SOCIEDADES ANÓNIMAS
EXCLUSÃO DE ACCIONISTA
Sumário

-Nas sociedades anónimas não pode ser deliberado em assembleia, ou decidido em acção judicial, a exclusão de accionista da sociedade, muito menos quando os estatutos da sociedade não prevêm tal exclusão.
-O accionista não está proibido de votar em Assembleia Geral quando a matéria a deliberar seja a sua própria exclusão da sociedade, já que não só tal exclusão não se encontra legalmente prevista, como o art. 384º nº 6 b) do CSC omitiu coerentemente tal proibição, que figura no art. 251º nº 1 d) do mesmo diploma e aplicável às sociedades por quotas.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


MUNICÍPIO ..., MUNICÍPIO ..., MUNICÍPIO ..., MUNICÍPIO ..., MUNICíPIO ..., ASSOCIAÇÃO ..., intentaram a presente acção declarativa de anulação deliberações de deliberações sociais contra V... S.A., pedindo a anulação da deliberação tomada no ponto um na assembleia geral da Ré, no dia 16.03.2015, com o seguinte teor:

Revogação da deliberação eventualmente tomada no Ponto Um da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março de 2015, com o seguinte objecto "Ponto Único: Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... SA (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito" ou, caso já se encontre pendente, deliberação sobre o respectivo termo, através de desistência do pedido na acção em causa e revogação dos poderes atribuídos aos representantes especiais designados na Assembleia Geral do passado dia 2 de Março de 2015.  

Argumentam os Autores para tal, serem, juntamente com a sociedade comercial E... S.A., accionistas da aqui Ré. A accionista E... S.A., accionista maioritária da sociedade comercial V... S.A. pretende recorrer a todos os meios para esvaziar, contrariar, revogar ou, por qualquer outra forma, impedir a deliberação da Assembleia geral extraordinária de 02.03.2015, sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... S.A. e nomeação de representantes especiais para o efeito. Aquando da convocação da Assembleia ordinária anual para o dia 16.03.2015, que teve lugar antes da deliberação do dia 02.03.2015, aquela accionista solicitou ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral a inclusão na ordem de trabalhos de dois pontos, sendo um deles a revogação da deliberação eventualmente tomada no ponto um da ordem de trabalhos daquela assembleia e o outro a deliberação sobre a propositura de acção de responsabilidade contra o anterior Presidente da Mesa da assembleia geral, a Câmara Municipal ... e o seu representante. Por decisão do Presidente da Mesa da assembleia geral do dia 02.03.2015 foi decidido deixar para a nova mesa, a eleger naquela mesma assembleia, a decisão de inclusão ou não daqueles pontos na reunião ordinária a realizar. O Presidente eleito decidiu incluir aqueles pontos na ordem de trabalhos.

Na assembleia geral do dia 16.03.2015 aqueles pontos levados a votação, por sugestão da E... - Empresa Geral de Fomento, S.A., foram aprovados com os votos favoráveis apenas daquela accionista e contra dos aqui Autores, apesar de estes terem alertado a mesa para a ilegalidade da participação daquela accionista na votação, a mesa decidiu não reconhecer impedimento de participar na votação, o que, no entender dos Autores, configura uma ilegalidade por violação do disposto no artigo 384.°, nº 6, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais e conduz à nulidade daquela deliberação.
 
Citada a Ré veio apresentar contestação, na qual se defende por excepção inominada de falta de interesse em agir. Quanto aos factos, embora aceite a generalidade dos factos alegados pelos Autores, conclui defendendo a validade da deliberação da Assembleia do dia 16.03.2015, pedindo em consequência a improcedência da acção.

Defende, para tal a inexistência de impedimento de voto da E..., SA (E...) na deliberação impugnada pelos Autores, por não ser admissível a exclusão de sócios nas sociedades anónimas e sendo a V... S.A., uma sociedade com um regime jurídico especial, cujo capital é maioritariamente dominado pelo Estado, através da E... SA (E...) a alineação de acções depende de autorização dos membros do Governo, sob pena de nulidade. A E... SA (E...) encontra-se em processo de reprivatização, aprovado pelo Decreto-Lei nº 414, de 20.03. Os accionistas Municípios têm vindo a interpor procedimentos cautelares no Supremo Tribunal Administrativo a pedir a suspensão do processo de privatização da E... SA (E...) , providências que têm vindo a ser indeferidas.

Mais alega não ter a sociedade V... S.A. interesse no prosseguimento da acção de exclusão de sócio da E... SA (E...) , por não prosseguir os fins da sociedade e por não ser admissível.

Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido.
 
Foram dados como assentes os seguintes factos:

1)-Os Autores são accionistas da sociedade V... S.A., onde detém, respectivamente, as seguintes participações de capital:
lº- Município ... 259 958 acções que representam 4,61%;
2º-Município ...  900 000 acções que representam  17,86%;
3º-Município ... 580 263 acções que representam 11,51%;
4º-Município ... 27 189 acções que representam 0,54%;
5º-Município ... - 232 105 acções que representam 4,61%;
6º-Associação ... - 264 600 acções que representam 5,25%, que somam, entre si, 44,38% do capital social.
2)-A E... S .A., é também accionista da Ré, sendo titular de 2 775 885 acções, que representam 55,08% do capital social da Ré.
3)-A sociedade V... S.A., constituída pelo Decreto-Lei nº 68/2010, de 15 de Junho, resultando da fusão das sociedades V... S.A. e R... S.A., com o seu capital social representado por 5.040.000 acções nominativas, no valor nominal de € 5,00 cada.
4)-Aquele diploma fixou o estatuto jurídico da V..., aprovou os seus estatutos e atribuiu-lhe, ainda, em regime de concessão, a exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos de Lisboa e do Oeste, tendo sido alterado pelo Decreto-Lei nº 108/2014, de 2 de Julho, que procedeu à republicação do mesmo, incluindo os estatutos da V....
5)-A sociedade V...  S.A., NIPC ..., tem sede ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, obriga-se com a intervenção a) conjunta de 2 administradores, um dos quais deve pertencer à comissão executiva, quando exista; b) do administrador-delegado.  
6)-Por ofício de 18.12.2014, dirigido ao Presidente da Mesa da AG, os aqui Autores, pediram a convocação de uma reunião extraordinária da AG com a inclusão do seguinte assunto na Ordem de Trabalhos:
Ponto Único: Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito.
7)-Em 31.12.2014, a E... enviou uma carta ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré, na qual defendeu, em suma, que este não deveria convocar a assembleia geral solicitada pelos Municípios Autores, por entender que a acção de exclusão de sócio proposta ao abrigo do artigo 242.° do Código das Sociedades Comerciais (adiante designado "CSC”)  apenas é susceptível de instauração nas sociedades por quotas e que nas sociedades anónimas, não é admissível legalmente a exclusão de sócios. 
8)-O Presidente da Mesa da AG convocou a AG para reunir extraordinariamente, em 05.02.2015, com um ponto único: deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E..., S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito. 
9)-O accionista maioritário E... não esteve presente, não foi possível reunir o necessário quórum constitutivo e deliberativo naquela reunião da AG (nº 2 do artigo 16.° dos Estatutos, na redacção do DL nº 108/2014, de 2 de Julho).
10)-Por este motivo, o Senhor Presidente da Mesa da AG, convocou, em segunda convocatória, a AG para reunir  extraordinariamente no dia 02.03.2015.
11)-Como, efectivamente, veio a reunir.
12)-Após ter sido notificada para a reunião extraordinária da AG extraordinária (para 02.03.2015), a accionista E... S. A, solicitou, por ofício de 10.02.2015, ao Senhor Presidente da Mesa da AG a inclusão, entre outros, dos seguintes assuntos na Ordem de Trabalhos:
Ponto 2-Destituição imediata do Presidente da Mesa da AG e propositura de acção de responsabilidade contra o Presidente da Mesa da AG
Ponto 3-Eleição de nova mesa da Assembleia Geral.
Ponto 4-Revogação  da deliberação eventualmente tomada no ponto primeiro da ordem de trabalhos com o seguinte objecto "Ponto Único: Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão  do accionista E...S.A. e nomeação de representantes especiais para o efeito”.

13)-Por carta datada de 24.02.2015, o Senhor Presidente da Mesa da AG informou a accionista E... S .A, "Nos  termos dos números 3 e 4 do artigo 378. ° e número 5 do artigo 375°, todos do Código das Sociedades Comerciais, cabe pronunciar-me sobre a inclusão de assuntos na Ordem de Trabalhos requerida pela E... S.A na data de 10 de Fevereiro de 2015.
Admito a inclusão dos pontos identificados com os números três, cinco, seis e sete do referido requerimento.
Não é incluído o ponto dois do referido requerimento em virtude de o mesmo ser destituído de utilidade prática face à eleição   de
nova mesa da Assembleia Geral.
Por outro lado, o mesmo é manifestamente abusivo, na medida  em que se funda precisamente na manutenção da convocatória com ponto da ordem de trabalhos "deliberação  sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para  o efeito", sendo assim, aos olhos do subscritor, não mais do que uma tentativa de intimidação visando o condicionamento da sua actuação livre e imparcial.
Não é incluído o ponto quatro do requerimento da E... S.A datado de 10 de Fevereiro de 2015 na medida em que o mesmo não é mais do que a repetição do ponto único da ordem do dia da assembleia previamente convocada. Os accionistas admitidos a votar naquele ponto da ordem de trabalhos seriam exactamente os mesmos que votariam o Ponto Um, sendo a matéria exactamente a mesma."

14)-A ordem de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária da V... agendada para o dia 2 de Março de 2015, às 10.00 horas passou a ser a seguinte:
Ponto Um - Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E ... S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito.
Ponto Dois- Ratificação da cooptação do Vogal M..., efectuada em reunião do Conselho de Administração de 05/05/2014, face à renúncia de N....
Ponto Três- Ratificação da cooptação do Vogal F..., efectuada em reunião de Conselho de Administração de 05/05/2014, face à destituição de F...
Ponto Quatro- Ratificação da cooptação do Vogal A..., efectuada em reunião de Conselho de Administração de 12/08/2014, face à renúncia de A...
Ponto Cinco- Eleição de nova Mesa da Assembleia Geral.

15)-Na assembleia geral da Ré reunida no dia 02.03.2015, no início da assembleia, o Presidente da Mesa leu a declaração anexa à respectiva acta [a fls. 58 dos autos apensos] na qual remetia a decisão sobre o pedido de inclusão de assuntos na Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral convocada para 16.03.2015, apresentado pela E... para o novo Presidente da Mesa eleito.

16)-Conforme consta da acta desta assembleia geral, depois de "aberta a discussão do ponto um da ordem de trabalhos, tomou a palavra a representante do Município ..., a presidente da Câmara Dra. C..., que leu a proposta de deliberação que ficará junta à presente ata como documento nº 1.17) Naquela Assembleia Geral, a accionista E..., S.A., já depois de iniciada a reunião, requereu ao Senhor Presidente da Mesa da AG a inclusão do seguinte "Ponto Prévio - alteração da ordem de assuntos constante da ordem do dia da Assembleia Gera1"

"Considerando que:
1)-A convocação da presente Assembleia foi requerida em 06.01.2015 pelos Municípios accionistas para deliberar sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E.., S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito.
2)-O Presidente da Mesa, o Município ..., que é simultaneamente um dos requerentes do pedido de convocação, deferiu o mesmo, convocando a assembleia e indeferindo o peticionado pela accionista E... por carta de 31.12.2014 e posteriormente por carta de 06.02.2015.
3)-Em 10.02.2015, a accionista E... requereu a inclusão dos seguintes assuntos na Ordem de Trabalhos:
"Ponto dois: Destituição imediata do presidente de mesa da Assembleia Geral e propositura de acção de responsabilidade contra o Presidente da Mesa da Assembleia Geral; 
Ponto Três: Eleição de nova mesa da Assembleia Geral;
Ponto Quatro: Revogação da deliberação eventualmente tomada no ponto primeiro da ordem de trabalhos, com o seguinte objecto "Ponto único: Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito."
Ponto cinco: Ratificação da cooptação do Vogal M..., efectuada em reunião do Conselho de Administração de 05/05/2014, face à renúncia de N...
Ponto seis: Ratificação da cooptação do Vogal F... efectuada em reunião de Conselho de Administração de 05/05/2014, face à destituição de F...
Ponto sete: Ratificação da cooptação do Vogal A..., efectuada em reunião do Conselho de Administração de 12/08/2014, face à renúncia de A..."
O Presidente da Mesa, em 24.02.2015, deferiu parcialmente o pedido apresentado pela accionista E..., não tendo aceite incluir os assuntos dos pontos dois e quatro supra referidos, aceitando somente a inclusão dos assuntos referidos nos pontos três, cinco, seis e sete.

Sucede que:
4)-O mandato dos membros da Mesa da Assembleia Geral já caducou em 2012.
5)-O Presidente da Mesa presente encontra-se em manifesto conflito de interesses, não estando por isso, em condições de exercer as suas funções com a imparcialidade e independência que impõem.
6)-Com efeito, o conflito de interesses do Presidente da Mesa resulta do seguinte:
a)-O Presidente da Mesa eleito para o mandato de 2010-2012, ou seja, o Município ... representado pelo Senhor Eng. C..., em conjunto com os outros Municípios accionistas, tudo tem feito para pôr em causa a abertura ao capital privado da V..., que resulta da decisão política de reprivatização da E....
b)-É esse o objectivo da deliberação constante do ponto um da ordem do dia "propositura de acção judicial para exclusão do accionista E..., S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito", tal como tem sido publicamente assumido pelos Municípios accionistas da Sociedade, como se pode comprovar designadamente através:  
-Da notícia disponibilizada em 19 de Junho de 2014 online no Económico ( ... )
-Da notícia disponibilizada em 20 de Dezembro de 2014 online no jornal Expresso "As autarquias, numa iniciativa de B..., presidente da Câmara ..., vão tentar a "exclusão judicial" da E.... B... crê que este será um "elemento complexo" no processo de privatização, que "vai criar grande perturbação"."
-Do comunicado, quer no site da Câmara Municipal ... (...), no site da Câmara Municipal ... (...), quer no Sol on line: "Estas pressões só demonstram que esta ação é um importante passo para que a V... se mantenha em mãos maioritariamente públicas, o que sempre foi o objetivo assumido pelos municípios acionistas. (...) Os municípios mantêm assim o compromisso de continuar a utilizar todos os meios políticos, jurídicos e institucionais para impedir a privatização de uma empresa lucrativa, ambientalmente segura, tecnologicamente avançada e com um elevado padrão social plasmado no acordo de empresa em vigor".
c)-Mais, a convocação da presente assembleia para aprovar a deliberação constante do ponto um da ordem do dia a pedido dos Municípios accionistas dirigido ao Presidente da Mesa, que é um desses Municípios accionistas, o Município ..., integra-se na estratégia que tem sido seguida por estes sempre com o objectivo de prejudicar a reprivatização da E... e a consequente abertura ao capital privado da V..., concretizada, designadamente, na instauração de várias acções e providências, estas últimas indeferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo que reconheceu o prejuízo para o interesse público decorrente da suspensão do processo de privatização era superior aos alegados prejuízos para os Autores decorrentes de tais providências (providências cautelares de suspensão do processo de privatização da E..., Ré pelo Município ... no Processo n.º 858/14 que correu na 1.º Secção do Supremo Tribunal Administrativo, Ré pelo Município ... no Processo n.º 844/14 que correu na 1.º Secção do Supremo Tribunal Administrativo e ainda Ré pelo Município ..., no Processo n.º 943/14 que correu na 1.º Secção do Supremo Tribunal Administrativo).
d)-É, assim, manifesto que face ao insucesso de tais providências, a convocação da presente Assembleia para deliberar sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... constitui a instrumentalização dos meios societários para atingir um objectivo que não se confunde com o interesse social, mas sim com o interesse dos accionistas minoritários.
e)-O Presidente da Mesa, que deferiu a convocação desta Assembleia é simultaneamente requerente ou remetente do pedido de convocatória da Assembleia e requerido ou destinatário do mesmo, o que só por si, deveria ser suficiente para que se tivesse declarado impedido para apreciar o pedido de convocação.
f)-Ao deferir tal pedido, sendo conhecedor da estratégia publicamente assumida pelos Municípios accionistas para obstaculizar a reprivatização da E..., e tendo tomado conhecimento das divergências jurídicas sobre a validade da convocação da Assembleia, o Presidente da Mesa comprovou a sua falta de imparcialidade e independência, deveres que lhe impunham remeter esta questão para os tribunais, através designadamente da convocação judicial da assembleia, estando assim sempre assegurados os interesses dos accionistas minoritários.
7)-Constata-se, assim, que o Presidente da Mesa da Assembleia Geral não preenche os requisitos de independência previstos no art. 414.º, n.º 5, ex vi art. 374.º A, ambos do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que está associado a um grupo de interesses específicos na sociedade, isto é, associado aos interesses dos Municípios accionistas de prejudicar a reprivatização da E... e a consequente abertura ao capital privado da V....
8)-Aliás, esta Mesa da Assembleia Geral não cumpre os referidos requisitos, nomeadamente, porque qualquer um dos seus membros é titular de uma participação superior a 2% do capital social da V... (art. 414.º, n.º 5, alínea a), ex vi art. 374.º A, ambos do Código das Sociedades Comerciais).
9)-Impõe-se pois, antes de mais, ou seja, antes de submeter à discussão e votação qualquer outro assunto da ordem do dia, eleger novos membros da Mesa da Assembleia Geral que satisfaçam os ditos requisitos.

Face ao exposto, perante a caducidade do mandato dos membros da Mesa da Assembleia Geral e perante o não cumprimento pelo Presidente da Mesa dos requisitos de independência necessários para o exercício das suas funções, nos termos dos art. 374.º A e 414.º, n.º 5, ambos do Código das Sociedades Comerciais, a E..., para assegurar a imagem de estabilidade e de isenção que deve ser transmitida para o mercado, propõe a alteração da ordem dos assuntos constante da ordem do dia da Assembleia, passando o assunto vertido no "ponto cinco - eleição de nova Mesa da Assembleia Geral" para o primeiro assunto da ordem do dia, ficando assim esta com a seguinte redacção:
Ponto um - Eleição de nova Mesa da Assembleia Geral.
Ponto dois - Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito.
Ponto três - Ratificação da cooptação do Vogal M..., efectuada em reunião do Conselho de Administração de 05/05/2014, face à renúncia de N...
Ponto quatro - Ratificação da cooptação do Vogal F... efectuada em reunião de Conselho de Administração de 05/05/2014, face à destituição de F...
Ponto cinco: Ratificação da cooptação do Vogal A..., efectuada em reunião do Conselho de Administração de 12/08/2014, face à renúncia de Aristides Lourenço Sécio."

18)-Intervieram os Municípios accionistas e a Associação ..., aqui Autores que manifestaram "não ser admissível a inclusão de assuntos prévios numa assembleia geral extraordinária regularmente convocada, bem como pelo facto de já se encontrar em discussão o ponto um da ordem do dia"

19)-O Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral confirmou o referido pela representante da E..., o que foi desmentido pelo representante do Município ...

20.-De seguida, a representante da E... voltou a pedir a palavra, no uso da qual, depois de concedida pelo Presidente da Mesa, apresentou a seguinte proposta: 

"Considerando que:
1)-Existe um conflito entre os accionistas da V... S.A. (adiante "Sociedade" ou "V...") com posições políticas e jurídicas completamente divergentes sobre o assunto constante do ponto um da ordem do dia da presente Assembleia Geral;
2)-Esse clima de forte crispação entre os accionistas prejudica o interesse social que deve presidir à discussão e aprovação de quaisquer deliberações sociais.
Para além disso,
3)-Estão convocadas duas assembleias gerais, uma para 9 de Março e outra para 16 de Março de 2015, com vista à nomeação dos membros dos órgãos sociais para o mandato 2015 a 2017 e à aprovação das contas do exercício transacto, respectivamente;
4)-Estas duas assembleias, atendendo aos assuntos da respectiva ordem do dia, são de extrema importância para a actividade da Sociedade, que não pode ser prejudicada pelo conflito existente, justificando assim uma pacificação das relações entre os accionistas da Sociedade e a realização destas duas assembleias antes dos trabalhos da presente Assembleia.
Efectivamente,
5)-Impõe-se a prévia nomeação dos membros da Mesa da Assembleia Geral, não só porque o mandato dos membros aqui presentes já caducou, mas essencialmente porque o Presidente da Mesa presente se encontra em manifesto conflito de interesses, não estando por isso, em condições de exercer as suas funções com a imparcialidade e independência que impõem.

6)-Concretizando, o conflito de interesses do Presidente da Mesa resulta do seguinte:
a)o Presidente da Mesa eleito para o mandato de 2010-2012, ou seja, o Município de ... representado pelo Senhor Eng. C..., em conjunto com os outros Municípios accionistas, mas assumindo uma posição de liderança, tudo tem feito para pôr em causa a abertura ao capital privado da V..., que resulta da decisão política de reprivatização da E....
Nestes termos e ao abrigo do disposto no art. 387.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex vi art. 14.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Sector Público Empresarial, aprovado pelo Decreto-lei n.º 133/2013 de 3 de Outubro (alterado pela Lei n.º 75-A/2014 de 30 de Setembro), a E... apresenta a a seguinte proposta que deve ser de imediato submetida à votação: suspensão dos trabalhos da presente Assembleia Geral e o seu recomeço dentro de 60 dias a contar contar da presente data, ou seja, 1 de Maio de 2015, pelas 10 horas."
21.-"Pediu a palavra o representante do Município ..., que requereu ao Presidente que reafirmando que já estava em discussão o ponto um da ordem dos trabalhos quando a representante da E... requereu a inclusão de um ponto prévio, e requereu que se passasse imediatamente à votação da proposta subscrita pelos accionistas municípios e acima transcrita”.
22.-Submetida a proposta constante do documento nº 1 a votação, a mesma foi aprovada por unanimidade com os votos favoráveis dos accionistas Municípios ..., ..., ..., ..., ... e Associação ..., não tendo participado na votação o accionista E...
23.-A Assembleia Geral da V..., reunida extraordinariamente em 02.03.2015, aprovou a seguinte proposta: "propor acção judicial tendo em vista a exclusão do accionista E... S.A., por violação grave do dever de lealdade que sobre o mesmo impende, consubstanciando comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da V... S.A. susceptível de vir a causar-lhe prejuízos relevantes, nomeando como representantes especiais para a propositura da acção as juristas Senhora Dra. C..., com domicílio profissional ..., e senhora Dra. R..., com domicílio profissional ..., que deverão mandatar advogado para o efeito, bem como facultar-lhes todos os meios da sociedade necessários."
24.-Ainda na AG Extraordinária de 02.03.2015 e aberta discussão do Ponto Cinco da Ordem de Trabalhos (Eleição de nova Mesa da Assembleia Geral), a AG da V..., reunida extraordinariamente em 02.03.2015, deliberou, com os votos favoráveis da accionista Empresa Geral de Fomento, S.A, eleger uma nova Mesa da AG, com a seguinte composição: Presidente  P...; Vice-Presidente – I..., Secretária – T....
25.-Em 20.02.2015, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré convocou a Assembleia Geral Ordinária da Ré para reunir no dia 16.03.2015, pelas 10:00.
26.-A 25.02.2015, a E... solicitou "a inclusão na ordem do dia da Assembleia Geral Ordinária Anual agendada para o próximo dia 16 de Março de 2015, às 10h00, dos seguintes pontos:
"Ponto Dez: Revogação da deliberação eventualmente tomada no Ponto Um da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março de 2015, com o seguinte objecto "Ponto único: Deliberação sobre a propositura de ação judicial para exclusão do accionista E.. S.A. (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito" ou, caso já se encontre pendente, deliberação sobre o seu respectivo termo, através de desistência do pedido na acção em causa e revogação dos poderes atribuídos aos representantes especiais designados na Assembleia Geral do passado dia 2 de Março de 2015.
Ponto Onze: Deliberação sobre propositura de acção de responsabilidade contra o anterior Presidente da Mesa da Assembleia Geral, a Câmara Municipal ... e o seu representante Senhor Eng.º C...".
27.-Na mesma comunicação, a accionista E... escreve "nos termos legais aplicáveis, mormente do que decorre do regime das sociedades anónimas contido no CSC, bem como dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro, a E... não poder ser excluída de accionista da V..., factos que foram alertados ao senhor presidente de mesa da Assembleia Geral, Senhor Eng.º C..., sem que este se tenha conformado com o cumprimento da lei aplicável, razão pela qual a deliberação do Ponto Um da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março é manifestamente ilegal, nula e passível de resultar em prejuízos graves para a sociedade e para o seu accionista E....
Ao exposto acresce ainda o facto de o senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral ter terminado o respectivo mandato em 2013, bem como o facto de este actuar em representação do Município ... e ter vindo a agir em ostensiva defesa dos interesses deste e em clara violação das regras legais aplicáveis. Tal resulta evidente pela convocação, pelo senhor Presidente da Mesa da assembleia geral, de assembleias gerais cujo objecto está manifestamente ferido de nulidade, facto que não pode deixar de ser do seu conhecimento, postergando os deveres de independência e imparcialidade que lhe incumbem nos termos legais, o que se verificou com também com especial gravidade atentos os diferentes critérios temporais, utilizados para a marcação da assembleia geral requerida pela E... e aquela requerida pelos municípios,  com o claro intuito de beneficiar os interesses dos accionistas que representa em prejuízo do accionista E... e da sociedade, prolongando ao máximo o exercício das suas funções, bem como pela recusa ilegítima e injustificada de inclusão de assuntos na Ordem do Dia, conforme requerido pela accionista E..., em clara defesa dos interesses do Município ... e contra o interesse da accionista da V..., impedindo inclusivamente uma deliberação sobre uma acção judicial desta sociedade de responsabilização do Presidente da Mesa da assembleia geral.
O presente pedido de inclusão de assuntos na Ordem de Trabalhos é efectuado para o caso de o senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral manter, na Assembleia Geral a realizar no dia 2 de Março de 2015, o Ponto Um da respectiva Ordem de Trabalhos e, por força de um ilegal impedimento de voto da E..., tal deliberação venha a ser aprovada pelos restantes accionistas e, em consequência, venha a ser intentada acção judicial com vista à exclusão da E... do capital social da V...”. 
28.-A decisão sobre este pedido de inclusão de assuntos na ordem do dia foi relegado pelo anterior Presidente da Mesa, Eng. C..., representante do Município ... para o actual Presidente da Mesa.
29.-Por carta datada de 02.03.2015, a accionista E... reitera o seu pedido de 25.02.2015 ao novo Presidente da Mesa.
30.-Pedido que veio a ser deferido através da carta datada de 06.03.2015, por considerar que "a pretensão manifestada pela requerente tem cabimento no quadro legal e estatutário aplicável" "com as seguintes precisões": "entendemos que faz todo o sentido apreciar a questão relativa à revogação da deliberação tomada na assembleia geral de 2/03/2015, como primeiro ponto da ordem de trabalhos da assembleia a realizar, pela proximidade temporal das duas deliberações. Consequentemente, deve a assembleia geral pronunciar-se imediatamente sobre a pretensão da accionista requerente (A E...) e só depois entrar na ordem de trabalhos da assembleia geral anual.
Já quanto à responsabilidade civil, o ponto - a incluir como o número 10 no final da prevista ordem de trabalhos e antes do ponto sobre os assuntos de interesse geral (inicialmente o n.º 9 e na ordem reformulada, o n.º 11) - deve ser objecto de ligeira rectificação.", passando a ter a seguinte redacção "deliberação sobre propositura de acção de responsabilidade contra o anterior Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Senhor Eng.º C..., e solidariamente contra a Câmara Municipal ..., que foi eleita para esse cargo e designou a pessoa singular (O Eng.º C...) para o exercer. "

31)-A assembleia geral convocada para o dia 16.03.2015, passou a ter a seguinte ordem do dia:
"Ponto 1: Revogação da deliberação eventualmente tomada no Ponto Um da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março de 2015, com o seguinte objecto "Ponto Único: Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... SA (E...) e nomeação de representantes especiais para o efeito" ou, caso já se encontre pendente, deliberação sobre o respectivo termo, através de desistência do pedido na acção em causa e revogação dos poderes atribuídos aos representantes especiais designados na Assembleia Geral do passado dia 2 de Março de 2015;
Ponto 2: Deliberação sobre o Relatório de Gestão e as Contas de exercício de 2014;
Ponto 3: Deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados;
Ponto 4: Apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;
Ponto 5. Avaliação dos Objectivos de Gestão de 2014;
Ponto 6: Deliberar sobre a aprovação do plano de actividades e orçamento para 2015, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei nº 133/2013, de 3 de Outubro;
Ponto 7: Eleição dos titulares dos órgãos sociais para o mandato 2015/2017;
Ponto 8: Deliberação sobre as remunerações dos titulares dos órgãos sociais da sociedade, para o mandato 2015-2017, incluindo as deliberações nos termos e para os efeitos do nº 3, do artigos 32º e do nº 1, do artigo 33º, do Decreto-Lei nº 71/2007, de 27 de Março, na redacção do Decreto-Lei nº 8/2012, de 18 de Janeiro;
Ponto 9: Deliberação sobre as orientações estratégicas e os indicadores de gestão para o mandato 2015-2017, respeitantes aos contratos de gestão previstos no artigos 18 do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei nº 71/2007, de 27 de Março, na redacção do Decreto-Lei nº 8/2012, de 18 de Janeiro, e ainda sobre quaisquer matérias relacionadas com a celebração dos mesmos;
Ponto 10: Deliberação sobre propositura de acção de responsabilidade contra o anterior Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Senhor Engº C..., e solidariamente contra a Câmara Municipal ..., que foi eleita para esse cargo e designou a pessoa singular para o exercer.
Ponto 11: Outros assuntos de interesse para a sociedade."

32)-No dia 16.03.2015, pelas 10 horas, teve lugar a Assembleia Geral da Ré para deliberar sobre os assuntos da ordem de trabalhos definida na carta do Presidente da Mesa de 06.03.2015.
33.-Naquela assembleia a accionista E..., apresentou a seguinte proposta:
" a revogação, com efeitos imediatos, da deliberação tomada no Ponto Um da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março de 2015, de propositura de ação judicial para exclusão do acionista E... S.A. (E...) e de nomeação como representantes especiais para o efeito das juristas Senhoras Dr. C... e Dra. R...;
-revogação, com efeitos imediatos, dos poderes atribuídos às representantes especiais designadas na Assembleia Geral do passado dia 2 de Março de 2015 e revogação de todas as instruções dadas pelas representantes especiais nomeadas na assembleia geral de 02.03.2015 aos advogados pelas mesmas seleccionados para a propositura da ação de exclusão da E...;
-caso a ação de exclusão da E... ainda não tenha sido instaurada, que sejam dadas de imediato instruções aos advogados seleccionados pelas representantes especiais nomeadas na assembleia geral de 02.03.2015 para não proporem a acção, ou, caso se confirme que a mesma já foi instaurada, dar de imediato instruções aos referidos advogados para pôr termo à dita ação de exclusão da E... como accionista da V..., através de apresentação imediata de desistência do pedido na ação em causa e/ou revogar de imediato a procuração forense feita pelas representantes especiais nomeadas em 02.03.2015 a favor dos advogados por elas seleccionados e constituir novos mandatários judiciais para intervirem no processo, para desistirem do mesmo e para praticar todos os atos com vista à referida desistência, solicitando (e mandatando, se necessário) o senhor Dr. J... e o senhor Eng. S..., Presidente e membro da Comissão Executiva, respectivamente, que outorguem a aludida procuração forense;
-solicitar ao Presidente da Comissão Executiva que comunique, por email de imediato e sem necessidade de a acta estar concluída, às representantes especiais supra referidas a revogação dos seus poderes e aos advogados seleccionados por estas a revogação das instruções que lhes foram dadas e a revogação da procuração. "
34)-Os representantes dos Autores invocaram a existência de impedimento de voto da E..., por força do artigo 251º nº 2 e 384.°, nº  6, al. b) do CSC.
35)-O Presidente da Mesa decidiu que "apesar de o artigo 386.º, n.º 6, aI. b) do CSC prever que um accionista não pode votar quando a deliberação incida sobre litígio que assente numa pretensão da sociedade contra o accionista, entende que não é legítimo invocar a deliberação em causa para criar um conflito de interesses de modo a conduzir a um impedimento de voto, pelo que, numa circunstância dessas, o Presidente da Mesa geral deve corrigir a alegada situação de conflito de interesses, para evitar que seja criada indevidamente uma situação de impedimento de voto ".
36)-No Proc. nº 923/15.2 T8VFX J4 deste Tribunal foi a 13.04.2015 proferida sentença a homologar a desistência do pedido de exclusão do sócio Empresa Geral de Fomento, S .A. (E...) decisão que já transitou em julgado - cfr. fls. 577/580 do apenso.
37)-Os Estatutos da V... S.A. republicados a 02.07.2014, DR 1ª Série prevêem no artigo 3.° quanto ao objecto social a exploração e gestão, em regime de serviço público, do sistema multimunicipal de tratamento e recolha selectiva de resíduos urbanos das regiões de Lisboa e do Oeste.
E, no artigo 8.° quanto à transmissão de acções regula
3 A transmissão de ações fica subordinada ao consentimento da V..., S. A ..

Inconformados recorrem os AA, concluindo que:
-O presente recurso tem por objecto a sentença proferida que julgou improcedente a acção de anulação da deliberação social tomada pela Assembleia Geral da sociedade V... S.A. em 16.03.2015.
-Os ora Recorrentes são accionistas da Recoorrida, onde detém, respectivamente, as seguintes participações de capital: Município ... - 259.958 acções da classe A que representam 4,61%; Município ... - 580.263 acções da classe A (que representam 11,51%; Município ... - 27.189 acções da classe A que representam 0,54%; Associação ... - 264. 600 acções da classe A que representam 5,25%,
-É ainda accionista da Recorrida a sociedade E... que detém uma participação de capital de 2.803.738 acções da classe A, que representam 55,08% e que era, à data de 16.03.2015, uma empresa pública, porque participada a 100% pela sociedade Á... que, por sua vez, é participada maioritariamente pela sociedade pela sociedade P... SGPS, SA, que, por sua vez é participada maioritariamente pelo Estado.
-Este conjunto de participações públicas "em cascata", fazia da Recorrida uma empresa de capitais públicos, nos termos conjugados do nº 1 do artigo 5º do DL nº 133/013, de 3 de Outubro e do nº 1 do artigo 4º do DL nº 68/2010, de 15 de Junho.

-O teor da deliberação impugnada é o seguinte:
a)-a revogação, com efeitos imediatos, da deliberação tomada no Ponto Um da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março de 2015, de propositura de ação judicial para exclusão do acionista E... S.A. (E...) e de nomeação como representantes especiais para o efeito das juristas Senhoras Dr. C... e Dra. R...;
b)-a revogação, com efeitos imediatos, dos poderes atribuídos às representantes especiais designadas na Assembleia Geral do passado dia 2 de Março de 2015 e revogação de todas as instruções dadas pelas representantes especiais nomeadas na assembleia geral de 02.03.2015 aos advogados pelas mesmas seleccionados para a propositura da ação de exclusão da E...;
c)-caso a ação de exclusão da E... ainda não tenha sido instaurada, que sejam dadas de imediato instruções aos advogados seleccionados pelas representantes especiais nomeadas na assembleia geral de 02.03.2015 para não proporem a acção, ou, caso se confirme que a mesma já foi instaurada, dar de imediato instruções aos referidos advogados para pôr termo à dita ação de exclusão da E... como accionista da V..., através de apresentação imediata de desistência do pedido na ação em causa e/ou revogar de imediato a procuração forense feita pelas representantes especiais nomeadas em 02.03.2015 a favor dos advogados por elas seleccionados e constituir novos mandatários judiciais para intervirem no processo, para desistirem do mesmo e para    praticar todos os atos com vista à referida desistência, solicitando (e mandatando, se necessário) o senhor Dr. J... e o senhor Eng. S..., Presidente e membro da Comissão Executiva, respectivamente, que outorguem a aludida procuração forense;  solicitar ao Presidente da Comissão Executiva que comunique, por email de imediato e sem necessidade de a acta estar concluída, às representantes especiais supra referidas a revogação dos seus poderes e aos advogados seleccionados por estas a revogação das instruções que lhes foram dadas e a revogação da procuração.

-No seu aresto, o Tribunal "a quo" começa por lobrigar no preâmbulo do DL nº 108/2014, de 2 de Julho, no segmento em que o legislador disserta sobre os meios previstos para assegurar a garantia e o reforço da prestação de um serviço público, que está em curso um processo de privatização da V..., o que é incorrecto, pois nem do DL 108/2014, de 2 de Julho, nem do diploma alterado (o DL 68/2010, de 15 de Junho), se pode retirar essa conclusão.

-Rapidamente, o Tribunal conclui, de forma apriorística, que a Recorrida tem interesse na sua própria privatização.

-O que não é verdade, nem material nem formalmente, pois os interesses da Recorrida coincidem exclusivamente com o seu escopo social, vertido nos respectivos Estatutos e de onde não consta a privatização de um dos seus accionistas ou a sua saída da esfera do sector empresarial público.

-Na verdade, este interesse - o da privatização do acionista E... e a consequente saída da Recorrida do universo do sector empresarial público - é pertença exclusiva do Estado.

-Ora, o Tribunal "a quo" não pode confundir o interesse do Estado com o interesse social da Recorrida, porquanto isso representaria a desconsideração da personalidade jurídica da V..., o que não se aceita por não estarem preenchidos os pressupostos que a doutrina e a jurisprudência têm identificado para preencher o recurso a esta figura.

-Mas também porque o capital social da V... é titulado também por outros entes públicos (os Municípios e a Associação de Municípios ...) que, nos termos do nº 2 do artigo 235º da Constituição da República Portuguesa prosseguem fins próprios, distintos dos do Estado.

-E, apesar de o Tribunal “a quo" ter decidido que “A verificação da existência de um conflito de interesses que origina o impedimento do exercício de voto pelo accionista na deliberação justifica-se pelo thema decidendum da deliberação.", sendo que este consistia na revogação de uma outra deliberação e não um qualquer outro relacionado com a privatização do capital social de um dos accionistas, logo o Tribunal cai em contradição ao fundamentar a sua decisão confundido o interesse de um acionista com um inexistente interesse social da Recorrida.

-Conclui-se, assim, que o Tribunal “a quo", ao proferir a sentença ora posta em crise errou na aplicação do Direito, violando o nº 6 do artigo 384º do CSC ao considerar inexistir qualquer conflito de interesses entre a acionista E... e a Recorrida, pois tendo sido dado como provado existir uma acção judicial interposta pela ora Recorrida contra a E... e versando o thema decidendum da Ordem de Trabalhos aquela mesma acção judicial, resulta por demais evidente que existia, sem margem para duvida alguma, um conflito de interesses que impunha que fosse verificado pela Mesa da AG um impedimento de voto.

-Ou seja, o Tribunal “a quo" deveria ter interpretado e aplicado o citado normativo no sentido de que a deliberação em causa violou aquela injunção.
-Ao decidir no invocado sentido, o Tribunal “a quo" enveredou pela via da desconsideração da personalidade jurídica da R, assim violando, também, o disposto no artigo 5º do CSC.
-Acresce que a sentença padece ainda da nulidade prevista na parte final da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, porquanto não especifica nenhuma norma jurídica (limita-se a invocar o preâmbulo do DL 108/2014, de 2 de Julho que nem sequer versa ou regula o processo de privatização da AGF) para sustentar a decisão de atribuir à ora Recorrida um interesse não conflituante com a acionista E..., traduzido, para aquela, num "projecto social de privatização".

A V... contra-alegou defendendo a bondade da decisão recorrida.
Em todo o caso, suscita a ampliação do recurso a título suibsidiário, defendendo que tendo transitado em julgado a sentença homologatória da desistência do pedido apresentada no Tribunal do Comércio e que respeito à acção de exclusão de sócio intentada com base na deliberação de 02/03/2015. Ora a deliberação em causa nos presentes autos revogou essa anterior deliberação, pelo que, qualquer que seja o desfecho da presente acção e mesmo que se represtinasse a deliberação de 02/03/2015, não poderia ser posto nova acção de exclusão de sócio face ao alcance do trânsito em julgado referido.

Cumpre apreciar.

Está em causa apurar se existem razões para a anulação do ponto 1, da deliberação social tomada na Assembleia Geral da Ré V... de 16/03/2015.

Alegam as recorrentes que a deliberação é inválida já que não se teve em consideração a verificação da existência de um conflito de interesses entre a accionista E... e a sociedade recorrida.

O Mº juiz a quo defendeu, ao invés, que inexistia tal conflito de interesses.                                                                                                                               
Cumpre antes do mais sublinhar que não existe nulidade na sentença recorrida, nomeadamente a invocada pelas recorrentes, relativa à falta de fundamentação jurídica, por não ter especificado nenhuma norma jurídica – art. 615º nº 1 b) do CPC.  
A sentença aborda o problema da existência de conflito entre a accionista E... e a sociedade V..., procurando determinar qual o interesse desta e concluindo que este é o mesmo da accionista E.... Independentemente de se concordar ou não com tal perspectiva, o certo é que o Mº juiz a quo baseando-se no DL nº 45/2014 de 20/03 – reprivatização da E... – bem como no art. 8º do DL nº 108/2014 de 02/07 (e igualmente no seu preâmbulo) retira a conclusão de existir um intuito do legislador no sentido de a V... deixar de ser detida maioritariamente por entidades públicas.

Logo, existe uma evidente fundamentação jurídica da decisão recorrida, que afasta a invocada nulidade.

Quanto ao mais.

O que está aqui em causa é a deliberação tomada na Assembleia Geral da V... de 16/03/2015, nomeadamente no seu ponto 1, com o seguinte teor:
-gRevogação da deliberação eventualmente tomada no Ponto um da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral realizada no passado dia 2 de Março de 2015 com o seguinte objecto:
PONTO ÙNICO: Deliberação sobre a propositura de acção judicial para exclusão do accionista E... SA (E...) e nomeadação de representantes especiais para o efeito (...)”.
Pretendem as recorrentes a anulação dessa deliberação de 16/03/2015, alegando que a mesma resultou da votação da E... que detém a maioria do capital social da V.... Todavia, no entender das recorrentes, a E... não devia ter sido admitida a votar nos termos do art. 384º nº 6 b) do Código das Sociedades Comerciais.  

Este preceito estabelece que:
“Um accionista não pode votar, nem por si nem por representante (...) quando a deliberação incida sobre:
(...) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o accionista ou deste contra aquela, quer antes quer depois do recurso a tribunal”.

Não restam dúvidas, por outro lado, que não é aqui aplicável o disposto no art. 251º do mesmo diploma, no qual se prevê que o sócio não pode votar quando a deliberação vise a própria exclusão do sócio, uma vez que nas sociedades anónimas não está prevista a possibilidade de tal deliberação vir a ter lugar.

Por outro lado, no caso específico dos autos, existe um problema acrescido.

Mesmo que através de acção judicial o accionista fosse excluído da sociedade, dentro do prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado de tal sentença, a sociedade terá de amortizar a quota do sócio excluído, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito (art. 242º do CSC).

Contudo, a alienação das acções da E..., em caso de exclusão desta enquanto accionista, teria de ser autorizada pelos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e do sector de actividade, nos termos do art. 11º nº 1 do DL nº 133/2013 de 03/10 sob pena de nulidade do acto de alienação (art. 12º) bem como de todos os actos preliminares, instrumentais ou acessórios a essa alienação, incluindo a deliberação respectiva em Assembleia Geral e a acção judicial de exclusão.

É nosso entendimento que a exclusão de sócio apenas se aplica às sociedades em nome colectivo, em comandita simples e às sociedades por quotas, estando excluída no caso das sociedades anónimas (ver Acórdão desta Relação de Lisboa de 10/02/2009, disponível no endereço www.dgsi.pt.

Neste sentido, citaremos Menezes Cordeiro, no seu Manual de Direito das Sociedades, II, pág.712:
Também a possibilidade de exclusão de sócios não tem qualquer referência no Direito das sociedades anónimas (...) A única via de exclusão de um sócio na sociedade anónima está na amortização de acções quando prevista no pacto social e quando se verifiquem as competentes causas nele inseridas (...) Pertence à essência do tipo sociedade anónima a indestrutibilidade da participação accionista.”
No parecer junto a fls. 237 do Apenso, elaborado pelo professor Pedro Paes de Vasconcelos, retoma-se esta perspectiva, de modo ainda mais explícito:
A admissão da exclusão de um accionista é o oposto de uma sociedade anónima. Nesta, a posição do sócio está integrada na acção (...) O sócio é titular de uma acção e é da acção que resulta a posição do sócio. É a acção que traduz (medeia) o substracto pessoal da sociedade anónima. E a acção apenas medeia a relação entre a sociedade anónima e cada um dos sócios. Os accionistas são sócios da sociedade anónima, mas não são sócios uns dos outros (...) Nenhum sentido faz procurar deliberar a exclusão de sócio de uma sociedade anónima. A exclusão sempre seria do sócio e não das acções. E até à efectiva amortização das acções ou venda das mesmas, o sócio manteria plena disponibilidade sobre as acções. Assim podê-las-ia vender a qualquer momento, o que redundaria na caducidade do procedimento de exclusão”.
E atente-se no verdadeiro absurdo que constituiria a possibilidade de um sócio titular de uma única acção fazer excluir um sócio titular de todas as demais acções, para conquistar para si a sociedade inteira, embora não seja titular da quase totalidade do capital social. Isto seria a negação da própria natureza de uma sociedade de capitais como a sociedade anónima.
Seria exactamente isto que ocorreria caso vingasse a tesa das recorrentes. O accionista maioritário, no caso, aquele cujas acções são em valor superior ao das acções somadas dos demais accionistas, poderia ser excluído muito facilmente: bastaria – como de facto aconteceu – impedi-lo de participar na votação em que se ia deliberar a sua exclusão – ou a propositura de acção com tal propósito – e os titulares de uma minoria do capital social passariam a controlar a inteira sociedade. Com um pequeno pormenor: as acções da E... continuaram a integrar tal capital social.
Para cúmulo, os estatutos da sociedade, a V... SA, não prevêm a exclusão de accionistas.

É evidente que existe um litígio entre os sócios da V..., já que os Municípios não pretendem a privatização que a E... representa, enquanto sociedade anónima com maioria do capital da V....

Contudo, não nos parece que a decisão da acção deva passar por essa discussão, aliás de carácter mais político e ideológico.

O problema a enfrentar é o se saber se a E... podia votar na Assembleia Geral, nomeadamente visando a revogação da deliberação tomada na anterior Assembleia Geral relativa à propositura de acção judicial para exclusão de sócio da mesma E...
Como já vimos, o art. 384º nº 6 b) do CSC proibe que o accionista vote quando a deliberação incida sobre a pretensão da sociedade contra o accionista ou deste contra a sociedade. 

Ora, este preceito não visa os casos em que existe deliberação para excluir o accionista enquanto tal, já que tal exclusão, como vimos, não pode ocorrer numa sociedade anónima, muito menos quando os estatutos da sociedade o não prevêm.

Nem poderia ser de outro modo sob pena de cairmos nos absurdos já atrás exemplificados, em que um accionista com uma acção poderia, impedindo o outro accionista – titular de todas as outras acções – de votar, excluí-lo de sócio, continuando contudo as suas acções a integrar a quase totalidade do capital social.

E é por isto, que o legislador não previu a figura da exclusão do accionista nas sociedades anónimas ao contrário do que fez, por exemplo, nas sociedades por quotas (art. 242º do CSC). Do mesmo modo que, coerentemente, não estabeleceu no citado art. 384º a proibição do sócio votar quando a deliberação incida sobre a sua própria exclusão da sociedade (art. 251º nº 1 d).

Logo, nada impedia a E... enquanto accionista da V... de votar na Assembleia Geral de 16/03/2015, nomeadamente no ponto um da deliberação, relativa à revogação da deliberação tomada na Assembleia Geral de 02/03/2015 visando a propositura de acção para exclusão da accionista E...

Conclui-se assim que:

-Nas sociedades anónimas não pode ser deliberado em assembleia, ou decidido em acção judicial, a exclusão de accionista da sociedade, muito menos quando os estatutos da sociedade não prevêm tal exclusão.
-O accionista não está proibido de votar em Assembleia Geral quando a matéria a deliberar seja a sua própria exclusão da sociedade, já que não só tal exclusão não se encontra legalmente prevista, como o art. 384º nº 6 b) do CSC omitiu coerentemente tal proibição, que figura no art. 251º nº 1 d) do mesmo diploma e aplicável às sociedades por quotas.

Termos em que se julga a apelação improcedente.
Custas pelos recorrentes.


LISBOA, 9/3/2017


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais