SIGILO PROFISSIONAL
ORDEM DOS ADVOGADOS
Sumário

1.– Se os factos cuja averiguação está em causa e para cuja prova é pertinente a informação pretendida – seja por via de prestação de depoimento, junção de documentos ou outras formas de colaboração com a justiça – não estão cobertos ou abrangidos pelo segredo, o incidente de levantamento não tem justificação nem cabimento.

2.– Pretendendo o autor que a Ordem dos Advogados junte ao processo os elementos de natureza documental existentes nos autos de nomeação de patrono, elementos alusivos às “informações/esclarecimentos prestados” pela patrona nomeada, “decorrentes dos insistentes pedidos de substituição” de patrono formulados pelo autor, com fundamento na falta de contato com a patrona, é ilegítima a recusa da Ordem dos Advogados em facultar tais elementos de natureza documental, a coberto da salvaguarda de segredo profissional.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.  


1.–RELATÓRIO:


Ação Declarativa de Condenação


Autor/Jorge ………. [ [1]  ]


Réu/Fátima ..........


Prova:
Na petição inicial o autor peticiona como segue:
“Para prova da matéria dos artigos 35º, 36º, 38º e 39º da p.i., requer seja o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (CDL) notificado para juntar cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do Processo de Nomeação de Patrono nº 13619/2010, a que os Despachos datados de 5/12/2012, 6/2/2013, 24/4/2013 e 11/09/2013 aludem”

A fls. 103 e 104 o autor renovou esse pedido.

Sobre essa pretensão recaiu o despacho proferido em 24-09-2015, com o seguinte teor:
“Solicite à Ordem dos Advogados nos termos requeridos a fls. 103” (fls. 110).

A seção deu cumprimento ao mesmo conforme 113, expedindo ofício nos seguintes termos:
“(…) o envio a este Tribunal de cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré ………… NIF (…), no âmbito do processo de nomeação de patrono nº 13619/2010.”, com envio de cópia do requerimento do autor e despacho proferido.

Na sequência do despacho proferido em 26-01-2016 (fls. 115) insistiu-se com a Ordem dos Advogados pelo cumprimento do solicitado.

Em 18 de fevereiro de 2016 o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados respondeu conforme consta de fls. 130 e 131, indicando o seguinte:

“As comunicações veiculadas entre a Senhora Advogada nomeada no âmbito do Apoio Judiciário e os Advogados que compõem a Ordem dos Advogados Portuguesa estão abrangidas por segredo profissional, dizendo respeito a aspetos extra processuais e fora do âmbito da relação estrita entre Advogado e cliente, isto é, trata-se de um momento subsequente e ulterior à cessação da relação de mandato (neste caso oficioso) que pendeu entre a Senhora Advogada e o beneficiário do Apoio Judiciário.
A ponderação sobre o levantar dessa proteção (do sigilo profissional) e consequente revelação dos factos por ela abrangidos, cabe em exclusivo ao Presidente do Conselho Regional Respetivo, pelo que carece de sustento a invocação das considerações do beneficiário do Apoio Judiciário sobre a sua submissão ao regime do sigilo profissional.
As razões invocadas pelos Senhores Advogados nos pedidos de escusa dizem respeito apenas às respetivas partes no âmbito do processo de nomeação, não se relacionando, forçosamente, com qualquer questão processual de natureza judicial.
Respeitam, tais razões, na larga maioria das ocasiões, de factos de natureza pessoal e privada, com nenhuma relação com o processo judicial propriamente dito.
Sem prejuízo do supra mencionado, os factos invocados no pedido de escusa seriam suscetíveis de divulgação, apenas e somente, através de pedido formulado pelo Senhor Advogado nomeado ao Presidente do Conselho Regional de Lisboa para que este exercesse as suas competências próprias relativas ao sigilo profissional, no tocante ao admissível por lei e ao estritamente necessário, conforme estatuído no artigo 92º no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Na verdade, a possibilidade de acesso, através dos autos em referência, às comunicações da Senhora Advogada com a sua Ordem – Conselho Regional de Lisboa – não configura um mero acesso a documentos administrativos, mas, outrossim, de pedidos no âmbito do relacionamento interno da Ordem de Advogados com os seus membros, cuja proteção se rege pelo disposto nas normas aplicáveis pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, considerando as competências próprias e as atribuições desta organização de profissionais.
As comunicações em causa correspondem a informações protegidas pelo segredo profissional, porque de carácter sigiloso e reservadas ao conhecimento das partes profissionais, no âmbito das informações que fundamentam os pedidos de escusa dirigidos à Ordem dos Advogados, cabendo a esta zelar pela reserva dessas informações.
A natureza dos pedidos de escusa não tem relação direta com os autos judiciais, constituindo um ato avulso de natureza incidental que resulta apenas no exercício das competências próprias da Ordem dos Advogados quanto aos processos de nomeação, correndo entre advogados e cujo teor se encontra protegido pelo segredo profissional.
Trata-se de uma comunicação entre o Advogado e a sua ordem profissional, associação do qual é membro e a qual presta colaboração no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, encontrando-se abrangidos pelo sigilo profissional.
Com os melhores cumprimentos”.
               
Em 23-02-2016 o autor apresentou o requerimento de fls. 135-136, com o seguinte teor:
“1.– Tendo a Ordem dos Advogados informado que, tratando-se de comunicações entre Advogado e a sua ordem profissional, as mesmas estão protegidas pelo sigilo profissional e como tal sigilosas e reservadas, insuscetíveis de divulgação;
2.– É consabido que o segredo profissional revestindo interesse e ordem pública, é, todavia, relativamente disponível, por iniciativa do Advogado ou do Tribunal;
3.– Ora, só a revelação do conteúdo das comunicações estabelecidas entre a Ré e a sua ordem profissional é que permitirá aferir, efectivamente, os fundamentos que levaram a Ordem dos Advogados a informar o Autor que “o processo está devidamente acompanhado pela Senhora Advogada”, indeferindo por esta via os insistentes pedidos de substituição da Ré, que aliás teimava em não dar quaisquer notícias e
4.– permitirá compreender se a actuação (ou melhor, a não actuação) da Ré foi causa necessária à “perda de chance” discutida nos presentes Autos;
5.– Entende-se, assim, que a divulgação de tais documentos, i.e., correspondência enviada pela Ré à sua ordem profissional, afigura-se absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material e para a (boa) administração e realização da Justiça, que deverá prevalecer sobre o interesse alegado pela O.A. 
6.– Sem a divulgação dessas comunicações a defesa dos legítimos interesses do Autor ficará irremediavelmente colocada em causa, em face da impossibilidade de produção de prova neste sentido caso não seja ordenada a sua junção, não sendo possível fazê-lo por outro meio. 
Termos em que:
Deverá ser dado provimento ao levantamento de sigilo profissional e, por via disso, ser ordenado à Ordem dos Advogados a junção dos documentos identificados na petição inicial”.

Em 09-05-2016 proferiu-se o despacho de fls. 151, com o seguinte teor:
“I– Na sequência do despacho de fls. 110 (ponto I), o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados veio invocar o sigilo profissional que protege as comunicações entre a Sr.ª advogada Dr.ª Fátima .........., ora ré, e a própria Ordem dos Advogados. Assim, antes de se ponderar o eventual prosseguimento do incidente visando o levantamento do invocado sigilo profissional, deverá a ré Dr.ª Fátima .......... informar nos autos, no prazo de 10 dias, se está disponível para, conforme consta do ofício de fls. 130 e 131, solicitar ao Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados o levantamento do referido sigilo profissional de forma a ser junta aos autos “cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do processo de nomeação de patrono nº 13619/2010”, conforme requerido pelo ora autor.
Notifique”.

A ré pronunciou-se, em 21-05-2016, indicando como segue:
“Maria de Fátima .........., Ré no processo à margem indicado, notificada para se pronunciar quanto ao levantamento do sigilo profissional, vem manifestar a sua indisponibilidade para o referido levantamento” (fls. 156).

Notificado da posição da ré o autor apresentou, em 24-05-2016, o requerimento de fls. 179, com o seguinte teor:
“(…) notificado que foi da indisponibilidade da Ré para o levantamento do sigilo profissional vem dizer que o processo de nomeação de patrono não está coberto pelo sigilo profissional, uma vez que se trata de um mero acto administrativo inserido no  âmbito do sistema de acesso ao direito, cuja gestão foi retirada dos tribunais e atribuída à ordem dos advogados.
E mesmo que houvesse (sigilo) haveria sempre a sobreposição de interesses ligados à própria realização da justiça, em detrimento do sigilo profissional.
Termos em que:
Deverá ser dado provimento ao levantamento de sigilo profissional, por via disso, ser ordenado á Ordem dos Advogados, a junção dos documentos identificados na petição inicial”.

Decisão.

Em 11-07-2016 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Nos presentes autos, o autor Jorge A...A...S...F... demandou a ré Fátima .........., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 62.000,01, acrescida dos juros de mora, à taxa legal e contados da data de citação. 
Em síntese, alegou o autor que, no âmbito do proc. n.º 561/11.9TVLSB da 8.ª Vara Cível, em que foi demandante, a respetiva ação foi julgada improcedente por causa exclusivamente imputável à ré, ali nomeada sua patrona ao abrigo da concessão do apoio judiciário, tendo esta mesma ré agido ilícita e culposamente.  
Alegou ainda o autor que, em consequência da conduta da ré, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, que discriminou. 
A ré apresentou contestação onde impugnou parcialmente os factos afirmados pelo autor no seu articulado inicial, pugnando pela improcedência da presente ação.

Nestes autos está já provada a seguinte factualidade:
No proc. n.º 561/11.9TVLSB da 8.ª Vara Cível de Lisboa e em 08-04-2013 foi proferida a sentença cuja cópia constitui o doc. n.º 1 junto com a p.i., considerando-se aqui reproduzido o respetivo teor; esta sentença transitou em julgado em 15-05-2013, nela tendo sido julgada improcedente a ação e absolvidos os réus do pedido. 
No proc. n.º 561/11.9TVLSB foi autor Jorge A...A...S...F... e réus João B...M... e António G..., tendo aquele pedido a condenação destes últimos no pagamento da quantia de € 30.000,01, acrescida dos juros legais e desde a citação. 
No proc. n.º 561/11.9TVLSB e em 22-10-2012 e 19-02-2013 foram realizadas as audiências de discussão da causa, conforme respetivas atas cujas cópias constituem os docs. n.ºs 3 e 10 juntos com a p.i., que se consideram aqui reproduzidos; em 08-10-2012 foi adiada a audiência de discussão da causa por ausência dos advogados que patrocinavam as partes, conforme respetiva ata cuja cópia constitui o doc. n.º 16 junto com a p.i., que se considera aqui reproduzido; as testemunhas arroladas pelo autor [João M... S...M...; Ana C...A... e Sofia A...] não foram inquiridas na audiência realizada em 19-02-2013; a ora ré foi notificada da data de 19-02-2013 para a realização da continuação da audiência de discussão e julgamento; a ré compareceu na audiência de discussão e julgamento designada para o dia 19-02-2013, tendo proferido alegações. 
No proc. n.º 561/11.9TVLSB e em 22-02-2013 procedeu-se à leitura do “despacho decisório da matéria de facto”, conforme respetiva ata cuja cópia constitui o doc. n.º 15 junto com a p.i., que se considera aqui reproduzido. 
Com data de 09-11-2012, o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados comunicou ao ora autor Jorge F... que, em substituição do patrono anteriormente nomeado, Dr. Vasco A... M..., foi nomeada a Dr.ª Fátima .........., ora ré, conforme ofício cuja cópia constitui o doc. n.º 2 junto com a p.i.
Em 26-11-2012 e 30-01-2013, o ora autor apresentou no proc. n.º 561/11.9TVLSB os requerimentos cujas cópias constituem os docs. n.ºs 4 e 8 juntos com a p.i.  
No proc. n.º 561/11.9TVLSB e em 19-12-2012 foi solicitado ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados que “(…) informe sobre se já foi proferida decisão sobre o pedido do autor (…)”, conforme doc. n.º 5 junto com a p.i. que integra ainda cópia do respetivo despacho judicial. 
Em 12-12-2012, 07-05-2013 e 11-09-2013, o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados comunicou ao ora autor o que consta dos docs. n.ºs 6, 11 e 14 juntos com a p.i. 
Em 24-10-2012, o ora autor apresentou ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados o requerimento cuja cópia constitui o doc. n.º 4 junto com a contestação; em 27-12-2012, 21-05-2013 e 12-06-2013, o ora autor apresentou ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados os requerimentos cujas cópias constituem os docs. n.ºs 7, 12 e 13 juntos com a p.i. 
Em 13-11-2012 e no âmbito do proc. n.º 561/11.9TVLSB, foi enviado ao ora autor o ofício cuja cópia constitui o doc. n.º 5 junto com a contestação.
Em 06-02-2013, a Dr.ª Manuela F..., vogal do pelouro do apoio judiciário, da Ordem dos Advogados, proferiu o despacho cuja cópia constitui o doc. n.º 9 junto com a p.i. 

Conforme despacho de 95 e seguintes, os factos controvertidos relevantes para a decisão do presente pleito são, nomeadamente, os seguintes:
No final da audiência ocorrida no dia 22-10-2012 tinha ficado estabelecido perante a magistrada judicial a possibilidade do autor apresentar as testemunhas faltosas na data da última audiência de discussão da causa.
Nos dias que se seguiram à nomeação da ré, o autor não foi contactado pela ré e as tentativas de contacto telefónico com a mesma, através dos números 21......... e 96........., revelaram-se infrutíferas, dado que esta nunca atendeu os telefonemas efetuados pelo autor.
Após três meses de tentativas de contacto, no dia 22-02-2013 a ré atendeu a chamada efetuada para o telemóvel n.º 96.........., tendo então dito ao autor que: “A audiência de julgamento realizou-se no dia 19/2/2013; o autor tinha sido notificado pelo Tribunal para tal; não atende chamadas sem número; não contactava ninguém por escrito, por não receber verbas no Instituto Financeiro do Ministério da Justiça, a Lei do Apoio Judiciário obrigava os beneficiários a escrever aos Patronos, caso estes não atendessem os telefones”. 
As testemunhas indicadas pelo autor no proc. n.º 561/11.9TVLSB tinham conhecimento direto dos factos em discussão nos referidos autos.
O autor não foi notificado pelo Tribunal para a audiência do dia 19-02-2013.
Se a ré tivesse contactado com o autor logo após a sua nomeação ou, pelo menos, se mostrasse acessível a tal, o autor teria informado a ré da possibilidade de inquirição das testemunhas na audiência do dia 19-02-2013 e delineado a estratégia a adotar, quer em sede de inquirição das mesmas, quer em sede de alegações orais, e o desfecho da lide seria diferente. 
A conduta da ré causou forte abalo psíquico e emocional ao autor, que passou a viver angustiado, ansioso, perturbado e, sobretudo, muito revoltado.
As tentativas fracassadas de contacto com a ré afetaram o equilíbrio emocional do autor.
Com o passar do tempo, e ante a total ausência de contacto por parte da ré, a preocupação e angústia do autor foi aumentando gradualmente. 
E quando a ré informou o autor que, a final, a audiência para a qual estava prevista a inquirição das suas testemunhas já se tinha realizado, o seu estado psicológico agravou-se sobremaneira, causando-lhe forte instabilidade emocional e distúrbios, denotando grande ansiedade e perturbação.
Após ser notificada da sua nomeação para patrocinar o autor, a ré consultou o identificado processo, constatando que o processo se encontrava a aguardar resposta do CDL da Ordem dos Advogados e a aguardar marcação de data para continuação da audiência de discussão e julgamento, datas a serem sugeridas por acordo entre os mandatários, a fim de terminar o julgamento; nessa data, o processo encontrava-se na fase das alegações. 
A ré, após ser notificada do ofício do CDL da Ordem dos Advogados, contactou o mandatário dos réus e, por acordo entre ambos, elaborou e enviou ao Tribunal o requerimento a indicar datas disponíveis para a marcação da audiência final, dando cumprimento ao despacho de 22-10-2012.
A ré, por motivo de doença súbita, ficou impedida de comparecer no Tribunal para a leitura da resposta à base instrutória, sem que daí, contudo, tivesse influência na decisão, pois a mesma não é passível de reclamação, dado que não apresenta qualquer deficiência, obscuridade ou contradição. 
A ré, após analisar a sentença, não encontrou qualquer vício, verificando não merecer a mesma qualquer reparo; a ré, não encontrou fundamento algum para interpor recurso da sentença, razão pela qual o não fez. 
Da sua decisão de não ir interpor recurso da sentença, por falta de fundamento, deu a ré conta ao autor, por carta, remetendo-lhe em anexo a sentença, conforme doc. n.º 3 junto com a contestação, carta que o autor recebeu em 19-04-2013. 
O autor não enviou qualquer carta à ré nem se deslocou ao seu escritório.

Logo na sua petição inicial, o autor requereu que “Para prova da matéria dos artigos 35º, 36º, 38º e 39º da p.i., requer seja o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (CDL) notificado para juntar cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do Processo de Nomeação de Patrono nº 13619/2010, a que os Despachos datados de 5/12/2012, 6/2/2013, 24/4/2013 e 11/09/2013 aludem.” [os artigos 35.º a 39.º da petição inicial têm o seguinte conteúdo: No âmbito do processo de nomeação junto da Ordem dos Advogados (nº 13619/2010), ao Autor foi-lhe negado o acesso às informações/esclarecimentos prestados pela Ré, decorrentes dos insistentes pedidos de substituição. Apenas sendo informado que o processo estava a ser devidamente acompanhado pela Ré. Estriba-se o CDL no facto das referias comunicações se encontrarem abrangidas pelo sigilo profissional! (Doc. 17) Contudo, O Autor entende ser pertinente o seu conhecimento para a descoberta da verdade material, até porque provavelmente a Ré foi informando o CDL que o Patrocínio estava a ser devidamente acautelado e acompanhado. QUANDO, EM BOA VERDADE, NÃO ESTAVA! Pois, doutro modo, não se percebe a recusa sistemática de substituição da Ré por parte do órgão da Ordem dos Advogados com competência para tal.]

Notificada para o efeito, a Ordem dos Advogados, com fundamento no sigilo profissional, recusou a entrega de cópia dos indicados “esclarecimentos/exposições” apresentados pela ré no âmbito do processo de nomeação de patrono, conforme ofício de fls. 130 e 131.
Com o seu requerimento de 23-02-2016, o autor requereu o levantamento do invocado sigilo profissional, alegando, para tanto, o seguinte: (…)
Notificada para o efeito, a ré opôs-se ao pretendido levantamento do sigilo profissional.  
 
Com o seu requerimento de 24-05-2016, o autor veio “(…) dizer que o processo de nomeação de patrono não está coberto pelo sigilo profissional, uma vez que se trata de um mero acto administrativo inserido no  âmbito do sistema de acesso ao direito, cuja gestão foi retirada dos tribunais e atribuída à ordem dos advogados. e mesmo que houvesse (sigilo) haveria sempre a sobreposição de interesses ligados à própria realização da justiça, em detrimento do sigilo profissional.”

Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados; a recusa é, porém, legítima se a obediência importar, designadamente, violação do sigilo profissional; deduzida escusa com este fundamento, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado. -  n.ºs 1, 3, alínea c), e 4 do art. 417.º do CPCivil. 
 
Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias; se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento; o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a necessidade de proteção de bens jurídicos; a intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. - n.ºs 2 e 3 do art. 135.º do CPPenal. 
 
O segredo profissional não é um segredo absoluto e inafastável, mas a razão de ser da sua existência impõe que só em casos excepcionais o advogado o possa quebrar; uma primeira situação em que o advogado deixa de estar sujeito ao segredo profissional decorre da sua desvinculação pelo próprio cliente, quando este autoriza a revelação do segredo. Uma segunda situação corresponde à dispensa do segredo profissional requerida pelo advogado ao Presidente do Conselho Distrital respectivo e por este autorizado [trata-se do procedimento previsto no art. 87º, nº 4 do EOA]. E uma terceira situação corresponde ao incidente processual de quebra do segredo profissional, regulado no art. 135.º do C. Processo Penal [aplicável ao processo civil, por força do disposto no art. 417.º, n.º 4, do C. Processo Civil], a qual tem específico relevo para a questão a decidir. [acórdão de 04-03-2015 do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 60/10.6TAMGR-A.C1].
 
Como atrás de notou, a Ordem dos Advogados, com fundamento no sigilo profissional, recusou a entrega de cópia dos indicados “esclarecimentos / exposições” apresentados pela ré no âmbito do processo de nomeação de patrono, conforme ofício de fls. 130 e 131.
 
Nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 7 do art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente, a factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; o dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional. 
 
Por outro lado, o pedido de escusa previsto no art. 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, [Regime Jurídico do Acesso ao Direito e aos Tribunais], é endereçado diretamente pelo advogado à Ordem dos Advogados, sendo certo que no caso concreto se desconhece inteiramente qual o teor das comunicações dirigidas pela ré à Ordem dos Advogados. 
 
Conforme decorre do exposto, no caso concreto verificam-se os requisitos legais possibilitadores da intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente no que concerne à natureza lícita da apontada escusa.
 
Face ao exposto, ordena-se a remessa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a fim de ser apreciado o solicitado levantamento do sigilo profissional relativamente à entrega de cópia dos indicados “esclarecimentos/exposições” apresentados pela ré no âmbito do processo de nomeação de patrono.
Notifique as partes.
Após, remeta os autos”.

Cumpre apreciar.

II.– FUNDAMENTOS DE FACTO.

Relevam as incidências processuais supra referidas e ainda a seguinte factualidade, que se dá por provada atentos os elementos juntos ao processo e que a seguir se indicam, bem como o acordo das partes quanto a essa matéria [ [2] ]:
1.- No âmbito do processo n.º 561/11.9TVLSB da 8.ª Vara Cível de Lisboa, a Ordem dos Advogados enviou ao autor, que a recebeu, a comunicação datada de 09-11-2012, indicando-lhe que, em substituição do patrono anteriormente nomeado, Dr. Vasco A... M..., foi nomeada a Dr.ª Fátima .........., ora ré; mais indicava a morada do escritório da referida advogada – Rua P... J... B..., Nº...- ...º ..., 1....-...7 Lisboa –, bem como o respetivo contato telefónico (doc. n.º 2 junto com a petição inicial, a fls. 27).

2.-No âmbito desse processo o autor apresentou ao tribunal, em 26-11-2012, o requerimento cuja cópia consta de fls. 33, indicando que “está a aguardar que o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados lhe nomeie novo Defensor Oficioso, dado que, até esta data, não conseguiu contacto algum com a advogada nomeada, Drª Fátima .......... (doc. nº4 junto com a petição inicial).
   
3.-No âmbito do aludido processo e com referência aos respetivos autos de nomeação de patrono (com o nº 13619/2010) a Ordem dos Advogados enviou ao autor, que a recebeu, a missiva datada de 12-12-2012, comunicando-lhe o despacho proferido e datado de 05-12-2012, com o seguinte teor:
Despacho:
Notificar o Senhor beneficiário de que este Conselho tem notícia de que o Processo está devidamente acompanhado pela Senhora Advogada nomeada, não havendo fundamento para a substituição” (doc. nº6 junto com a petição inicial, a fls. 36-37 dos autos).

4.- Em 27-12-2012 o autor comunicou com a Drª Manuela F..., na qualidade de “Vogal do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados”, conforme consta do documento junto a fls. 38-39, indicando, nomeadamente, que “aquando da nomeação da Senhora Advogada em questão de imediato mas debalde, tentou entrar em contacto com a mesma.
Por o processo em Juízo estar agora somente para a fase das alegações, de imediato contactou o signatário o CDL para verificar e concretizar o pedido de substituição da Senhora Advogada nomeada.
(…)

Estando seguro que nesta altura V.Exª estará possuidora do que efectivamente ocorre, não está assegurado qualquer patrocínio ao beneficiário, tem Patrona Nomeada mas não a conseguiu contactar até hoje, pois aquando do recebimento da V. comunicação datada de 12/12/12, mas entregue nos CTT apenas a 17/12/12 e, recebida pelo destinatário a 19/12/12 de novo procurou o paradeiro da Srª Drª Fátima ...........
À disposição de V. Exª para qualquer aclaração, junto cópias do envelope do CDL e do requerimento entre em Juízo” (doc. 7 junto com a petição inicial).

5.-No âmbito do mesmo processo judicial o autor apresentou ao tribunal, em 30-01-2013, o requerimento cuja cópia consta de fls. 40, indicando, nomeadamente, como segue:

“(…) 1- Em 12/12/12 recebeu da Ordem a informação de que a Patrona Oficiosa nomeada se mantinha em funções…
2- Como se o Patrocinado com a mesma não consegue contactar…
3- Tentou de novo até 27/12/2012 contactar a Senhora Advogada nomeada sem qualquer sucesso.
Perante tal factualidade entregou na Ordem dos Advogados em 27/12/2012 o requerimento de que se junta cópia e que até agora não foi apreciado e mereceu qualquer despacho.
Contactados os serviços do CDL da OA, informaram os mesmos o signatário de que a qualquer momento o requerimento entregue a 27/12/12 mereceria despacho.
Esta a informação que posso disponibilizar a V. Exa, dado que a Patrona Oficiosa nomeada nunca conseguiu ser pelo beneficiário contactada, nem contactou o abaixo assinado a comunicar qualquer data para reunião” (doc. nº 8 junto com a petição inicial).
6.- No âmbito do aludido processo de Nomeação de Patrono, em 06-02-2013, a Drª Manuela F... na qualidade de “Vogal do Pelouro do Apoio Judiciário” proferiu o despacho cuja cópia consta de fls. 41 dos autos, com o seguinte teor:
“ Atenta a exposição do(a) Advogado(a) nomeado (a), Dr. (a) Fátima .........., decide-se,
1.-Notificar o (a) Senhor (a) Advogado (a) de que deve permanecer no patrocínio até indicação noutro sentido e diligenciar para que fiquem acautelados os direitos do (a) beneficiário (a) do Apoio Judiciário.
2.-Cumpram-se as notificações habituais” (conforme doc. nº9 junto com a petição inicial).

7.– A Ordem dos Advogados enviou ao autor, que a recebeu, a missiva datada de 07-05-2013, comunicando-lhe o despacho proferido em 24-04-2013, cuja cópia consta de fls. 44, com o seguinte teor:
 “Atenta a exposição do(a) Advogado(a) nomeado (a) Dr. (a) Fátima .........., decide-se, Notificar o (a) Senhor (a) Advogado (a) de que deve permanecer no patrocínio até indicação noutro sentido e que deverá diligenciar para que fiquem acautelados os direitos do (a) beneficiário (a) do Apoio Judiciário.
2.Cumpram-se as notificações habituais, incluindo o Senhor beneficiário” (doc. nº 11 junto com a petição inicial).

8.– Em 21-05-2013 o autor comunicou com a Drª Manuela F..., na qualidade de “Vogal do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados”, conforme consta do documento junto a fls. 45-46, indicando, nomeadamente, que:
“(…) recebo com surpresa a manutenção da Patrona Oficiosa Advogada Fátima .........., a qual, como já alertei V.Exª não consigo contactar.
Com a respetiva manutenção como Patrona, tenho encarecidamente de solicitar ao CDL a gentileza de a advogada nomeada me indicar forma de contacto. Não pode a mesma, em fase de alegações prejudicar o meu direito de acesso à justiça.
Como não consigo encontrar e reunir com a mesma, como tenho de proceder?
De quem a responsabilidade civil terei de demandar, por não verificar assegurados os meus legais direitos de acesso à Justiça.
Finalmente, no dia 22 de Fevereiro de 2013 atendeu-me o tlm 96......... a Drª Fátima .........., a qual me afirmou ter decorrido no passado dia 19 de Fevereiro a audiência de Julgamento, afirmando que eu tinha sido notificado pelo Tribunal para tal, o que não corresponde à verdade. (…)
Para completo descanso do Patrocinado, não pode a Patrona ignorar os requerimentos que este remeteu ao CDL e aos autos, em que, sem qualquer ambiguidade invoca os motivos por que requer a substituição da Patrona nomeada, impossibilidade de contacto.
Aguardando o desfecho da ocorrência próxima, Recurso, peço desculpa a V. Exª pelo teor desta comunicação que, faço questão de se encontrar arquivada no processo de nomeação para apuramento futuro de responsabilidades, dado ter sido impossível para o interessado apresentar as testemunhas na data da última audiência, conforme em 22 de Outubro tal ficou pendente perante a Meritíssima Magistrada Judicial” (doc. nº 12 junto com a petição inicial).
  
9.– Em 12-06-2013 o autor dirigiu ao Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados o requerimento cuja cópia consta de fls. 47, com o seguinte teor:
“Em virtude da patrona oficiosa nomeada ter apresentado escusa a 2/06/13 venho incomodar V. Exa com a possibilidade que alvitrei em 24/10/2012, requerimento de que junto cópia, no sentido de poder ser nomeada a Srª Drª Sandra .......... que já é patrona (…) nos autos com este relacionados. Na altura foi junta a respectiva declaração de aceitação portanto já junta aos presentes autos de nomeação.
Caso V. Exª verificar existir possibilidade (…) muito grato ficaria, pois encontra-se a aguardar prazo para recurso o processo em causa” (doc. nº 13 junto com a petição inicial).
  
10.– A Drª Manuela F..., na qualidade de “Vogal do Pelouro do Apoio Judiciário” proferiu o despacho datado de 11-09-2013, cuja cópia consta de fls. 48 dos autos, com o seguinte teor:
“ Compulsando os autos, atenta a solicitação do Senhor beneficiário do Apoio Judiciário e as informações da Senhora Advogada nomeada, Drª Fátima .........., decide-se,
Notificar o Senhor beneficiário de que o Processo Judicial se encontra findo, com sentença proferida em 8/4/2013, com trânsito em julgado, pelo que não se mostra necessária a substituição requerida” (doc. nº 14 junto com a petição inicial).

III– FUNDAMENTOS DE DIREITO.
1.– Ponderando o incidente deduzido e o disposto no art. 417º, nº4 do novo C.P.C. [ [3] ] impõe-se apreciar:
- Da causa de pedir invocada: delimitação dos documentos que o autor pretende sejam juntos pela Ordem dos Advogados (OA);
- Do âmbito do incidente deduzido: o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz;
- Da legitimidade da recusa: o “sigilo profissional” invocado pela OA.

2.– Importa, antes de mais, fazer breve referência à estrutura da ação.

O autor pretende fazer valer um direito de indemnização que se arroga titular sobre a ré, advogada, invocando que esta, no processo que correu termos em tribunal com o número 561/11.9TVLSB da 8.ª Vara Cível de Lisboa, na qualidade de patrona oficiosa do ora autor, aí réu, violou “deveres deontológicos e profissionais, nos termos do artigo 483º do Código Civil” (art. 55º da petição inicial), tendo, pois, o autor direito “a ser ressarcido de todos os prejuízos que teve em virtude do comportamento da Ré” (art. 56º), sendo que o autor computa esses prejuízos no exato valor da condenação que sofreu nessa ação, isto é, em 30.000,00€.

Para aferir dos pressupostos de responsabilização do profissional, impõe-se, pois, aferir da imputada violação dos deveres que impendem sobre esse profissional, relevando, necessariamente, o que dispõe o estatuto respetivo, no caso o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 145/2015 de 9 de setembro; saliente-se que a circunstância de estarmos perante patrocínio oficioso não altera o juízo valorativo a fazer nesta sede, impondo-se ao patrono – como ao advogado constituído na sequência de contrato de mandato (judicial) –, o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (art. 97º, nº 2 do Estatuto) e devendo, no âmbito das relações que estabelece com o patrocinado, informá-lo e aconselhá-lo (cfr. o art. 100º, nº1 do Estatuto), o que pressupõe, in limine, que o patrono tenha disponibilidade para com o patrocinado, no sentido de que deve aceitar as solicitações de contatos feitas por este, dentro, obviamente, de parâmetros de razoabilidade e na estrita medida do necessário [ [4] ].

Densificando a imputada violação, o autor invoca, em primeira linha, que a ré “nunca contatou o autor, nem se deixou contatar” (art. 50º da petição inicial); assim, “nos dias a seguir à nomeação o autor não foi contatado pela ré e as tentativas de contato com a mesma revelaram-se infrutíferas dado que a ré nunca atendeu os telefonemas (art. 7º), o que motivou pedido de substituição do patrono formulado pelo autor junto da Ordem dos Advogados, pedido que não foi aceite porquanto a Ordem lhe deu indicação que o processo “está devidamente acompanhado”, o que, no entanto, não acontecia (cfr. os arts. 8º a 16º e 38º).

Ora, o que o autor pretende é, exatamente, que a Ordem dos Advogados (doravante OA) junte ao processo os elementos de natureza documental existentes nos referidos autos de nomeação de patrono (nº 13619/2010) e alusivos às “informações/esclarecimentos prestados pela Ré, decorrentes dos insistentes pedidos de substituição” de patrono, formulados pelo autor (art. 35º da petição inicial).

Ou seja, na dinâmica subsequente à nomeação da ré como patrona do autor e assente que está, à evidência, que o autor, a pretexto de que não era contatado nem conseguia contatar a patrona – não se cuida agora de averiguar da veracidade dessa invocação, que não é pertinente para a nossa análise –,  deduziu perante a OA pedido de substituição desse patrono, podemos razoavelmente pressupor que a OA não tenha indeferido o pedido de substituição sem aquilatar da situação junto da ilustre advogada, mormente inquirindo-a das vicissitudes apontadas pelo réu e estado do processo judicial em curso.

Em suma, esses elementos de natureza documental a que o autor pretende ter acesso – partindo do pressuposto que eles existam, isto é, que a OA se tenha correspondido com o seu associado por escrito – prendem-se com a dinâmica alusiva ao pedido de substituição formulado pelo autor e não com qualquer incidente de escusa eventualmente apresentado pela advogada, de que os presentes autos nem sequer dão nota.

Por outro lado, esses elementos estão temporalmente delimitados, necessariamente, entre o momento em que o patrono foi nomeado – 09-11-2012 – e o momento em que a OA proferiu despacho indicando ao autor a desnecessidade de substituição do patrono em face da extinção do processo, isto é em 11-09-203.

Fica, assim, delimitada a pretensão formulada pelo autor, no sentido de que o Conselho Distrital de Lisboa da OA remeta ao processo “cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do Processo de Nomeação de Patrono nº 13619/2010”, tendo por referência os Despachos do Conselho Distrital datados de 05-12-2012, 06-02-2013, 24-04-2013 e 11-09-2013, referidos, respetivamente, nos números 3, 6, 7 e 10 da factualidade que esta Relação deu por assente.

3.– Lendo o despacho em causa, e perante a recusa apresentada pela OA em juntar os documentos aludidos, não se alcança inteiramente se o tribunal a quo considerou legítima essa recusa.
O certo é que, em face da posição assumida pela OA, o tribunal entendeu que se verificam “os requisitos legais possibilitadores da intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa” pelo que suscitou perante esta Relação o incidente de levantamento do sigilo profissional previsto no art. 417º, nº4 do C.P.C., sendo o regime legal aplicável o do processo penal, com as devidas adaptações, o que nos remete para as disposições contidas nos arts. 135º, nº3 [ [5] ] e 182.º [ [6] ] do Código de Processo Penal [ [7] ].

O processamento do incidente de quebra de sigilo profissional regulado na lei processual penal foi objeto do acórdão do STJ nº 2/2008, de 31-03, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos, salientando-se que não ocorreu qualquer alteração legislativa substancial quanto a esta matéria  [ [8] ]:

“1)-Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário;
2)-Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º do Código de Processo Penal;
3)-Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo” [ [9] ].
No caso, afigura-se-nos que o Meritíssimo Juiz, pese embora sem o afirmar expressamente, terá considerado legítima a recusa da OA, colocando de imediato o enfoque na questão do levantamento do sigilo profissional – como o autor, aliás, atento o seu requerimento de 23-02-2016 –, pelo que o processo foi nesses termos remetidos a esta Relação.    
Ora, a questão de saber se se justifica a quebra do sigilo tem como seu antecedente lógico a sua constatação [ [10] ]; se chegarmos à conclusão de que não se coloca sequer hipótese suscetível de subsunção a sigilo profissional, não se justifica qualquer outra indagação sobre o levantamento.
Como a jurisprudência repetidamente vem afirmando, se os factos cuja averiguação está em causa e para cuja prova é pertinente a informação pretendida – seja por via de prestação de depoimento, junção de documentos ou outras formas de colaboração com a justiça – não estão cobertos ou abrangidos pelo segredo, o incidente de levantamento não tem justificação nem cabimento.
Impõe-se, então, previamente, essa análise.

4.– O art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe “[s]egredo profissional”, dispõe que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, sendo a enunciação desses factos no referido preceito meramente exemplificativa [ [11] ] [ [12] ].

A proteção do segredo profissional do advogado prende-se com a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da assunção pelo legislador constitucional de que “o exercício da advocacia constitui outrossim elemento essencial à administração da justiça” (art. 208º da Constituição da República Portuguesa (CRP) [ [13] ].

Ora, no caso, não está em causa apurar a verificação de qualquer facto de que a ré, patrona oficiosa que foi do autor, no aludido processo, tenha tido conhecimento em virtude do exercício do patrocínio e da relação assim estabelecida com o seu patrocinado. Aliás, não se vislumbra como considerar de maneira diferente ponderando que o que está em causa é precisamente avaliar se, como o autor alega, inexistiu qualquer contato entre o requerente do apoio judiciário, ora autor e o patrono nomeado, a ora ré, no período subsequente à nomeação e pelo menos até 22-02-2013, data em que o autor invoca que a ré atendeu o seu telefonema.

Ponderando os temas de prova enunciados pelo tribunal de primeira instância, a colaboração pedida à Ordem dos Advogados é pertinente à averiguação da seguinte matéria:
- Se “[n]os dias que se seguiram à nomeação da ré, o autor não foi contactado pela ré e as tentativas de contacto telefónico com a mesma, através dos números 21......... e 96........., revelaram-se infrutíferas, dado que esta nunca atendeu os telefonemas efetuados pelo autor” (número 2 dos temas de prova.
- Se “[a]pós três meses de tentativas de contacto, no dia 22-02-2013 a ré atendeu a chamada efetuada para o telemóvel n.º 96........., tendo então dito ao autor que: “[a] audiência de julgamento realizou-se no dia 19/2/2013; o autor tinha sido notificado pelo Tribunal para tal; não atende chamadas sem número; não contactava ninguém por escrito, por não receber verbas no Instituto Financeiro do Ministério da Justiça, a Lei do Apoio Judiciário obrigava os beneficiários a escrever aos Patronos, caso estes não atendessem os telefones” (número 3 dos temas de prova).

Em suma, a recusa da OA em juntar aos autos a documentação aludida, forma de colaboração que lhe foi solicitada – no pressuposto, insiste-se, que a mesma exista, nos moldes a que supra se aludiu, questão que não é sequer objeto de apreciação por esta Relação –, na medida em que fundamenta a recusa no imperativo legal de salvaguarda de “segredo profissional”, não é legítima.

Neste contexto, não se alcança a alegação da OA quando faz apelo aos pedidos de escusa formulados pelos advogados e correlativo segredo profissional [ [14] ], nos precisos termos a que se fez referência no relatório, para recusar a colaboração. A posição tomada pela Ordem dos Advogados, nessa medida, até porque tomada com base em erro nos seus pressupostos e padecendo, ainda, de lapso manifesto, não pode deixar de ser sindicada por esta Relação [ [15] ].

A questão do acesso dos cidadãos que gozam do benefício do apoio judiciário, na modalidade ora em apreço, de patrocínio oficioso, a informações alusivas a pedido de escusa formulado pelo respetivo patrono, mormente a passagem de certidões dos requerimentos em que é deduzido o pedido de escusa, tem sido suscitada e debatida pelos tribunais administrativos, nomeadamente em Processo de Intimação para Prestação de Informações e Passagens de Certidões, regulados nos arts. 104º a 108º Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, em casos em que a Ordem dos Advogados exclui o acesso a determinada documentação existente no processo que corre termos junto desta entidade, invocando que a mesma se encontra abrangida por segredo profissional; no entanto, como se disse, na hipótese ora em análise, o autor não pretende qualquer informação alusiva a pedido de escusa [ [16] ] [  [17] ].

Em suma, considerando o tipo de informação solicitada à OA, afigura-se-nos que os elementos pretendidos não se encontram a coberto do segredo profissional imposto à advogada ora demandada, pelo que não se justifica sequer avaliar a situação em termos de levantamento de sigilo.

Acrescente-se que a ponderação de eventuais razões associadas, no âmbito de pedido de escusa, a factos de “natureza pessoal e privada, com nenhuma relação com o processo judicial propriamente dito”, a que a OA vagamente alude – mesmo que estivesse em causa documentação alusiva a escusa, e não está, como já se referiu –, extravasa o âmbito deste incidente e portanto escapa à apreciação desta Relação - essas razões enquadram-se na previsão do nº 3, alínea b) do art. 417º do C.P.C.        
*

Pelo exposto, decide-se que é ilegítima a recusa da Ordem dos Advogados em colaborar com a justiça, para os efeitos para que foi convocada, devendo tal entidade dar cumprimento à solicitação do tribunal, remetendo para os presentes autos “cópia dos esclarecimentos/exposições apresentadas pela Ré no âmbito do Processo de Nomeação de Patrono nº 13619/2010”, tendo por referência os despachos do Conselho Distrital datados de 05-12-2012, 06-02-2013, 24-04-2013 e 11-09-2013, referidos, respetivamente, nos números 3, 6, 7 e 10 da factualidade que esta Relação deu por assente, despachos em que a OA apreciou os pedidos de substituição de patrono formulados pelo autor, aí requerente do apoio.
Sem custas.
Notifique, incluindo a Ordem dos Advogados.



Lisboa, 26-04-2017


                                       
(Isabel Fonseca)                                       
(Maria Adelaide Domingos)                                        
(Eurico José Marques dos Reis)



[1]No cabeçalho da petição inicial o autor não indica a sua residência (art. 552º, nº1, alínea a do C.P.C.), referindo no entanto que tem “domicílio no Apartado …….” (sic).
[2]Trata-se de matéria que, em parte, já foi levada ao despacho que fixou a factualidade assente, mas por remissão para os documentos respetivos importando, no entanto, consignar expressamente o seu teor, para se aquilatar das matérias aqui em discussão.
Saliente-se que relativamente a tais documentos – e ao requerimento de 18 de fevereiro de 2016 remetido pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e supra referido no relatório – o ficheiro eletrónico enviado não permite o processamento de texto, o que acarreta trabalho acrescido a esta Relação, de forma perfeitamente escusada.   
[3]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[4]Refira-se o que dispõe o art. 98.º do Estatuto (“[a]ceitação do patrocínio e dever de competência”):
1 -O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro advogado, em representação do cliente, ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente.
2 -O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que atue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.
[5]Artigo 135.º
Segredo profissional
1 -Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 -Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 -O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 -Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
5 -O disposto nos nºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.
[6]Artigo 182.º
Segredo profissional ou de funcionário e segredo de Estado
1 -As pessoas indicadas nos artigos 135.º a 137.º apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado.
2 -Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 135.º e no n.º 2 do artigo 136.º
3 -Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 137.º
[7]Para além do levantamento do sigilo profissional no âmbito do incidente em apreço, o advogado deixa de estar sujeito a sigilo se o próprio cliente o desonerar dessa obrigação ou se a OA (Presidente do Conselho Distrital respetivo) o permitir.  
[8]O art.417 do novo C.P.C. tem inteira correspondência com o art. 519º da lei processual anterior e o art. 135º do C.P.C. mantém a redação vigente à data de prolação do referido acórdão. 
[9]Lê-se no referido aresto acessível in www.dgsi.pt
“Podemos delimitar a questão decidenda da seguinte forma: trata-se de decidir qual o tribunal competente para, perante a escusa da entidade bancária em prestar informações relativas a uma determinada conta, com fundamento na inexistência de obrigação legal de cooperação com as autoridades, decidir da quebra do sigilo bancário, nos termos do art. 135º do CPP.
Foi em torno da interpretação deste artigo, nomeadamente dos seus nºs 2 e 3, que se gerou a contradição de julgados.
Considerou o acórdão recorrido que a competência para a quebra do sigilo cabe ao próprio tribunal onde a escusa é invocada (no caso, o de 1ª instância), sendo a competência do tribunal superior (no caso, a Relação), prevista no nº 3, meramente residual, isso é, para os casos em que se mantivessem as dúvidas para aquele tribunal.
Ao invés, o acórdão-fundamento decidiu que a quebra do sigilo compete sempre ao tribunal superior, que só interviria, porém, nos casos de escusa legítima por parte da entidade bancária, pois nos casos de escusa ilegítima, isto é, nos casos em que não existe obrigação de segredo, competiria ao próprio tribunal objecto da escusa decidir. (…)
3.4.-Temos, pois, que têm tratamento claramente diferenciado as situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações pelas instituições bancárias, sendo evidentemente mais simples o caso de ilegitimidade, que é da competência do próprio tribunal em que a escusa tenha sido invocada, precisamente porque aí se trata apenas de constatar a inexistência de sigilo bancário e consequentemente a ilegitimidade da escusa, e consequentemente ordenar a prestação da informação (ou do depoimento).
Estando, porém, o facto coberto pelo segredo, e sendo portanto legítima a escusa, só a quebra do segredo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação. Mas a quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que o legislador entendeu dever deferir a um tribunal superior.
Sendo assim, temos que, quando invocado o sigilo bancário, a autoridade judiciária perante a qual tiver sido suscitada deverá decidir se essa escusa é legítima ou ilegítima. Quando conclua, após as diligências que considerar necessárias e cumprido o formalismo do nº 5 do mesmo artigo, que a escusa é ilegítima, a autoridade judiciária ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento, não podendo então a instituição bancária deixar de cumprir o ordenado.
Se concluir que a escusa é legítima, dois caminhos estão abertos à autoridade judiciária: ou se conforma com a invocação do segredo, não podendo insistir na obtenção do depoimento, ou então suscita o incidente de quebra de segredo junto do tribunal imediatamente superior.
A quebra do segredo, pelo juízo que envolve, é, por opção legislativa, necessariamente da competência de um tribunal superior (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos). Este último não funciona, pois, como uma instância residual, quando se suscitem dúvidas sobre a legitimidade da escusa, mas sim como instância de decisão do incidente da quebra do segredo, nas situações em que a escusa é legítima.
Temos, pois, que consideramos correcta e adequada a interpretação dos preceitos legais efectuada pelo acórdão-fundamento”.
[10]Releva, então, o disposto no art. 135º, nº3 do CPP, podendo o tribunal superior decidir pela quebra de segredo profissional “sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante”, “nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade” dos elementos em causa “para a descoberta da verdade”.
[11]O preceito tem a seguinte redação:
1 -O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a)-A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b)-A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c)-A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d)-A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e)-A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f)-A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 -A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 -O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 -O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 -Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 -Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 -O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 -O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever
[12]Quanto aos advogados estagiários atente-se no art. 196.º, nº 4, que estabelece como dever do advogado estagiário durante todo o seu período de estágio e formação “[g]uardar sigilo profissional – alínea f).
[13]Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III Coimbra Editora, 2007, Coimbra, pp. 98-99.
[14]O requerente do patrocínio não deduz pedido de escusa, formula pedido de recusa e/ou substituição; o pedido de escusa é naturalmente apresentado apenas pelo advogado nomeado.
[15]Cfr. o acórdão do STA de 09-04-2003, processo JSTA00059563 em que pode ler-se:
“É sabido como resulta aliás, do receptivo preâmbulo, que por via do Estatuto da Ordem dos Advogados, o legislador pretendeu confiar aos próprios interessados, através dos órgãos por eles regularmente eleitos, a disciplina e defesa da sua profissão, incluindo a regulamentação do segredo profissional.
Naquele aspecto, o poder conferido pela lei (artº 81º, n 4º do EOA) à autoridade recorrida no sentido de autorizar a dispensa do segredo profissional quando seja absolutamente necessário para os fins consignados na norma, sendo embora um poder vinculado por corresponder a um direito do advogado naquelas circunstâncias, permite e impõe mesmo, por via da indeterminação normativa os concertos utilizados, uma apreciação com referência a elementos de valoração subjectiva e uma margem de livre apreciação na subsunção dos factos e situações da vida a tais conceitos, que, constituindo prerrogativa da autoridade competente para prossecução dos fins que a lei lhe comete, não são sindicáveis pelo tribunal senão em aspectos vinculados relativos, por exemplo, a eventual erro nos pressupostos da decisão, ou quando ocorra desvio de poder, violação de princípios constitucionais ou erro grosseiro e manifesto.
Ora, como diz a sentença recorrida, o recorrente não alega e muito menos demonstra a existência de erro nos pressupostos de facto, ou erro grosseiro, desvio de poder ou violação de princípios constitucionais no preenchimento pela autoridade recorrida dos conceitos indeterminados, designadamente, a "absoluta necessidade" de que a lei faz depender a dispensa do segredo profissional”.
Tratava-se de um recurso contencioso de anulação de acto do Vice-Presidente do conselho Geral da Ordem dos Advogados que, decidindo recurso hierárquico de decisão do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, lhe negou uma solicitada dispensa do segredo profissional.
[16]A título exemplificativo, veja-se o acórdão do STA de 01-02-2017, proferido no processo nº 0991/16 (Relator: José Veloso), acessível in www.dgsi.pt, assim sumariado:
I -Titulares do direito à informação procedimental são os cidadãos directamente interessados num procedimento administrativo, e titulares do direito à informação não procedimental são todos os cidadãos, enquanto membros da comunidade, e interessados na
republica, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo;
II -O pedido de escusa formulado por advogado, no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de protecção jurídica, que tem como partes o requerente do apoio judiciário e o respectivo serviço de segurança social;
III -Ao requerer à Ordem dos Advogados certidão do pedido de escusa formulado pelo patrono judiciário que lhe havia sido nomeado, o requerente exerce o seu direito à informação procedimental;
IV -O dever-direito do segredo profissional é consagrado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança estabelecida entre o advogado e o seu cliente, sendo verdade, porém, que a confiança que o advogado merece no exercício da sua profissão conduz a que esse dever de sigilo seja extensivo às suas relações profissionais com outrem que não o cliente;
V -Objectivamente, o pedido de escusa de patrono oficioso, dirigido à Ordem dos Advogados, não cai sob a alçada do sigilo profissional do advogado, antes se configura como documento eventualmente portador de «dados pessoais» que deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade.
[17]Cfr. ainda os seguintes acórdãos, todos do Tribunal Central Administrativo Sul, acessíveis in www.dgsi.pt:
-de 12-01-2017, proferido no processo: 13352/16 (relator: Nuno Coutinho);
-de 21-04-2015, processo 12723/15 (Relator Helena Canelas);
-de 24-04.2013, proferido no processo:05931/10 (relatora: Ana Celeste Carvalho).