que, em primeira linha, e ao que parece, se pretenderia valer para a responsabilização da R. da responsabilidade contratual.

Entendeu-se na 1ª instância, para dar como não provada a referida relação contratual que, «sobre a factualidade referida na alínea a) dos factos provados não incidiu prova suficiente. Com efeito, o contrato de fornecimento de energia eléctrica apresentado pela autora, constante de fls. 118 verso e segs., foi estabelecido entre I….., S.A., pessoa distinta da autora e B…….., S.A.».
A R., aqui apelante, pretende que se dê como provado que «à data da ocorrência, a A. não era cliente da recorrente, porquanto não era parte em qualquer contrato de fornecimento de energia eléctrica».

É verdade que a R. na sua contestação, desde logo, porque invoca o regime legal decorrente do DL 29/2006 de 15/2, de acordo com o qual, lhe está vedada desde 1/1/2007 toda a actividade de fornecimento de energia eléctrica, quer a empresas quer a particulares – art 1º -  e porque impugna o art 3º da petição inicial,  referindo «ser falso que em 24/7/2009 a A. fosse sua cliente no que respeita ao fornecimento de energia eléctrica» - art 19º da contestação – pretendeu excluir a existência entre ela e a A. de qualquer contrato de fornecimento de energia eléctrica, embora o não tivesse propriamente alegado.

Nem tal seria necessário, como necessário não é fazer acrescer à matéria provada a inexistência da referida relação contratual.
É que a mesma resulta do regime legal decorrente do referido DL 29/2006 de 15/2 (hoje actualizado pelo DL 178/2015 de 27/8), que transpôs para a ordem jurídica nacional os princípios da Directiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e estabeleceu regras comuns para o mercado interno da electricidade, estabelecendo as bases gerais da organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEN), bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade (art 1º do referido diploma), visando-se a liberalização do sector através da separação da actividade de comercialização da de distribuição.

Refere-se no preâmbulo deste diploma que a distribuição de electricidade se processa através da exploração da rede nacional de distribuição, que corresponde à rede em média e alta tensões, e da exploração das redes de distribuição em baixa tensão. A rede nacional de distribuição é explorada mediante uma única concessão do Estado, exercida em exclusivo e em regime de serviço público, cabendo a mesma à “EDP Distribuição”, aqui R., que é, pois, a entidade concessionária da rede nacional de distribuição em alta e média tensão, em Portugal Continental.

Já a actividade de comercialização foi objecto de liberalização, ficando sujeita à atribuição de licença pela entidade administrativa competente. São as empresas de comercialização de electricidade as responsáveis pela gestão das relações com os consumidores finais, incluindo a facturação e o serviço ao cliente.

É o que resulta, por um lado, do art 3º do DL 29/2006 de 15/2 que definiu a «Distribuição» como «a veiculação de electricidade em redes de distribuição de alta, média e baixa tensões para entrega ao cliente, excluindo a comercialização», sendo o «Distribuidor» a «entidade titular de uma concessão de distribuição de electricidade». E por outro, do seu art 4º, que refere que, «o exercício das actividades de produção e de comercialização de electricidade processa-se em regime de livre concorrência», bem como do art 42º que define o exercício da actividade de comercialização de electricidade como consistindo «na compra e venda de electricidade para comercialização a clientes finais ou outros agentes».

Iguais definições se obtêm em função do DL 172/2006, de 23/8 que desenvolve e concretiza os princípios decorrentes do DL 29/06, aí se distinguindo a «Distribuição» - «transmissão de electricidade em redes de distribuição de alta, média e baixa tensão para entrega ao cliente, mas sem incluir a comercialização» - e a comercialização,  sendo esta «a compra e venda de electricidade a clientes, incluindo a revenda».[1]

Do que se veio de dizer, decorre que em 24/7/2009 a “EDP Distribuição de Energia SA”, aqui R., não podia legalmente exercer actividade de comercialização e por isso não poderia ser titular de contratos com os consumidores finais.

Pelo que resulta efectivamente adquirido para os autos que, «à data da ocorrência, a A. não era cliente da recorrente, porque não era parte em qualquer contrato de fornecimento de energia eléctrica».

Conclusão esta que implica que a R. não possa ser responsabilizada por via contratual relativamente aos prejuízos que a A. invoca nos autos.

Pretende também a apelante, ainda em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, que no ponto 6 factos provados, passe a dar-se como provado que «a Autora apresentou danos em equipamentos ligados à electricidade, não tendo sido no entanto possível estabelecer uma ligação (nexo causal) entre a distribuição da energia pela Ré e os referidos danos, de todo o modo, sofridos para além do ponto de entrega da energia pela Ré em média tensão.(…)».

O que significaria que, em vez de se ter como provado que, «Do descrito resultaram estragos nos seguintes equipamentos pertencentes à autora ligados à electricidade: a) Estabilizador de tensão; b) Três computadores, cuja reposição importou a quantia de € 399,00 (trezentos e noventa e nove euros) por unidade; c) Três monitores de computador, cuja substituição importou a quantia de € 297,00 (duzentos e noventa e sete euros); d) Uma impressora a laser, cuja reposição importou a quantia de € 119,00 (cento e dezanove euros); e) Uma fonte de alimentação de embaladora de peixe, cuja reparação ascendeu à quantia de € 1.792,60 (mil setecentos e noventa e dois euros e sessenta cêntimos); f) Quadro de comando do controle de linhas de embalamento, cuja reparação foi orçamentada em € 19.853,24 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e três euros e vinte e quatro cêntimos); g) Fechaduras automáticas, controladores de portas e computador que controla o sistema de videovigilância (CCTV), cuja reparação foi orçamentada em € 11.073,82 (onze mil e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos) e substituição das armaduras de emergência orçamentada em € 830,00 (oitocentos e trinta euros); h) Compressor de água e sistema de aquecimento de água», passaria a excluir-se que os estragos que a A. faz valer nos autos em equipamentos seus ligados à electricidade, tivessem decorrido da avaria a que se reportam os pontos de facto 3, 4 e 5.
Nenhuma razão pode assistir à apelante no aspecto em referência, na medida em que a R. não se defendeu na contestação – onde toda a defesa deve ser deduzida – com os factos que, por via da agora impugnada matéria de facto, pretende ver considerados.

Com efeito, a defesa da R. foi realizada em função da ineptidão da petição inicial e da impossibilidade jurídica de a A. ser à data dos factos cliente da R. – acima já referida-  – no mais tendo optado por uma impugnação genérica  das alegações da A. e dos documentos que a mesma juntou à petição inicial. Nem mesmo depois de a A. ter vindo prestar os esclarecimentos para que foi convidada, a R. acrescentou o que quer que fosse a esses esclarecimentos.

Por isso, não pode agora querer prevalecer-se – pela via indirecta da impugnação da decisão da matéria de facto -  de factos que – ainda que tivessem resultado da instrução e discussão da causa – corresponderiam a uma linha defensiva não utilizada no momento e lugar próprio. Repare-se que são várias as conclusões das alegações em que a R./apelante pretende situar a origem da avaria nos aparelhos eléctricos da A. na circunstância desta ser responsável pela transformação e distribuição em baixa tensão da energia que lhe era fornecida em média tensão, invocando que lhe competiria a conservação da sua rede interna (conclusão V), e que a mesma «não se encontrava preparada para os fenómenos da rede» (conclusão Q), excluindo a sua responsabilidade com a conclusão de que «a  responsabilidade da operadora de rede, cessa no momento em que a energia distribuída em média tensão chega ao ponto de entrega ao cliente, para transformação para baixa tensão, por ele próprio» (conclusão N), e de que «a avaria dos aparelhos de deve a qualquer outro facto que se encontra fora do controlo da ora Recorrente e que era por isso, imprevisível (conclusão S).

Os factos a que se reporta – designadamente o que refere no art 61 do corpo das alegações, de que «no caso de clientes, como a A., que procedam à transformação da energia recebida pela operadora de rede, em média tensão, para baixa tensão, para distribuição e consumo nas suas instalações, são responsáveis a partir do ponto de entrega da energia pela operadora de rede», e que por isso, a caixa terminal de cabo que faz a ligação entre a distribuição aérea e a subterrânea de energia eléctrica em média tensão no ramal da A. ligado ao posto de transformação que alimenta as instalações da R. e onde ocorreu a avaria, constitui «o ponto de entrega ao cliente» da energia distribuída em média tensão - não foram alegados na contestação e não se configuram sequer como factos complementares ou concretizadores de factos essenciais aí alegados, porque nenhuns aí alegou.

A própria A. nas contra alegações de recurso o evidencia (conclusão XVII): “No que respeita aos factos alegados e atinentes à Media e Baixa Tensão, deverá alegar-se que a Recorrente nada especificou em sede própria, ou seja, na Contestação”.

Com efeito, a generalidade das considerações que a apelante faz nas alegações deve-las- ia ter produzido na contestação.

De toda a maneira – e à falta de factos, como se evidenciou, que pudessem inverter o que se supõe decorrer dos factos provados - a caixa terminal de cabo que faz a ligação entre a distribuição aérea e a subterrânea de energia eléctrica em média tensão no ramal da A. ligado ao posto de transformação que alimenta as instalações da R. e na qual (caixa) ocorreu a avaria, constitui ainda um meio mecânico através do qual a R. procede através da respectiva canalização à condução e à entrega da energia eléctrica ao consumidor.

Como se evidencia no acima referido Ac RL 4/10/2012 (nota1), «a EDP Distribuição é a responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes - as questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, nomeadamente as relacionadas com falhas de fornecimento, são responsabilidade directa do distribuidor», apelando-se ainda nesse acórdão, e no contexto que está em apreço, para o Regulamento da Qualidade de Serviço (Aprovado pelo Despacho n.º 5255/2006 da Direcção-Geral de Geologia e Energia, publicado no DR, II série, de 8-3-2006) cujo art 9º dispõe: «1—Os operadores da rede de transporte e das redes de distribuição são responsáveis perante os clientes ligados às redes pela qualidade de serviço técnica, independentemente do comercializador que contratou o fornecimento, sem prejuízo do direito de regresso entre os operadores das redes ou sobre outras entidades com instalações ligadas às redes. 2 — O operador da rede de transporte e os operadores das redes de distribuição devem manter vigilância sobre a evolução das perturbações nas respectivas redes».

Acresce que, segundo a al. z) do art 3º do DL 29/2006, o «operador da rede de distribuição”, é “a pessoa singular ou colectiva que exerce a actividade de distribuição e é responsável, numa área específica, pelo desenvolvimento, exploração e manutenção da rede de distribuição e, quando aplicável, das suas interligações com outras redes, bem como por assegurar a garantia da capacidade da rede a longo prazo». Referindo-se no art 32º do mesmo diploma que «a rede de distribuição em MT (média tensão) e AT (alta tensão) compreende as subestações, as linhas de MT e de AT, os postos de seccionamento e de corte e os aparelhos e acessórios ligados à sua exploração».

Ora, desde o momento em que a avaria da referida caixa – que resultou carbonizada – se traduziu em acumulação de energia térmica no interior da mesma – facto 4 – (o que por sua vez) provocou uma variação de tensão eléctrica no fornecimento de energia às instalações da A. – facto 5 -  não pode senão concluir-se que a génese da avaria se situou fora da rede interna da A.

Do que se veio de dizer, forçoso é concluir não poder proceder a impugnação da matéria de facto em referência.

Ainda em sede de impugnação da matéria de facto, pretende a R/apelante que se altere o ponto 7 da matéria de facto provada, onde consta que «a A. utilizou 700 litros de gasóleo para alimentação do gerador para fornecimento de energia às instalações com o que despendeu a quantia de € 695,80», passando a dar-se como provado que «a A. utilizou, por sua própria iniciativa e opção, mesmo após a R. ter disponibilizado um gerador da operadora de rede, 700 litros de gasóleo para alimentação do gerador para fornecimento».

Neste ponto da matéria de facto – e independentemente de se entender que a apelante não cumpriu no que lhe respeita o ónus de impugnação  que resulta do al b) do nº 1 do art 640º CPC – sempre se dirá que, ouvida a totalidade da prova produzida em audiência, não pode deixar de se relevar o depoimento da testemunha João ………, que tornou claro que a A. optou por ligar o seu próprio gerador, procedendo como é uso proceder quando a entidade afectada pelos cortes de energia dele dispõe, nenhum sentido fazendo nessas condições que a R. disponibilizasse um gerador seu, tanto mais que urgia preservar matéria-prima altamente perecível (peixe congelado). Sendo evidente que o gasóleo gasto com o funcionamento do gerador, tendo sido suportado pela A., constitui um prejuízo autonomamente ressarcível dentro da teoria da diferença – se não tivesse existido o corte de energia que se verificou, a A. não teria utilizado o gerador e não teria visto diminuído o seu património na medida do custo do gasóleo que nele utilizou  para o efeito.

6–Consequentemente, a circunstância de a A. não ter aceite o gerador disponibilizado pela R. em nada afecta o efectivo prejuízo que teve com o gasóleo nele utilizado. Se tivesse aceite o gerador disponibilizado pela R., ou esta disponibilizava também o gasóleo necessário, ou a A. teria que o ter gasto.
Neste contexto, é despropositado que se pretenda que «nada ficou estabelecido para efeitos de ajuste de pagamentos relativos aos gastos com o gasóleo, nem sequer a Autora contactou a Recorrente a solicitar o fornecimento temporário de energia através do gerador da operadora de rede», que, por isso, não pode dar-se como provado..
Acresce que a A. contactou a R. através da carta datada de 21/9/2009 junta a fls 11, que tem por assunto “Reclamação de prejuízos”, onde faz referência, entre o mais, a «100 litros de gasóleo que se encontravam no depósito, mais 700 litros adquiridos para o gerador».
Improcede, pois também neste ponto a impugnação da matéria de facto.

2–A circunstância acima referida de não se poder equacionar na acção a responsabilidade contratual da R., não implica que a A. seja parte ilegítima na acção. Na verdade, ela continua a ter interesse directo em demandar, que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, tanto mais que  configura a R. como responsável, não apenas em função de ser cliente dela (art 3º da petição), mas também e antecedentemente, por ser «público e notório que a R. é uma empresa que se dedica ao fornecimento de energia eléctrica a particulares e empresas, utilizando para isso cabos eléctricos aéreos e subterrâneos»  (art 3º), mais referindo, no art 4º da petição, que «como é publico e notório, a energia fornecida pelas distribuidoras circula por cabos que se ligam à instalação eléctrica existente nas instalações do cliente, sem que este tenha qualquer forma de controlar a intensidade, alta ou baixa, da mesma», razões pelas quais invoca a disciplina dos arts  483º, 499º e 509º CC (art 10º).

Consequentemente, afastada que ficou a responsabilização da R. por via contratual, resta saber se se verifica a sua responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.

3–Dispõe o nº 2 do art. 493 do CC: «Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir».

Está aqui em causa, em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, uma presunção legal de culpa, que tem, no entanto, um modo particular de ser elidida – não basta, como o evidencia Menezes Leitão[2], a simples demonstração de que se agiu com a diligência com que teria agido um homem médio (bónus pater familiae), é necessário fazer prova que se empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.

Evidentemente que a convocação desta presunção legal de culpa, postula o que se tem por pacífico – que a actividade de distribuição de energia eléctrica desenvolvida pela R. é uma actividade perigosa, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios usados [3].

Muito facilmente se extrai da comparação do disposto no nº1 dessa norma com o disposto no seu nº 2, que neste se exclui a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar com a alegação de que os danos se teriam verificado por outra causa (causa virtual), mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.

E deve ter-se em consideração que todas as manifestações legais de relevância negativa da causa virtual – como é o caso da estabelecida no nº 1 da norma em apreço -  são excepcionais e não comportam aplicação analógica.

Do que se deve concluir que o legislador entendeu que nas circunstâncias de  maior perigosidade a que se reporta o nº 2 deste art 493º, o agravamento da responsabilidade que resulta da presunção de culpa apenas ilidível em função da prova de que se empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar os danos não merece ser atenuado pela relevância negativa da causa virtual.

Como resulta do acima já expendido a propósito da forma como a R. entendeu defender-se na acção, não tendo alegado na contestação quaisquer factos de que pudesse resultar ter empregue no exercício da distribuição de electricidade «todas as providencias exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos», não poderia  deixar de se entender que agiu com culpa.
Tão pouco poderia – se esse fosse o alcance do que pretendeu fazer valer em sede de alegações, quando refere que S), «fica demonstrado que, os danos sofridos pela Autora não se ficaram a dever nem à avaria, nem ao mau estado de conservação da rede, que à data dos factos encontrava-se em perfeito estado de conservação, mas antes a qualquer outro facto que se encontra fora do controlo da ora Recorrente e que era por isso, imprevisível» - eximir-se a essa culpa provando que os danos sofridos pela A. se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua nos termos acima expostos.

Não obstante se terem feito todas estas considerações a respeito da culpa (presumida) da R., que a mesma não teria elidido, a verdade é que não se pode concluir da matéria de facto provada, pela (prévia) existência de um comportamento ilícito por parte da mesma, que aqui teria de se assumir como uma desconformidade técnica ou como a não observância de quaisquer normas que regulassem a distribuição eléctrica, na medida em que, como resulta do ponto 3 da matéria de facto, «não foi possível estabelecer em concreto a causa da avaria na caixa terminal de cabo que faz a ligação (…)»..

Consequentemente, ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida, entende-se que não há factos que permitam a responsabilização da R. ao abrigo do disposto no art 493º/2 CC.

4–Isso não significa, no entanto, que se inverta o sentido da decisão recorrida, na medida em que se entende que a R. é responsável na situação dos autos, independentemente de culpa, em função da responsabilidade objectiva que advém do disposto no art 509º/1 parte final do CC.

Dispõe o nº 1 dessa norma: «Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação».

O nº 2 da mesma salvaguarda que não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior, esclarecendo que se considera causa de força maior «toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa».
«A expressão direcção efectiva do art 509º/1 CC tem um sentido idêntico ao usado no art 503º/1 do mesmo Código, significando o poder de facto, de uso  ou disposição, com o consequente dever de guarda e conservação da instalação destinada à condução e entrega de energia eléctrica ou de gás» [4].

Refere Antunes Varela [5] que «os danos causados pela instalação (produção e armazenamento), condução (transporte) ou entrega (distribuição) desses pontos de energia correm por conta das empresas que as exploram (como proprietárias, concessionárias, arrendatárias, etc), pois, assim como auferem o principal proveito da sua utilização, é justo que elas suportem os riscos correspondentes»

Não obstante, é necessário distinguir os danos resultantes da própria instalação, dos danos resultantes da condução (ou transporte), e da entrega (ou distribuição) de energia eléctrica.
Comentam Pires de Lima/Antunes Varela esta disposição legal, referindo [6]: «É um novo caso de responsabilidade objectiva, de resto atenuada quanto aos danos resultantes da própria instalação, pois se admite, para afastar a responsabilidade (objectiva), a prova de que a instalação se encontrava ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. É já puramente objectiva quando se trata de danos resultantes da condução ou transporte e entrega ou distribuição de energia eléctrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado…»

No Ac R C 15/1/1991 [7], citando-se o Ac R C de 15/5/1984 [8], refere-se, com muita pertinência, que «o art 509º CC estabelece a responsabilidade objectiva nas seguintes hipóteses, todas respeitantes às instalações de energia eléctrica  destinadas à condução e entrega: a) a responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica; b) a responsabilidade resultante da condução e entrega da energia eléctrica. No caso da al a) – instalação propriamente dita - existe responsabilidade objectiva salvo em duas circunstâncias: 1- caso em que a instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. 2 – caso em que, não se verificando a hipótese anterior, os danos forem devidos a uma causa de força maior. No caso da al b) – condução e entrega de energia – existe responsabilidade objectiva, salvo num único caso que é o da força maior».[9]

Significa isto que no caso de condução e entrega de energia, o facto de terem sido cumpridas as regras técnicas em vigor e tudo estar em perfeito estado de conservação, não isenta de responsabilidade objectiva a entidade responsável pela condução e entrega da energia. Tal cumprimento só lhe aproveitaria se os danos fossem originados na instalação de energia e não já na sua condução e entrega.

Ora, «as instalações de energia eléctrica são constituídas pelo agrupamento de factores convergentes para a criação e armazenagem de energia eléctrica, sendo a condução e a entrega formadas pelos meios mecânicos destinados a levar a energia eléctrica da instalação a outros locais (transporte), até à sua canalização para o consumidor (distribuição), respectivamente»[10]

Na situação dos autos, os prejuízos sofridos pela A. não resultaram da instalação eléctrica, mas de acidente ocorrido no momento da entrega da energia à A.

Podendo dizer-se, tal como é reflectido no Ac STJ 13/7/2010 [11]: «Deste modo, nem sequer interessa, para a hipótese em apreço, averiguar do estado das instalações, porquanto a falência do sistema de abastecimento eléctrico aconteceu, no momento da entrega, que consiste no acto de colocação da energia à disposição do consumidor, nas suas instalações particulares, depois de conduzida até aí.»

Está-se perante um caso de responsabilidade pelo risco, «no qual o nexo de causalidade existe em princípio, sempre que os danos se achem em conexão com os riscos especialmente produzidos com o exercício de determinadas actividades. Será o próprio risco, então, a causa adequada do dano» [12].

Consequentemente, há que concluir que a R. não afastou a responsabilidade pelo risco nos termos do art 509º/1 parte final do CC, porque ainda que tivesse provado que a instalação se encontrava ao tempo do acidente de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação- o que não provou, como também não alegou – tal seria inútil, visto estar em causa acidente ocorrido no momento da entrega da energia à A.

5–Resta ponderar se houve culpa do lesado no que se refere à destruição dos equipamentos, por a A. ter prescindido de utilizar o gerador disponibilizado pela R.

A questão -  que resulta neste exactos termos da conclusão R), «Deveria o tribunal a quo, ter equacionado o instituto da culpa do Lesado, na produção dos danos sofridos pela Autora pela destruição dos seus equipamentos, porquanto foi a própria Autora que prescindiu de utilizar o gerador disponibilizado pela ora Recorrente, por ter um próprio» -  é obviamente despropositada.

Não foi a não aceitação por parte da A. do gerador da R. que gerou os prejuízos, mas sim a avaria, nos termos acima referidos.
A não aceitação pela A. do gerador da R. só minimizou os prejuízos que a falta de energia poderia ter causado às matérias primas de que a A. se serve, na medida em que a utilização de gerador próprio contribuiu para  melhor impedir aquela deterioração. Nenhuma relação de causalidade há entre a não aceitação do gerador da R. e a destruição dos equipamentos da A., pois que a destruição destes ficou a dever-se à variação de tensão eléctrica no fornecimento de energia às instalações da A. – factos 5 e 6.

Sempre se dirá lateralmente que, «para que a conduta do lesado seja uma das causas do dano, justificativa de eventual redução ou até de exclusão da indemnização, importa que seja culposa, isto é, censurável e reprovável, que tenha concorrido para a sua produção ou agravamento, que possa considerar-se como uma concausa do dano, em concorrência com o facto ilícito típico do responsável.» [13]e nada disso sucede relativamente à referida conduta da A.

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando, embora apenas em função da responsabilidade objectiva, a sentença recorrida.
 
Custas pela apelante.



Lisboa, 9 de Março de 2017



Maria Teresa Albuquerque   
Jorge Vilaça                       
Vaz Gomes                                            



[1]-Esteve-se a seguir o Acórdão desta Relação de 4/10/2012 ( Mª José Mouro, no qual a aqui Relatora é 1ª Adjunta ) e o Ac RC 11/11/2004 (Mª João Areias)
[2]-«Direito das Obrigações», 4ª edição, p. 308/309
[3]-Nesse sentido, por ex, Ac STJ de 8/11/2007, disponível in www.dgsi.pt.
[4]-Ac STJ 11/11/97, CJ III, p 132
[5]Direito das Obrigações»2ª ed I 569
[6]Código Civil Anotado», 4ª ed, I, p 525
[7]- Publicado na CJ I, p 47 ss, Relator, Varela Rodrigues
[8]-Publicado na CJ III, p 42 e ss
[9]-No mesmo sentido, Ac STJ 13/7/2010, acessível em www.dgsi.pt, Relator, Helder Roque, onde se refere: «A responsabilidade da entidade exploradora resultante da condução e entrega da energia eléctrica só é excluída quando os danos são devidos a causa de força maior, enquanto que a responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica, propriamente dita, subsiste, excepto se, ao tempo do acidente, a instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e, em perfeito estado de conservação, ou os danos forem devidos a uma causa de força maior». Igualmente, Ac STJ 13/7/2004 (Ribeiro Luis), in CJ II-155: «A excepção contida no nº 1 do art 507ºCC deve ser interpretada como reportando-se apenas aos danos causados pelas próprias instalação e já não também, aos danos causados pela condução e entrega da energia eléctrica ou do gás»
[10]-Vaz Serra, «Responsabilidade pelos Danos Causados por Instalações de Energia Eléctrica ou Gás e por Produção e Emprego de Energia Nuclear», BMJ nº 92 (Janeiro de 1960), 139 e ss., designadamente, a folhas 155.
[11]-Acima já referido, relatado por Helder Roque
[12]-Referido Ac STJ 13/7/2004 (Ribeiro Luís), CJ II-155.
No mesmo sentido, Ac R C 29/10/2013, acessível em www.dgsi.pt, Relatora, Mº José Guerra: «Como bem se defende no recente Ac. da Rel. de Coimbra, de 10-09-2013, disponível in www.dgsi.pt,  a responsabilidade pelo risco tem sempre implícita a extrema dificuldade ou mesmo a impossibilidade para o lesado em provar o nexo de causalidade contra o lesante, quando este desenvolve uma actividade potencialmente danosa ou perigosa no plano pessoal ou meramente patrimonial que tem que ver com a especificidade e natureza dos bens fornecidos. O que causa de força maior verdadeiramente significa é uma excepção ao nexo de causalidade»
[13]-Citado Ac STJ 13/7/2010 (Helder Roque)