PRESTAÇÃO DE CONTAS
CABEÇA DE CASAL
Sumário

–A obrigação de prestar contas é, sobretudo, centrada na obrigação de informar constante do artigo 573.º do Código Civil e tem como objecto estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter um saldo e determinar se uma situação é de credor, ou de devedor do “titular dos interesses geridos”. Visa-se, portanto, apurar quem deve e o que deve.
–A regra é a de quem está encarregado de gerir, ou administrar, interesses alheios – ainda que simultaneamente próprios – está obrigado a prestar contas perante o titular desses interesses. Assim é com o cabeça-de-casal (artigo 2093.º do Código Civil).
–Mas o cabeça de casal só terá de prestar contas se, no exercício da sua administração tiver obtido receitas, realizado despesas ou ambas, uma vez que o artigo 941.º CPC refere o apuramento de eventual saldo.
–Para aquilatar da diligência da administração o adequado será o processo comum, que não o processo especial de prestação de contas. Não é, pois, esta a sede para apurar se houve boa ou má administração, mas, apenas, se as receitas e despesas foram efectivamente verificadas.
–De igual modo, está também fora do âmbito do processo especial de prestação de contas a condenação do cabeça-de-casal ou da herança no pagamento de eventuais juros de mora, os quais, para além de serem, em princípio, a indemnização legalmente fixada para os casos de mora no cumprimento de obrigações pecuniárias (art. 806º nº 1 do Código Civil), o que não é o caso, a sua exigibilidade, para além de não poder recair sobre a herança sob pena de afectar todos os herdeiros e respectivos quinhões, a verificar-se recairá exclusivamente sobre o cabeça-de-casal, reunidos os requisitos geradores da sua responsabilidade extracontratual, o que excede pelas razões enunciadas o objecto deste processo especial, onde apenas se busca determinar a relação deve-haver.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.–R..., interessada nos autos de inventário apensos, requereu a notificação dos sucessivos cabeças-de-casal – L... e R... - para prestarem contas relativas à administração das heranças, abertas por óbito de L... e H... e a condenação dos mesmo no saldo que se vier a apurar, acrescido dos juros de juros vencidos e vincendos até à data do respectivo pagamento, desde a 1ª interpelação, a 10 de Agosto de 2012, relativos aos saldos anuais que vierem a ser apurados em relação a cada ano de administração.

Por despacho de fls. 156-157, a Autora foi convidada a fazer intervir os demais interessados/herdeiros, o que fez, tendo sido chamados C..., R... e R...

Os Réus vieram contestar a obrigação de prestarem contas, invocando já as terem prestado.

Mas foram notificados para apresentarem as contas, o que fizeram, o 1º por referência ao período de 2010, Janeiro e Fevereiro de 2011 e, o 2º, por referência ao período de Março de 2011 até 2014.

Notificada das contas apresentadas, a interessada R... veio contestá-las, impugnando: as verbas das receitas, considerando que deveriam ser superiores às despesas referentes a "IMI de 2007 a 2010", porquanto já foram consideradas em acção anterior; e ainda as despesas referentes a "deslocações" e a "obras" e os valores por si recebidos.

Após audiência de julgamento, ficaram assentes os seguintes factos:
1.–Entre Janeiro de 2010 e Fevereiro de 2011, foram obtidas receitas de, pelo menos, € 6.855,38.
2.–O cabeça-de-casal L... recebeu, como tal e a título de restituição do valor depositado em excesso no âmbito do processo 89-D/1996 da 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (em Julho de 2010,) a quantia de € 3.837,30.
3.–Entre Março de 2011 e Dezembro de 2014, foram obtidas receitas de, pelo menos, € 57.527,07 e efectuadas despesas de € 13.586,17, sendo € 6,29 com correio (envio de vales postais), € 264,96 a título de deslocações e € 13.315,62 de IMI, respectivamente nos anos de 2012, 2013 e 2014 (resultado da alteração ordenada adiante).

4.–Dos rendimentos obtidos foram entregues aos interessados, em 2013, as seguintes quantias:
- R...: € 1.212,04;
- R...: €1.215,11;
- R...: € 607,56;
- L...: €607,56;
- C...; €607,56;
- R...: €607,56;

5.–Dos rendimentos obtidos mais foram entregues aos interessados, em 2014, as seguintes quantias:
- R...: €5.650,69;
- R...: €2.825,34
- L...: €2.825,34
- C...: €2.825,34;
- R...: €2.825,34.

Não se provou que:
a)-foram feitas obras no imóvel de Queluz no valor de € 9.000,00;
b)-em 2014, tivesse sido entregue à interessada R... a quantia de € 5.650,69.

A final, foi proferida sentença, com o seguinte segmento decisório:
“Tudo ponderado, ao abrigo do disposto nos arts. 941° e 945°, n° 5, ambos do Cód. Proc. Civil, condeno:
a)-o Réu L... a pagar aos demais interessados o saldo apurado de € 10.692,68 (€ 6.855,38 + € 3.837,30) na parte que lhes cabe, ou seja, na proporção de 1/8 relativamente aos interessados R..., C... e R... e de 2/8 relativamente aos interessados R... e R...;
b)-o Réu R... a pagar aos demais interessados o saldo apurado de € 55.116,84 (€ 57.527,07 - € 2.410,23) na parte que lhes cabe, ou seja, na proporção de 1/8 relativamente aos interessados L..., C... e R... e de 2/8 relativamente aos interessados R... e R..., deduzida dos respectivos rendimentos já entregues.

Custas pelos interessados, na proporção do respectivo quinhão.”
Inconformados, apelaram:
A)-O interessado R... dizendo, desde logo, fazê-lo por inconformado “na parte em que considera provado que foi entregue ao interessado, no ano de 2013 a quantia de € 1215,11 e no ano de 2014 a quantia de € 5.650,69”.

Alegou, concluindo a final que:

1ª-Por sentença proferida, a fls. 429 a 432, o Tribunal a quo considerou provado - 4 e 5 - que dos rendimentos obtidos, foi entregue ao interessado R..., em 2013, a quantia de € 1.212,04, e no ano de 2014 a quantia de € 5.650,69;          
2ª-O Apelante R... insurge-se contra o facto do Tribunal a quo ter decidido julgar provados os referidos factos;
3ª-Efectivamente, na sequência do despacho de fls. 182, foi citado em 18.05.15, para oferecer o seu articulado;
4ª-Com a citação, foi junta a petição inicial, de fls. 2 a 36, ref. 17034823, a contestação dos RR. L... e R..., a fls. 45 a 126, ref. 17729410, a resposta da A. R..., de fls. 129 a 136, ref. 18028935, o requerimento em que a A. pede a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros, de fls. 159 a 164, ref. 19313590, e o requerimento dos RR., de fls. 165 a 81, ref. 19458678, no qual referem terem remetidos aos co-herdeiros, no dia 20 de Fevereiro de 2015, as contas de 2014, que anexara;
5ª-No documento 1 junto com a contestação denominado "proposta de prestação de contas da herança dos nossos avós", recepcionado pelo Apelante a 29.05.14, cfr. fls. 60, o R. R... refere, a fls. 58, que distribuiu por vale postal ao herdeiro R... (25%) - 301,00 € (...), e no ponto 26 (...) "Contas finais 2013... entregar aos Herdeiros R... (25%) - 1.215,00 € e R... (25%);
6ª-E, no mesmo documento, também a fls. 58 dos autos, in fine (...) “fico a aguardar a vossa concordância sobre as contas apresentadas, opinião sobre a periocidade com que devo efectuar a distribuição das rendas que estou a receber bem como a forma como pretendem receber as verbas que vos pertencem para poder efectuar o acerto das mesmas";
7ª-No documento 2 junto ao mesmo articulado, e remetido ao Apelante com o documento 1, as denominadas "contas Dezembro de 2013", a fls 100, tem a indicação no ponto S. "distribuição pelos herdeiros……R... 1.215,11”;
8ª-O documento 11 também junto com a contestação, a fls. 124 a 126, são os comprovativos dos valores remetidos aos herdeiros R... e R..., sendo certo que no que respeita ao herdeiro R... apenas consta um comprovativo do envio do vale postal de € 301,00;
9ª-Com o requerimento dos RR. de 27.04.15, em que juntam as contas de 2014, a fls. 180, menciona-se no ponto 5 (...) Distribuição pelos Herdeiros R... 5.662,69 (...);
10ª-O Apelante, a 11 de Junho de 2015, apresentou o seu articulado, ref.19876147, a fls. 193 e ss., no qual, resumidamente, alega que o R. L..., não obstante ter sido condenado a pagar, no âmbito doutro processo, as receitas apuradas até final de 2009, nada lhe liquidou e contesta que lhe tenham sido apresentadas contas, admitindo apenas que lhe foi remetido um vale postal de € 301,00, que não levantou, e requer que os RR. apresentem judicialmente as contas e sejam condenados ao pagamento do saldo que vier a apurar-se, acrescido de juros vencidos e vincendos;

11ª-Os RR., em 24 de Junho de 2015, responderam (req. ref. 19989586, a fls. 209 a 214), alegando o seguinte:

-(...) Em momento algum o co-Autor falou ou de qualquer forma contactou com os RR., seus primos, no sentido de lhe serem prestadas quaisquer contas(...);
-(...) da mesma forma que nunca demonstrou qualquer interesse em saber dos saldos das mesmas, se tinha algum montante a haver ou a pagar (...);
-(...) Não estão em incumprimento de qualquer obrigação perante o co-autor R......na medida em que não foram em momento algum interpelados (,..);
-(...) Inexistindo mora do devedor....inexistindo, assim, fundamento para a acção de condenação em prestação de contas, nos termos requeridos pelo co-Autor R... (.,.);
-E que, de qualquer forma, foram-lhe remetidas as contas em 29 de Maio de 2014 e em 20 de Fevereiro de 2015 (...) não pode deixar de ser considerada uma aprovação das mesmas (...);
- Que à data da apresentação da acção e do articulado do co-Autor R... já havia caducado a exigir judicialmente a prestação de contas aos RR;

12ª-O co-Autor R... respondeu, a 01.07.15, - req. com a referência 20055656, a fls. 216 e ss - â excepção de caducidade, pedindo, mais uma vez, que fossem apresentadas as contas e os RR. condenados ao pagamento do saldo que viesse a ser apurado, acrescido dos juros vencidos e vincendos;
13ª-Na sequência do despacho de 15.10.15, a fls. 232 e 233, foi ordenado que (...) "sem prejuízo da prova documental junta pelos Requeridos, na qual é possível verificar a elaboração da conta corrente" (...) " e não ficando prejudicado o trabalho já efectuado" (...),os Requeridos apresentaram as contas a 05.11.15, de fls. 238 a 298;
14ª-Constatando-se que o documento com o saldo final de 2013, a fls. 283, é ipsis verbis o documento de fls. 100, apresentado com a contestação do RR., e o documento com o saldo final de 2014, a fls. 295, e também ipsis verbis o documento de fls. 180, apresentado com o requerimento dos RR. de 27.04.15;
15ª-O Apelante verificando a semelhança dos documentos no que concerne aos valores apurados não se pronunciou, tanto mais que já tinha referido que nada tinha recebido â excepção do vale postal de € 301,00, que não levantou, e a A. levantou as questões que eram pertinentes para o Apelante, e que se prendiam com os pagamentos dos IMIs e as obras no imóvel de Queluz;
16ª-Ora, atento o alegado pelo Apelante no seu requerimento inicial, cabia aos RR. fazer prova de que entregaram ao interessado, em 2013, a quantia de € 1.212,04, e no ano de 2014 a quantia de € 5.650,69, o que obviamente não fizeram (art. 342, 2 do CC);
17ª-E todas as peças processuais supra referidas constam dos autos, inexistindo qualquer despacho do Tribunal a quo a ordenar qualquer desentranhamento;

18ª–Não obstante:
a)-o alegado pelo co-herdeiro no seu requerimento inicial - ref. 19876147 -, de fls. 193 a 207, apresentado em 11.06.15, e no seu requerimento - ref. 20055656 - de fls. 216 a 230, apresentado em 01.07.15;
b)-os RR. terem apresentado com a contestação - ref. 17729410 - o documento de fls. 55 e ss, recepcionado a 29.05.14 (fls. 60) pelo Apelante, no qual o R. R... refere a fls. 58, no que concerne às contas de 2013, de que fica a aguardar a concordância sobre as contas apresentadas e opinião sobre a forma como os herdeiros R... e R... pretendem receber as verbas que lhes pertencem;
c)  o R. R... só ter apresentado as contas de 2014 em Fevereiro de 2015, conforme requerimento de fls. 166, com a referência 19458678 -;
d)-de se inferir do requerimento dos RR. a fls. 208 e ss, com a referência 19989586, a propósito da alegada caducidade, que exceptuando o envio do vale de € 301,00, nunca efectuaram qualquer pagamento ao Apelante;
e)-de nunca terem alegado ou efectuado sequer qualquer prova dos pagamentos, conforme lhes competia;
f)-sendo certo que apesar de fazer dos temas da prova os rendimentos entregues aos herdeiros com referência ao período de 2010 a 2014 – vide despacho a fls. 365 vs. -, nenhuma prova foi efectuada pelos RR., nem pelas testemunhas que arrolaram, o Tribunal a quo julgou provado que dos rendimentos obtidos, foram entregues ao Apelante as quantias de € 1.215,11 e de € 5.650,59, em 2013 e 2014, respectivamente.

19ª–Ora, o Tribunal a quo atento o alegado pelos RR. e pelo Apelante, os documentos juntos aos autos, o ónus que recaía sobre os RR. devia ter julgado provado que os RR. não pagaram ao co- Autor R... as quantias de € 1.212,04 e de € 5.650,69, e muito menos nos anos de 2013 e 2014, respectivamente;
20ª–E ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o preceituado no n° 4 do art. 607 do CPC.

B)–a Autora R... para concluir:

A.-Vem o presente recurso interposto pela Autora, ora Recorrente, da decisão proferida pelo Tribunal a quo a fls., a qual condenou o Réu L... a pagar aos demais interessados o saldo apurado de € 10.692,68 (dez mil seiscentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos) na parte que lhes cabe e o Réu R... a pagar aos demais interessados o saldo apurado de € 55.116,84 (cinquenta e cinco mil cento e sessenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), deduzido dos respectivos rendimentos já entregues.
B.-O Tribunal a quo, na Sentença ora posta em crise, não se pronunciou sobre o peticionado pela ora Recorrente no que respeita ao pagamento dos "juros vencidos e vincendos até à data do respectivo pagamento, desde a primeira interpelação, a 10 de Agosto de 2012, relativos aos saldos anuais que vierem a ser apurados em relação a cada ano e administração",
C.-Pelo que, ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 608.° e da alínea d) do número 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia, devendo tal nulidade ser declarada e suprida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 617.° do referido diploma legal.
D.-Não obstante não ter considerado como provado que foram feitas obras no imóvel de Queluz no valor de € 9.000,00 (nove mil euros), o Tribunal a quo, por evidente mero lapso, não contabilizou, no saldo da receita, o valor de € 9.040,00 (nove mil e quarenta euros), inscrito pelo Réu R... como receita, relativo às rendas efectivamente recebidas entre Fevereiro de 2012 e Fevereiro de 2014 do referido imóvel.
E.-Pelo que tal valor de € 9.040,00 deverá ser, agora, tomado em consideração no apuramento do montante a pagar pelo Réu R...  aos demais interessados.
F.-A Recorrente considera que o valor respeitante ao saldo apurado e considerado como provado pelo Tribunal a quo não se encontra correcto.
G.-Com efeito, o Réu L..., em absoluta contradição com aquilo que o próprio havia feito no Processo de Prestação de Contas de 2009, apresentou nos autos uma receita mensal fixa, para o ano de 2010, de € 431,08 (quatrocentos e trinta e um euros e oito cêntimos).
H.-Sucede que, em 2009, a receita, para o mesmo conjunto de imóveis, era de € 906,93 (ou mesmo de € 859,39 se consideradas, para benefício de exposição, as contas juntas pelo Réu L... no Processo de Prestação de Contas de 2009).
I.-Assim, entre o mês de Dezembro de 2009 para o mês de Janeiro de 2010, tendo em linha de conta a receita mensal indicada pelo próprio Réu L...  no Processo de Prestação de Contas de 2009, existiu um decréscimo de € 428,31 (quatrocentos e vinte e oito euros e trinta e um cêntimos).
J.-Dispondo o artigo 944.°, número 3 do Código de Processo Civil que "As contas são apresentas em duplicado e instruídas com documentos justificativos.",
K.-Não tendo as contas sido suportadas num qualquer documento justificativo, não tendo sido invocada a verificação de um conjunto extraordinário e simultâneo de circunstâncias, nem tendo sido apresentada qualquer explicação plausível para o referido decréscimo de receitas, as contas apresentadas pelo Réu L...  não correspondem ao apuramento correcto e/ou verdadeiro daquela que foi a receita mensal gerada pelos imóveis da Herança.
L.-Não obstante o disposto no número 5 do artigo 945.° do Código de Processo Civil, para tal decréscimo ser aceite teria, forçosamente, de vir suportado em documentos justificativos, tanto mais que se trata de um tipo de receita (predial) onde é costume exigi-los.
M.-De igual forma, não pode a ora Recorrente aceitar que, por decisão unilateral do cabeça-de-casal, os imóveis se mantenham devolutos por longos períodos de tempo e que, por tal facto, o Réu L... não responda ou preste cabais esclarecimentos, devendo tal incúria ser sancionada e repudiada.
N.-O facto de o Tribunal a quo ter fundamentado a sua convicção na alegada prova documental apresentada, bem como na prova testemunhal realizada, não merece, de igual modo, a concordância da Recorrente.
O.-Atendendo ao disposto no número 3 do artigo 944.° do Código de Processo Civil, os alegados recibos de renda (i) preparados em formato "Word", (ii) pelos próprios Réus, (iii) não assinados e (iv) sem qualquer comprovativo de entrega aos arrendatários, não podem enquadrar-se no conceito de "documentos justificativos",
P.-Não existindo qualquer garantia de que os referidos valores correspondam aos efectivamente recebidos pelos Réus,
Q.-Sendo certo que, um recibo de renda, não assinado, não numerado e eventualmente não enviado, jamais lograria demonstrar aquilo que efectivamente se recebeu.
R.-Não pode igualmente servir como prova o facto de os valores dos Réus inscritos, pelos próprios, numa tabela "Excel" corresponderem aos valores inscritos pelos mesmos Réus nos documentos "Word".
S.-O testemunho prestado pela mãe dos Réus, A..., foi incorrectamente valorado pelo Tribunal a quo.
T.-Com efeito, o Tribunal a quo, chamado a pronunciar-se sobre o decréscimo incorrido - entre o mês de Dezembro de 2009 e o mês de Janeiro de 2010 - nas rendas mensalmente provenientes dos imóveis que constituem o acervo hereditário, apoiou a sua decisão no testemunho da Senhora D. A..., em particular, no facto de a mesma ter alegadamente referido que (i) houve uma inquilina que deixou de pagar a renda por achar que o locado precisava de obras e (ii) que houve outro que deixou de pagar uma renda na ordem dos € 200,00 (duzentos euros).
U.-Contudo, a Testemunha ora em apreço jamais referiu aquilo que o Tribunal a quo refere ter sido dito pela mesma, não sendo igualmente correcto afirmar que a Testemunha tenha alguma vez referido ou procurado justificar o porquê de tais rendas terem decrescido de forma tão abrupta entre o mês de Dezembro de 2009 e o mês de Janeiro de 2010.
V.-A Testemunha demonstrou, ao longo do seu depoimento, não possuir qualquer conhecimento directo dos factos, não tendo, numa única situação, sido capaz de enunciar o nome de um inquilino, precisar uma data ou, sequer, especificar, com um mínimo de detalhe, qual dos imóveis de Samora Correia considerava não estar, à data do seu testemunho, capaz de ser colocado no mercado.
W.-Mais: resultou evidente do testemunho prestado que a Senhora D. A... se colocou, de forma evidente e notória, no papel de parte, pautando todo o seu depoimento por uma gritante ausência de imparcialidade nas suas afirmações.
X.-A Testemunha, ao longo do seu depoimento, demonstrou tomar partido pelo "lado" dos seus filhos, tendo evidenciado, por mais do que uma vez, a existência, na sua óptica, de dois lados: de um dos lados, a Testemunha e os seus filhos, do outro lado, os demais Herdeiros.
Y.-O facto de a Testemunha C... ter confirmado que o valor que paga a título de renda mensal era o indicado pelo cabeça-de-casal, não faz prova de que os demais valores indicados pelo cabeça-de-casal aquando da apresentação de contas, correspondam aos valores efectivamente recebidos.
Z.-Com efeito, são diversos os imóveis que integram a Herança e, consequentemente, murtas as rendas que o cabeça-de-casal recebe mensalmente e relativamente às quais não logrou juntar aos autos qualquer documento justificativo das mesmas.
AA.-Pelo que, a confirmação de um dos valores per si não faz prova quanto às demais.
BB.-O Réu R... indicou, nas suas contas, que procedeu à negociação de todas as rendas, durante o ano de 2013, mais concretamente em Setembro - isto é, quase um ano após a entrada em vigor da Lei n.° 31/2012, de 14 Agosto -, tendo proposto aos respectivos inquilinos o valor mínimo exigido por lei.
CC.-Porém, vieram a ser aceites valores abaixo dos mínimos exigidos por lei, sem que, para o efeito, o cabeça-de-casal tenha provado que os arrendatários se encontravam impossibilitados de pagar os referidos mínimos, não existindo, assim, qualquer documento junto aos autos que comprove qual o valor do RABC ou qual a idade dos arrendatários, tal como seria exigível ao abrigo do disposto nos artigos 35.° e 36.° da Lei n.° 31/2012, de 14 de Agosto.
DD.-Tendo o Réu R..., sob o seu exclusivo critério, aceite a fixação de rendas abaixo dos mínimos legais, prejudicou o recebimento das receitas mensais expectáveis da Herança, não devendo tais benesses / descontos ter sido consideradas pelo Tribunal a quo como redução justificada das receitas da Herança.
EE.-Mas, ao invés, como uma inadmissível redução de receitas, demonstrativa de incúria do cabeça-de-casal, com consequências prejudiciais para os demais Herdeiros do património sob sua administração.

C)–E, subordinadamente, apelou R...  para culminar:

1.-Foi dado como não provado nos presentes autos que o ora Recorrente tenha liquidado e pago os montantes respeitantes aos IMI de 2011, com vencimento em 2012, e 2013, com vencimento em 2014.
2.-O R. pagou os referidos IMI’s, como consta dos seus Documentos de Prestação de Contas oportunamente entregues aos AA. e
3.-O efectivo pagamento dos IMI’S em causa não foi impugnado pelos AA.
4.-Em nenhum momento na sua prestação de contas o R. incluiu quaisquer montantes pagos a título de juros ou penalidades por pagamento tardio dos IMI's.

5.-Foram pelo R. pagas as seguintes quantias a título de IMI dos imóveis da Herança:
IMI2011   1950,94 Pagamento reportado em Agosto de 2013
IMI2012   2194,98 Pagamento reportado em Agosto de 2013
IMI2013   3056,58 Pagamento reportado em Abril de 2014
IMI2013   3056,57 Pagamento reportado em Julho de 2014
IMI2013   3056,55 Pagamento reportado em Novembro de 2014.

6.–Estes pagamentos, que perfazem um total de Eur. 13.315,62, porque efectivamente alegados, incluídos nas contas apresentas aos AA. e por estes não impugnados, não podiam, assim, deixar de ser considerados como despesas efectuadas entre Março de 2011 e Dezembro de 2014 e deduzidos ao montante total a distribuir pelo R. aos restantes herdeiros.

7.–Assim, o Facto provado 3 da Douta Sentença deverá ser alterado em conformidade e passar a ter a seguinte redacção:
3.-Entre Março de 2011 e Dezembro de 2014, foram obtidas receitas de, pelo menos, € 57.527,07 e efectuadas despesas de € 15.725,85, sendo € 6,29 com correio (envio de vales postais), €264,96 a título de deslocações e € 15.454,60 de IMI relativamente aos anos de 2011, 2012 e 2013, com vencimento, respectivamente, nos anos de 2012, 2013 e 2014.

8.–Consequentemente, a condenação do R., ora Recorrente, deveria ter também esse valor em consideração, devendo o R. R... condenado a pagar aos restantes herdeiros o saldo apurado entre as receitas efectivamente recebidas e as despesas acima descritas, ou seja, ao total das receitas deverá ser deduzido o montante de € 15.725,85, o que se requer.
9.–Ainda que assim se não entenda, o que se admite, nem nada conceder, por mero dever de patrocínio, a decisão ora Recorrida deveria sempre ter em conta que, dos montantes a distribuir aos herdeiros deverão ser deduzidos todos os IMI's relativos aos mencionados anos que se demonstrem pagos à data da distribuição aos herdeiros, facto este que deve ser expressamente consagrado na Douta Sentença recorrida.
10.–Na sua prestação de contas, o R., ora Recorrente, fez referência a uma série de montantes, correspondentes a rendas, que foram pagas a terceiros (nomeadamente à Mãe dos AA.), e não à Herança.
11.–Estes montantes encontram-se evidenciados nos Documentos de Prestação de Contas apresentados, devidamente identificados sob a rubrica "Verba Recebida por A...".
12.–Estes factos nunca foram impugnados pelos AA., que, como tal, em nenhum momento fizeram prova do contrário, devendo, assim, ser aceites como provados.
13.–Não tendo sido efectivamente recebidos pela Herança, os montantes em causa (que perfazem um total de Eur. 1672,48) não podem ser distribuídos pelos herdeiros.
14.–O montante em causa não poderá ser tido em consideração para efeitos de receitas da Herança.
15.–Ao montante de Eur. 57.527,07 que a Douta Sentença descreve como receita da herança entre Março de 2011 e Dezembro de 2014 deverá ser deduzido o mencionado montante de Eur. 1.672,48.

16.–O Facto Provado 3 está, assim, e salvo melhor entendimento, ter esta circunstância em consideração, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redacção:
3.-Entre Março de 2011 e Dezembro de 2014, foram obtidas receitas de, pelo menos, € 55.854,59 e efectuadas despesas de € 15.725,85, sendo € 6,29 com correio (envio de vales postais), € 264,96 a título de deslocações e € 15.454,60 de IMI relativamente aos anos de 2011, 2012 e 2013, com vencimento, respectivamente, nos anos de 2012, 2013 e 2014.

Contra-alegaram o recurso da Autora, R... e L..., concluindo, parcialmente, em defesa do julgado:

1.-A acção que dá origem ao presente Recurso é uma Acção de Prestação de Contas que tem o seu objecto legalmente definido no artigo 941º do Código de Processo Civil.
2.-Diz-nos este preceito legal que este é um meio processual que se destina ao "apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se".
3.-Este meio processual não se destina a averiguar se a administração da Herança sub judice foi realizada de forma adequada, se a Herança foi bem gerida, se os valores cobrados foram os mais altos possíveis nem sequer se as despesas efectuadas - desde que efectuadas em nome da Herança - foram as mais ajustadas.
4.-O que se pretende não é, assim, um juízo crítico sobre a administração da Herança, mas tão só uma averiguação do que foi efectivamente feito, as receitas efectivamente obtidas e as despesas incorridas.
5.-Os ora Recorridos apresentaram as suas contas aos AA. nos autos sub judice em forma de conta corrente (como prescreve o artigo 944º do CPC), juntando documentos comprovativos das receitas e despesas e produzindo a prova testemunhal possível.
6.-As Alegações de Recurso apresentadas pela A. R... configuram uma inconformação, não com as questões relacionadas com a correcção das contas apresentadas, mas sim com a forma como os RR. administraram a Herança. Estas considerações, que põem em crítica a Douta Sentença Recorrida, extravasam claramente o âmbito e objecto da acção de prestação de contas.
7.-A primeira questão verdadeiramente substancial invocada pela A. R... no que respeita às contas apresentadas, nomeadamente quanto às receitas apresentadas pelo R. L... está relacionada com o facto de o montante total das rendas recebidas pela Herança terem decrescido de 2009 para 2010 e 2011.
8.-As contas foram apresentadas em formato de conta corrente delas resulta que de 2009 para 2010 houve um decréscimo dos valores das rendas originado pelo facto de ter havido inquilinos que cessaram arrendamentos e, em virtude do estado que apresentam os imóveis e face à insuficiência de meios para fazer as necessárias obras de recuperação dos mesmos, não ter sido possível colocar os imóveis no mercado para novo arrendamento.
9.-A Recorrente, descontente com este facto nada de substancial acrescentou, nas suas Doutas Alegações ou em qualquer outro momento do processo, à questão. Não apresenta qualquer prova de os valores declarados pelo Recorrido estarem errados, não alega que os referidos imóveis se encontravam de facto arrendados e que o Recorrido omitiu o recebimento de rendas, não prova um único facto que possas ser susceptível de contradizer os números apresentados nas contas do  R. L.... Limita-se a dizer que não faz sentido haver redução de rendimento de um ano para o outro.
10.-A páginas ... das suas Doutas Alegações de Recurso a Recorrente chega mesmo a referir que "o valor da receita mensal gerada nos meses de 2010, por força da conveniente actualização dos valores das rendas cobradas, deveria ser superior".
11.-Toda a posição da Recorrente se baseia, não no que aconteceu, mas antes no que convenientemente deveria ter acontecido.
12.-A Recorrente não apresenta um único facto, uma única prova, uma única sugestão sequer que possa pôr em crise os números apresentados pelo R. L.... Os imóveis estavam habitados nas datas em que apresentaram zero euros de renda? Quem os habitava? Quanto pagava? Pagou efectivamente? - nada disto é alegado, nada é indiciado, e muito menos provado, razão pela qual não podia o Mmo. Tribunal a quo ter decidido diferentemente do que decidiu.
13.-Verdadeiramente, a Recorrente não questiona os números apresentados (porque não tem elementos para os pôr em crise), mas sim a forma como os RR. exerceram o seu cabeçalato, forma essa que deve ser "sancionada e repudiada".
14.-O mesmo se dirá quanto às reservas levantadas pela A. relativamente às contas apresentadas pelo R. R....
15.-Nas palavras da Recorrente R..., "não se compreende porque razão decidiu o Réu R..., em tal processo de negociação, avançar unilateralmente em todas as situações sempre com o valor mínimo exigido pela lei, prejudicando, logo à partida, qualquer eventual ganho a favor da Herança e perdendo, também logo à partida, qualquer margem negocial". Eis-nos sempre no plano da avaliação crítica da forma como foi desenvolvida a administração, mas nunca no plano da evidencia da incorrecção dos números apresentados pelos RR.
16.-Conclui, a este respeito - pasme-se!!! - que o Mmo. Tribunal a quo "não deveria ter aceitado, sem mais, as benesses / descontos alegadamente conferidos pelo Réu R..., sob o seu exclusivo critério" e, ainda que ''o valor da receita resultante das negociações deveria ter correspondido, no mínimo, ao montante mínimo imposto por lei, devendo ser esse o valor efectivamente inscrito". Isso mesmo, Venerandos Desembargadores, a Recorrente alega que o Recorrido deveria ter inscrito na sua prestação de contas, não os montantes efectivamente recebidos em nome da Herança, mas outros montantes que porventura a Recorrente acha mais justificados.
17.-Não pode, assim, proceder o peticionado pela Recorrente quanto às receitas apresentadas pelo RR., na medida em que as posições assumidas na suas aliás Doutas Alegações de Recurso não se referem à confirmação ou infirmação dos montantes inscritos pelos RR. nas suas prestações de contas, mas antes num juízo crítico quanto ao que foi feito e aquilo que, na opinião da Recorrente, deveria ter sido feito.
18.-No que respeita à prova documental relativa às rendas cobradas, alega a Recorrente que estes documentos, unilaterais por natureza, não são suficientes para fazer prova dos montantes efectivamente recebidos, na medida em que "tal não significa que seja apenas o montante inscrito que faz prova do efectivamente recebido".
19.-Pretenderia, assim, a Recorrente que os RR. fizessem prova de todo os montantes eventualmente que eventualmente excedam os valores constantes dos recibos, ou seja, que fizessem prova de montantes não recebidos.
20.-Os RR. não têm forma de fazer prova de montantes que não receberam.
21.-A prova exigida pela Recorrente é uma prova impossível.
22.-A Recorrente não apresenta uma única prova, um indício sequer, de que os números apresentados pelos RR. eram falsos, pelo que esteve muito bem o Mmo. Tribunal a quo ao decidir como fez, aceitando por bons os montantes apresentados pelos RR. na sua Prestação de Contas.
23.-Todos os restantes aspectos formais relativos às facturas alegados pela Recorrente são absurdos, inconsequentes e desprovidos de qualquer sentido, não permitindo que deles se retirem quaisquer conclusões.
24.-Aliás, as questões formais e do desenvolvimento da audiência de julgamento exploradas pela Recorrente R... apenas podem ter uma leitura: os RR. Não fabricaram documentos, não inventaram números, não prepararam testemunhas para que tudo tivesse uma aparência inatacável, facto este que apenas permite concluir da sua seriedade e da bondade das contas apresentadas, como concluiu -sempre bem! -o Mmo. Tribunal a quo.
25.-É finalmente falso, e não pode ser aceite, que o Mmo. Tribunal a quo não tenha considerado nas suas contas o valor de Eur. 9.040,00 recebido pelo R. R... em nome da herança, relativa às rendas de Queluz.
26.-Basta uma operação aritmética simples dos montantes constantes dos Documentos de Prestação de Contas para se concluir (i) que estas rendas foram efectivamente declaradas pelo R. R... e (ii) que foram tidas em consideração pelo Mmo. Tribunal a quo na Douta Sentença recorrida. Se assim não fosse, o saldo final das receitas da Herança entre Março de 2011 e Dezembro de 2014 seria de Eur. 48.487,07.
27.-Assim, e salvo quanto a outras verbas objecto de Recurso por parte do R. R..., esteve, assim, bem o Mmo. Tribunal a quo nos cálculos efectuados, que manifestamente incluem os montantes efectivamente recebidos a título de rendas pelo arrendamento do imóvel de Queluz.

A Autora contra-alegou o recurso subordinado do R... , concluindo:

-Contudo, mesmo que se entendesse que a ora Recorrida não impugnou as verbas de despesa em questão - o que apenas se admite para efeitos de raciocínio, ainda que sem conceder-, sempre se dirá, em primeiro lugar, que, conforme bem sustentado pelo Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 11.05.2004, "(...) prestadas as contas pelo réu, a falta de impugnação das mesmas pelo autor não tem o efeito cominatório da confissão" (realce e sublinhado nosso) e, em segundo lugar, que ao Tribunal a quo apenas poderia ter sido permitida decisão diversa daquela que adoptou se lhe fosse possível admitir que não é costume exigir a apresentação de documentos justificativos para tais verbas de despesa (artigo 945.°, n.° 5, do CPC), o que não é, como se viu, o caso.
-Assim, não tendo o Recorrente apresentado os respectivos comprovativos de pagamento dos montantes respeitantes aos IMI's de 2011, com vencimento em 2012, e de 2013, com vencimento em 2014, não podem tais valores ser tidos para efeitos de apuramento da despesa à presente data.
-Razão pela qual o Tribunal a quo considerou, e bem, que "No mais, não se mostra documentada a sua liquidação, nem referente a 2011, com vencimento em 2012, nem referente a 2013, com vencimento em 2014. Apenas se mostra documentada a liquidação referente a 2012, com vencimento em 2013, no valor de € 2.138,98, conforme detalhe da respectiva nota de cobrança, que dá conta do valor estar pago e sem juros - cfr. fls. 113.".
-Mais, o entendimento do Recorrente de que "dos montantes a distribuir aos herdeiros deverão ser deduzidos todos os IMI's relativos aos mencionados anos que se demonstrem pagos à data da distribuição aos herdeiros" não tem, obviamente, qualquer suporte legal, desvirtuando, por completo, os propósitos e efeitos decorrentes de uma acção de prestação de contas.
-À Recorrida não cabe qualquer obrigação processual de fazer prova que não é verdade o alegado pelo Recorrente no sentido de que determinadas rendas foram alegadamente recebidas pela Mãe da ora Recorrida e do Interessado R...
-Como bem sustentado pelo Tribunal a quo: "Quanto às quantias alegadamente recebidas por A..., é fora de dúvidas que se trata de receita das heranças, na medida em que são rendas provenientes do arrendamento de imóveis daquelas, pelo que não podem deixar de ser consideradas (...)".

Apostos que foram os vistos, cumpre decidir.

3.–Na sistematização do Acórdão trataremos todas as questões que os acervos conclusivo/limitativos nos submetem, sem que, contudo, façamos a separação formal de cada um dos recursos, já que os temas, ou são comuns, ou dependentes ou, até, surgem cruzados.

3.1.–Começamos por conhecer a arguição de nulidade da sentença que a recorrente, aqui Autora R... , lhe imputa.
Trata-se de omissão de pronúncia, pois, e como refere nos pontos B e C das suas conclusões, a sentença não se pronunciou sobre o pedido dos juros vencidos e vincendos, o que implicaria o vício da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
E tem razão.
A omissão de pronúncia implica o ter havido um silenciar total da questão submetida, que não uma decisão mais sucinta, por menos exaustivamente fundamentada, ou sem grandes exercícios de erudição jurídica.
E a recorrente, enquanto autora, formulou expressamente esse pedido de juros “vencidos e vincendos até à data do respectivo pagamento, desde a 1ª interpelação, a 10 de Agosto de 2012, relativos aos saldos anuais que vierem a ser apurados em relação a cada ano de administração”, sem que o tribunal de 1ª Instância a ele tenha feita qualquer alusão.
Verifica-se, portanto, a apontada omissão de pronúncia, vício que, todavia, este Tribunal pode suprir, nos termos do artigo 665º nº 2 do CPC, o que fará.
Não quer, todavia, isto dizer que a recorrente tenha razão, que não tem, como se verá adiante.
Posto isto, continuemos.

3.2.–A reapreciação da matéria de facto é pedida, nuclearmente, nas apelações de R... e R...
Fizeram-no, ao abrigo, e com cumprimento, do artigo 640.º do Código de Processo Civil, “máxime do n.º 1, alínea b).
Ora, e sem necessidade de analisar com detalhe os depoimentos das testemunhas A... – mais centrado no pagamento de rendas por dois inquilinos que deixaram de as pagar, o montante das mesmas e as obras do imóvel, o que causou um decréscimo nas receitas – e C... – que confirmou que paga a renda mínima que a lei exige – está provado documentalmente terem sido pagas as despesas de IMI, de 2011 a 2013 – entre Março de 2011 e Dezembro de 2014 num total de 13.315,62 euros, cujos documentos justificativos se acolhem nos termos do n.º 3 do artigo 944.º CPC.

Do exposto resulta que há que alterar o facto provado sob o n.º 3 que passa a ter a seguinte redacção:

“Entre Março de 2011 e Dezembro de 2014, foram obtidas receitas de pelo menos € 57,27,07 e feitas despesas de 13.586,87, sendo 6,29 com correio (envio de vales postais), € 264,96, a título de deslocações e € 13.315,62 de IMI, relativamente aos anos de 2011, 2012 e 2013, com vencimento, respectivamente, nos anos de 2012, 2013 e 2014”.
[Anotou-se esta última alteração no lugar próprio].
Em consequência, aquela quantia (€ 13.586,87) deve ser deduzida ao total de receitas, que ficarão assim em “pelo menos” (sic) € 43.940,20.

3.3.–No tocante à reapreciação pedida pelo interessado R..., que afirma nada lhe ter sido entregue, ao invés do que ficou assente, não se mostra, perfeitamente cumprido o disposto no citado artº 640º CPC, em termos de poderem ser acolhidos, como “meios probatórios constantes do processo”, os elementos que este recorrente refere e que, de todo o modo, mesmo que assim não se entendesse, não infirmariam o demonstrado.

4.–Cumpre agora, e numa apreciação conjunta dos vários recursos, tecer algumas considerações sobre o regime legal de prestação de contas.
A obrigação em apreço é, sobretudo, centrada na de informação constante do artigo 573.º do Código Civil.
Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis – “Processos Especiais” I, 302 e RLJ, Ano 74º/46 – o fim da acção de prestação de contas é, como se vê do artigo 371º CPC, o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas de modo a obter um saldo e determinar se uma situação é de credor, ou de devedor do “titular dos interesses geridos”.

Visa-se, então, apurar quem deve e o que deve.

E como julgou o Acórdão do STJ de 30.04.2003 – proc. nº 03B824 – “desta sorte, embora seja por igual exacto que o pedido de prestação de contas envolve necessariamente um pedido de condenação este terá necessariamente de reportar-se ao pagamento do saldo que vier a ser apurado: não, com evidência, a
indicada ou reclamada importância.”
                                                                                          
A regra é a de quem está encarregado de gerir, ou administrar, interesses alheios – ainda que simultaneamente próprios – está obrigado a prestar contas perante o titular desses interesses.

Assim é com o cabeça-de-casal (artigo 2093.º do Código Civil).

Mas o cabeça de casal só terá de prestar contas se, no exercício da sua administração tiver obtido receitas, realizado despesas ou ambas, uma vez que o artigo 941.º CPC refere o apuramento de eventual saldo.

Não é, pois, esta a sede para apurar se houve boa ou má administração, como pretende a recorrente R... ao insurgir-se contra as rendas não actualizadas, e “com baixos valores de arrendamento” e “valor diminuto” dos rendimentos de 2012 e até Setembro de 2013 e outros valores de receitas, perante o NRAU – mas, apenas se as receitas e despesas foram efectivamente verificadas.

Para aquilatar da diligência da administração o adequado será o processo comum, que não o processo especial de prestação de contas.

Aqui, apenas se discute se as verbas foram diferentes das indicadas, se foram, ou não, bem escrituradas mas nunca receitas virtuais (cfr., a propósito Lopes Cardoso – “Partilhas Judiciais”, III, p. 74, nota 3045; e “(…) prestar contas implica, por sua natureza, discriminar despesas e receitas efectivamente realizadas, mas não tem a ver com a responsabilização do administrador por eventual má administração, nem com a fixação de rendimentos que não foram obtidos por falta de diligência do obrigado.” – Acórdão do STJ de 3.04.2003 – proc. nº 03A073).

De igual modo, está também fora do âmbito do processo especial de prestação de contas a condenação do cabeça-de-casal ou da herança no pagamento de eventuais juros de mora.

Para além daqueles serem, em princípio, a indemnização legalmente fixada para os casos de mora no cumprimento de obrigações pecuniárias (art. 806º nº 1 do Código Civil), o que não é o caso, a sua exigibilidade, para além de não poder recair sobre a herança sob pena de afectar todos os herdeiros e respectivos quinhões, a verificar-se recairá exclusivamente sobre o cabeça-de-casal, reunidos os requisitos geradores da sua responsabilidade extracontratual, o que excede patentemente e pelas razões enunciadas o objecto deste processo especial, onde apenas se busca determinar a relação deve-haver, como se disse.

Perante tudo o exposto, há que dar parcial procedência ao recurso do Réu R..., por força de lograr vencimento no interposto subordinadamente e há que negar provimento ao recurso do interessado R... e da Autora R...

Decisão.

5.–E, assim, acordam os juízes que compõem este Tribunal em condenar os Réus:
a)-L... a pagar aos demais interessados, o saldo apurado de € 10.692,68 (€ 6.855,38 + 3.837,30) na parte a que têm direito, ou seja nas proporções de 1/8 aos interessados R..., C... e R... e de 2/8 aos interessados R... e R....
b)-R... a pagar aos demais interessados, o saldo apurado de € 43.940,20 (€ 57 527,07 - € 13 586,87), na parte a que têm direito, ou seja, na proporção de 1/8 relativamente aos interessados L..., C... e R... e de 2/8 aos interessados R... e R....

A todas as quantias as quantias a pagar serão deduzidas as já entregues, constantes do acervo dos factos acima provados.
Custas por todos os interessados a proporção dos respectivos quinhões na herança.


       
Lisboa, 6 de Abril de 2017



Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge