RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
Sumário

– Para evitar injustificada desigualdade em desfavor do litigante perante o mesmo instituto - mandato judicial - a responsabilidade do advogado para com o seu cliente é sempre contratual.
– Na responsabilidade contratual, a perda de chance mais não é do que uma oportunidade de obter uma futura vantagem patrimonial que se gorou.
– A não propositura atempada uma acção que, procedendo, poderia gerar a reintegração laboral do demandante, integra a causalidade entre a conduta do advogado e um dano material concreto e determinado.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

 Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.– A... intentou acção, com processo ordinário, contra o Dr. P..., a Dr.ª S... – e a “Companhia de Seguros ...”.

Pediu a condenação dos Réus nos seguintes termos:
- 3.ª Ré a pagar-lhe a quantia total de € 30.729,96;
 mas, e “por mera cautela de patrocínio” o
- 1.º Réu a pagar-lhe a quantia de € 24.267,37;
- 2.ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 6.095,59.,
tudo acrescido de juros de mora, desde a data da citação.

Alegou, nuclearmente, que os 1.º e 2.º Réus, enquanto Advogados chamados a patrociná-la agiram com negligência, o que lhe causou danos; que a 3.ª Ré é seguradora dos dois primeiros.

Os demandados contestaram e, corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório final:
“i.– Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a)-Condeno os Réus P... e S... a pagar, solidariamente, à Autora a franquia no montante de cinco mil euros;
b)-Condeno a Companhia de Seguros ... a pagar à Autora a quantia adicional de cinco mil euros;
ii.– No mais, julgo a acção improcedente, por não provada absolvendo os Réus dos pedidos.
Custas pelas partes na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à A.”.

Inconformado, apelou apenas o 1.º Réu - Dr. P...
Alegou e, no final, formulou as seguintes conclusões:
1– A interposição do presente recurso impende sobre matéria de direito.
2– Ao aplicar exclusivamente a perda de chance o tribunal a quo colocou de lado o instituto da responsabilidade civil baseando-se em mera doutrina e pouca jurisprudência disponível que não está sequer consagrada no direito positivo português, pelo que forçoso é concluir que a decisão enferma de vicio de ilegalidade.
3– À luz do C. Civil Português da aplicação do instituto da responsabilidade civil, previsto no artº. 483° do Código Civil, o ora recorrente deve ser absolvido uma vez que não existe qualquer nexo de causalidade entre factos e danos nem estão reunidos os restantes pressupostos da responsabilidade civil, que são aliás cumulativos, de dolo ou mera culpa, facto ilícito, ilicitude e dano.
4- A Recorrida nem sequer enumerou e/ou quantificou os alegados danos e muito menos logrou estabelecer o nexo causalidade entre eles e a conduta do ora Recorrente!
5– Conforme decorre da motivação de direito, o tribunal a quo não interpretou as normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto à luz do Código Processo Civil de forma justa e equitativa ficando o recorrente prejudicado com a condenação.
6– A verdade é que a decisão recorrida não respeita o princípio da legalidade, pois não teve por base normas jurídicas concretas e em vigor no Direito Nacional, preferindo proferir uma condenação com base numa corrente doutrinária que não tem consagração no ordenamento jurídico português.
7– O tribunal a quo invoca a responsabilidade civil por factos ilícitos do ora recorrente e da 2ª Ré mas não aplicou o mesmo instituto à decisão, preferindo optar pela perda de chance, pelo que, se aplicasse, como deveria, o artigo 483° do C. Civil ao caso em concreto isso não lhe levaria a qualquer nexo de causalidade entre factos e danos e logo o recorrente seria, como deve ser, absolvido.

Contra-alegou a recorrida, em defesa do julgado, para concluir:

1.– O Apelante não se conformou com a Douta Sentença proferida porque entende que não devia ter sido aplicado o dano de perda de chance.
2.– Questão prévia - Não obstante a Apelada ter peticionado juros de mora desde a citação, a sentença nada refere quanto aos juros e desde quando se devem considerar contabilizados, o que se pensa ter ocorrido por lapso do MM° Juiz.
3.– Assim, e ao abrigo do art° 614 do CPC, antes do presente recurso subir, deve ser corrigido o lapso mediante simples despacho proferido pelo Tribunal Recorrido, e incluída a condenação em juros.
4.– No mais, a Douta Sentença está de acordo com o direito aplicável aos factos provados e amplamente fundamentada, devendo, por isso, ser confirmada.
5.– Da leitura da fundamentação da Sentença decorre que o Mº Juiz de 1ª Instância considerou, tal como é orientação dominante da Jurisprudência do STJ, que a perda de chances processuais pode constituir um dano autónomo na hipótese em que a prova permita com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida.
6.– Ora, reportando ao caso dos autos, considerando o reduzido grau de incapacidade da A., a aptidão para a categoria de vigilante, confirmada por médico e o regime do artº 238 do Código do Trabalho, a acção a interpor pela A. tinha viabilidade de sucesso.
7.– E, de acordo com o art° 390° do Código do Trabalho, a A. teria direito a compensação no caso de despedimento ilícito.
8.– Por sua vez, em termos da actuação do 1º Réu, verifica-se erro técnico censurável e acompanhamento desadequado do patrocínio que lhe foi confiado.
9.– O Apelante não acertou inicialmente no procedimento adoptado - o que ocorreu 5 meses após a nomeação para propor a acção - facto provado 16, e não deu entrada da acção adequada até ao dia 2 de Maio de 2012 pois, quando a apelada o contactou em 2.05.2012, o Apelante ainda nada tinha feito - factos provados 17, 18 e 22.
10.– Portanto, desde a nomeação do Apelante como patrono oficioso da apelada, em Setembro de 2011 - facto provado 11 - até 2 de Maio de 2012, este não deu entrada de acção com processo comum nos termos do art° 48º nº3 do C. P. Trabalho, sendo certo que requereu a prorrogação de prazo para interpor a acção a 29 de Março de 2012 - facto 20.
11.– A actuação do Apelante integra, assim, um incumprimento equiparado ao incumprimento do mandatário forense, tendo em conta o art° 95 do EOA e o art° 33.° da Lei que regula o acesso ao direito e aos Tribunais - Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho.
12.– De resto, o Apelante tinha os documentos de que necessitava para cumprir a nomeação oficiosa - veja-se propor acção laboral - desde Outubro de 2011 - factos provados 12.
13.– Sendo certo que, como não tinha experiência neste tipo de acções - facto provado 13, dado não ter assegurado o apoio por parte da colega de escritório, tal situação implica violação do art. 93.2 do EOA.
14.– O Apelante, mesmo apoiado pela colega, sua mulher, não alegou e provou existir justificação válida para a falta de impulso para propor a acção e sobretudo após ter sido proferida sentença que julgou por erro na forma de processo, por má escolha do Apelante.
15.– Ora, como muito bem refere o MM° Juiz, a propositura da dita acção é relativamente simples.
16.– Assim, não era exigível que a A. continuasse à espera mais tempo pelo impulso processual do Apelante, até porque, não tendo conhecimentos jurídicos, não podia saber quando o seu direito podia ficar comprometido.
17.– Note-se que o Apelante não lhe deu informação concreta sobre a data limite para exercer o direito - o que mais uma vez demonstra violação do art. 95 do EOA.
18.– De resto, face à actuação do Apelante, a Autora tinha motivos suficientes e fundamento legítimo para não confiar mais no Apelante enquanto Patrono nomeado, estando totalmente justificado o seu pedido de substituição quando verificou que até finais de Abril, princípio de Maio de 2011, não tinha dado entrada a acção necessária para reagir contra o despedimento.
19.– Mesmo que não tivesse sido pedida a substituição, a Ordem dos Advogados tinha fundamento para apurar eventual responsabilidade disciplinar, cfr. art° 33 n° 3 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho.
20.– Sucede que, tratando-se de situação enquadrável num dano de perda de chance, considerado como dano autónomo, não ocorre demonstração de nexo causal visto que nem sempre é possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade do ganho.
21.– O Juiz deve considerar a existência de um prejuízo ressarcível em função do grau de consistência da probabilidade, e, por conseguinte, apenas quando se depara com uma chance real e séria, como o caso dos autos.
22.– Por todo o exposto, atenta a matéria de facto provada e assente, por ter sido integralmente aceite pelo Apelante, e que demonstra erro técnico, falta de empenho e acompanhamento do processo, incumprimento do prazo para propor a acção, entre outros, bem andou o Mm° Juiz quando decidiu pela condenação solidária dos Réus no pagamento à Apelada da quantia da franquia de 5.000,00, atendendo ao montante arbitrado de Euros 10.000,00 e à transferência de responsabilidade para a Seguradora ... no âmbito da Apólice de responsabilidade civil - factos 30 e 31.
23.– Pelo exposto, a sentença deve ser integralmente confirmada.

Entretanto, foi junta sentença, de 25 de Outubro de 2016, a declarar a insolvência da 2.ª Ré.

Sem precedência de vistos, cumpre decidir.

Matéria de Facto.

2.– A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1– Por contrato de trabalho sem termo, celebrado em 7.6.2005, a Autora foi admitida ao serviço da P... Lda., a partir do dia 14 do mesmo mês e não, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de vigilante, auferindo a retribuição mensal de € 575,00.
2– Em 07/08/2009 a A. sofreu um acidente de trabalho, tendo magoado o joelho esquerdo, na sequência do qual lhe foi fixado um grau de incapacidade para o trabalho de 6%, conforme sentença homologatória proferida no processo n.º 2925/10.6TTLSB que correu termos pela 2.ª secção do 1.º juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa (certidão de fls. 220-224).
3– A 07 de Setembro de 2011, a entidade patronal da Autora remeteu-lhe A. carta de fls. 204, cujo teor se dá por reproduzido, em que, em resumo, comunica:
- Que a mesma foi declarada “inapta definitivamente” em resultado de exame de saúde realizado a 22/08/2011 (cuja cópia junta);
- A cessação do contrato de trabalho por caducidade uma vez que “se constata que, por razões de saúde, existe uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de V. Exa prestar trabalho nesta empresa de segurança privada (...)" (certidão de fls. 204).
4– À data da comunicação referida, a Autora auferida a retribuição bruta ilíquida de € 743,82.
5–   Em 09 de Setembro de 2011, a A. requereu benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação e pagamento de compensação a patrono (certidão de fls. 206-209 e fls. 4-7 do processo apenso).
6– Ao requerer apoio judiciário com nomeação de patrono, a Autora pretendia verificar da licitude da comunicação que lhe havia sido feita pela P..., tendo em vista a reintegração no posto de trabalho ou, não sendo possível, indemnização.

7– Sendo que os factos eram os seguintes:
– A Autora foi contratada para desempenhar as funções de vigilante;
– A entidade patronal comunicou a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva, com fundamento no relatório médico que anexa;
– O relatório médico expressamente refere a capacidade da Autora para desempenhar as funções de vigilante ou administrativo.

8– Em 13.9.2011, a P... pagou à Autora a quantia de € 919,25, incluindo vencimento base, proporção de férias, abono dias férias e faltas por doença.
9– Em 25.10.2011, a P... pagou à Autora a quantia de € 1.361,87, incluindo vencimento base, proporcional subsídio de férias, dias de férias, faltas por doença.
10– Em 15.9.2001, a P... remeteu à autora a carta de fls. 34, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos da qual afirma «Por lapso, na nossa carta de 7 de Setembro de 2011 onde fazíamos referência ao Art. 345º alínea b) do CT, deve ler-se Art. 343º alínea b).» .
11– Em 22.9.2011, a Ordem dos Advogados nomeou o Dr. P... para desempenhar as funções de patrono da Autora.
12– Na sequência de tal nomeação, no mês de Outubro de 2011, a Autora esteve presente no escritório do 1º réu, tendo levado consigo a carta de despedimento, o contrato de trabalho e a avaliação médica, prestando os esclarecimentos que lhe foram pedidos.
13– Como o 1º réu tinha pouca experiência neste tipo de acções, pediu ajuda à sua mulher, Dra. F..., também advogada, para acompanhar o caso da Autora, supervisionando o Réu a solução preconizada.
14– Em 8.2.2012, o 1º réu - na qualidade de defensor oficioso - subscreveu e fez entrar no Tribunal de Trabalho de Lisboa o requerimento de fls. 1 do Processo nº 546/12.8TTLSB, denominado "Formulário (artigos 98º-C e 98º-D do Decreto-lei nº 295/2009, de 13 de Outubro), no qual se declara que a autora se opõe ao despedimento promovido pela P... (certidão de fls. 203).
15– Por cima da assinatura ilegível do 1º réu aposta no requerimento referido em 14 consta a menção manuscrita "O defensor oficioso", não tendo o requerimento sido instruído com a morada profissional do 1º réu (fls. 1 do processo apenso). O Tribunal não contactou a Autora no sentido de saber qual era a morada do defensor oficioso em causa.
16– Por carta datada de 13 de Fevereiro de 2012, a A. foi notificada de sentença proferida no processo n.º 546/12.8 TTLSB que correu termos pela 2.ª secção do 1.º juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa e em que, em resumo é decidido o indeferimento liminar do "requerimento inicial apresentado pela trabalhadora, por se verificar a ocorrência da exceção dilatória insuprível do erro na forma do processo (...) (certidão de fls. 210.212 e fls. 8-11 do processo apenso).
17– Na sequência de tal notificação, a Autora entrou em contacto telefónico com o escritório do 1º Réu.
18– Tendo sido informada pela mulher do 1º  Réu, também  advogada,  que  seria necessário intentar uma nova acção.
19– Por carta datada de 29 de Março de 2012, a A. foi notificada da conta de custas (certidão de fls. 213 e fls. 17 do processo apenso).
20– Em 29.3.2012, o 1º réu solicitou prorrogação de prazo junto do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.
21– Por requerimento entrado em 2.4.2012, a Autora apresentou no processo em causa pedido de junção aos autos de documento comprovativo do deferido do apoio judiciário (certidão de fls. 214).
22– Em finais de Abril e antes do dia 2 de maio de 2012, a Autora - tendo confirmado com o escritório do 1º réu que nada havia sido feito, informou aquele e mulher, que pretendia a substituição do advogado nomeado.
23– Em 2.5.2012, a Autora solicitou a substituição do advogado nomeado.
24– No dia 2.5.2012, a Autora encontrou-se com o 1º réu que lhe devolveu os documentos que haviam sido entregues pela Autora.
25– Em 4.6.2012, o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados nomeou a Dra. S... como patrona da Autora.
26– Em meados de Junho de 2012, a Autora esteve presente no escritório da Dra. S..., tendo levado a documentação na sua posse e prestado os esclarecimentos que lhe foram pedidos.
27– Em agosto de 2012, a Ré S... informou a Autora que nada podia já ser feito relativamente à comunicação de caducidade do contrato de trabalho efectuada pela P... porque tinham passado os prazos, mais alertando a Autora para a eventual responsabilidade profissional do 1º Réu.
28– Em meados de Setembro de 2012, a Autora deslocou-se ao escritório da 2ª Ré, tendo sido informada da impossibilidade de manutenção do patrocínio e da necessidade da Autora formular novo pedido de apoio judiciário.
29– A acção laboral a intentar, na sequência do referido em 16, teria uma duração nunca inferior a 14 meses.
30– A Ré T... celebrou com a Ordem dos Advogados contrato de seguro, titulado pela Apólice nº 0002866129, cujas Condições Particulares, Gerais e Especiais estão juntas a fls. 144 a 177, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
31– Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, a apólice vigora pelo período de “24 meses, com data de início de 1 de Janeiro de 2012 às 00:00 h e vencimento às 00:00 de 1 de Janeiro de 2014 (documento de fls. 149, cujo teor se dá por reproduzido).
32– À data da entrada em vigor referida em 31, os réus tinham perfeito conhecimento dos factos que haviam praticado e dos procedimentos judiciais que não haviam intentado bem como de que a sua conduta era potencialmente geradora de responsabilidade civil profissional.

Não se provou o seguinte facto:
– A 2.ª R. chegou a comunicar ao 1.º R., via fax enviado a 22 de Agosto, que era intenção da A. interpor acção judicial para ressarcimento dos danos.

O Direito.
3.– A questão nuclear suscitada pelo recorrente prende-se com a responsabilidade do Advogado, perante o cliente, nas chamadas situações de “perda de chance”.
Refere que a sua condenação surge fundada, apenas, “em mera doutrina e pouca jurisprudência disponível” sem consagração no “direito positivo português”.
De outra banda, apela para a aplicabilidade do artigo 483.º do Código Civil, sendo que não foram alegados, ou provados, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

3.1.– No caso em apreço, o recorrente foi nomeado Patrono da recorrida, pela Ordem dos Advogados, ao abrigo do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 10/2008 de 3 de Janeiro, sendo voluntária a candidatura para participar no sistema de selecção daqueles profissionais forenses (artigo 10.º, n.º 1 da referida Portaria e 2.º n.º 2 do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados – Regulamento 330-A/2008, de 24 de Junho, DR 2.ª n.º 120, Suplemento, alterado pelas Deliberações 1733/2010, de 27 de Setembro, DR 2.ª n.º 188 e 1551/2015, de 6 de Agosto).
De acordo com o artigo 10.º do citado Regulamento são, entre outros, deveres dos Advogados, o exercício do patrocínio judiciário, “no rigoroso cumprimento de todas as regras deontológicas” (alínea a)): “assegurar o patrocínio praticando todos os actos necessários à defesa dos interesses do patrocinado do apoio judiciário, não obstante, as limitações e dificuldades, decorrentes do seu desinteresse ou da sua falta de colaboração” (alínea b)).
O Acórdão do STJ de 29 de Abril de 2010 – proc. nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1 – julgou que “o mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos artigos 1157º do Código Civil e do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que se destina a garantir o patrocínio judiciário, que é de interesse e ordem públicas”.
E mais adiante, afirma: “Não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma species — embora matriz — da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente”.
Certo, contudo, que se o incumprimento se traduz na violação de outro dever, ou preceito legal, não especificamente integrado no mandato forense, a responsabilidade para com o cliente pode ser aquiliana, sendo sempre extracontratual a responsabilidade do Advogado perante terceiros.
E, se o mesmo facto ilícito integrar os dois tipos de responsabilidade, só uma delas pode ser invocada.

3.2.– Como atrás se acenou, o recorrente pretende que a sua eventual responsabilidade seja extra-contratual.
Se é certo, e inquestionável, que, tratando-se de mandato típico, tendo como instrumento uma procuração, ou qualquer dos elencados nas alíneas a) e b) do artigo 43.º do Código de Processo Civil, a responsabilidade do Advogado é contratual, o mesmo não acontece nos casos de patrocínio oficioso, em que o Advogado é nomeado pela respectiva associação pública.
Independentemente de ambas gerarem a obrigação de indemnizar e terem idênticos pressupostos, a diferença pela opção de uma ou de outra das figuras - responsabilidade contratual ou extracontratual/aquiliana - é significativa.
O afastamento primeiro situa-se no ilícito que, na responsabilidade contratual se traduz no incumprimento de uma obrigação clausulada, expressa, ou como fazendo parte do modelo, enquanto que na aquiliana terá de ter sido omitido um dever geral de diligência.
E, no tocante à culpa, faz-se, na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, apelo ao critério do “bonus pater famílias” cujo ónus de prova cabe ao lesado; a causalidade é, outrossim, um conceito de relação entre o facto e o dano.
Acresce que, na responsabilidade obrigacional há uma presunção de culpa do lesante (artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil); a solidariedade é excepção (sendo regra na extracontratual – artigo 497.-º CC); a indemnização pode, na extracontratual, ser inferior ao dano – artigos 494.º e 562.º CC); e, “last but not least”, o prazo de prescrição é de três anos na responsabilidade aquiliana – artigo 498.º CC – sendo de vinte na contratual – artigo 309.º CC.
Ora, e antes de avançarmos se, pelo simples facto de não ter havido escolha do Advogado pelo cliente e não ser este a suportar os honorários, a responsabilidade fosse extra-contratual, colocar-se-ia o litigante economicamente mais débil – com apoio judiciário, por não poder suportar as despesas da lide – em situação de patente desfavor perante o mais forte.
Este, escolhia um Advogado, teoricamente mais habilitado, beneficiaria da presunção de culpa desse profissional e de um prazo de 20 anos para o demandar, não podendo ver reduzida a indemnização pela dano efectivamente sofrido.
Já o carenciado tinha o ónus de prova da culpa do Advogado, um prazo muito mais curto para accionar e uma eventual redução da indemnização.
É por isso, desde logo, por evitar flagrante e injustificada desigualdade em desfavor do litigante perante o mesmo instituto - mandato judicial - que entendemos que a responsabilidade do Advogado para com o seu cliente é sempre contratual. (nesta linha, veja-se o Dr. Fernando Sousa Magalhães - in conclusão aprovada no VI Congresso dos Advogados Portugueses. “Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado e Comentado”, 2006, 2.ª ed., nota 34.º, ao art.º 85.º, p. 109 – segundo o qual “a representação e o patrocínio oficioso devem, em tudo, aproximar-se das regras do patrocínio forense”).
E, em termos muito claros, expõe o Dr. Orlando Guedes da Costa — “Direito Profissional do Advogado” — Noções Elementares”, 437:
 “A responsabilidade em que o Advogado incorre para com o cliente não pode ser senão contratual, uma vez que resultará do incumprimento de uma das obrigações decorrentes do contrato que o vincula ao seu cliente.
“Mas a responsabilidade do Advogado nomeado oficiosamente não pode deixar de ser também contratual, apesar de a prestação de serviços pelo nomeado não se basear propriamente num contrato entre ele e o patrocinado oficiosamente, pois não deixa de haver, na sua intervenção, uma base contratual, como se evidencia pela possibilidade de livre escolha ou pelo menos, de livre indicação do nomeado pelo patrocinado, com aceitação daquele, ao menos quanto ao defensor oficioso em processo penal, não se operando com a nomeação uma substancial alteração do estatuto do patrono ou do defensor em relação ao Advogado constituído, de forma a poder afirmar-se que a responsabilidade daqueles deixaria de ser contratual para ser extracontratual.
“O contrato inominado ou atípico de patrocínio ou de mandato judicial é regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao Advogado, quer pelo interesse público da profissão, quer pelo dever de independência do Advogado e na prestação de serviços por nomeação oficiosa não pode deixar de se exigir o mesmo conjunto de obrigações do patrono ou do defensor para com o patrocinado oficiosamente, pois a prestação de serviços pelo Advogado está enformada pelas mesmas regras num e no outro caso.
“Não deve distinguir-se, para efeitos de responsabilidade civil profissional, entre a prestação de serviços por nomeação oficiosa no caso de o patrocinado não encontrar quem voluntariamente queira patrociná-lo e o mandato judicial e, por isso é também ilegítimo distinguir-se, para o mesmo efeito, a prestação de serviços no âmbito do acesso ao direito por carência económica e a prestação de serviços por mandato judicial.” (no mesmo sentido, v. ainda, Dr.ª Isabel Sarsfield Rodrigues – “A Responsabilidade Civil Processual do Advogado, 152, 153).
Todavia, não se desconhece que, no sentido de a responsabilidade poder ser contratual ou extra-contratual  “havendo que fixar em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar”, se pronuncia o Dr. Paulo Correia – “Revista do Ministério Público”, 30.º, Julho – Setembro 2009, 119, p. 149 ss., e, optando pela responsabilidade extracontratual, manifestaram-se o Dr. L. P. Moitinho de Almeida – “Responsabilidade Civil dos Advogados”, 2,ª ed., 11 e o Cons. Salvador da Costa, in “Apoio Judiciário”, 9.ª ed. 198 -199).

3.3.– Aqui chegados, no caso em apreço, verificamos estarem presentes todos os pressupostos da responsabilidade obrigacional: ilícito — não propositura da acção no prazo que a lei impunha; culpa, cuja presunção legal não foi ilidida; danos — resultantes do acervo dos factos provados; e nexo causal naturalístico entre o ilícito e os danos.
Tratando-se de uma obrigação de meios e perante uma omissão que violou um imperativo contratual (ou legal) destinado a proteger interesses da outra parte, podem perfilar-se situações: ou perda de chance ou expectativa jurídica gorada.
Aqui, já existe um percurso tutelado pelo direito tendo sido atingido um ponto a partir do qual o cidadão comum espera, legitimamente, ver o seu direito consolidado (cf. Prof. Galvão Telles, in "Expectativas Jurídicas", apud "O Direito", 90.°, 2; Prof. Oliveira Ascensão, "As Relações Jurídicas Reais", 1962, 246 e Prof. Pessoa Jorge in "Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil", 312  - "A palavra expectativa é equivoca; em geral significa a esperança de um direito ou de outra situação jurídica vantajosa. Mas nem toda a 'spes júris' se configura como uma expectativa juridicamente relevante; nela não se abrangem as previsões genéricas de aquisição de direitos sem fundamento legal, embora com fortes probabilidades de facto.").
A denominada “perda de chance” é uma nova figura jurídica (surgida em França, em meados dos anos 60 do século XX - "perte de chance") que, entre nós, tem merecido pouca atenção da doutrina e da jurisprudência, sendo, todavia, mais pensada nos estudos sobre responsabilidade médica (cf. Cons. Doutor Álvaro Rodrigues; Dr.ª Rute Pedro, "A Responsabilidade Civil do Médico", 179 e ss; Prof. Sinde Monteiro - "Aspectos Particulares da Responsabilidade Médica", apud "Direito de Saúde e Bioética", Lex, 1991).
Como instituto genérico a nível do direito civil, respigamos na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça os seguintes arestos: Acórdão de 6 de Março de 2007 – proc. nº 07 A138; Acórdão de 16 de Junho de 2009 - proc. nº 1623/03.1TCLRS.S1 mas sem nominar a figura; Acórdão de 9 de Fevereiro de 2006 - proc. nº 06B016; e Acórdão de 22 de Outubro de 2009 - proc. nº 409/09.4YFLSB - este a concluir, no essencial, que a perda de chance não releva na vertente jurídica, "por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada"; o de Fevereiro de 2006 a exigir a alegação e a demonstração, "que há uma forte probabilidade de a oportunidade se não voltar a repetir ou que a mesma se perdeu definitivamente"; e os de 6 de Março de 2007 e 16 de Junho de 2009 a afastarem, na prática, a perda de chance por, tratando-se de casos de concursos públicos, dependerem de juízos de discricionariedade e de manifesta álea tornando imprevisível a ocorrência do dano e assim afastando o nexo causal.
Na doutrina, o agora Conselheiro Júlio Gomes (em"Direito e Justiça", XIX, 2005, II), aproxima a perda de chance da já tratada expectativa jurídica limitando-a a "situações em que a chance já se 'densificou' o suficiente para, sem recair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de 'uma quase propriedade', um 'bem'.
Na responsabilidade contratual a perda de chance mais não é do que uma oportunidade de obter uma futura vantagem patrimonial que se gorou.
Trata-se de "imaginar" ou prever a situação que ocorreria não fora o ilícito, sem nunca fazer “trial inside the trial”.
Não é um dano presente, no sentido de se achar concretizado no momento da fixação da indemnização. Mas, em rigor, também não é um dano futuro por não se inserir na definição do n.° 2 do artigo 564.° do Código Civil.
A perda de oportunidade não sendo, como se disse, um dano presente - imediato ou mediato - só pode ser qualificado de dano futuro, mas eventual ou hipotético, salvo se a prova permitir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a “chance” perdida.
Ora, "in casu", estamos perante a não propositura atempada de uma acção, que, procedendo, poderia gerar a reintegração laboral da recorrente.
Foi, por isso demonstrada a causalidade entre a conduta do recorrente e um dano material concreto e determinado. (cf., Profs. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., 1997, 409 e Vaz Serra “Obrigação de Indemnização” BMJ – 84), o que, aliado à verificação de todos os demais requisitos da responsabilidade contratual acima referidos, justifica a condenação do recorrente, como decidiu a 1ª Instância. 
Improcede, em consequência, o recurso do 1.º Réu.

3.4.– Por último, há que referir o seguinte.
A Autora, em sede de contra alegação, refere que pediu a condenação em juros e que a sentença é omissa nesse ponto, situação que insere no artigo 614.º CPC.
Sem razão.
A situação não integra, como alega, a rectificação de um erro material, mas eventual nulidade de omissão de pronúncia da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, vício de que este Tribunal não pode conhecer (pois a Autora não interpôs recurso como lhe impunha o n.º 4 do artigo 615.º CPC), nem proceder à respectiva convolação, por não se tratar apenas de diferente qualificação jurídica.
Daí que se não possa também, nesse segmento e por esta via, alterar o decidido.

Decisão:
4.– Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente.
     


Lisboa, 11 de Maio de 2017



Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge