ACÇÃO DE DESPEJO
ABUSO DE DIREITO
RECONVENÇÃO
Sumário

(Elaborado pelo relator)
“I – Inexiste sinalagma entre a obrigação do locador, de assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina – procedendo às obras de conservação do prédio cuja ausência concorre, a par da antiguidade do mesmo, para a existência de várias infiltrações no mesmo, inclusive no locado da Ré – e a obrigação desta locatária, de não fazer uma utilização imprudente do locado, e de manter o mesmo em termos de o poder restituir no estado em que o recebeu, ressalvadas as obras autorizadas e corretamente realizadas e as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, para além das demais que lhe não sejam imputáveis. II – Não se verifica abuso de direito, da parte do senhorio que não procedendo às necessárias obras de manutenção e conservação do prédio – daí, bem como da antiguidade do mesmo, resultando certas infiltrações, humidades e outros estragos no locado – intenta ação de despejo contra o locatário do prédio, que levou a cabo obras ao nível das instalações sanitárias no locado, que por incorretamente executadas, têm ocasionado reiteradas e extensas infiltrações nos andares/lojas imediatamente inferiores, dando causa a sucessivas reclamações dos locatários respetivos, que na circunstância viram as suas lojas danificadas, continuando a verificar-se as infiltrações, com origem na instalação das bases de duche dos balneários femininos da R., numa de tais lojas, onde, em virtude daquelas, não é possível utilizar uma sala; para além de por vias dessas mesmas infiltrações os vigamentos em madeira do prédio apresentarem humidade”.

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação



I –IM S. A., intentou ação de despejo, com processo sob a forma comum contra GP, Lda., pedindo:

i) A título principal:

a) Seja decretada a resolução do contrato de arrendamento existente entre Autora e a Ré, e o despejo imediato da Ré do local arrendado, bem como a condenação da Ré a restituir à Autora, livre de pessoas e bens, o primeiro andar, lado esquerdo, o primeiro andar, lado direito, e o segundo andar, lado esquerdo, do prédio Urbano sito na Rua…, n.º s…, em Lisboa, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n°…, a folhas … do Livro…, da freguesia de…, e inscrito na matriz sob o artigo … da mesma freguesia;

b) Seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização por todos os prejuízos causados em montante a liquidar em execução de sentença.

ii) A título subsidiário:

a) Seja a Ré condenada a executar as reparações necessárias ao nível da canalização de modo a eliminar definitivamente as infiltrações que estão a surgir de forma intensa nos andares imediatamente inferiores;

b) Seja a Ré condenada no sentido de ser impedida de utilizar as instalações sanitárias até executar as reparações referidas na alínea anterior.

Alegando, para tanto e em suma, que:

O Autor é o atual proprietário do prédio Urbano sito na Rua…, n.º s…, em Lisboa.

Por contrato de 25 de Fevereiro de 2000, a anterior proprietária do prédio – CS, Lda. - deu de arrendamento à Ré o primeiro andar, lado esquerdo, o primeiro andar, lado direito, e o segundo andar, lado esquerdo, do referido prédio, para o «exercício de atividades de ginásio, atividades físicas, estéticas, manutenção, recuperação, fisioterapia, serviços complementares e conexos, tais como bar, refeições ligeiras e venda de equipamentos», mediante a renda mensal no valor atual de € 1.205,00.

Sucede que a Ré procedeu à execução de diversas obras no espaço arrendado as quais consistiram, além do mais, na remodelação total das instalações sanitárias dos espaços arrendados, sem que para isso tivesse obtido as necessárias autorizações das entidades competentes, nomeadamente do IGESPAR.

Para além disso, as referidas obras não foram corretamente executadas e por isso têm sido foco de inúmeros problemas ao longo dos últimos anos.

Certo sendo que o assentamento das diversas bases de duche não foi corretamente efetuado, não tendo sido asseguradas as condições mínimas de impermeabilização.

Para além de que a canalização de esgoto, e de água, não foi, também, corretamente executada, sendo que em consequência da deficiência das obras por parte da Ré têm surgido, de forma recorrente, inúmeras infiltrações nos andares imediatamente inferiores ao primeiro andar, lado esquerdo e direito, arrendado à Ré, de designadamente na Loja com os números …da Rua …que se encontra arrendada à sociedade V, Lda. (…), bem como na Loja com o número … também da Rua …que se encontra arrendada à sociedade A., Lda.

E que, enquanto inquilinas do A., nessa qualidade, têm, ao longo dos anos, apresentado inúmeras reclamações tendo sempre por base as infiltrações que são causadas pelos andares que estão arrendados à Ré.

Sem resolução cabal do problema por parte daquela.

Ascendendo a reparação dos danos ocasionados na loja arrendada à A,Lda., a € 1.867,73.

Para além de estar a ser fortemente danificada a estrutura em madeira do imóvel, estando em risco de colapsar e cair a estrutura do andar arrendado à Ré, que se situa debaixo dos balneários da mesma.

Contestou a Ré, alegando:

Que as obras foram levadas a cabo no locado pelos seus anteriores sócios, com autorização expressa e acompanhamento a par e passo, por parte de um engenheiro e de um arquiteto indicados pela anterior proprietária expressamente para o efeito.

Rejeitando que as infiltrações ocorridas no locado às sociedades V., S. A., e A, Lda.,, tenham origem em má execução das aludidas obras.

Sendo que todas as frações do imóvel – que devido à antiguidade do edifício e à completa ausência de manutenção ou conservação, se encontra num grande estado de degradação – padecem de problemas de infiltrações, tal como as áreas comuns do prédio.

Tendo a A. por comunicação de 31-10-2013, transmitido à Ré a denúncia do contrato de arrendamento, a produzir efeitos no dia 30-11-2015.

Mais dizendo, em reconvenção:

Que o locado à Ré apresenta vários danos, que enumera, decorrentes da não realização pelo senhorio das obras de conservação e manutenção que se impõem.

Tendo a Ré despendido, até ao momento, com as obras que assim se viu forçada a fazer em substituição do A., € 453,76.

E ainda, com a aquisição de material novo para substituição de material danificado pela presença de água ou humidade, bem como com a reparação de material danificado pelos mesmos motivos, € 8.077,64.

Tendo a Ré, neste momento, a necessidade de proceder à reparação de elíptica “tunturi C40” que está inoperacional devido a vestígios de humidade, o que importará em € 1.289,39.

Para além de se prever a necessidade de proceder a novas reparações no locado, e de suportar despesas de manutenção de equipamento, em virtude da persistência dos problemas de entradas de água, infiltrações e humidades nas várias frações de que é arrendatária a Ré.

Conclui:

“1) Deve considerar-se improcedente, por não provada, apresente acção de despejo;

2) Ainda que assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, deve o pedido subsidiário deduzido ser igualmente considerado totalmente improcedente, por não provado;

3) Deve considerar (-se) totalmente procedente, por provado, o pedido reconvencional e, em consequência, ser o Autor Reconvindo condenado a pagar à Ré Reconvinte as seguintes quantias:

a) € 8.531,40 referentes a despesas já suportadas pela Ré com reparações no locado e reparações e aquisição de equipamento de ginásio;

b) € 1.289,39 concernentes ao orçamento junto como doc. 16 (reparação de elíptica “tunturi C40”(;

c) Todas as quantias que a Ré Reconvinte venha suportar com as despesas de manutenção, conservação do locado e reparação e substituição dos equipamentos de ginásio.”.

Replicou o A., rematando com a improcedência da contestação e da reconvenção apresentadas pela Ré “condenando-se esta tal como formulado na petição inicial”.

O processo seguiu seus termos, com dispensa da audiência prévia, sendo admitida a reconvenção, identificado o objeto do litígio, elencação dos factos desde logo julgados provados e enunciação dos temas da prova.

Vindo a Ré a requerer a realização de audiência prévia com vista a reclamar do despacho proferido, como, na assim aprazada veio a fazer, sendo então indeferida a reclamação apresentada.

Foi realizada perícia, cujo relatório se mostra junto a folhas 126-142.

Sendo realizada nova deslocação ao local – na sequência de reclamação do A., que não fora notificado da data daquela diligência – e elaborado novo laudo, junto a folhas 164-181.

Complementado, a fls194-202, por esclarecimentos requeridos pelo A.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido:

I - julgar a presente acção procedente e, em consequência:

a) declaro resolvido o contrato de arrendamento referente aos 1° andar, lados esquerdo e direito e o 2º andar esquerdo do prédio sito na Rua …n.º s…, …, tornejando para a Rua…, n.º s…, em Lisboa, outorgado com a R.;

b) condeno a R a despejar os imóveis, entregando-os ao A. completamente livres e desocupados;

c) condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 1.867,73 e

d) absolvo a mesma do mais que era peticionado.

2 - julgar a reconvenção improcedente, absolvendo a A. do pedido reconvencional contra si formulado.”.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“I- A Recorrente impugna desde logo a decisão sobre a matéria de facto, considerando incorrectamente julgados os pontos d)- i) a v) dados como não provados constantes da fundamentação da sentença recorrida, motivo porque requer a reapreciação da prova gravada produzida em sede de audiência de julgamento, nos termos do artigo 640º, nº1, als. a) e b) e 2, al. a) do CPC, bem como a reapreciação da interpretação e aplicação do Direito.

II- Efectivamente, entende a Recorrente que a Mmª Juiz «a quo», salvo o devido respeito, errou ao ter dado como não provada a referida factualidade, pelo que, deverá a decisão ora impugnada ser alterada e, consequentemente, a matéria de facto constante dos pontos d)- i) a v) da fundamentação da sentença recorrida ser dada como PROVADA.

III- Com efeito, dúvidas não restam de que os concretos meios probatórios constantes do processo, objecto de gravação, e supra transcritos, designadamente, os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Ré, conjugados com o teor dos documentos n º3 a 16 juntos com a contestação, impõem, forçosamente, decisão diversa da recorrida sobre os mencionados pontos da matéria de facto aqui impugnados.

IV- A matéria de facto a que se alude encontra-se, assim, incorrectamente decidida, incorrendo, por isso mesmo, a sentença recorrida, em erro quanto à apreciação das referidas provas.

V- Nesta conformidade, deverá proceder-se à modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto ora impugnada, nos termos do artigo 662º nº1 do CPC.

VI- Com efeito, as testemunhas arroladas pela R., com conhecimento directo, confirmaram, todas elas, em geral, a presença abundante de humidade/infiltrações em todo o prédio na fracção arrendada à R., bem como a existência de deteriorações de paredes, tectos, caixilharias e guarnições de madeira das janelas.

VII- A tese trazida pelas indicadas testemunhas é, de resto, perfeitamente corroborada pelo teor do relatório pericial junto aos autos.

VIII- Para além disso, confirmaram, ainda, a existência de danos sofridos pela R. em virtude das aludidas infiltrações.

IX- Pese embora as testemunhas não tenham concretizado os valores peticionados pela R. a título de reconvenção, verdade é que, todas elas confirmaram o estado de degradação do edifício, mais confirmando as avarias existentes ao nível de equipamento de ginásio (embora a última testemunha nada soubesse a esse título), fruto da humidade (sendo que o técnico de equipamento apenas reconhece a possibilidade de humidade em alguns dos casos).

X- O próprio técnico do Seguro de Recheio contrato pela R., confirmou a participação da avaria de duas máquinas em virtude desse mesmo factor.

XI- Com o devido respeito, não se compreende o porquê de a Mmª Juiz «a quo» ter dado mais credibilidade ao depoimento da testemunha RH, quando, em bom rigor, não deixa de parecer, no mínimo, estranho, que o mesmo se possa lembrar, com tanto pormenor, a que avarias efectivamente se reportam todas as facturas com as quais foi confrontado.

XII- Ademais, do seu depoimento resultou que algumas das avarias plasmadas nas facturas tanto podem resultar de humidade como não, não devendo o tribunal, sem mais, concluir que então as facturas não se reportam aos danos invocados pela R.

XIII- De resto, o seu depoimento é perfeitamente abalado pelo Doc. 16 junto com a contestação, do qual consta, especificamente, o problema “humidade” numa das máquinas.

XIV- Na verdade, o tribunal «a quo» deveria ter valorado o testemunho de FA, o qual admite ser posto em causa com aquele outro depoimento, o que, por esta banda, se não compreende.

XV- Assim como, o tribunal tomou como garantido que a R. procedeu à aquisição de novas passadeiras para substituir outras que estavam velhas e que uma destas ainda se encontra a trabalhar noutro ginásio, conforme consta da sentença recorrida.

XVI- Isto, apenas e exclusivamente com base no depoimento de RH, contrário, por sinal, a quase todos os depoimentos das demais testemunhas da R., que confirmaram a aquisição de novos equipamentos em virtude de estes se estragaram por causa das infiltrações.

XVII- Pessoas com conhecimento directo, com frequência habitual e assídua do Ginásio…, contrariamente ao técnico de material desportivo que só lá ia muito esporadicamente.

XVIII- Destarte, deverão estes depoimentos ser valorados, em conjugação com a documentação junta, pela R., na contestação, pois que esta corrobora os esclarecimentos prestados pelas testemunhas daquela.

XIX- Para além de corroborar, é nos documentos juntos, perfeitamente ajustados e coerentes com a matéria alegada e demonstrada testemunhalmente, que se encontra a demonstração dos montantes peticionados.

XX- Tendo em conta tudo quanto ficou supra exposto, impunha-se, ressalvado, uma vez mais, o devido respeito, decisão que considerasse como provados todos os factos constantes da alínea d) (i) a v)) dos factos não provados da sentença recorrida para, por conseguinte, ser o pedido reconvencional julgado procedente, por provado, e a A. condenada a pagar à R. a quantia de €9.820,70, revogando-se, assim, a decisão proferida.

Para além disto,

XXI- Coloca-se a questão de saber se, face à factualidade provada, havia ou não fundamento para o decretamento da resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo da Ré.

XXII- Entendeu a Meritíssima Juiz «a quo», designadamente, que “Não obstante o mau estado de conservação em que se encontram as áreas comuns do prédio e a fracção arrendada à R., apresentando infiltrações de água e deteriorações de paredes, tectos, caixilharias e guarnições de madeira das janelas com origem na antiguidade do prédio e na falta de manutenção e conservação do mesmo (...), o facto das infiltrações com origem em fugas de água nos balneários femininos ainda se verificarem na actualidade e as consequências das mesmas – a sociedade Acústica Médica encontra-se, inclusivamente, impedida de utilizar uma sala da fracção de que é arrendatária e a existência de humidade nos vigamentos em madeira do prédio-, conclui-se que a conduta da R. se traduz numa grave violação da obrigação do arrendatário de não fazer uso imprudente do prédio”, concluindo pela existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento por parte do A.

XXIII- Salvo o devido respeito, entendemos que não existe fundamento para tal.

XXIV- Com efeito, quer a factualidade dada como provada nos pontos 33. a 36. da sentença recorrida, quer o teor do relatório pericial junto aos autos (que, em parte, se transcreveu supra), não deixam dúvidas quanto ao estado, no mínimo, degradado, do prédio em questão, propriedade do A.

XXV- Bem como não deixa dúvidas quanto ao estado da fracção arrendada à R., noticiando a existência de inúmeras infiltrações – ocorreu, inclusivé, o desmoronamento de um dos tectos do balneário masculino – janelas que não fecham pelo empolamento da humidade, etc.

XXVI- Urge perguntar-se ante este “cenário” e estado de conservação deste prédio, todo ele uma fonte de infiltrações e carências, cheio de deficiências e lacunas perfeitamente descritas no relatório pericial: terá o Senhorio/proprietário cumprido com as suas obrigações contratuais para com a R.?! Terá o senhorio assegurado/permitido à R. o uso e gozo do locado para o fim a que este se destina e com as condições mínimas necessárias?!

Pode concluir-se, sem mais, pelo incumprimento gravoso por parte da R. do contratado e consequente fundamento para resolução do contrato por parte da A. quando, do outro lado da balança, pesam (ou devem pesar), todas as circunstâncias relativas à falta de obras de manutenção por parte do A.?!

XXVII- Deixamos a resposta à sempre mui douta consideração deste Venerando Tribunal.

XXVIII- A única (e repita-se: única!) situação mais gravosa, imputável à R. nos presentes autos, e, de resto, confirmada no relatório pericial, é a relativa à infiltração ocorrida na loja com o nº 186 (A, Lda), com origem nos balneários destinados às pessoas do sexo feminino da fracção arrendada à R.

XXIX- Ainda assim, conforme consta, também, do relatório pericial, mesmo nesta loja da A, Lda.,“existem outros vestígios de infiltrações, salitre em paredes, tectos e outras patologias, no piso -1, resultantes da falta de manutenção num edifício do século dezoito, com fachadas a necessitar de isolamento e pintura, reparação e conservação de cantarias nos varandins de sacada...” (Cfr. Quesito 3º, ponto 3.2).

XXX- Tudo quanto se deixa exposto, nos leva a concluir que muitos outros factores, que não apenas a deficiente execução do balneário feminino da R., podem ter contribuído para os danos existentes na Acústica médica e nas demais fracções do prédio.

XXXI- Estamos a resolver o contrato à R., despejando-a, quando os problemas advêm não só do seu locado, mas, como se vê, de todos os lados de um prédio que, por si só, é uma mina de infiltrações e de mau estado?

XXXII- Ponderados todos estes factores, e no âmbito de um contrato, como o sub judice, com obrigações sinalagmáticas, entendemos não existir fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, tendo, salvo o devido respeito, a MMª juiz a quo feito uma errada interpretação da norma constante do artigo 1083º nº2, designadamente das alíneas a) e b) do Código Civil na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012 de 14/8, bem como não aplicou, como deveria, o artigo 1031º alínea b) do Código Civil.

XXXIII- Entende a Mmª Juiz «a quo» que a atitude da R. põe em causa não só os direitos do A. senhorio, como de outro arrendatário do prédio, não lhe sendo exigível a manutenção do arrendamento.

XXXIV- Por esta banda, permitimo-nos, respeitosamente, discordar, por considerarmos que mais do que isso, é a atitude (ou passividade) do A., que põe em causa os direitos não só da R. mas de todos os demais inquilinos, ao não conservar o prédio e realizar as competentes obras de reparação, como se lhe incumbia, a fim de possibilitar o integral gozo dos fogos.

XXXV- Alguma jurisprudência tem, até, considerado que integra abuso do direito a conduta do locador que não realiza obras necessárias a assegurar o exercício comercial no arrendado, permitindo a degradação do prédio.

XXXVI- A este propósito, embora não se trate de habitabilidade, veja-se parte do sumário do douto Acórdão proferido por este venerando Tribunal da Relação de disponível, datado de 31.01.2008, disponível em www.dgsi.pt:

“1º - É contrária à boa fé a conduta do réu ao não fazer as obras de que o locado necessitava para assegurar à locatária o gozo do mesmo.

(...)

5º - Considerado o vínculo obrigacional a que ficam adstritos locador e locatário num contrato de arrendamento, resulta para o locador a obrigação permanente de assegurar o gozo do locado ao arrendatário e para este uma obrigação de prestação reiterada de pagamento mensal da renda devida.”

XXXVII- Com efeito, não restam dúvidas, pelos elementos constantes dos autos e, de resto, dado como provados pela Mmª Juiz «a quo», que o gozo da arrendatária foi significativamente diminuído, perante o estado da sua fracção por omissões do senhorio.

XXXVIII- Tendo tudo isto em conta, não nos parece razoável permitir que o senhorio possa resolver um contrato com estes contornos e vicissitudes.

XXXIX- Com efeito, o artigo 1803º nº2 do Código Civil dita um conceito indeterminado ao aferir que “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento...”, o qual, para ser preenchido, precisa de cuidadas ponderações e valorações de elementos.

XL- Salvo o devido respeito, o tribunal «a quo» valorou apenas a situação mais gravosa da infiltração ocorrida na A., Lda. imputável à R., fazendo tábua rasa de todos os demais e vastos elementos que militam contra o A. (designadamente quanto às obras de conservação e reparação do imóvel e as diversas infiltrações também demonstradas e dadas como provadas na própria fracção da R.), para, a final, vir a resolver o contrato de arrendamento.

XLI- Ademais, não se pode olvidar que resultaram como não provados, na sentença recorrida, os factos b) e c) da fundamentação da mesma, alegados pela A. para operar a resolução do contrato de arrendamento.

XLII- Repugna aceitar que o locador, a quem incumbiria a realização das obras de conservação do prédio, cuja ausência é mote para várias infiltrações, possa aproveitar-se de uma infiltração com origem no locado da R., para obter a resolução do contrato.

XLIII- Por alguma razão, esta acção foi precedida de providência cautelar instaurada pelo A. contra a R., na qual foi realizada inspecção ao local, tendo a mesma sido julgada totalmente improcedente.

XLIV- Semelhante destino, salvo melhor opinião, deveria ter sido o desta acção, pelo que se impõe, desta feita, substituição da sentença recorrida, que considere a acção improcedente por não provada, não se resolvendo o contrato de arrendamento sub judice e, consequentemente, não se despejando a R. nem condenando a mesma no pagamento de qualquer indemnização, interpretando desta forma as normas constantes do artigo 1083º nº2, designadamente das alíneas a) e b) do Código Civil na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012 de 14/8.

XLV- Ao decidir da forma como o fez, a sentença posta em causa violou, designadamente, a norma constante do artigo 1031º alínea b) do Código Civil, segundo a qual é obrigação do locador assegurar ao inquilino o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa de destina.

Sem prescindir,

XLVI- Quando muito, poder-se-ia admitir a condenação da R. no pedido subsidiário efectuado pelo A., ou seja na reparação dos danos decorrentes da infiltração que lhe é imputada, mas nunca na resolução do contrato de arrendamento – e consequente despejo - com esse fundamento.”.

Termina com a revogação da “decisão recorrida, absolvendo-se a R. dos pedidos formulados pela A., considerando o pedido reconvencional procedente, por provado, condenando-se a A. a pagar à R. a quantia de €9.820,79 (…).”, ou “Caso assim se não entenda”, com a revogação da decisão recorrida, condenando-se a Ré apenas no pedido subsidiário formulado pela A.”.

Contra-alegou o Recorrido, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela Ré;

- se não se verificam os fundamentos de resolução do contrato de arrendamento respetivo, considerados na sentença recorrida;

- se se verifica abuso de direito por parte do A;

- se deverá proceder o deduzido pedido reconvencional;

- se a ação apenas deverá proceder quanto ao formulado pedido subsidiário.


***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:

“1- O A. é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado.

2- Encontra-se inscrita a favor do A. na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, desde 30 de Setembro de 2010, por “realização do capital social”, a aquisição do prédio urbano situado na Rua …nºs…, …, tornejando para a Rua…, nºs …, em Lisboa, descrito na mesma conservatória sob o nº … da freguesia de …e inscrito na matriz sob o artº....

3- O prédio é um edifício de construção pombalina e é composto por 3 lojas, quatro andares e águas furtadas.

4- Por escritura pública outorgada em 25 de Fevereiro de 2000, a anterior proprietária do prédio – a CS, SA – declarou dar de arrendamento à R., a qual declarou aceitar, o 1º andar, lados esquerdo e direito e o 2º andar esquerdo do referido prédio, nos termos que constam do documento juntos de fls 24 a 30 dos autos de procedimento cautelar apensos cujos termos se dão por reproduzidos.

5- Consta do documento aludido em 4- que o arrendamento era feito pelo prazo de um ano, sucessivamente prorrogável por iguais períodos, com início em 1 de Dezembro de 1998 e que o locado se destinava “ao exercício de actividades de ginásio, actividades físicas, estéticas, manutenção, recuperação, fisioterapia, serviços complementares e conexos, tais como bar, refeições ligeiras e venda de equipamentos”.

6- O valor da renda mensal é actualmente de € 1.205,00 (mil duzentos e cinco euros).

7- A R. procedeu à realização de obras no locado, as quais consistiram, entre outras, na remodelação total das instalações das instalações sanitárias, com a construção de dois balneários autónomos – um para as pessoas do sexo masculino e outro para as pessoas do sexo feminino.

8- As obras realizadas pela R. não foram precedidas de parecer do Instituto Português do Património Arquitectónico.

9- Os espaços imediatamente inferiores ao primeiro andar, lado esquerdo e direito do prédio correspondem às lojas com os números …e … da Rua….

10- A loja com os números …da Rua …encontra-se arrendada à sociedade V., Lda, a qual aí explora um restaurante;

11- A loja com o número … também da Rua …encontra-se arrendada à sociedade A., Lda;

12- A sociedade V, Lda, enviou à Companhia de Seguros…, SA, a carta cuja cópia consta de fls 35 dos autos de procedimento cautelar apensos, recebida por esta em 30 de Dezembro de 2010, com o seguinte teor:

“(…)

Assunto: Água no prédio

(…) tem esta o fim de participar a V. Exas que no restaurante de que sou proprietário instalado no prédio dessa Companhia escorre água continuamente pela parede, estando por isso a danificar as pinturas (…)”

13- Em 26 de Janeiro de 2011, a sociedade V., Lda., enviou à Companhia de Seguros, SA, a carta cuja cópia consta de fls 36 dos autos de procedimento cautelar apensos, com o seguinte teor:

“Em resposta ao pedido de Vossas Exas, ou seja, para declararmos a situação das infiltrações de água aqui no estabelecimento, passo a declarar que uma grande parte do lambrim já está podre, dando mau aspecto aos nossos clientes, assim como a parede, com bolhas grandes de água (…)”

14- Em 13 de Novembro de 2012, a sociedade V., Lda, enviou à A. a carta cuja cópia consta de fls 39 dos autos de procedimento cautelar apensos, com o seguinte teor:

“(…)

Vimos pela presente comunicar a Vossas Exªs que continua desde há bastante tempo e de que têm conhecimento, infiltrações de água aqui no estabelecimento (…)”.

15- O A. enviou à R. a carta cuja cópia consta de fls 40 dos autos de procedimento cautelar apensos e da qual consta:

“(…)

O Fundo teve conhecimento, através de visita ao prédio referido no artigo anterior, que, não obstante a reparação levada a cabo no andar arrendado a V. Exas, se mantém na presente data, a infiltração na loja de que o Fundo é igualmente proprietário, a qual tem origem nas instalações sanitárias masculinas do primeiro andar arrendado a V. Exas.

Recordamos que, através da carta enviada para V. Exas em Fevereiro de 2011, a Companhia de Seguros…, SA, anterior proprietária, já tinha intimado V. Exas a proceder à reparação da infiltração atrás referida e dos danos causados pela mesma.

Contudo, até à presente data, V. Exas não se dignaram proceder à reparação da infiltração na referida loja, nem tão pouco se dignaram reparar os danos originados pela referida infiltração.

Deste modo, serve a presente para intimar V. Exas a, no prazo máximo de 15 dias contados da recepção desta carta, procederem à reparação da infiltração, bem como dos danos causados na loja (…)”.

16- Em 17 de Janeiro de 2013, a sociedade V., Lda., apresentou à A. uma reclamação por infiltrações de água na loja com os números 180/182;

17- O A. enviou à R a carta cuja cópia consta de fls 43 dos autos de procedimento cautelar apensos, datada de 4 de Fevereiro de 2013, com o seguinte teor:

“(…)

Na sequência das reiteradas comunicações anteriores enviadas por parte do Fundo e da anterior proprietária, verifica-se que v. Exas procederam à reparação das extensas infiltrações existentes na loja de que o Fundo é proprietário. Sucede que V. Exas não procederam a qualquer reparação dos tectos do restaurante sito nos nºs …da Rua…, em Lisboa, cujos prolemas de infiltrações, conforme apurados pelo Fundo, são inteiramente imputáveis a V. Exas.

Deste modo, serve a presente para intimar V. Exas a, no prazo máximo de quinze dias contados da recepção desta carta, procederem à reparação das infiltrações nos tectos do restaurante sito nos números …da Rua…, em Lisboa (…)”.

18- O A. enviou à R. a carta cuja cópia consta de fls 46 e 47 dos autos de procedimento cautelar apensos, datada de 22 de Julho de 2013, da qual consta:

“(…) ao contrário do exigido pelo fundo, V. exas ainda não procederam à reparação das infiltrações existentes nos tectos do restaurante sito nos números …da Rua…, em Lisboa, cujos problemas de infiltrações, conforme apurado pelo Fundo, são inteiramente imputáveis a V. Exas.

Acresce que, no passado dia 16 de Junho de 2013, o Fundo foi confrontado com uma reclamação por parte do inquilino do estabelecimento comercial sito nos números …da Rua…, que torneja com os números …da Rua…, em Lisboa, dando conta do extenso escoamento de água proveniente de parte incerta.

Após análise da situação através de deslocação ao local, o Fundo concluiu que a infiltração em causa tem origem nas instalações sanitárias femininas sitas no espaço arrendado a V, Exas.

Face ao sucedido, verifica-se que o estabelecimento comercial sito nos números …da Rua…, que torneja com os números … da Rua…, em Lisboa, apresenta dez metros quadrados do teto em pladur danificado, uma porta empenada, quinze metros quadrados de alcatifa para substituir, bem como danos na estrutura, ainda por aferir.

Deste modo, serve a presente para intimar V. Exas. a, no prazo máximo de quinze dias contados da recepção desta carta, procederem à reparação das infiltrações existentes nos tectos do restaurante sito nos números …da Rua…, em Lisboa, bem como à reparação de todos os prejuízos causados no estabelecimento comercial sito nos números …da Rua …que torneia com os números …da Rua…, em Lisboa.

Por outro lado, e também no prazo acima estipulado, importa que V. Exas. procedam a revisão da totalidade da rede de esgotos das fiações arrendadas a V. Exas (…)”.

19- Em 4 de Setembro de 2013, a sociedade A., Lda, enviou à A. o e-mail cuja cópia consta de fls 48, com o seguinte teor:

“Exmos Senhores,

venho por este meio solicitar alguma informação sobre a resolução do problema das infiltrações que existe nas nossas instalações (…)”.

20- A R. enviou à A. a carta cuja cópia se encontra junta a fls 102 dos autos de procedimento cautelar apensos e da qual consta:

“(…)

Na sequência da nossa carta de 02/08/2011, vimos por este meio dar-vos conhecimento que face ao estado de degradação das janelas, aquando das chuvas, as mesmas vieram danificar 2 passadeiras no valor de 2.000,00 € (dois mil euros). Face a esta situação, tivemos que adquirir novas máquinas que já se encontram ao serviço do ginásio. Como esta situação é da vossa inteira responsabilidade pretendemos ser ressarcidos desse mesmo valor

(…)”.

21- A A. enviou à R. a carta cuja cópia consta de fls 104 a 105 dos autos de procedimento cautela apensos, datada de 22 de Março de 2012, da qual consta:

“(…)

O Fundo não assume qualquer responsabilidade pelos pretensos danos causados nas máquinas de V. exas, sendo certo que o Fundo desconhece em absoluto quaisquer danos ou prejuízos causados (…)

Os caixilhos dos espaços arrendados são os mesmos desde o início do contrato de arrendamento, os quais têm uma concepção que é do perfeito conhecimento de V. Exas, a qual sempre existiu muito antes do início do contrato de arrendamento.

Se V. exas, apesar da concepção dos caixilhos em causa, insistem em manter os equipamentos encostados aos vãos, então qualquer problema daí decorrente apenas poderá ser imputado a V. Exas.(…)”

22- A A. enviou à R. a carta cuja cópia consta de fls 116 dos autos de procedimento cautelar apensos, datada de 31 de Outubro de 2013, da qual consta:

“(…)

Exmos Senhores

Fazemos referência ao contrato de arrendamento que vigora entre o …– Fundo de Investimento Fechado (…) e V. Exas e que tem por objecto o primeiro andar, lados esquerdos e direito e segundo andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua…, nºs…, em Lisboa.

(…)

Pela presente comunicação vem o Fundo, nos termos do artigo 1101º, alínea c), do Código Civil e do artigo 26º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, denunciar o Contrato de Arrendamento identificado nos parágrafos anteriores.

A presente denúncia produzirá os seus efeitos no dia 30 de Novembro de 2015, data em que deverão V. Exas proceder à entrega dos espaços arrendados livres de pessoas e bens e em bom estado de utilização e conservação (…)”

23- Em consequência das canalizações do esgoto e da água dos balneários terem fugas de água, no final de 2010, surgiram infiltrações nas lojas com os números …e … da Rua…, assinaladamente as referidas em 12-;

24- Em consequência de tais infiltrações verificou-se na loja correspondente aos números …o aludido nos documentos referidos 13-, bem como o empolamento da pintura, concentração de salitres, manchas e humidade nas paredes, tectos e pavimento;

25- Apesar da R. ter procedido à realização de obras com vista a solucionar a existência das infiltrações referidas em 23-, em Novembro de 2012 voltou a cair água na loja correspondente aos números…, com origem nos balneários destinados às pessoas do sexo masculino do 1º andar do prédio;

26- Em meados do ano de 2013, a sociedade A, Lda., reclamou junto da A. a existência de uma infiltração de água na loja com nºs …com origem em fugas de água existentes nos balneários destinados às pessoas do sexo feminino do primeiro andar do prédio;

27- Em virtude das infiltrações aludidas em 26- o tecto em pladur na loja com os nºs …ficou estragado, uma porta ficou empenada, a alcatifa e as paredes da mesma loja ficaram danificadas;

28- O custo da reparação do constante em 27- importou na quantia de € 1.867,73;

29- Actualmente continuam a verificar-se infiltrações de água na loja com o número … da Rua …e com acesso pelo nº … da Rua …com origem na instalação das bases de duche dos balneários femininos da R.;

30- Em consequência das infiltrações de água com origem na instalação das bases de duche dos balneários femininos da R. os vigamentos em madeira do prédio apresentam humidade;

31- Em virtude das infiltrações de água aludidas em 29- uma sala da loja arrendada à sociedade A, Lda, não pode ser utilizada;

32- A A. deu conhecimento à R. do constante em 29- a 31-;

33- As áreas comuns do prédio identificado em 2- e a fracção arrendada à R. apresentam infiltrações de água e deteriorações de paredes, tectos, caixilharias e guarnições de madeira das janelas com origem na antiguidade do prédio e na falta de manutenção e conservação do mesmo;

34- Em virtude do constante em 33- ocorreu o desmoronamento de uma parte do tecto de uma das instalações sanitárias da R. quando as mesmas estavam a ser utilizadas por uma aluna do ginásio;

35- Em virtude do constante em 33- vários vãos de madeira das portadas das janelas do locado situados na fachada principal do prédio e na fachada lateral que dá acesso para a Rua apresentam empolamento das madeiras e dificuldades em fechar em virtude das humidades e infiltrações referidas em 33-;

36- Em virtude das humidades e infiltrações referidas em 33- os pavimentos de madeira junto aos vãos referidos em 35- apresentam partes apodrecidos.”.


*

Tendo-se julgado não provado que:

“a) após o recebimento da carta referida em 15- dos Factos Provados a R. tenha demorado mais de um mês a proceder à reparação da canalização que deu origem à infiltração;

b) em virtude das infiltrações aludidas em 26- dos Factos Provados a estrutura do prédio tenha ficado danificada;

c) em consequência das infiltrações de água com origem na instalação das bases de duche dos balneários femininos da R. os vigamentos em madeira do prédio se encontrem em risco de ruir e os tectos das lojas com os números …e … estejam em risco de derrocada;

d) em consequência do constante em 33- dos Factos Provados:

i- a R. tenha despendido a quantia de € 453,76 com obras de reparação nas paredes, tectos e janelas do locado;

ii- tenham ficado estragadas passadeiras e bicicletas de ginástica e remo que se encontravam no locado;

iii- a R. tenha despendido a quantia de € 8.077,94 com a reparação e com a aquisição de novas passadeiras e bicicletas para substituir as supra aludidas;

iv- tenha ficado estragada uma bicicleta de ginástica do tipo “elíptica”;

v- a reparação da bicicleta aludida em iv- importe em € 1.289,39.”.


***

Vejamos.

II – 1 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

1. Insurge-se a Recorrente contra o não provado dos factos referidos supra em d) - i) a v), convocando – e no que não é mera referência genérica, como tal inconsiderável – os depoimentos das testemunhas CS, FL, TL, SC, AC, RH.

E, bem assim, os documentos n.ºs 1 e 2, juntos com a contestação, quanto ao facto não provado d) - i); os documentos n.ºs 3 a 15 juntos com a contestação, quanto ao facto não provado d) - iii); o documento n.º 16, junto com a contestação, quanto aos factos não provados d) - iv) e v).

Sendo que se consignou na motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, e no assim ora em causa:

“Quanto à factualidade aludida em d), os depoimentos das testemunhas não permitiram a prova da mesma, uma vez que, não obstante FOLHA ter declarado que compraram tinta para pintar o ginásio e substituir o tecto falso que ruiu na casa de banho, tal depoimento, por si só, não permitiu concluir que as tintas a que se referem os documentos de fls 57 e 58 tenham sido as adquiridas pela R. para tal pintura. A testemunha declarou que a parte do tecto falso caiu há cerca de dois anos e as facturas/recibos de fls 57 e 58 são datadas de final de Agosto e Setembro de 2011.

Não obstante tal testemunha ter declarado que a R. teve que adquirir passadeiras e bicicletas de ginástica novas em virtude das que existiam no ginásio ter adquirido ferrugem devido à humidade proveniente das janelas, RH, técnico de equipamento desportivo e que trabalhou para a empresa G, que pertence ao mesmo grupo empresarial da G1, que efectua as reparações do equipamento do ginásio a funcionar no locado, declarou que as reparações a que se reportam os documentos de fls 74, 75 e 77, não estão relacionadas com a existência de humidade, tratando-se de avarias em consequência do uso. O mesmo declarou que só os documentos de fls 59 e 79 poderão respeitar a reparações que se terão ficado a dever a estragos provocados pela humidade, mas que também poderão ter outras causas. Declarou também que a R. procedeu à aquisição de novas passadeiras para substituir outras que estavam velhas e que uma destas ainda se encontra a trabalhar num outro ginásio.

JV, vendedor da G, declarou que teve intervenção na venda da passadeira a que se reporta o documento de fls 71, desconhecendo a razão pela qual a R. adquiriu tal passadeira.

Não foi, assim, feita prova suficiente da factualidade plasmada na alínea d) dos Factos Não Provados.”.

2. Diga-se, desde já, que tendo-se procedido à reprodução do registo áudio dos depoimentos respetivos, não reconhecemos aos mesmos – e ademais no seu confronto com a documentação junta aos autos – alcance probatório diverso do equacionado na motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

2.1. Assim, e no tocante aos danos sofridos em máquinas.

1. Começando pelo depoimento deTL, temos tratar-se aquele de técnico de seguros – trabalhando “numa mediação de seguros”, com a …Seguros – tendo tido intervenção na contratação com a Ré de um seguro de recheio do ginásio, que diz ter sido celebrado em 2010, e que, em matéria de danos sofridos por aquela, referiu:

“Vemos efetivamente o risco que estamos a subscrever, nomeadamente fazer um cálculo para o valor do recheio e ver quais condições e o risco de poder haver algum sinistro devido às condições.

(...) Aquilo que fizemos logo foi alertar para a situação de haver infiltrações pelas janelas, que era a situação mais gritante, derivado a também estarem lá as máquinas, que não iria ficar salvaguardado um possível dano que possa provocar no futuro e foi isso que fizemos

(…)

Houve (uma participação de sinistro) derivado às duas infiltrações, duas máquinas, penso que duas passadeiras, não lhe sei dizer ao certo, que avariaram. Fomos chamados, ou seja, chegou-se à conclusão que tinha a ver com a situação que nós já tínhamos alertado dado às infiltrações... mesmo as próprias passadeiras tinham alguma corrosão... via-se mesmo que era de humidades. Pronto, respondemos a dizer que aquele sinistro não estaria ao coberto da apólice como previamente já tínhamos avisado.”.

A conclusão no sentido de a eventual avaria das duas “passadeiras” se ter ficado a dever a infiltrações de humidade a partir das janelas do locado, revela-se, neste contexto, convergente com o interesse da companhia de seguros… assim isenta de responsabilidades, no âmbito do contrato de seguro de recheio do ginásio, celebrado após “breve análise ao risco que estávamos a subscrever”, nas palavras textuais da mesma testemunha…

…Que, porém, começando por referir-se a “duas máquinas”, “pensa” serem “duas passadeiras”, não sabendo afinal “dizer ao certo”…apesar de logo a seguir já afirmar que “mesmo as próprias passadeiras tinham alguma corrosão…via-se mesmo que era tipo de humidades”…num assertivo juízo “pericial”.

 Sabendo, “da conversa que eu tive”, que do ginásio fizeram a substituição das máquinas…

Mas revelando-se deveras evasivo quando instado pelo Mandatário da A., no tocante ao que teria verificado acerca do estado das “máquinas” aquando da deslocação inicial para avaliação do risco.

Não se nos afigurando pois este um depoimento sobrelevante, nesta matéria.

2. FA – preparador, instrutor e fisioterapeuta, filho do sócio gerente da Ré, e trabalhando como instrutor no ginásio respetivo “para aí há sete anos” – às perguntas da Mandatária da Ré, sobre se “Sabe ou tem conhecimento se o ginásio alguma vez teve danos ao nível dos equipamentos, máquinas, que lá utilizam em virtude disso?”…respondeu “Sim, sim”…

E perante a sugestiva insistência da mesma Mandatária – “Então o que é que sabe sobre isso, Sr. Fernando? Teve que substituir algumas máquinas? Não teve?” – respondeu: “As nossas passadeiras, pela envergadura que têm, têm que estar encostadas às portadas... E têm um desgaste muito mais rápido devido às infiltrações, enferrujam muito mais rápido devido à entrada de água e não estarem bem isoladas as coisas (…)”.

Bem como à pergunta da mesma Advogada, “Então sabe se o ginásio teve que adquirir novas passadeiras e bicicletas ou não teve que adquirir?”, disse que “Tivemos que adquirir, duas novas passadeiras.” que “ficaram em € 3.000,00 cada uma”.

Afirmando, em resposta à pergunta sobre se não se recordava de ter havido alguma reparação de bicicletas, que “As bicicletas, as elétricas, neste momento devido à entrada de (...) só sobra uma, todas as outras avariaram.”, anuindo – “Sim” – a que tal ocorreu “Também devido a essas situações todas que refere?”.

Note-se que a testemunha, nas suas respostas quer à Mandatária da Ré, quer a instâncias do Mandatário da A., se identifica espontaneamente, com a Ré:

Nós pedimos autorização ao senhorio, não nos deram”; “Nós tivemos uma passadeira (…) As nossas passadeiras”; “Tivemos que adquirir, duas novas passadeiras”; “Nós não íamos deixar o alvará”; “Houve lá infiltrações que nós arranjámos”; “nós temos que andar lá com panos a tapar”; “se tivéssemos sido nós a estragar o chão”…

3. SC – farmacêutica, frequentadora do ginásio da Ré desde 2009 – também referiu que “as instalações estão um bocadinho degradadas”, e as janelas em muito mau estado.

Mencionando as avarias das máquinas, “Uma elíptica que avariou…passadeiras para correr e para andar …bicicletas”, e ter verificado “estar lá várias vezes um técnico a arranjar algumas e que as passadeiras tiveram mesmo que ser trocadas, duas, e as bicicletas”.

Sendo que, como visto, FA não se referiu à troca/substituição, de quaisquer bicicletas…

Esclarecendo esta testemunha, a instâncias do Mandatário da A., que foi o “senhor C” – ou seja, o anterior sócio da Ré, e que no ginásio da mesma dá aulas – quem lhe disse que as avarias eram devidas à humidade que entrava, para além de assim também achar, por olhar para a passadeira e verificar, “nos dias de chuva”, que as tábuas em que a máquina apoiava estavam completamente húmidas.

Nunca tendo porém falado com o técnico que lá foi fazer reparações, “Eu nunca falei com o técnico”.

4. Acórdão – tendo frequentado durante três, quatro anos, o ginásio Pombalino, aonde continua a ir de vez em quando – à pergunta, nada neutra, da Mandatária da Ré, sobre se “Sente que existe lá muita humidade, infiltrações, vê essa humidade nas máquinas que utiliza?”, confirmou que “Sim, a questão da humidade vê-se... nota-se nas Janelas. No primeiro andar... o cheiro a mofo às vezes também...”.

Mais referindo saber “que existiram algumas máquinas que ficaram paradas”, mas assumindo que “agora não sei se há relação direta entre uma coisa e a outra... mas sim.”.

Esclarecendo, sob pergunta da Advogada da Ré, que “As máquinas que ficaram paradas algumas delas sei que foram substituídas.” e “Sim sim... ou algumas peças foram mudadas... isso eu sei que acontecia”.

Ninguém tendo dúvidas que as máquinas utilizadas em ginásios de vez em quando avariam, param, sendo substituídas ou reparadas…

Não sendo possível retirar, dos vestígios de humidade nas janelas e do cheiro a mofo, referidos pela testemunha, que as avarias nas aludidas máquinas – cuja origem, aquela, assim com assinalável objetividade, manifestou não poder estabelecer – foram ocasionadas por humidades decorrentes da vetustez do imóvel e falta de obras de conservação e restauro do mesmo.

Não tendo esta testemunha, nem a anterior, referido pinturas efetuadas no locado, a expensas da Ré, tornadas necessárias pelas sobreditas humidades/infiltrações.

5. CS – ex-sócio da Ré, continuando, apesar de reformado, a dar aulas no ginásio daquela – afirmando que as infiltrações e decorrente humidade, “Aquilo é provocado pelo prédio” – referiu, à pergunta da Advogada da Ré, quanto a “alguns danos sofridos neste ginásio, designadamente ao nível do material, das passadeiras, das elípticas?”, que “Dá cabo das passadeiras... do material, por causa da humidade.  Vê-se (…).

E, quanto a “se o ginásio se viu obrigado a comprar novos aparelhos... não tem conhecimento?”, disse: “Ah, mas isso eu sei, perfeitamente. Sei porque existiam máquinas... a humidade, como toda a gente sabe, dá cabo das máquinas. Sejam elas quais forem... São máquinas de precisão, de cardiofitness. Eu para além disso já fui professor de cardiofitness e sei muito bem como é que é. Portanto, dava cabo das máquinas... eles tiveram que... sei que compraram máquinas, algumas novas... e as outras vão-se deteriorando também com o tempo".

Revelou-se um “diseur” – na pose discursiva, no tom – que, v.g., em determinado momento do seu depoimento, anunciou: “Eu vou contar (?...) parece uma anedota mas é verdade”, e interrompido pela senhora Juíza, que lhe perguntou “isso que vai contar aconteceu em que data?”, respondeu: “Ora isto aconteceu exatamente (pausa de vários segundos) há pouco tempo, há pouco tempo, há muito pouco tempo”.

E perguntado pela senhora Juíza, “há pouco tempo quando é que é”, ignorando a pergunta prosseguiu airosamente: “O que eu ia contar é que…”, e uma vez mais interrompido pela senhora Juíza, para precisar o “quando”, respondeu: “Sei lá, vai haver para aí um mês, dois meses”…

Assumindo depois que o episódio “das escadas”, que queria contar, nada tinha a ver com a matéria das “infiltrações”…

E perguntado pela senhora Juíza se “As humidades nunca impediram o ginásio de funcionar?”…respondeu, em evasivo estilo, e com manifestações histriónicas (risos) que “Não, nós é assim minha senhora, Sr.ª Dr.ª, quer queiramos quer não, eu como já pratico desporto há muitos anos, a gente nem que estivesse a chover lá dentro estaríamos sempre a trabalhar”…

Observado sequencialmente, pela senhora Juíza, que “Mas tem uma casa aberta, se tem clientes com tanta humidade, se calhar os clientes não gostam!”, retorquiu: “Bem, não é a humidade, vamos lá de, o que estou a dizer é aquela humidade que prejudica o material, e as pessoas, enfim, aguentam, ainda hoje a gente está, nota certas e determinadas coisas, vê que não está bem, aquilo precisava de ser tudo arranjado e, estamos a trabalhar” (sic). 

Nada tendo precisado quanto a concretas máquinas avariadas e, ou, substituídas.

Não se reconhecendo assim também ao depoimento desta testemunha, particular relevo…quanto à matéria ora em causa

6. O depoimento de RH – testemunha arrolada pela Ré, sendo técnico de equipamento desportivo, que se deslocou por várias vezes ao Ginásio…, como técnico de equipamentos desportivos, tendo ele próprio reparado algumas máquinas desportivas – e sem qualquer interesse aparente, por remoto que seja, na causa, revelou-se deveras importante.

Referiu a testemunha que “já não vou ao Ginásio …desde 2012, 2012 foi o último serviço que fiz lá”.

Explicando que era sócio da “G”, empresa que não se dedicando, na altura, à assistência técnica/reparação de máquinas de ginásio, criou uma outra empresa, a “G1”, para esse efeito.

Sendo a G1 que fez reparações nas máquinas do Ginásio...

As máquinas, quando são vendidas “em novas”, têm uma garantia de dois anos.

“No início” houve “complicações”, houve “humidades excessivas”, constatadas no interior dos “painéis de controlo das máquinas”, sendo a correspondente reparação assumida como estando abrangida pela garantia.

Porém e diversamente do que a Recorrente pretendeu inculcar, com a transcrição seletiva e parcelar do registo do depoimento desta testemunha – no que apenas se pode qualificar como atitude de menor honestidade intelectual – ponto é que quanto à origem de tais humidades, esclareceu a testemunha que “É assim, é complicado, mas aquele ginásio em si, era na altura, não sei se existe se não existe, era um ginásio com algumas deficiências, designadamente não tinha nenhuma conduta de renovação de ar”; “O que é que isto implica? Implica é que as pessoas abram as janelas e abram portas, tanto de inverno quanto de verão, implica a que de inverno as humidades, independentemente das pessoas que transpiram lá dentro, já anda humidade no ar, ainda há mais humidade vinda do exterior. E depois as máquinas estavam à frente das portas da sacada (?), em que abriam as portas regularmente para as pessoas respirarem lá dentro, havia uma sobrecarga de humidade ali”.

Precisando que a G vendeu duas ou três máquinas para o Ginásio…, “tanto quanto eu me recordo”.

Mas havendo outras máquinas que não foram vendidas pela G – havia um total de “para aí 25 ou 30 máquinas, no ginásio” – e a que aquela também prestou assistência.

Referindo, entre as avarias reparadas, “eixos partidos, veios gripados”.

E sendo que confrontada com os documentos n.ºs 3 a 16, juntos aos autos pela Ré, esclareceu:

- O doc. 13 refere-se a reparação que “não tem nada a ver com humidades”, explicando tratar-se de peça que “trabalha dentro de água”, e os dois tipos de avarias que a peça referenciada pode ter.

- O doc. 14, refere-se a um elástico, e “também não tem a ver com humidades”, sendo “uma peça de consumo dos ginásios”.

- O doc. 15, refere-se a “peça de metal”, que se “quebrou”, nada pois a ver com humidades.

- O doc. 11, refere-se à compra de duas passadeiras, que efetivamente foram vendidas à Ré pela G. Foram substituir duas “passadeiras antigas”, sendo que uma delas está “noutro ginásio, ainda a trabalhar”.

- O doc. 16: “Há aqui uma situação”, não tem nada a ver com equipamento novo, nem vendido pela G.”.

E perguntado onde é que se poderia em tal fatura atribuir alguma coisa à humidade, disse que, ““pela humidade (…) embora poderei ter dúvidas, é no cockpit”.

Sendo notório que preferiu não se pronunciar sobre a “normalidade” da aposição da referência a “vestígios de humidade”, numa fatura, frisando que à data da emissão da mesma, já não estava na empresa.

Sendo a nossa leitura dessa atitude, no sentido de que tal não era “normal”.

Como aliás resulta do confronto com as demais faturas, que a Ré pretendeu referirem-se a reparações ocasionadas pela humidade do prédio, e das quais nada consta quanto à causa das correspondentes avarias.

- O doc. 3. a folhas 59, refere-se a reparações em passadeiras “antigas, das tais que já lá estavam no ginásio”, devidas, a partir da “posição” 3 na fatura, a “desgaste natural”, nada tendo que ver com “humidades”. Sendo apenas quanto às posições 1 e 2, que se poderiam dever a humidades, mas também a outras causas.

Tratando-se as “películas de comando”, de “plásticosinhos”, podendo, às vezes, “as pessoas”, com as unhas, com a caneta (?) ou com a chave danificar os botões respetivos.

- No doc. 9 trata-se de trabalhos de “manutenção”, normais.

- No doc. 10: “Esta não tem nada a ver”, trata-se da reparação de uma elíptica, “Esta máquina partiu um eixo, tivemos que mandar fazer um eixo e ao partir o eixo tivemos que meter rolamentos e a correia.”.

Ficando tal fratura a dever-se a “fragilidade do metal” – que às vezes é mais “macio ou mais rijo” – ou (?) “das pessoas”.

Referindo essa fratura como “normal”, e assinalando, a propósito, “Nem” ser o reparado, um modelo de elíptica “profissional”.

7. Quanto aos documentos n.ºs 4 e 5 trata-se de faturas relativas à reparação do quadro de comandos de bicicletas, com referência, na 1ª, à “verificação e limpeza de contactos”.

Nada objetivamente extrapolante do que será a necessária manutenção de máquinas num ginásio, com utilização justificadora da sua manutenção de porta aberta.

O documento n.º 6, refere-se à assistência a “Cross Trainer”, mencionando um quadro de comandos para um cross trainer…que nenhuma testemunha referiu…e quanto ao qual sempre valeria o referido pela testemunha a propósito do doc. 3.

O documento n.º 7 é um recibo das importâncias a que se referem as faturas/documentos n.ºs 4, 5 e 6, nada aportando pois à questão da causa da necessidade da assistência/reparação a que aquelas reportam.

O documento n.º 8 “Assistência a elíptica C40 tunturi”, menciona um “quadro de comandos p/ cross trainer”, “rolamento”, “veio para elíptica” e “transformador”.

E se quanto ao quadro de comandos e transformador, podemos conceber a eventualidade – não resultante do próprio documento, nem concretizada por qualquer testemunha – de se tratar de avaria decorrente de “humidades” (mas quais?), já assim de todo não é – e, de resto, na sequência do depoimento isento e esclarecedor da testemunha RH a propósito, v.g., do doc. 10 – quanto ao rolamento e quanto ao veio para elíptica.

O documento n.º 12 refere-se à colocação de um elástico, nada tendo por isso que ver – como explicou a testemunha RH, a propósito do doc. 14 – com “humidades”.

E focando-nos agora no documento n.º 16, relativo a intervenção realizada quando a testemunha RH já não estava ligado à G nem à G1, importa assinalar que:

- Trata-se de fatura emitida em 11-06-2014, ou seja, depois da citação da Ré para a ação, e cinco dias antes da entrada da contestação…

- Conforme apontado supra, é a única fatura em que se faz referência à causa da avaria/inoperacionalidade…indicada como “devido a vestígios de humidade”…sendo que todas as faturas juntas com a contestação, como doc. 3 e seguintes, e designadamente pela G1, visavam a prova de reparações ocasionadas por “humidades” decorrentes de infiltrações resultantes do mau estado de conservação do prédio.

- Na dita fatura incluem-se itens que são peças metálicas, como o “veio central para elíptica”, “rolamento”, “tambor lateral direito”, “tambor lateral esquerdo”, cuja avaria (quebra, empeno, danificação) nada tem que ver com humidades.

E também a “correia para elíptica”, é uma peça sujeita a desgaste mecânico, pelo uso, como todas as correias para bicicletas, sejam elas mais ou menos sofisticadas e polivalentes.

Para além da “película” de comandos – o tal “plásticosinho” – ser facilmente danificável, por ação mecânica, como explicou a mesma testemunha RH.

2.2. No que concerne às despesas com tintas, limitar-nos-emos a reiterar o observado na motivação da decisão da 1ª instância.

Tendo-se assim que se é certo que FA referiu efetivamente a aquisição daquelas para pintar o ginásio e substituir o teto falso que ruiu na casa de banho – e note-se que a testemunha CS, assumido como perfeito conhecedor dos eventos no ginásio, quando perguntado pela mandatária da Ré acerca de tal ruir, andou literalmente “às voltas”, revelando desconhecer do que se tratava – o seu depoimento não se compatibiliza com o teor dos recibos – “vendas a dinheiro” – de folhas 57 e 58, juntos pela Ré para prova de tais despesas.

E por isso que a mesma testemunha, perguntada pela senhora Juíza quanto ao momento em que teria ocorrido “essa queda parcial do teto”, respondeu que “Deve ter sido há dois anos” – à data da sua inquirição, na audiência de julgamento de 13-04-2016 – e as faturas/recibos de fls 57 e 58 são datadas de final de 26-08-2011 e 03-09-2011, respetivamente.

Não suprindo tal incongruência a subsequente cautelar afirmação, pela testemunha, de que “Eu datas não consigo precisar”, pois um desfasamento de cerca de dois anos e oito meses sempre se revelaria, na circunstância, excessivo, na perspetiva da valoração positiva do depoimento.

Não sendo também despiciendo assinalar que tendo as alegadas pinturas tido lugar na sequência da substituição do derruído teto falso em pladur, nada reclamou a Ré relativamente a essa substituição… 


***

Em suma, os elementos de prova convocados pela Recorrente, não sustentam o provado dos factos que – em imediação – se julgaram não provados, em d) do elenco respetivo, na 1ª instância.

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 2 – Da Reconvenção.

Do que se vem de julgar quanto à deduzida impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto decorre a necessária improcedência da reconvenção, por não provados os alegados danos ocasionados por infiltrações causadas por “total ausência da realização de obras de conservação e manutenção cuja realização é da responsabilidade do Autor”.

II – 3 – Dos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento respetivo.

1. Considerou-se, na sentença recorrida:

“Ficou demonstrado que a R. procedeu à realização de obras no locado, as quais consistiram, entre outras, na remodelação total das instalações das instalações sanitárias, com a construção de dois balneários autónomos - um para as pessoas do sexo masculino e outro para as pessoas do sexo feminino. Tais obras não foram precedidas de parecer do Instituto Português do Património Arquitectónico.

(…)

Não obstante o mau estado de conservação em que se encontram as áreas comuns do prédio e a fracção arrendada à R., apresentando infiltrações de água e deteriorações de paredes, tectos, caixilharias e guarnições de madeira das janelas com origem na antiguidade do prédio e na falta de manutenção e conservação do mesmo, o que é certo é que as infiltrações provocadas nas lojas situadas no piso inferior ao locado tiverem e têm origem nas fugas de água existentes nos balneários do locado. Foi a R. quem procedeu à construção de tais balneários, pelo que a resolução dos problemas que estão na origem das infiltrações incumbe à mesma.

Dado o tempo decorrido desde que começaram as infiltrações - 2010 -, o facto das infiltrações com origem em fugas de água nos balneários femininos ainda se verificarem na actualidade e as consequências das mesmas - a sociedade A. Lda., encontra-se, inclusivamente, impedida de utilizar uma ala da fracção de que é arrendatária e a existência de humidade nos vigamentos em madeira do prédio -, conclui-se que a conduta da R. se traduz numa grave violação da obrigação do arrendatário de não fazer uso imprudente do prédio e de o manter em termos de o poder restituir no estado em que recebeu, com excepção das deteriorações inerentes a uma prudente utilização.

Estamos, assim, perante um facto grave, lesivo de direitos não só do A. senhorio, como de outro arrendatário do prédio, não sendo exigível ao A. a manutenção do arrendamento. A situação supra referida pela sua gravidade e reiteração constitui fundamento de resolução do contrato.”.

Contrapondo a Recorrente, e tanto quanto se logra alcançar, que na circunstância de o A. não proceder às obras de conservação do prédio, cuja ausência é causa de várias infiltrações no mesmo, afetando, para além de outras frações, o locado à Ré, não será valorável enquanto fundamento de resolução do contrato de arrendamento respetivo, “uma infiltração com origem no locado da R.”.

Pretendendo mesmo ser contrária à boa-fé, nesse conspecto, a conduta do A., ao intentar a presente ação de resolução, com um tal fundamento, incorrendo aquela em abuso de direito.

2. Começaremos por assinalar que a Recorrente apenas deduziu impugnação da decisão da matéria de facto reconduzível aos quadros do artigo 640º, do Código de Processo Civil, no tocante aos factos julgados não provados, elencados em III - B) - d) - i) a v) da sentença recorrida.

Posto o que resulta inconsiderável toda a narrativa transcendente da factualidade julgada provada, que – já em sede de impugnação do julgamento de direito – pretendeu a Recorrente gizar, sob a epígrafe “Relatório Pericial datado de 02.07.2015”.

Certo a propósito – o que assim apenas marginalmente se refere – que nem se trata o laudo pericial de documento com força probatória plena, estando o mesmo sujeito à livre apreciação do tribunal, cfr. artigo 389º, do Código Civil.

Isto posto.

3. Tratando-se embora o contrato de arrendamento, de um contrato com obrigações sinalagmáticas – como pondera a Recorrente nas suas alegações, partindo dessa consideração para concluir pela inexistência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento – ponto é que, como dá nota Nuno Manuel Pinto Oliveira,[1] “O conceito de sinalagma (funcional) significa que a prestação de cada uma das partes depende de uma contraprestação da outra; como a prestação é o objecto da obrigação, dizer-se que a prestação de cada uma das partes depende de uma contraprestação da outra equivale a dizer-se que a obrigação de cada uma das partes depende de uma contraobrigação da outra.”.

Ou, na lição de Alberto Trabucchi,[2] em tradução livre, “Sinalagma é a ligação recíproca que existe em alguns contratos entre a prestação e a contraprestação (obligatio ultra citroque): ligação tão forte, sinal de uma relação entre prestação e contraprestação mais estreito que a simples coexistência recíproca. São os contratos sinalagmáticos, ou – como diz o Código – as prestações correspetivas contratadas que surgem contemporaneamente no âmbito de um mesmo instrumento negocial para uma e outra parte, criando obrigações e direitos a prestações recíprocas coligadas entre elas decorrentes de uma relação de interdependência …”.

Ora, nessa linha, temos para nós, se um tal sinalagma é claramente reconhecível entre a obrigação do locador, de assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina, e a do locatário de pagamento da renda do locado – cfr. artigos 1031º, alínea b) e 1038º, alínea a), ambos do Código Civil – já o mesmo se não verifica entre a referida obrigação do locador e essas outras obrigações do locatário, que são as de não fazer uma utilização imprudente do locado, de não realizar obras carecidas de aprovação por entidades oficiais, de manter o locado em termos de o poder restituir no estado em que o recebeu – ressalvadas as obras autorizadas e corretamente realizadas e as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, para além das demais que lhe não sejam imputáveis – estabelecidas no citado artigo 1038º, n.º 2, alínea d); no artigo 1043º, n.º 1; no artigo 1074º, n.º 2, como o anterior, também do Código Civil, e no artigo 5º do contrato de arrendamento.

Veja-se, de resto, que a não ser assim, legitimado estaria o locatário, em caso de mora do senhorio na realização de obras necessárias no locado, a fazer do mesmo uso imprudente, procedendo a obras não autorizadas pela entidade competente, e mal executadas, enquanto se mantivesse tal mora, agravando assim eventual estado de degradação do locado, quando não ocasionando até a degradação de outras frações do prédio respetivo, ou de prédio contíguo.

Evidenciando-se, deste modo o absurdo do reconhecimento de um tal sinalagma.

4. Da factualidade apurada, e como de algum modo antecipado já, resulta o incumprimento – presuntivamente culposo, cfr. artigo 799º, n.º 1, do Código Civil – pela Ré, das obrigações que para ela decorrem, enquanto locatária, do contrato de arrendamento celebrado com a A.

Recorde-se estar demonstrada, a realização, pela Ré, de obras ao nível das instalações sanitárias no locado, que por incorretamente executadas – não tendo sido precedidas de Parecer do, então, Instituto Português do Património Arquitetónico[3] – têm ocasionado reiteradas e extensas infiltrações nos andares imediatamente inferiores, ocasionando sucessivas reclamações dos locatários respetivos, que na circunstância viram as suas lojas danificadas.

Continuando a verificar-se as infiltrações, com origem na instalação das bases de duche dos balneários femininos da R., numa de tais lojas, com o n.º…, onde, em virtude daquelas, não é possível utilizar uma sala.

Apresentando os vigamentos em madeira do prédio, também em consequência dessas específicas infiltrações, humidade.

Sem que a Ré, até à data, e apesar de instada pelo A., haja procedido às necessárias correções nas obras por si realizadas.

 Não sendo exigível à A. que mantenha o contrato…pactuando assim com uma situação criada pela Ré que, porém, se não disponibilizou a pôr-lhe cobro, com a acrescida e permanente degradação do locado e do prédio e prejuízo de outros arrendatários.

Verificado estando pois fundamento para a resolução do contrato de arrendamento dos autos, nos quadros do artigo 1083º, n.º 2, do Código Civil.

E, assim, certo estabelecer-se no corpo daquele n.º 2, enquanto cláusula geral, ser “fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…)”, e para lá da posição que se adote relativamente às situações referidas, a título de enunciação exemplificativa, nas várias alíneas do mesmo número.

As quais, para alguns autores, constituindo embora, no entender do legislador, “indiscutivelmente, causas de resolução do contrato, pelo senhorio e pelo arrendatário, respetivamente”, teriam de “preencher a aludida cláusula geral, isto é, também ele(a)s (cada um dele(a)s) tem de ser de molde a atingir um nível de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível àquele senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com aquele arrendatário.”.[4]

Enquanto outros consideram que “Em especial para o senhorio, intenta-se precisar de algum modo esta noção de incumprimento, de contornos mal definidos, acrescentando-lhe um enunciado exemplificativo de cinco casos (a que se adita mais um, no n° 3) que tipicamente representam hipóteses legais de incumprimentos do arrendatário que tornam inexigível a manutenção do arrendamento pelo senhorio.

São, portanto, obviamente, casos típicos de resolução; não, meras presunções ilidíveis de inexigibilidade na manutenção do arrendamento pelo senhorio.

Provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio.”.[5]


*

Com improcedência, também nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II - 4. Do abuso de direito.

Não se aceita que a atitude do A. “consubstancia (…) um “venire contra factum proprium” pois que “cobra” do Réu a resolução do contrato de arrendamento que a ambos vincula, por fundamentos respeitantes a requisitos, que, ele próprio, não cumpriu ou desrespeitou (não cumprindo as suas obrigações de senhorio)”.

O Código Civil, no seu art.º 334º, dispõe que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económica desse direito”.

A referência à boa-fé – que representa em direito um conceito polissémico – tem, no preceito, um sentido objetivo ou normativo, que se manifesta noutras disposições do Código Civil quais sejam os art.ºs 227º, 239º, 437º e 762º, n.º 2, concretizando, em todos esses casos, regras de atuação,[6] exprimindo “os valores basilares da ordem jurídica, vocacionados para intervir em cada caso concreto considerado.”.[7]

E “Os bons costumes, correspondentes à moral social da linguagem clássica portuguesa, traduzem um conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico acolhidas pelo direito em cada momento histórico”.[8]

Nas palavras de Almeida Costa, por aqueles “há-de entender-se um conjunto de regras de convivência, de práticas de vida, que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente.”.[9]

De entre as várias categorias de atos inadmissíveis por abuso, doutrinariamente autonomizadas, a saber, a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque, e o desequilíbrio no exercício, está em causa para os Recorrentes a segunda.[10]

Ora, quanto àquela cabe observar que “só se considera venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor”.

E “há venire contra factum proprium, em primeira linha, numa de duas situações: quando uma pessoa, em termos que, especificamente não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa actuação e, depois, se negue”[11].

A proibição da chamada conduta contraditória exige porém a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança.[12]

Assim, a invocação do venire contra factum proprium pressupõe, forçosamente, “a situação objectiva de confiança, o investimento da confiança e a boa fé subjectiva de quem confiou” [13].

Sendo necessário que a segunda conduta, contraditória do factum proprium, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correção, represente uma manifesta ultrapassagem dos limites impostos pela boa-fé.

Devendo o venire contra factum proprium atingir proporções juridicamente intoleráveis, traduzidas em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo titular do direito.[14]

Sem perder de vista que se não pode “concluir, sem mais, pela natureza inadmissível do comportamento contraditório. Pelo contrário: é importante focar a inexistência, na Ciência do Direito actual e nas ordens jurídicas por ele informadas, de uma proibição genérica de contradição. Apenas circunstâncias especiais podem levar à sua aplicação”.[15]

Ora, da circunstância de o A. não proceder às necessárias obras de manutenção e conservação do prédio – daí, bem como da antiguidade do mesmo, resultando as infiltrações, humidades e demais estragos no locado, referidos em 33, 34 e 35, da matéria de facto assente – ninguém poderia pretender retirar que aquele não intentaria ação de despejo contra locatário do prédio, a quem imputáveis fossem comportamentos como os assim invocados pela A., nem que a Ré, de boa fé, pudesse contar com uma tal auto restrição da A., necessariamente lesiva dos direitos dos demais locatários afetados pelos ditos comportamentos.

 

Por igual também não colhendo a citação jurisprudencial a propósito feita pela Recorrente.

Com efeito, no Acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.2008,[16] a que aquela se reporta, não estava em causa qualquer sinalagma entre a obrigação do locador, de assegurar o gozo da coisa locada e a obrigação do locatário de fazer da coisa um uso prudente e de não violar as sobreditas regras.

 Tratando-se ali de ação proposta pela arrendatária, em que esta pedia “que seja reconhecido o direito de a A. deixar pagar as rendas a partir de 01/01/2004 enquanto não forem executadas as obras, com a consequente devolução das rendas que vierem a ser pagas desde Janeiro de 2004;”, alegando “em síntese, que o facto de ser arrendatária do 2º andar esquerdo do prédio sito na…, em Lisboa, mediante a renda mensal de 335,66 €, foi determinado pelo facto de o réu andar a executar obras de conservação no prédio, que veio a interromper após a celebração do contrato. Alegou ainda, e em síntese, inexistirem condições de habitabilidade, segurança e salubridade, o que justifica o não pagamento da renda, e a ocorrência de danos patrimoniais e não patrimoniais por causa da situação do locado.”.

Assim mais se tendo julgado naquele Acórdão que:

“4º - O contrato de locação é um contrato bilateral ou sinalagmático, envolvendo, da parte do locador, a obrigação de entregar a coisa ao locatário e de lhe assegurar o gozo dela para os fins a que se destina e, por parte do locatário, a de pagar a renda - artigos 1022º, 1031º e 1038° do Código Civil.

5º - Considerado o vínculo obrigacional a que ficam adstritos locador e locatário num contrato de arrendamento, resulta para o locador a obrigação permanente de assegurar o gozo do locado ao arrendatário e para este uma obrigação de prestação reiterada de pagamento mensal da renda devida.

6º - Não dispondo o locado de condições de habitabilidade, temendo a autora e a sua família pela sua própria segurança, o que fez com que a autora deixasse de usufruir do mesmo, não mantendo nele a sua residência permanente, assiste-lhe o direito a recusar a sua correspondente obrigação de pagamento da devida renda.” (o grifado é nosso).

Também nesta vertente improcedendo assim as conclusões da Recorrente.

II – 5 – Do pedido subsidiário da A.

Desde que, como visto, é de manter o decidido na 1ª instância quanto à procedência do pedido principal da A., de resolução do contrato de arrendamento, fica arredado o julgamento da ação como procedente apenas quanto ao dito pedido subsidiário, conforme propugnado pela Recorrente.


***

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente.


Lisboa, 2017-05-11

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


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[1] In “Princípios de Direito dos Contratos”, Coimbra Editora, 1ª Ed., 2011, págs. 785, 786.
[2] In “Instituzioni di Diritto Civile, Ed. Cedan, 39ª ed., págs. 685-686.
[3] Que o Decreto-Lei n.º 215/2006, de 27/10, fundiu com o Instituto Português de Arqueologia, passando a constituir o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico.
[4] Apud Fernando Batista de Oliveira, in “A resolução do Contrato no novo regime do arrendamento urbano” – Prefácio do Professor Doutor Henrique Mesquita – Almedina, 2007, págs. 27-30.
[5] Assim, Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, in “Manual de Arrendamento Urbano, Vol. II, 4ª Ed. Atualizada, Almedina, 2008, pág. 1001.
[6] Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 180. Cfr. também Teles de Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª ed., Almedina, 2005, pág. 54.
[7] Menezes Cordeiro, in op. cit., pág. 193.
[8] Ibidem.
[9] Almeida e Costa, in “Direito das Obrigações”, 10ª ed., pág. 76.
[10] Vd. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, págs. 191-212.
[11] Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil” , Almedina (2ª Reimpressão), 2001, págs. 746-747.
[12] In “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina (2ª Reimpressão), 2001, pág. 753-770.
[13] Vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2002, in CJAcSTJ, Ano X, Tomo I, págs. 51-54.  
[14] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-06-2000, proc. n.º 00A1605, in www.dgsi.pt/jstj.nsf, refere-se a necessidade de o excesso cometido representar uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. A. Varela, citando M. Andrade, refere-se, a propósito do abuso de direito, indiferenciadamente, ao exercício daquele «em termos clamorosamente ofensivos da justiça», in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pág. 545.
[15] Idem, pág. 750.
[16] Proc. 9873/2008-8, Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.