EXECUÇÃO
NÃO JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
REQUERIMENTO
ADVOGADO CONSTITUÍDO
NOTIFICAÇÃO
Sumário

I – Numa acção executiva com vários executados, o falecimento de um deles leva à suspensão por inteiro da instância executiva, não se suspendendo a execução tão só quanto ao falecido.
II – Não tendo sido praticados no processo quaisquer actos em que a falecida executada – que nem chegou a ser citada para a execução – pudesse intervir, uma vez que os actos entretanto concretizados foram actos referentes ao suprimento da falta de procuração do Sr. Advogado subscritor do requerimento executivo, não há que assinalar a nulidade de quaisquer actos praticados no processo.
III – O despacho previsto no nº 2 do art. 48 do CPC (fixando prazo dentro do qual deve ser suprida a falta de procuração e ratificado o processado, com a cominação ali consignada) deverá ser notificado à parte e ao “mandatário aparente” embora só a primeira possa suprir a falta e ratificar o processado, constituindo nulidade processual a sua não notificação.
IV – Tratando-se de notificação pessoal a realizar nos termos do art. 250 do CPC, face à redacção deste preceito (que menciona as disposições relativas à realização da citação pessoal) não tem cabimento no caso uma “notificação edital”.
V - Havendo nos autos notícia, decorrente de notificação tentada naquele local, de que o «apartado» que o exequente escolhera para receber notificações se encontrava encerrado, não indicando o Sr. Advogado “mandatário aparente” local para notificação do exequente, averiguados junto das bases de dados a morada e o domicílio profissional do exequente e enviadas cartas registadas para os mesmos que vieram devolvidas e tentada infrutiferamente a notificação através de funcionário judicial na morada ali referida, haveria que prosseguir com o processo nos respectivos termos, aplicando-se a cominação.
VI - A falta de mandato judicial por parte do advogado que propôs a acção (executiva) constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, consoante resulta da alínea h) do art. 577 do CPC e do art. 578 do mesmo Código, dando lugar à absolvição da instância - nº 2 do art. 576 e nº 1-e) do art. 278 do CPC.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

                                                           *

I – Em Janeiro de 2008 foi apresentado nos Juízos de Execução de Lisboa requerimento executivo em que era exequente João, figurando como executadas Emília, Vera, Helena e Ana.

O requerimento executivo foi subscrito pelo advogado Dr. Pedro e dele constava como domicílio do exequente o Apartado 87, 1496-901 Algés.

A execução tinha por base uma sentença de 1ª Instância confirmada pelos Tribunais Superiores (fls. 17 e seguintes) e o exequente litigava com apoio judiciário (fls. 45).

A execução prosseguiu, tendo aquele Senhor Advogado formulado diversos requerimentos tendo em vista esse mesmo prosseguimento.

Consta dos autos – fls. 162 – uma decisão do Sr. Agente de Execução, datada de 23-4-2014, considerando suspensa a instância executiva, ao abrigo do nº 1 do art. 88 do CIRE, no que concerne à executada Vera, uma vez que esta havia sido declarada insolvente – sustação que o despacho de fls. 174 julgou conforme.

Foram penhorados bens da executada Helena e esta foi citada para a execução, juntando procuração aos autos (fls. 165-171). Também se procedeu à citação da executada Ana (fls. 198-204).

Foi junta aos autos certidão de óbito da executada Emília, falecida em 13 de Agosto de 2006, (fls. 179) pelo que, por despacho de 28-5-2015, foi quanto a ela suspensa a instância executiva (fls. 212).

Em 29-9-2014 o Exº Sr. Dr. Pedro juntou aos autos requerimento declarando renunciar ao mandato que lhe fora conferido pelo seu constituinte através de procuração junta aos autos (fls. 191).

Na sequência, a fls. 212, foi proferido o seguinte despacho, datado de 28-5-2015:

«Fls.191- O ilustre mandatário renunciante nunca juntou aos autos a procuração a que ora renuncia pelo que, antes de mais, deve vir juntá-la e se for o caso, em face da data em que a mesma lhe terá sido passada diligenciar pela ratificação dos actos que tem vindo a praticar no processo.

*

Sendo junta a procuração e não se suscitando quanto à mesma qualquer questão, cumpra-se o art.47.º do CPC.

 (…)».

Tal despacho foi notificado ao Sr. Dr. Pedro, juntando-se cópia telemática (fls. 213). Quanto ao exequente foi enviada para a morada da Rua... Camarate, Loures, carta notificando-o para juntar procuração forense “sob pena de suspensão da instância” (fls. 216), mas a carta foi devolvida (fls. 217). Foi enviada carta com idêntica notificação ao exequente para o Apartado 82, 2554-909 Cadaval (fls. 219), já que a fls. 95 o próprio exequente viera aos autos dar conhecimento de tal endereço requerendo que o mesmo fosse tido em conta para efeito de notificações, mas a carta veio devolvida com a indicação de encerrado (fls. 220). Nova carta foi enviada para a morada primeiramente referida (fls. 221) e igualmente devolvida (fls. 222).

Com data de 27-10-2015 foi proferido despacho do seguinte teor (fls. 223):

«Na presente execução é obrigatória a constituição de advogado (art.60.º do CPC vigente à data da instauração da execução e art.58.º do CPC actualmente vigente).

O senhor advogado que tem agido nos autos em nome do exequente nunca juntou aos autos a procuração a que mais tarde veio renunciar, nem o fez após notificação do tribunal.

Estamos assim em face de uma situação de falta de procuração prevista no art.48.º do CPC. A notificação antes efectuada não contém, porém, a devida cominação em face da norma aplicável.

Assim, volte a notificar o ilustre mandatário para em 10 dias juntar a procuração e ratificar o processado se necessário, sob pena de ficar sem efeito tudo o que praticou nos autos e ser condenado nas custas respectivas (n.º2 do art.48.º do CPC).

**

Mais notifique para informar nos autos a morada do exequente, o que se determina ao abrigo do art. 417.º do CPC e com a cominação do n.º2 do artigo em referência».

Também este despacho, com cópia telemática foi notificado ao Sr. Dr. Pedro (fls. 225).

Este veio aos autos referindo estar a tentar localizar o exequente e pedindo 10 dias para tentar cumprir o despacho (fls. 227-228).

O dito prazo de dez dias foi concedido (fls. 230) o que foi notificado ao Sr. Advogado.

Decorrido aquele prazo foi solicitada cópia da procuração emitida a favor do Sr. Dr. Pedro no âmbito do processo declarativo, mas nesse processo o ora exequente não o constituíra mandatário (fls. 237).

Determinada a averiguação em todas as bases de dados acessíveis ao tribunal da morada do exequente (fls. 250), foram enviadas cartas para notificação do exequente para em 10 dias vir aos autos juntar a procuração forense a favor do advogado que o patrocinara e ratificar os actos praticados por este sob pena de serem considerados sem efeito todos os actos praticados na execução, para a Rua ... Lisboa (fls. 251-253), para a já referida ..., Camarate (fls. 254-257), para o domicílio profissional sito na Rua ..., em Grândola (fls. 258-260), todas elas devolvidas ([1]).

Foi tentada a notificação através de funcionário judicial na mencionada Rua ..., Camarate, resultando infrutífera.

Foi, então, proferido o seguinte despacho (despacho recorrido):

«Levando em conta todas as notificações expedidas ao exequente, sobretudo a remetida para a morada que em tempos indicou nos autos e que não veio alterar, impõe-se considerá-lo notificado nos termos do art. 249.º do CPC, aplicando in casu o entendimento de tal notificação, havendo que ser feita directamente à parte, não tem que ser por carta registada com A/R (sobre a questão e nesse sentido Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2.ª edição, pag.89, 90, e 247, e doutrina e jurisprudência aí mencionadas).

*

Nos presentes autos o senhor advogado Dr. Pedro subscreveu em nome do exequente João o requerimento executivo e demais peças constantes dos autos e apensos sem ter junto a necessária procuração.

Foi notificado para a juntar sob pena de aplicação do disposto no art. 48.º n.º2 do CPC. Não juntou a procuração. Foi notificado o mandante também com a advertência do n.º 2 do art. 48.º do CPC, não vindo o mesmo juntar a procuração.

Assim, ao abrigo do já citado n.º2 do art. 48.º do CPC, julgo sem efeito todos os actos praticados pelo senhor advogado, condenando-o nas custas respectivas.

**

Ficando sem efeito os actos praticados pelo senhor advogado a presente execução não pode prosseguir desde logo porque deixa de estar a coberto de qualquer requerimento inicial.

Assim, declaro extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide nos termos do art.277.º e) do CPC.

Notifique».

Desta decisão interpôs recurso o exequente o qual, nesta oportunidade, juntou a procuração de fls. 294 emitida a favor do Sr. Dr. Pedro, datada de 29-10-2016, conferindo-lhe poderes para ratificar o processado e indicando como endereço postal o Apartado 110, 2540-999 Bombarral.

Concluiu o exequente nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

a) Que a presente Execução deve considerar-se suspensa desde o dia 10-09-2014, nos termos previstos no artigo 269º, nº 1 alínea a) e artigo 270º, ambos do CPC.

b) Que a presente Execução continua suspensa com todas as consequências legais aplicáveis, dado que não foi proferida qualquer decisão que considere habilitados os sucessores de Emília, Executada nos presentes autos.

c) Que enquanto durar a suspensão, só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável, conforme 1ª parte do nº 1 do artigo 175º do CPC.

d) Que são nulos, todos os actos praticados a partir de 10-09-2014, com todas as consequências legais aplicáveis.

e) Que o Exequente, aqui Recorrente, se encontra devidamente representado por mandatário devidamente constituído.

f) Que, em 16-12-2009 por registo postal, o Exequente apresentou requerimento nos presentes autos, alterando o domicílio indicado para lhe serem enviadas eventuais notificações.

g) Que, todas as notificações que não tenham sido expedidas pelo Tribunal ao Exequente, aqui Recorrente, para o domicílio por este escolhido para as receber, não cumpriram os requisitos legais exigíveis vertidos nos nºs 1 e 2 do artigo 240º do CPC.

h) Que as notificações mencionadas na alínea anterior não produzem qualquer efeito sendo, por conseguinte, nulas, não se consideram como notificadas, com todas as consequências legais aplicáveis.

i) Que a referência 339529145 de 29-09-2015 tinha como objecto atribuir um prazo ao aqui Recorrente para juntar procuração forense, sob pena de suspensão da instância, não constando a advertência do nº 2 do artigo 48º do CPC.

j) Que nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, é causa de suspensão de instância a impossibilidade do advogado de exercer o mandato, conforme alínea b) do nº 1 do artigo 269º do CPC.

k) Que a omissão de pronúncia da absolvição da instância consubstancia e provoca a nulidade da Sentença nos termos previstos no artigo 615º do CPC.

Não foram apresentadas contra alegações.

                                                           *

II – A factualidade com interesse para a decisão é a que decorre do relatório supra, destacando-se, contudo, as seguintes ocorrências:

1 - A executada Emília, faleceu em 13 de Agosto de 2006.

2 – A certidão de óbito da mesma foi junta ao processo por carta enviada em 9-9-2014.

3 - Por despacho datado de 28-5-2015 e tão só quanto àquela executada foi suspensa a instância executiva.

4 – Nessa mesma ocasião foi determinada a junção de procuração pelo Sr. Advogado subscritor do requerimento executivo e a ratificação do processado.

5 - O requerimento executivo fora subscrito pelo advogado Dr. Pedro.

6 – Aos autos não fora junta procuração forense a favor deste Sr. Advogado.

7 – Do requerimento executivo constava, no espaço para preencher com o domicílio/morada do exequente o Apartado 87, em 1496-901 Algés.

8 – Em Dezembro de 2009 o exequente veio requerer nos autos que para efeito das suas notificações fosse tido em conta o seguinte endereço: Apartado 82, 2554-909 Cadaval.

9 – O despacho referido em 3) e 4) foi notificado ao Sr. Dr. Pedro, com envio de cópia.

10 – Em Setembro de 2015 foi enviada ao exequente notificação postal com registo notificando-o para no prazo de 10 dias juntar procuração forense “sob pena de suspensão da instância”, para o Apartado 82, 2554-909 Cadaval, vindo a mesma devolvida com a menção “encerrado”.

11 - Proferido novo despacho, datado de 27-10-2015, concedendo prazo para junção da procuração e efectivação da ratificação e avisando da cominação de ficar sem efeito tudo o que fora praticado nos autos pelo Sr. Dr. Pedro, sendo este condenado nas custas respectivas, bem como para que este indicasse a morada do exequente, tal despacho foi notificado com cópia ao Sr. Dr. Pedro.

12 – O Sr. Dr. Pedro solicitou prazo para indicação da morada do exequente, mas como não o fizesse, foi diligenciada pelo Tribunal a localização do exequente.

13 – Foi tentada infrutiferamente a notificação ao exequente do despacho aludido em 11), por cartas registadas com aviso de recepção, para as moradas constantes das bases de dados referentes à sua morada e local de trabalho e por contacto pessoal na Rua..., Camarate, local em que segundo as informações decorrentes das bases de dados dos serviços de identificação, de informação fiscal e da segurança social seria a sua morada.

                                                           *

III - São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo.

Face ao teor das conclusões de recurso apresentadas temos como questões que se colocam: se, face à suspensão da instância por óbito de uma das executadas, são nulos todos os actos praticados a partir de 10-9-2014; se o apelante se encontrava representado por advogado constituído; se as notificações realizadas relativamente ao exequente não produzem qualquer efeito, «com todas as consequências legais aplicáveis»; se há lugar à suspensão da instância nos termos do nº 1-b) do art. 269 do CPC; se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia.

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    IV - 1 - Sustenta o apelante serem nulos todos os actos praticados a partir de 10-9-2014, dada a suspensão da instância consoante os art. 269, nº 1-a) e 270 do CPC, face ao falecimento da executada Maria Emília.

Nos termos do nº 1-a) do art. 269 e do art. 270, ambos do CPC, junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância.

A disposição em causa é aplicável à acção executiva, não se vislumbrando razões para, diferentemente do que acontece na acção declarativa, existindo diversos executados, se suspenda apenas quanto à parte ou co-parte falecida. A lei refere que se suspende imediatamente a instância – aqui a instância executiva – e não que se suspende a instância no que concerne à parte ou co-parte falecida. Se assim fosse, a lei apontaria para tal – tal como sucede no art. 88 do CIRE cujo nº 1 expressamente refere que «se houver outros executados, a execução prossegue contra estes».

Deste modo, em nosso entender, a suspensão abrange por inteiro a instância executiva, não se suspendendo a execução tão só quanto ao falecido.

Pelo despacho datado de 28-5-2015 somente quanto à executada falecida cujo óbito ocorrera muito antes de iniciada a execução, em 13 de Agosto de 2006, foi suspensa a instância executiva.

De acordo com o nº 3 do art. 270 do CPC são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento em relação aos quais era admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.

Dizem-nos, a propósito Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([2]) que o nº 3 do art. 270 não deixa dúvidas: «a nulidade abrange os actos praticados a partir do falecimento ou da extinção, independentemente do momento em que do facto seja dado conhecimento no processo. Mas a nulidade não abrange todos os actos que se pratiquem a partir do momento do falecimento ou da extinção: salvando-se aqueles que não devessem ter lugar em contraditoriedade (máxime as decisões judiciais), só os atos em que a parte falecida ou extinta pudesse ter intervenção, por si ou através do mandatário constituído, é que são abrangidos pela nulidade».

Os actos entretanto concretizados nestes autos foram actos referentes ao suprimento da falta de procuração – para que depois, consoante requerido pelo Sr. Advogado subscritor do requerimento executivo, pudessem ter lugar os actos previstos para que se concretizasse a renúncia ao mandato.

 Nesta perspectiva, não tendo ocorrido quaisquer actos em que a falecida executada – que nem chegou a ser citada para a execução – pudesse intervir não há que assinalar a nulidade de quaisquer actos praticados no processo, consoante sustentado pelo apelante.

Atente-se, aliás, a que a actividade desenvolvida pelo Tribunal e acima referida é pressuposto da válida existência de um processo executivo tendo como exequente João.

                                                           *

IV – 2 - Pretende seguidamente o apelante que, como resulta do anexo C2 do requerimento executivo, foi regularmente constituído advogado, cumprindo-se com o disposto no art. 43 do CPC.

Não tem qualquer razão de ser esta pretensão do apelante. No dito anexo C2 é identificado o mandatário, mas a peça processual é subscrita pelo próprio advogado, que não pela parte.

Dos autos não constava qualquer instrumento público ou documento particular ou, ainda, qualquer declaração do exequente no sentido de conferir o mandato judicial ao Sr. Dr. Pedro, nos termos do art. 43 do CPC. Saliente-se que, de qualquer modo, como dão conta Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([3]), a figura do mandato implícito resultante da assinatura da parte na peça processual em seguida à do advogado, desapareceu do CPC em 1967.

                                                           *

IV – 3 - Como vimos, a fls. 191 fora proferido despacho constatando a falta de procuração e impulsionando a junção da mesma, bem como a eventual ratificação do processado.

De acordo com o nº 1 do art. 48 do CPC a falta de procuração pode, em qualquer momento, ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal, determinando o nº 2 do mesmo artigo: «O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa».

Tal despacho deverá ser notificado à parte e ao “mandatário aparente” ([4]), embora só a primeira possa suprir a falta e ratificar o processado, constituindo nulidade processual a sua não notificação.

Lembremos que no caso dos autos o despacho proferido em 28-5-2015 foi no sentido de ser junta aos autos a procuração e da ratificação do processado, mas sem que fosse fixado prazo para tal e sem que fosse indicada a cominação prevista.

Tal despacho foi notificado ao Sr. Dr. Pedro, com envio de cópia. Já ao exequente foi enviada notificação postal sob registo, para o Apartado 82, 2554-909 Cadaval, notificando-o para no prazo de 10 dias juntar procuração forense “sob pena de suspensão da instância”; a carta veio a ser devolvida com a menção “encerrado”. Foram, ainda, enviadas outras cartas sob registo, todas devolvidas.

Constatou, entretanto, o Tribunal que a «notificação antes efectuada não contém, porém, a devida cominação em face da norma aplicável». Assim, determinou que se voltasse a notificar o Sr. Advogado «para em 10 dias juntar a procuração e ratificar o processado se necessário, sob pena de ficar sem efeito tudo o que praticou nos autos e ser condenado nas custas respectivas (n.º2 do art.48.º do CPC)», mais determinando a notificação do mesmo para informar nos autos a morada do exequente – como vimos, o despacho em causa deverá ser notificado à parte e ao “mandatário aparente”.

Temos, deste modo, que o Tribunal de 1ª instância reconheceu a insuficiência daquela primeira notificação em que faltava a indicação da cominação legal e em que no próprio despacho não fora fixado um prazo ([5]) proferindo novo despacho determinando nova notificação. Esta notificação foi feita ao Sr. Advogado que também foi notificado para indicar a morada do seu “constituinte aparente”.

Efectivamente, aquela primeira notificação tentada fazer ao exequente não poderia valer, já que não continha a indicação da correcta cominação legal, contendo a cominação de “sob pena de suspensão da instância”.

O Sr. Advogado que logo após o despacho que pôs fim ao processo logrou contactar o exequente que a seu favor emitiu procuração forense, quando foi solicitado pelo Tribunal com vista a ultrapassar uma situação para a qual contribuíra - pois fora ele quem intentara a execução em nome do exequente sem juntar a procuração forense – pese embora a pressuposta cooperação ao abrigo do disposto no art. 7 do CPC, não conseguiu os bons resultados posteriormente obtidos.

Repetimos que este segundo despacho – despacho a que agora nos reportamos, datado de 27-10-2015 – deveria ser notificado ao próprio exequente. É ele o despacho que “vale” para efeitos da disciplina prevista no nº 2 do art. 48 do CPC.

                                                           *

IV – 4 - A notificação em referência é uma notificação à própria parte tendo em vista a prática de um acto pessoal já que lhe caberá a emissão da procuração e a ratificação do processado.

Tratar-se-á de uma notificação pessoal, a realizar nos termos do art. 250 do CPC?

Assim se entendeu, nomeadamente, no acórdão desta Relação de 29-4-2004 ([6]) e no acórdão da Relação de Guimarães de 28-2-2013 ([7]). Escreveu-se neste último (com referência às normas correspondentes do anterior CPC): «Embora o artº 40º do CPC nada refira se a notificação deve ser pessoal ou não, o certo é que a situação do artº 40º se assemelha à do artº 41º do CPC, pois que, em qualquer dos casos, se configura uma situação de gestão de negócios, no caso do artº 41º assumida expressamente e no artº 40º de modo implícito ou tácito, pelo que também no caso do artº 40º se deve notificar a parte pessoalmente para outorgar procuração a favor do advogado subscritor e ratificar o processado». Entendendo-se naquele primeiro: «Em qualquer dos casos ali referidos – de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, ou de patrocínio a título de gestão de negócios – se impõe, como pressuposto da declaração de ineficácia do processado, que a própria parte seja notificada para ratificar a gestão, ou o processado, e emitir a procuração. Só a parte pode praticar tais actos e é ela a principal interessada em decidir se a acção deve, ou não, prosseguir, designadamente havendo prazos de caducidade em curso, como era o caso dos autos.

O art.º 41.º- 3 do CPC impõe a notificação pessoal à parte do despacho que fixa prazo para a ratificação do processado, regra que se considera aplicável à ratificação do processado prevista no artigo anterior, por se tratar de uma situação idêntica. Em qualquer dos casos se configura uma situação de gestão de negócios, num caso assumida expressamente e no outro apenas de forma tácita ou implícita».

Assim sendo, aplicar-se-iam ao caso, as «disposições relativas à realização da citação pessoal» - art. 250 do CPC. Ora, nestes termos, a notificação, deveria ser realizada, desde logo, através de carta registada com aviso de recepção dirigida ao notificando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho – art. 228 do CPC.

De acordo com os formulários disponibilizados pelos CTT ([8]) por «Apartado deve-se entender, o endereço postal atribuído, que tem como titular o contratante do serviço, o qual fica associado ao seu domicílio, normalmente acompanhada da atribuição de uma caixa individualizada». Ali se referindo que «os registos a entregar em mão própria, a citação via postal e notificação via postal, só podem ser entregues ao próprio ou a quem se apresentar com a procuração específica para o efeito». Bem como que os apartados são renovados automaticamente por anos civis, se o titular pagar a taxa de renovação até ao último dia útil de Dezembro e que se não o fizer cessa a concessão do apartado.

Entendeu-se no acórdão do STJ de 3-10-2007 ([9]) que o «apartado postal funciona como se fosse a sede ou domicílio do destinatário, sendo a correspondência, para ele dirigida, “apartada”, por forma a que lhe seja entregue num determinado estabelecimento postal, em local aí reservado e concessionado ao destinatário».

O exequente não declarou nos autos qual a sua residência: no requerimento inicial indicou o Apartado 87, 1496-901 Algés; em Dezembro de 2009 veio requerer que para efeito das suas notificações fosse tida em conta o Apartado 82, 2554-909 Cadaval. Depois, nada mais disse, até que com as alegações de recurso indicou um outro apartado - o Apartado 110, 2540-999 Bombarral.

Certo é que quando em Setembro de 2015 foi enviada ao exequente notificação postal registada para no prazo de 10 dias juntar procuração forense (com as incorrecções já assinaladas) para o Apartado 82, 2554-909 Cadaval, a mesma veio devolvida com a menção “encerrado”. Significa isto que aquele o exequente já não utilizava os Serviços dos CTT no que àquele Apartado respeitava – o dito Apartado encontrava-se encerrado.

Seria acto inútil o Tribunal enviar uma notificação postal para um Apartado que se sabia encerrado. Sendo certo que nem o “mandatário aparente” soube então indicar outro local para dirigir a notificação sendo que um novo Apartado veio a ser posteriormente referido pelo próprio exequente – que, quando do encerramento daquele outro deveria prontamente ter procedido à indicação do local onde queria ser notificado.

Neste contexto não podemos censurar as diligências que tiveram lugar no Tribunal de 1ª instância com vista à notificação do executado com averiguação nas bases de dados da sua residência e local de trabalho e posterior envio de cartas registadas para tais locais e, face à sua devolução, tentativa de notificação através de funcionário judicial no local obtido como sendo o da sua residência.

Frustrada a notificação, em virtude da ausência em parte incerta do notificando, são tiradas as consequências adequadas, prosseguindo o processo. Como assinalam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([10]) a formulação «disposições relativas à realização da citação pessoal», constante do art. 250 do CPC «deixa claro que, do regime da citação, só as normas que respeitam à prática do ato (conteúdo, modalidades, formalidades, pessoa perante quem é praticado) são mandadas observar e, por outro lado, que não há lugar à notificação edital». Aliás, já Lopes do Rego ([11]) na vigência do anterior Código, dizia que face à redacção do equivalente preceito, «não tem cabimento a notificação edital, já que a norma apenas remete para as disposições relativas “à realização da citação pessoal”. Assim, frustrada que se mostre esta, deverá a causa prosseguir os seus termos, sem necessidade de providenciar por uma – julgada inútil – “notificação edital” do interessado».

Temos, pois, que haveria que prosseguir com o processo nos respectivos termos.

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IV – 5 - Prosseguir o processo os seus termos conduz-nos à aplicação do disposto no nº 2 do art. 48 do CPC – o que ocorreu na decisão recorrida. Ou seja, findo o prazo que foi concedido sem haver sido regularizada a situação – que não foi, efectivamente regularizada, só posteriormente à decisão recorrida havendo sido junta procuração subscrita pelo exequente – ficou sem efeito tudo o que havia sido praticado pelo Sr. Dr. Pedro, devendo este ser condenado nas custas respectivas.

Neste contexto, o Tribunal de 1ª instância reconduziu a situação à figura da impossibilidade superveniente da lide.

Não nos parece que seja propriamente assim. A falta de mandato judicial por parte do advogado que propôs a acção constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, consoante resulta da alínea h) do art. 577 do CPC e do art. 578 do mesmo Código, dando lugar à absolvição da instância - nº 2 do art. 576 e nº 1-e) do art. 278 do CPC ([12]) – havendo que proceder a essa correcção.

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IV – 6 - Invoca o apelante a nulidade da omissão de pronúncia, dizendo que a decisão recorrida apensar de o não dizer explicitamente, consubstancia uma absolvição da instância.

Nos termos do art. 615, nº 1-d) do CPC, a sentença (ou o despacho) são nulos quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. A nulidade da omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento por parte do julgador daquele dever prescrito no nº 2 do art. 608 do mesmo Código, de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada.

Não foi isso que sucedeu no caso dos autos. A decisão recorrida fez um diverso enquadramento legal que quanto muito poderá corresponder a um erro de julgamento e não à omissão de pronúncia.

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IV – 7 - Afirma o apelante que «nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, é causa de suspensão de instância a impossibilidade do advogado de exercer o mandato, conforme alínea b) do nº 1 do artigo 269º do CPC».

Efectivamente, dispõe a alínea b) do nº 1 daquele art. 269 que nos processos em que seja obrigatória a constituição de advogado a instância se suspende quando este falecer ou ficar absolutamente impossibilitado de exercer o mandato.

Todavia, esta previsão legal nada tem a ver com a situação dos autos em que o Sr. Dr. Pedro continua vivo e possibilitado de exercer o mandato – pelo menos subscreveu a alegação de recurso apresentada.

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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em, embora absolvendo os executados da instância executiva (extinguindo-se a instância nesses termos), no mais manterem a decisão recorrida, ficando sem efeito todos os actos praticados pelo Sr. Dr. Pedro nos presentes autos e sendo ele condenado nas custas respectivas.

Quanto às custas da apelação são pelo apelante.

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Lisboa,   11  de Maio de 2017

Maria José Mouro

  Teresa Albuquerque

   Jorge Vilaça

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[1]             Da consulta do índice do processo resulta que da consulta às Bases de Dados da Segurança Social, dos Serviços de Identificação e da Informação Fiscal aos Tribunais o exequente tinha aquela morada em Camarate; da consulta do IMTT - Consulta de Condutores, resulta que tinha morada na Rua Pedro Ivo; das bases de dados resulta, ainda, aquela morada profissional e que o exequente tem declaração de contumácia.
[2]             No «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Coimbra Editora, 3ª edição, pags. 532-533.
[3]             Obra citada, pag. 96.
[4]             Ver, no sentido apontado, designadamente, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, pag. 103. Bem como Castro Mendes, «Direito Processual Civil», edição da AAFDL, vol. II, pag. 150, e Antunes Varela, J. Bezerra e S. Nora, em «Manual de Processo Civil», Coimbra Editora, 2ª edição, pag.194.
[5]             Alertava Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, 3ª edição, vol. I, pags. 136-137, que a regra geral sobre o prazo tem de observar-se na falta de disposição especial, quando a designação compete à lei e esta não o fixa, sendo que se – como no caso dos autos – é ao juiz e não à lei que compete a marcação do prazo aquela regra não tem cabimento.
[6]             Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, processo 1866/2004-2.
[7]             Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/ processo 11009/12.1YIPRT.G1 
[8]             A que se pode aceder em ctt.pt.
[9]             Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 07S359.
[10]            Obra citada, pags. 490-491.
[11]            Em «Comentários ao Código de Processo Civil», Almedina, 1999, pag. 196.
[12]            Já assim era face aos arts. 493, nº 2, 494-h), 495 e 288, nº 1-e) do anterior CPC.