1. Videograma é um material de suporte; é o registo resultante da fixação, em suporte material, de imagens, acompanhadas ou não de sons, bem como a cópia de obras cinematográficas ou audiovisuais.
2. De acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes, em quartos e nas zonas comuns do estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constituiu um ato de comunicação ao público de obras radiodifundidas, que carece de autorização por parte dos respetivos autores ou representantes.
3. Considerando a natureza essencialmente económica do direito a uma remuneração equitativa, o conceito de comunicação ao público que a ele está inerente, pressupõe igualmente um escopo de benefício ou vantagem, o que se verifica quando está em causa um estabelecimento hoteleiro.
4. A aplicação uniforme do direito comunitário, o princípio da igualdade, da segurança e confiança jurídica determina que as disposições comunitárias sejam interpretadas pelos Estados-Membros, de forma autónoma, mas uniforme, sem prejuízo da mesma questão prejudicial voltar a colocada pelo juiz nacional, não ficando o Tribunal de Justiça inibido de rever ou modificar a interpretação anterior.
Ação
Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, intentada em 11/06/2014.
Autora
……….. – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DE DIREITOS DE AUTOR, PRODUTORES E EDITORES
Ré
………………………… (PORTUGAL) – EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A.
Pedido
I. Principal:
1) Condenação da ré a proceder, junto da autora, ao devido licenciamento para exibição pública de videogramas de acordo com os tarifários constantes da tabela em vigor para o efeito e junta sob Doc. nº 13;
2) Condenação da ré, ao abrigo do disposto no artigo 211.º CDADC, no pagamento à autora das seguintes quantias:
a) €164.887,80, que, de acordo com a tabela tarifária da autora para o ano de 2010, 2011, 2012 e 2013 até à data de entrada da presente ação, seria devido pelo licenciamento que a ré não obteve, como devia;
b) €15.961,81, devida a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal aplicável, sobre o montante referente ao 2º semestre do ano 2010, desde 11 de outubro de 2010 (data da interpelação da ré para cumprir a obrigação de licenciamento), do ano 2011 desde 01 de janeiro de 2011 e do ano 2012 desde 01 de janeiro de 2012, e do ano de 2013 desde 01 de janeiro de 2013, todos até à data da entrada em juízo da presente ação;
c) Juros de mora vincendos calculados à aludida taxa legal, sobre o mesmo montante, até efetivo e integral pagamento;
d) €2.500,00, destinada a, com parcimónia, ressarcir os danos inerentes aos encargos suportados pela autora com a proteção dos direitos lesados pela sociedade ré, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma.
3) Condenação da ré a pagar à autora o montante adicional que eventualmente se mostre devido, face ao disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, pela falta de pagamento do montante global em que for condenada, desde a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente ação até efetivo e integral pagamento.
4) Condenação da ré, ao abrigo do disposto no artigo 210.º-J do CDADC, ao encerramento do estabelecimento ... ALGARVE HOTEL RESORT ... até que obtenha o devido licenciamento da Autora para execução pública de videogramas em tal estabelecimento;
II. Subsidiário
5) Condenação da ré na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas, acompanhada da obrigação do pagamento da sanção pecuniária compulsória, a fixar pelo douto arbítrio desse Tribunal, por cada dia que decorra entre a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente ação e a data da efetiva obtenção da devida licença.
Causa de pedir
A autora é uma associação de gestão coletiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos.
Fruto da lei e de acordos firmados com a GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, entidade de gestão coletiva dos direitos dos artistas, a autora está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança devida aos artistas intérpretes ou executantes.
A atividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida pela autora em parceria com a referida GDA, procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas.
A execução pública de videogramas editados comercialmente, além de carecer de autorização dos respetivos produtores (cfr. artigo 184º n.º 2 do CDADC), confere a estes e aos artistas intérpretes e executantes, o direito a receber uma remuneração equitativa (cfr. artigo 184º n.º 3do CDADC). A remuneração cobrada pela GEDIPE é dividida entre produtores e artistas, sendo a parcela destinada a estes últimos entregue à parceira GDA.
A autora licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas (“cerca de 100%”), nomeadamente filmes, séries ou telenovelas, nacionais ou estrangeiras, comercializados e utilizados em Portugal.
O hotel ... ALGARVE HOTEL RESORT ..., sito na Praia da Falésia, Albufeira, explorado pela ré, é um estabelecimento comercial aberto ao público, no qual se procede de forma habitual e continuada à execução pública, através dos aparelhos de televisão existentes nas unidades de alojamento e nos espaços comuns, de videogramas do repertório entregue à gestão da autora sem a necessária autorização, sendo que a ré jamais pagou a remuneração devida por tal comunicação.
Apesar de lhe terem sido enviadas cartas pela autora datadas de 11/10/2010, 26/10/2011 e 20/01/2014, a informar da necessidade de obter a respetiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de videogramas, a ré continua a exibir publicamente na referida unidade hoteleira videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos, não tendo feito à requerente qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.
O estabelecimento explorado pela ré trata de um hotel de cinco estrelas, com 215 quartos e 12 televisores em espaços comuns.
De acordo com as tarifas anuais da autora aplicáveis ao estabelecimento explorado pela ré, o valor indemnizatório deve ser constituído pelos seguintes montantes:
1. Referente ao 2º semestre de 2010, a quantia €21.414,00;
2. Referente ao ano de 2011 a tarifa anual aplicável é de €42.828,00;
3. Referente ao ano de 2012 a tarifa aplicável é de €42.828,00;
4. Referente ao ano de 2013 a tarifa aplicável é €42.828,00; e
5. Referente ao 1º semestre de 2014 a tarifa aplicável é de €14.989,80.
Estes valores devidos a título de indemnização, calculados de acordo com a equidade, correspondem à remuneração devida, mas não paga (artigo 211.º, n.º 5 do CDADC), a que devem acrescer juros moratórios desde 11/10/2010 até integral pagamento.
Acrescem ainda os encargos da autora suportados com a proteção dos direitos lesados pela ré, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma. Na impossibilidade de se determinar com rigor tais encargos, a autora indica o valor de €2.500,00.
Contestação
Por exceção, alegou: a) A nulidade de todo o processo; b) A ilegitimidade ativa da autora; e c) A nulidade das tarifas fixadas unilateralmente pela autora por violação dos princípios que devem presidir à respetiva concretização, em concreto os princípios de transparência, gestão democráticas, equidade, razoabilidade, proporcionalidade e de fundamentação dos atos praticados.
Por impugnação, invocou que são desconhecidas as entidades, nacionais e estrangeiras e repertório efetivamente representado pela autora.
Quando aos pedidos indemnizatórios, impugna os cálculos efetuados pela autora.
Quanto à sanção pecuniária compulsória e medidas inibitórias, defende que as mesmas são manifestamente desproporcionais.
Em sede de direito defende que a utilização dos televisores em causa não corresponde ao conceito de execução pública, salientando a natureza privada dos quartos de hotel e defendendo que do que aqui se trata é de mera receção de emissões transmitidas pelo operador de televisão ZON, entidade esta que já paga as correspondentes taxas às entidades de gestão coletiva.
Audiência Prévia
Foi julgada improcedente a nulidade processual e a exceção de ilegitimidade ativa.
Sentença
A ação foi julgada nos seguintes termos:
«Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se o seguinte:
1) Condenar a Ré, com referência ao estabelecimento hoteleiro ... ALGARVE HOTEL RESORT ..., na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas sem a obtenção da competente autorização da A..
2) É fixada uma sanção pecuniária compulsória judicial, de €500,00 (quinhentos euros) por dia, da responsabilidade da R. pela eventual violação do decidido em 1) com efeitos a partir da data do trânsito em julgado da sentença.
3) Condenar a R. no pagamento à Autora, a título de indemnização pela execução pública não autorizada realizada pela R. no estabelecimento hoteleiro ... ALGARVE HOTEL RESORT ..., no ano de 2010 (2.º semestre), nos anos integrais de 2011, 2012, 2013, e 2014 (1.º semestre), no montante total de € 33.808,32 (trinta e três mil oitocentos e oito euros e trinta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a citação da R. e até integral pagamento.
4) À quantia indemnizatória ora referida em 3) acresce, ainda, juros à taxa de 5% ao ano, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, a título de sanção pecuniária compulsória legal, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil.
5) No demais, a R. é absolvida do pedido.
6) Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando o decaimento da A. em 70%.
7) Valor da causa já fixada em sede de despacho saneador = € 183.349,61.
Registe e notifique.»
Recurso
Interposto pela ré (fls. 463-508). Defendeu a revogação da sentença e a absolvição dos pedidos contra ela formulados, apresentando as seguintes conclusões:
«(…)
DA RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
E) Os Factos Provados 13) e 14) padecem de um erro material, na medida em que referem 217 ao invés de 215 quartos, sendo certo que tal número de quartos não só foi alegado pela própria Recorrida (cfr. artigo 78.º da Petição Inicial), como ficou ainda demonstrado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas Daniel Correia (depoimento prestado na audiência final de 24.09.2015, com início às 16:38) e Carlos Guerreiro (depoimento prestado na audiência final de 24.09.2015, com início às 16:25);
F) Deverá, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 614.º do CPC, ser ordenada a rectificação de tal erro material contido na Sentença e, consequentemente, a alteração dos Factos Provados 13) e 14) e da fundamentação vertida na mesma em conformidade;
DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA
G) O Tribunal a quo considera na fundamentação da Sentença (cfr. página 49/68) que o que importa ter em consideração para efeitos de aplicação das tarifas da Recorrida é o valor acrescentado para o estabelecimento hoteleiro decorrente da exibição de videogramas e não o número de quartos ou televisores existente,
H) Tendo, no entanto, fixado a indemnização a atribuir à Recorrida com base, precisamente e apenas, no número de quartos do estabelecimento hoteleiro explorado pela Recorrente;
I) Tal contradição entre os fundamentos e a decisão não poderá deixar de acarretar a nulidade da decisão sob sindicância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil;
J) Na Contestação por si apresentada, mais precisamente nos artigos 94.º a 111.º, a Ré, ora Recorrente, invocou a nulidade das tarifas fixadas pela Recorrida, por contrárias à lei (cfr. artigo 280.º do Código Civil), tendo pugnado pela procedência de tal excepção peremptória e, consequentemente, pela sua absolvição dos pedidos contra si deduzidos, conforme disposto no n.º 3 do artigo 576.º e no artigo 579.º, ambos do Código de Processo Civil;
K) Embora pareça decorrer da Sentença sob sindicância que o Tribunal a quo considera, efectivamente, inválidas as tarifas da Recorrida em vigor até 2014, na medida em que afirma “Tal contexto aponta, contudo e só por si, no sentido de que as tabelas em vigor até 2014 apresentavam valores que excediam a razoabilidade.
Neste contexto, quanto muito, apenas as tabelas do ano de 2014 e seguintes poderão ser consideradas equitativas, nenhuma pronúncia em concreto foi produzida a propósito da nulidade suscitada pela Recorrente.” (cfr. página 50/58 da Sentença),
L) Não se pronuncia efectiva e definitivamente sobre a nulidade oportunamente suscitada pela Recorrente;
M) Tal omissão de pronúncia acarreta a nulidade da decisão sob sindicância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil;
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO MEDIANTE A REAPRECIAÇÃO DA ROVA GRAVADA
Factos Provados 13) e 14)
N) Caso o Tribunal a quo entenda não deferir o pedido de rectificação de erros materiais quanto aos Factos Provados 13) e 14), sempre deverá tal matéria de facto ser devidamente alterada nos termos e pelos motivos melhor identificados nas Alíneas E) e F) das presentes Conclusões para as quais se remete por razões de economia processual;
Facto Provado 9)
O) O Tribunal recorrido considerou provada a matéria constante do Facto Provado 9) – “A A. representa a quase totalidade do repertório de videogramas nacionais e estrangeiros, utilizados e comercializados em Portugal.” – com base no teor dos Documentos n.ºs 3, 5, 6 e 9 da Petição Inicial e, bem assim, no depoimento da testemunha ANTÓNIO SANTOS, Director-Geral da Recorrida desde 1998 (depoimento prestado na audiência final de 24.09.2015, com início às 14:33);
P) Para além de resultar eventualmente demonstrado dos mencionados Documentos a representação por parte da Recorrida apenas quanto a determinados produtores,
Q) Também a referida testemunha se limitou a afirmar que a Recorrida representa a quase totalidade do repertório nacional, sendo certo que não soube dizer qual é essa totalidade;
R) Não se afigura possível em circunstância alguma determinar que alguém representa a quase totalidade das produtoras, sem saber quais (quantas!) são as produtoras existentes;
S) O que faz o Tribunal a quo não é mais do que assegurar que pertence à Recorrida a grande parte de um determinado universo, sem conhecer as dimensões desse mesmo universo;
T) Os “alicerces” da conclusão vertida no Facto Provado 9), isto é, que a Recorrida licencia a quase totalidade do repertório de videogramas, não só não resulta de nenhum dos documentos juntos por esta, como não decorre da prova testemunhal nestes autos produzida;
U) Deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que altere a matéria de facto contida nos pontos 13) e 14) dos Factos Provados e, bem assim, julgue não provado o actual ponto 9) dos Factos Provados, devendo o mesmo ser integrado no elenco dos Factos Não Provados (cfr. artigo 662.º do CPC);
DO ERRO DE JULGAMENTO
(AINDA) QUANTO AOS FACTOS Do não cumprimento, pela Autora Recorrida, do ónus da prova que sobre si impendia
V) Para que pudesse a Recorrida ser bem-sucedida na presente acção que move contra a Recorrente, seria necessário, pelo menos (!), que alegasse e provasse os seguintes aspetos:
Quais os produtores de conteúdos audiovisuais por si representados;
Que tais produtores são responsáveis pela produção de determinadas obras;
Que tais obras foram exibidas por determinados canais de televisão em determinadas datas;
Que nessas datas o Hotel explorado pela Recorrente dispunha de televisões que permitiam (e permitiram efectivamente) a visualização de tais canais.
W) A Recorrida não logrou provar nenhum dos referidos aspetos. E não se diga, sequer, que não o fez a Recorrida porque tal prova redundaria numa eventual “prova diabólica”, que não lhe poderia ser exigida,
X) Já foi a Recorrida, na pessoa do seu Diretor Financeiro, Exmo. Senhor Dr. Bruno Henriques, quem confessou, em sede de audiência final, dispor dos meios necessários para aceder atodas as grelhas de programação, conseguindo fazer a monitorização de todos os canais e assim perceber, para qualquer período temporal, quando e em que canais foram transmitidos os programas cujos conteúdos foram produzidos pelos produtores que representa (depoimento prestado na audiência final de 24.09.2015, com início às 15:23; minuto 03:53), sendo alegadamente esse, de resto, o sistema utilizado pela Recorrida para apurar a quem e em que medida deve distribuir o resultado da cobrança de tarifas de que diz ser responsável;
Y) Se assim é, então sempre se dirá que cumpria à Recorrida demonstrar que a cobrança que intenta fazer através dos presentes autos tem por fundamento a exibição “pública” de obras produzidas por produtores por si representados;
Z) A Recorrida não logrou identificar todo o repertório nacional e estrangeiro, desconhecendo e, consequentemente, se esta representa a totalidade/quase totalidade do mesmo. Desde logo, se não é possível confirmar qual é a totalidade desse repertório nacional e estrangeiro, por maioria de razão, não é possível confirmar se os produtores representados pela Recorrida correspondem à quase totalidade ou não daquele universo;
AA) A prova documental carreada para os autos pela própria Recorrida, em particular o Documento n.º 8 junto com a Petição Inicial, demonstra que dos cerca de 85 programas supostamente emitidos em 30.03.2014, 18 (ou seja cerca de 20%) não respeitam a artistas/produtores representados pela Recorrida;
BB) Do mencionado documento resulta, igualmente, diversos produtores como sendo representados pela Recorrida, sendo certo, porém, que a designação dos mesmos não consta de qualquer documento junto aos presentes autos, nem sequer da informação disponibilizada no sítio na internet explorado por aquela, tais como: BBC, Shine Iberia, Welsh-Pearson gb, Granada International, Sesame Workshop, Lazy Town Entertainment, Hit Entertainment, Nelvana, Planet Nemo Animation, CNC, France 3, Mondo Tv, RAI e RTBF, Moonscoop Entertainment, Aardman Animations e WDR, Rainbow S.r.l., Futurikon, Rai e ZDF, V&S Entertainment Ltd, Discovery Channel e Nic Entertainment, Mike Young Prod., Scholiastic Prod., Method Animation, JMS Productions & ABC, Valentim de CarvalhoTelevisão, Dreamworks, Teresa Guilherme Produções S.A., National Geographic Channel, Sociedade Independente Comunicação, Nickelodeon studios, Mirage Studios, Plural Entertainment, Sky Light Entertainment e Syfy, Cinemax,
CC) Constatando-se que relativamente a 27 programas (que deverão acrescer aos 18 acima referidos) é seguro extrair a conclusão de que não existe qualquer relação com os “representados” da Recorrida;
DD) A representação da “quase totalidade” dos titulares de direitos de autor ou direitos conexos sobre as obras é facto cujo ónus probatório recaía sobre a Recorrida, ónus esse que não se aceita que tenha sido cumprido, devendo, também por esta via, este Venerando Tribunal revogar a decisão recorrida e julgar improcedentes todos os pedidos por aquela formulados;
Da (inadmissível) presunção judicial quanto à taxa de ocupação efectiva
EE) O Tribunal recorrido limitou-se a ficcionar (tal como a Recorrida fez) uma taxa de ocupação no Hotel explorado pela Recorrente, no período de 2010 a 2015, a qual corresponderia a 100%; FF) Não foi produzida qualquer prova por parte da Recorrida acerca da ocupação efectiva no hotel da Recorrente nas datas em discussão nos autos, sendo certo que, tal como reconhecido na Sentença em crise, “o ónus de alegação e prova dos factos relativos à equidade da remuneração [nos quais, obviamente, se integram os relativos à taxa de ocupação efectiva] recai sobre a Entidade de Gestão Coletiva em caso de controvérsia com um determinado utilizador.” (cfr. página 48/58 da Sentença);
GG) A Recorrida limita-se a assumir, na sua Petição Inicial, que a taxa de ocupação efectiva corresponde a 100%, ou seja, nenhum facto concreto alega a este respeito, dando o Tribunal recorrido como boa tal assunção e presume que, efectivamente, a taxa de ocupação do estabelecimento hoteleiro explorado pela Recorrente corresponde (sempre) a 100%, não só não partindo de qualquer facto stricto sensu para o efeito como indo, inclusivamente, contra as regras da experiência comum que impunham conclusão distinta.
HH) Encontra-se a Sentença em crise eivada do vício de erro de julgamento, porquanto o julgador assentou o raciocínio tendente à fixação da indemnização a atribuir à Recorrida numa inadmissível presunção;
II) Não tendo sido demonstrada pela Recorrida qual a real ocupação efectiva do Hotel explorado pela Recorrente, não é possível, sem mais, considerar justa e equitativa a contrapartida por aquela exigida, razão pela qual não podia o Tribunal a quo julgar (sequer parcialmente) procedente a presente acção, devendo, ao invés, ser proferida Decisão que, julgando improcedente a acção, absolva a Recorrida de todos os pedidos contra si deduzidos;
QUANTO AO DIREITO
Do conceito de videograma
JJ) Não poderia, também, o Tribunal recorrido ter considerado que a Recorrente violava os direitos dos (alegadamente) representados pela Recorrida;
KK) Os filmes, séries ou telenovelas, objecto de difusão por operadores de televisão, não se subsumem à definição legal de videogramas;
LL) A transmissão por cabo (através de televisão) não pressupõe nem implica que a obra seja previamente fixada em qualquer suporte material; não implica a criação e a existência prévia de videograma;
MM) Não estando em causa a difusão, a execução pública ou a colocação à disposição do público de um videograma, não pode existir qualquer violação da lei e, pelo mesmo motivo, não há lugar a qualquer direito a remuneração, por parte da Recorrida, pela mera transmissão por cabo de obras audiovisuais efectuada no estabelecimento da Recorrente;
NN) O produtor de um videograma não tem o direito de autorizar ou não, a recepção de uma obra audiovisual difundida por um operador de televisão, como sucede in casu;
Do âmbito dos direitos conexos
OO) A Recorrida afirma representar titulares de direitos conexos. Este processo não diz respeito a direitos de autor;
PP) A Sentença recorrida socorre-se com frequência de decisões de Tribunais relativas a direitos de autor para retirar conclusões – sem qualquer justificação ou explicação – que aplica aos direitos conexos;
QQ) Os autores podem proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, enquanto os titulares de direitos conexos só podem proibir a colocação à disposição do público das fixações, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido;
Da pretensa execução pública
RR) A disponibilização de televisores nos quartos de hotel não constitui a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido;
SS) A interpretação do Tribunal de Justiça não vincula os Tribunais Portugueses, pois as pronúncias do Tribunal de Justiça relativas a questões prejudiciais suscitadas por um Tribunal de um Estado Membro apenas vinculam o Juiz do processo que efectuou o reenvio prejudicial;
TT) No que concerne aos outros Acórdãos citados da Decisão recorrida, ainda que por remissão para a Sentença de 1.ª Instância, os mesmos dizem respeito à Directiva 2006/115/CE (e não à Directiva 2001/29/CE), pelo que a sua irrelevância é notória;
UU) Os titulares dos direitos conexos autorizaram a sua comunicação ao público no contexto dos contratos que celebraram com os diversos canais de televisão,
VV) Canais de televisão que são recebidos pela Recorrente contra pagamento, no âmbito dos contratos celebrados com os respectivos distribuidores;
A dupla cobrança de remunerações
WW) A Recorrente não efectua, por meios próprios, uma reprodução, difusão, execução pública, ou colocação à disposição ao público de videogramas, mas sim uma mera recepção de emissões, transmitidas pelo referido operador de televisão,
XX) Se os hotéis (clientes das empresas de distribuição de televisão por cabo) procedem igualmente a tal pagamento à entidade de gestão colectiva, há, nitidamente, uma dupla cobrança, isto é, dois pagamentos pelo mesmo facto, o que representa, no mínimo, um enriquecimento ilícito por parte da Recorrida;
YY) Note-se que, no caso dos hotéis, os montantes a pagar às empresas de distribuição de televisão por cabo são proporcionais ao número de pontos de visualização (ou seja, quartos) em que os televisores estão instalados;
ZZ) Trata-se de difusão das mesmas obras, recebidas em simultâneo em todos os pontos de recepção, sujeita a um pagamento mensal que leva em linha de conta todos os pontos;
Da inexistência de benefício económico para a Recorrente
AAA) A pressuposição de um benefício económico ou vantagem com a disponibilização de televisores nos quartos de hotel tem que ser analisada com maior profundidade. Por duas razões: (i) a existência de televisores nos quartos é uma obrigação legal para os hotéis em Portugal classificados com cinco estrelas, nos termos do disposto na Portaria 327/2008, de28 de Abril, e (ii) a televisão, no contexto actual, não representa qualquer vantagem ou diferencial capaz de influenciar a decisão de um hóspede pela escolha do hotel, ou seja, não constitui, por si só, um benefício económico do estabelecimento;
BBB) A Recorrente, definitivamente, não beneficia de um aumento de clientela pela disponibilização dos televisores. Efectivamente, no sector de mercado em que se insere a Recorrente, todos os concorrentes dispõem de televisores nos quartos e espaços comuns (decorrente da referida obrigação imposta por lei);
Da nulidade das tarifas aplicadas pela Recorrida
CCC) A actuação da Recorrida no que respeita à fixação unilateral de tarifas não respeita os princípios legalmente estabelecidos de transparência, não discriminação, equidade, razoabilidade, proporcionalidade e fundamentação dos actos por si praticados, sendo, portanto, nulas tais tarifas;
DDD) O Tribunal a quo decidiu que, apesar de até 2014 as tarifas da Recorrida não se afigurarem válidas, as mesmas passaram, a partir de tal data, a prever “valores razoáveis e proporcionais à prestação em causa”. Porém, os argumentos por este esgrimidos para o efeito afiguram-se, salvo o devido respeito, destituídos de sentido;
EEE) Por que motivo uma percentagem de 0,07% sobre o preço de um quarto de € 150,00 por noite se afigura idónea? Só porque se afigura, numa primeira análise, uma percentagem baixa? Mas poderá a adequação, razoabilidade e proporção das tarifas aplicadas pela Recorrida ser aferida em função de tal critério? A resposta só poderá ser negativa…
FFF) As (alegadamente) reduzidas e até descontadas tarifas aplicadas pela Recorrida proporcionar-lhe-iam auferir a módica quantia de € 8.307,60 por ano (!);
GGG) A circunstância de as tarifas aplicadas em Portugal alegadamente não diferirem significativamente daquelas que são praticadas em Espanha (o que quer que o advérbio significativamente possa significar) – o que, de resto, apenas foi alegado e não provado – é, no mínimo, inócuo para a apreciação da validade das tarifas praticadas pela Recorrida;
HHH) A tarifa aplicada, em 2014, pela AISGE, num hotel de 5 estrelas, corresponde a € 1,74 por mês/quarto, por confronto com os € 3,22 por mês/quarto cobrados pela Recorrida;
III) Os Protocolos assinados com a Confederação do Turismo Português e as principais associações representativas dos hotéis não conferem, por si só, validade às tarifas cobradas pela Recorrida. Convenhamos que não pode a Recorrente satisfazer-se com esta óptica puramente mercantilista. Se o “mercado” está disposto a pagar, então será este o justo valor?! Uma vez mais, a resposta só pode ser negativa;
JJJ) O Tribunal de 1.ª instância reconhece que antes do “desconto” introduzido pela Recorrida nas suas tarifas esta cobrava valores desproporcionais e desrazoáveis, os quais passaram, aparentemente, a ser proporcionais e razoáveis em virtude da mera redução de 30%;
KKK) Não estivesse esta questão a ser discutida em Tribunal e não assumisse a relevância que assume na actividade da Recorrente, seria caso para dizer que a conduta da Recorrida seria equiparável à de uma grande superfície quando, antes de introduzir uma “super promoção” de 50%, aumenta o valor do produto em causa, precisamente, em 50%. Os clientes acreditam que estão a ter um enorme desconto e, afinal, pagam exactamente o mesmo valor (se não mais) do produto antes da promoção…
LLL) A declaração de invalidade de tais tarifas por parte do Tribunal a quo tem, obviamente, efeitos retroactivos, tudo funcionando, portanto, como se as mesmas nunca tivessem existido (cfr. artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil);
MMM) Não poderia o Tribunal recorrido fixar, como fixou efectivamente, a indemnização a atribuir à Recorrida com recurso às tarifas por esta praticadas em 2014, aplicadas retroactivamente aos anos de 2010 a 2013;
NNN) Considerando apenas válidas as tarifas de 2014 em diante, não restaria àquele Tribunal alternativa que não fosse calcular a mencionada indemnização apenas por referência a tal ano, OOO) Segundo o que alcançaria o montante de € 8.374,80 – € 3,22 x 215 quartos x 12 meses + € 0,70 x 8 televisores x 12 meses –, bastante diverso, portanto, da condenação proferida nestes autos, a qual ascende a € 33.808,32.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS APLICADAS IN CASU SEGUNDO
INTERPRETAÇÃO CONTIDA NA SENTENÇA
PPP) A aplicação retroactiva das taxas cobradas pela Recorrida, nos termos em que é feita pelo Tribunal a quo, afronta gravemente contra a Constituição da República Portuguesa e, em particular, contra o Princípio da Segurança Jurídica;
QQQ) Atenta a argumentação aduzida pelo douto Tribunal recorrido e em face da aplicação retroactiva das taxas alegadamente devidas pela Recorrente que logra fazer, não é possível garantir que (i) tivesse a decisão recorrida sido proferida em 2013, viessem a ser devidos (proporcionalmente) os mesmos valores ou sequer que (ii) tivesse a decisão recorrida sido proferida em 2017 e, porventura, tivessem existido novos descontos aplicados pela Recorrida, viessem a ser devidos (proporcionalmente) os mesmos valores pela Recorrente, por referência ao período aqui em apreço;
RRR) A interpretação e aplicação do disposto no artigo 211.º do Código do Direito de Autor e de Direitos Conexos promovida pelo Tribunal recorrido é inconstitucional, por violação manifesta do Princípio da Segurança Jurídica, vertido no artigo 2.º da Lei Fundamental;
SSS) O teor da Sentença recorrida afronta também gravemente contra o Princípio da Proporcionalidade, vertido no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.»
Resposta ao recurso
Consta de fls. 514-534. A recorrida defendeu a improcedência da apelação e a confirmação da sentença.
Admissão do recurso
Despacho de fls. 535.
Foi dado cumprimento ao artigo 641.º, n.º 1, do CPC.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Retificação de erros materiais;
- Nulidades da sentença;
- Impugnação da decisão de facto/erro de julgamento;
- Conceito de videograma;
- Âmbito dos direitos conexos;
- Execução pública;
- Dupla cobrança de remunerações;
- Inexistência de benefício económico;
- Nulidades das tarifas;
- Inconstitucionalidades.
B- De Facto
A 1.ª instância fundamentou a decisão com base na seguinte matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
1) A A. é uma Associação sem fins lucrativos, constituída a 16-01-1998, com a finalidade da defesa dos direitos conexos e de outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos de audiovisuais, cabendo-lhe, assim, entre outros, a defesa, cobrança, gestão e distribuição dos referidos direitos dos seus associados, conforme resulta dos seus respectivos Estatutos, juntos como doc. nº 1 da petição aqui dado por reproduzido.
2) A A. encontra-se registada na Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), desde 27-10-1998, conforme doc. n.º 2 da petição que aqui se dá por reproduzido.
3) A A., enquanto entidade de gestão colectiva constituída e registada nos termos já descritos, encontra-se mandatada para representar produtores de videogramas, em matérias relacionadas com a cobrança de direitos.
4) Fruto de acordos firmados com a GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, CRL, entidade de gestão colectiva dos direitos dos artistas, a A. está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança dos direitos das remunerações devidas a artistas intérpretes ou executantes, conforme resulta do doc. n.º 3 da petição que aqui se dá por reproduzido.
5) A A., em parceria com a GDA, desenvolve o licenciamento conjunto de direitos conexos de produtores de obras audiovisuais ou videogramas, artistas intérpretes ou executantes.
6) No âmbito da actividade de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores e artistas, a A. representa repertório nacional e estrangeiro.
7) No que concerne a repertório estrangeiro tal decorre de acordos celebrados com as suas congéneres estrangeiras, como também do licenciamento a produtoras nacionais suas associadas, de videogramas originalmente fixados noutros territórios.
8) Compete à A. o licenciamento e cobrança das remunerações de produtores e artistas, tanto ao nível do repertório nacional como do repertório estrangeiro, como também ainda das produtoras nacionais, suas associadas, de videogramas originalmente fixados noutros territórios.
9) A A. representa a quase totalidade do repertório de videogramas nacionais e estrangeiros, utilizados e comercializados em Portugal.
10) A remuneração de produtores, artistas intérpretes e executantes, cobrada aos aos utilizadores, é dividida entre produtores e artistas.
11) A sociedade R. explora o hotel denominado ... ALGARVE HOTEL RESORT ....
12) Tal hotel consiste num estabelecimento comercial aberto ao público e a funcionar diariamente.
13) O estabelecimento explorado pela R. consiste num hotel de cinco estrelas, com 217 quartos.
14) Cada um dos aludidos 217 quartos dispõe de uma televisão.
15) Os espaços comuns do hotel dispõem de 17 televisores, distribuídos, em concreto, da seguinte forma:
a) Corda Café: 2;
b) Portulano Bar: 2;
c) Ginásio: 8;
d) Concierge: 2;
e) Sales Office: 1;
f) Sales & Marketing: 2.
16) Nos televisores sitos nos quartos do aludido hotel é possível ver (não quer dizer que sejam efectivamente visualizados) os seguintes canais:
1 - SPG TV;
2 - ... TV;
3 - RTP1
4 – CNBC;
5 - TV5;
6 - BLOOMBERG;
7 – EURONEWS;
8 - FRANCE 24;
9 – RT;
10 - RTP2;
11 – SIC;
12 – TVI;
13 - SIC NOTICIAS;
14 - DISCOVERY CHANNEL; 15 – CNN;
16 - SKY NEWS;
17 - DEUTSCHE WELLE;
18 - M4M;
19 - ESPN AMERICA;
20 – EUROSPORT;
21 - RAI SPORT 1;
22 – MTV;
23 - VH1;
24 – PANDA;
25 - CARTOON NETWORK;
26 – KIKA;
27 - ARD DAS ERST;
28 – ZDF;
29 - SAT1;
30 - SPORT1;
31 - CHANNEL 21;
32 - PRO 7;
33 – BVN;
34 – TVE;
35 - CLASS TV;
36 – PTP;
37 - EGYPTIAN SAT CH;
38 - KUWAIT TV;
39 - JSC AL JAZEERA;
40 - ABU DABI;
41 - CORPORATE TV - LUXURY COLLECTION;
42 - CORPORATE TV - HOTEL RESTAURANTS;
43 - CORPORATE TV – RESORT;
44 - CORPORATE TV – PCVC.
17) Enquanto nas supra aludidas zonas comuns podem ser vistos (o que não significa que o sejam efectivamente) os seguintes canais:
a) Corda Café: SPORTV 1 e SPORTV GOLFE;
b) Portulano Bar: SPORTV 1 e SPORTV GOLFE;
c) Ginásio: Canais exibidos nos quartos;
d) Concierge: SPG & ... TV;
e) Sales Office: ... TV;
f) Sales & Marketing: ... TV.
18) Naquele estabelecimento procede-se, de forma habitual e reiterada, nos aludidos quartos e ginásio, através dos respectivos televisores referidos em 16) e 17) al. c) (ginásio), à passagem de videogramas pertencentes ao repertório da A. e para a respectiva clientela, clientela essa que varia.
19) A R. não possui qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da A., para proceder à execução ou comunicação pública de videogramas editados comercialmente, no referido estabelecimento.
20) A R. não pagou nem paga qualquer quantia à A., a título de remuneração equitativa pela execução ou comunicação pública de videogramas.
21) Por carta datada de 11-10-2010, a A. informou a R., em especial, do seguinte (doc. n.º 10 da petição aqui dado por reproduzido):
“Exmos Senhores,
De acordo com a lei vigente e como é seguramente do conhecimento de V. Exas., a execução ou comunicação pública de videogramas carece de autorização dos respectivos produtores ou dos seus representantes… autorização essa que é outorgada pela GEDIPE, não só em relação aos produtores de videogramas seus representados, como também em relação aos artistas, nacionais e estrangeiros, representados pela GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL.
...
O tarifário é o seguinte:
Tarifa 1
Quartos de Hotel
Categoria Euro/mês/quarto
Tarifas
Luxo ou 5 estrelas 42,05 4,60
…
Espaços comuns de todas as unidades hoteleiras
Categoria Euro/mês/quarto
Tarifas
Luxo ou 5 estrelas 1,00
…
Tarifa 6
Unidades de Restauração
Categoria Euro/mês/quarto
Tarifas
Tarifa Única 0,40
…
Sobre estas tarifas incide um desconto de 30% para o pagamento no espaço de 30 dias após a emissão da factura.
Ora verificando-se a utilização dos videogramas nos espaços, a saber, quartos, espaços comuns e restaurantes, que V.Exas administram, tal implica o referido pagamento. Importa salientar que a contínua utilização sem autorização das referidas obras implica responsabilidade civil e criminal.
Estamos certos de que V. Exas pretendem cumprir o legalmente disposto. Aguardamos o contacto de V. Exas a fim de nos indicarem o número de quartos efectivamente ocupados em 2009, em cada mês, por forma ao pagamento de direitos das habitações incidir apenas sobre as habitações efectivamente utilizadas. No que respeita aos espaços comuns e aos restaurantes o pagamento incide no primeiro caso (espaços comuns) sobre o número de quartos, a lotação do estabelecimento hoteleiro, e no segundo (unidades de restauração) sobre o número de lugares.
Em relação a 2010 poderão indicar-nos os mesmos elementos a fim de procedermos à respectiva facturação.”.
22) Por carta remetida à R. com data de 26-10-2011, a A. reiterou aquela informação e insistiu com o pedido de regularização das necessárias autorizações através do mencionado licenciamento, conforme doc. n.º 11 da petição aqui dado por reproduzido, nos seguintes termos:
“Escrevemos a V. Ex.as na qualidade de Advogados da GEDIPE – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DE DIREITOS DE AUTOR, PRODUTORES E EDITORES…
Na sequência de anteriores contactos estabelecidos pela nossa Constituinte com V. Ex.as e com a Confederação do Turismo Português e que se revelaram infrutíferas, fomos incumbidos de vos exigir que procedam ao licenciamento dos direitos conexos dos videogramas tornados acessíveis aos vossos clientes por V. Ex.as e cujos titulares são representados pela GEDIPE.
Assim, e como é nosso hábito, ficaremos a aguardar pelo prazo de 10 dias, a contar da recepção da presente, que V. Ex.as procedam ao licenciamento…”
23) Antes de intentar o procedimento cautelar em apenso, a A. enviou mais uma carta, a 20-01-2014, conforme o doc. n.º 12 da petição aqui dado por reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
“… ficaremos a aguardar pelo prazo de 8 dias, a contar da recepção da presente, que V. Exas procedam ao licenciamento dos direitos conexos acima mencionados, indicando-nos para o efeito:
a) a categoria dos hóteis/empreendimentos turísticos explorados por V. Exas;
b) o número de unidades de alojamento de que dispõe cada hotel/empreendimento turístico explorado por V. Exas;
c) o número de televisores em espaços comuns de acesso público;
d) a taxa de ocupação desde o segundo semestre de 2010.
…
Importa informar V. Exas. que esta é a última tentativa de resolução extra-judicial da presente questão, pelo que, findo o prazo agora concedido sem que V. Exas. procedam ao licenciamento dos direitos conexos por nós representados, faremos distribuir de imediato e sem qualquer outro aviso, a competente acção para a sua cobrança coerciva…”
24) Apesar da recepção pela R. das missivas descritas esta continua a passar, naquela unidade hoteleira, nos termos descritos supra, videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos.
25) Até à presente data a R. não apresentou à A. qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.
26) A A. fixa os tarifários aplicáveis às várias categorias de direitos conexos e às suas diferentes formas de exploração.
27) O tarifário descrito no doc. 13 da petição e publicado no site da A., foi aprovado em 02-04-2014 pela Direcção da A., com efeitos a partir de 01-01-2014.
28) Neste contexto, a A. fixou uma tabela para a execução pública em unidades hoteleiras, descrito no doc. n.º 13 da petição, que aqui se dá por reproduzido (fls. 115), do qual se destaca o seguinte:
“TARIFÁRIO de DIREITOS CONEXOS DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA de Videogramas 2014
Para calcular o valor a pagar pela aplicação das Tarifas abaixo indicadas deve ser apenas considerada a taxa de ocupação efectiva da unidade hoteleira/empreendimento turístico. Isto é, aqueles valores só se aplicam aos quartos efectivamente vendidos.
Tarifa Diária e Mensal por Quarto/Unidade de Alojamento Ocupado do Tipo: Hóteis e Pousadas Categoria Diária Mensal Luxo ou 5 estrelas 0,11€ 3,22€ 4 Estrelas 0,09€ 2,84€ 3 Estrelas ou Inferior 0,06€ 1,81€ |
Exemplo: Um hotel de 3 estrelas teve 20 quartos ocupados durante 15 dias no mês de Abril, logo 10 x (0,50=50%) x 1, 81 = 18, 10€ |
29) O tarifário pela A. relativo ao ano de 2013 consta descrito no doc. N.º 14 da petição, aqui dado por reproduzido, e do qual se destaca o seguinte:
“Tarifário de Direitos Conexos de Comunicação Pública de Videogramas 2013”
O tarifário de acordo com a nova classificação é o seguinte:
Tarifa 1
Quartos de Hotel (incluindo Pousadas) Categoria Euro/mês/quarto Tarifas Luxo ou 5 estrelas 4,60 … Espaços comuns de todas as unidades Categoria Euro/mês/quarto Tarifas Luxo ou 5 estrelas 1,00 … |
É considerado o espaço comum com monitor/tv, independentemente do número de monitores/tvs |
Unidades de Restauração
Categoria Euro/mês/quarto Tarifas Tarifa Única 0,40 … A tarifa dos quartos e espaços comuns incide sobre os quartos efectivamente vendidos/taxa de ocupação. Sobre estas taxas incide um desconto de 30% para o pagamento no espaço de 30 dias após a emissão de facturas. Abril de 2013 |
Nota: Os valores da tarifa são os mesmos da tarifa de 2010, apenas se procedeu à alteração da classificação dos estabelecimentos de acordo com a actual legislação em vigor.” |
30) As tarifas supra descritas resulta, da área da execução pública, foram fixadas tendo em atenção a categoria do hotel, o número de quartos e espaços comuns e a taxa de ocupação efectiva.
31) Os tarifários da A. supra descritos em 21, 22 e 29, foram fixados com base, entre outros elementos, no estudo junto como doc. 15 da petição (em formato CD), intitulado “Remuneração adequada pela transmissão de sinais de televisão num quarto de hotel: Valor relevante de referência (estimado) em 11 países Europeus” e o estudo constante de fls. 348 e ss. intitulado “ESTUDO COMPARATIVO SOBRE TAXAS DE OCUPAÇÃO E PREÇOS PRATICADOS EM ESTABELECIMENTOS HOTELEIROS EM PORTUGAL E ESPANHA PARA FINS DE COBRANÇA DE DIREITOS CONEXOS DE RETRANSMISSÃO DE CONTEÚDOS AUDIOVISUAIS E DIGITAIS”.
32) Em relação ao caso das congéneres Espanholas: Artistas, Intérpretes Sociedade de Gestión (AISGE) e a Entidad de Gestión de Derechos de los Produtores Audiovisuales (EGEDA), constata-se o seguinte:
33) As aludidas congéneres espanholas cobram separadamente as suas tarifas, e ao invés de considerarem o n.º de quartos, o que releva para o cálculo das suas tarifas é o n.º de camas.
34) Mais se conclui no estudo constante de fls. 348 e ss., que “Através dos valores observados, a partir das autoridades oficiais estatísticas dos dois países, é de se concluir que não existem diferenças estatisticamente significativas, entre os preços por quarto, praticados no setor hoteleiro em Portugal e em Espanha”.
35) Salientando ainda tal estudo que o peso do tarifário diário de cobranças de direitos de comunicação audiovisual nos hotéis em Portugal, face aos preços praticados por quarto, esse peso é extremamente reduzido, como se verifica pelo quadro seguinte:
36) Tentando ir ao encontro da pretensão manifestada pelas sociedades gestoras dos hotéis, a Gedipe e a GDA decidiram baixar as tarifas em 30% com efeitos a partir de Janeiro de 2014, o que se reflecte na tabela descrita no facto n.º 28.
37) Em 29-12-2015, foi assinado um Protocolo com a Confederação do Turismo Português (CTP), no âmbito do qual foram conseguidos inúmeros acordos, com as principais cadeias hoteleiras quer directamente, em processos judiciais em curso, quer através das diferentes associações representativas do sector.
38) As principais associações representativas dos hotéis aderiram aos termos do Protocolo celebrado com a CTP, assinando também, individualmente o seu próprio Protocolo, tais como: AHP – Associação da Hotelaria de Portugal; ACISO – Associação Empresarial de Ourém/Fátima; AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve; AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal; APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo.
39) No âmbito do Protocolo aludido em 38, os tarifários gerais fixados são do seguinte teor:
Tarifa Diária e Mensal por Quarto/Unidade de Alojamento Ocupado do Tipo:
Hóteis, Pousadas, Outros Empreendimentos Turísticos, Alojamento Local Categoria Diária Mensal Luxo ou 5 estrelas 0,107€ 3,22€ 4 Estrelas 0,081€ 2,44€ 3 Estrelas 0,060€ 1,81€ 2 Estrelas 0,051€ 1,53€ 1 Estrela 0,040€ 1,21€ |
Nota: As tarifas de Licenciamento de todas as categorias incluem o acesso a conteúdos televisivos em unidades de alojamento. |
A partir de 1 de Janeiro de 2016 o valor das tarifas serão actualizados de acord
o com o índice de Preços no Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística. |
Unidade de Cálculo para Valor Mensal dos
Espaços Comuns a Todas as Unidades Categoria Mensal Luxo ou 5 estrelas 0,70€ 4 Estrelas 0,60€ 3 Estrelas 0,50€ 2 Estrelas 0,40€ 1 Estrela 0,30€ |
Exemplo: Um hotel de 5 estrelas possui 2 espaços comuns, 100 quartos e teve uma taxa de ocupação mensal de 50% durante o mês de Junho, logo (2 x 0,70) x 100 x (0,5=50%) = 70,00€. |
40) No âmbito do Protocolo aludido em 38, os tarifários fixados para os associados e representados aderentes são do seguinte teor:
Tarifa Diária e Mensal por Quarto/Unidade de Alojamento Ocupado do Tipo: | ||
Hóteis, Pousadas, Outros Empreendimentos Turísticos, Alojamento Local | ||
|
41) Outras associações do sector celebraram Protocolos autónomos com a A., como é o caso, em 06-07-2015, da AIHSA – Associação dos Industriais Hoteleiros e Similares do Algarve, tendo a ATA – Associação de Turismo do Algarve, aderido a este Protocolo.
42) No âmbito do Protocolo aludido em 41, os tarifários fixados são igual idêntico ao descrito em 39 e 40.
43) A A. firmou ainda acordos com duas das principais cadeias hoteleiras portuguesas: Grupo Pestana e Grupo Vila Galé.
FACTOS NÃO PROVADOS
A) É a A. quem, unilateralmente, fixa as tarifas em causa, sem qualquer fio condutor que permita chegar aos valores indicados.
B) A fim de proteger os direitos cuja gestão lhe incumbe assegurar, a A. teve de suportar encargos substanciais, não apenas com o recrutamento, selecção e formação de colaboradores, bem como com as despesas inerentes à pesquisa, ao tratamento da informação recolhida, com as tentativas, goradas, no sentido do cumprimento voluntário das obrigações da Ré e, bem assim, finalmente, com o recurso à via judicial, destinado a fazer cessar a actividade ilícita da mesma e a obter a reparação devida pela prática desta conduta, gastos esses não inferiores a € 2.500,00.
III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
1. Retificação de erros materiais
Nas conclusões E) e F), a apelante alega que os factos provados sob os números 13 e 14 enfermam de erro material quanto ao número de quartos ali referidos (217) quando, na verdade, são 215.
Analisada a alegação constante do artigo 78.º da petição inicial (onde são mencionados 215 quartos) e a alegação vertida nos artigos 152.º a 156.º da contestação (onde é referido que o hotel possuiu 232 televisores, encontrando-se 215 nos quartos e 17 em zonas comuns), alegação acolhida na fundamentação da decisão de facto que atendeu à confissão da ré em relação «ao número de televisores existentes no hotel» (cfr. fls. 436v), constata-se que efetivamente se verifica o alegado erro material, porquanto apenas a soma de 215+17 corresponde ao número total de televisores mencionados na contestação.
Assim, ao abrigo do artigo 249.º do Código Civil, retifica-se a redação dos pontos 13 e 14 dos factos provados, passando a constar «215» onde consta «217».
2. Nulidades da sentença
Nas conclusões G) a M), a apelante arguiu a nulidade da sentença com dois fundamentos:
- Nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC – contradição entre os fundamentos e a decisão -, porquanto argumenta que a aplicação das tarifas revela o valor acrescentado para o estabelecimento decorrente da exibição de videogramas e não o número de quartos ou televisores e, no entanto, fixa a indemnização apenas com base no número de quartos;
- Nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC – omissão de pronúncia – porquanto não se pronunciou sobre a alegada nulidade das tarifas fixadas pela recorrida, ainda que pareça que efetivamente considera inválidas as tabelas em vigor até 2014.
Cumpre apreciar.
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas no referido artigo 615.º, n.º 1, do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, primeira parte, que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão. Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (“error in judicando”), mas não nulidade da decisão.
Por sua vez, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, estipula que a decisão é nula por excesso ou omissão ou excesso de pronúncia, considerando os parâmetros previstos no artigo 608.º do CPC.
No caso em apreciação, e lida a sentença, não descortinamos as arguidas nulidades.
Quanto à alegada contradição entre os fundamentos e a decisão a sentença calculou o valor da indemnização recorrendo a um juízo de equidade considerando vários fatores, como sejam, o lucro obtido/receita obtida com a conduta ilícita, a categoria do hotel (serviços prestados e correspondentes custos), o número de quartos, o valor que fundamentadamente alcançou e demonstrou como correspondendo ao valor da tarifa constante das tabelas de 2014 e seguintes.
Em face desses critérios calculou o valor da indemnização, pelo que não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos em que se baseou a decisão e o seu sentido decisório.
Quanto à alegada omissão, também não tem razão a apelante, porquanto a sentença apreciou a questão suscitada quando concluiu que as tabelas em vigor até 2014 continham valores que excediam a razoabilidade, ao contrário das tabelas em vigor em 2014 e seguintes.
Ademais, partiu desse pressuposto para considerar o valor da tarifa mensal, tendo aplicado igual critérios a todo o período em causa nos autos.
Verificando-se a arguida nulidade apenas quando é de todo omitida pronúncia sobre a questão colocada (independentemente da categorização normativa dada pela parte e argumentos apresentados), no caso, é patente que essa omissão não se verifica.
Improcede, assim, este segmento do recurso.
3. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
3.1. Factos provados sob os números 13 e 14:
Esta impugnação vertida na conclusão N), encontra-se prejudicada considerando a retificação já supra ordenada, sendo certo que a mesma apenas é suscitada para o caso de não proceder a referida retificação.
3.2. Facto provado sob o número 9:
Nas conclusões O) a U), a apelante impugna a decisão quanto à matéria deste ponto com base nos documentos n.ºs 3, 5, 6 e 9 da petição inicial e depoimento da testemunha António Santos.
Invoca, em suma, que não ficou demonstrado qual o repertório representado pela autora, donde não se poderia dar como provado que representa «quase a totalidade» do repertório nacional e estrangeiro. Pretende, pois, que tal facto seja dado como não provado.
O ponto 9 dos factos provados tem a seguinte redação: «A A. representa quase a totalidade do repertório de videogramas nacionais e estrangeiros, utlizados e comercializados em Portugal».
Na fundamentação da convicção do decidido, o tribunal a quo invoca, para além dos citados documentos, o testemunho da referida testemunha, nos seguintes termos:
«A análise de tais documentos foi conjugada com o depoimento da testemunha ANTÓNIO SANTOS, Director-Geral da Gedipe desde 1998. Esta testemunha descreveu a actividade da GEDIPE na respectiva representação de produtoras de videogramas, inclusive, com a RTP1 e RTP2 como beneficiários. Segundo o mesmo a A. representa 99,9 % dos direitos conexos em causa. Representam todos os programas com excepção de telejornais e transmissões desportivas em directo. Mesmo os talk shows são de representados seus. Desconhece qualquer produtor que não seja representada pela GEDIPE, mas pode acontecer que uma produtora nova não esteja por si coberto, mas será muitíssimo residual. Quanto a produtoras estrangeiras, sabem que estão mandatados, porque pertencem ao grupo AGICOA que centraliza todos os mandatos mundiais na Suíça, que também se encontram descritos no IGAC, em número superior a 4 milhões. Actualmente encontram-se a adaptar o seu site para disponibilizar estes elementos, mas estes já estão disponíveis no site da AGICOA. Mais declarou que a A. procede à cobrança por “comunicação pública” junto dos hóteis. Depois as quantias cobradas são repartidas entre os respectivos produtores. Os supra descritos Protocolos e Mandatos encontram-se em vigor. Também foi confrontado com a grelha de programação descrita no doc. 8 junto com a petição (fls. 53 a 58) referente aos canais RTP 1, RTP 2, SIC e TVI, tendo indicado inúmeros programas pertencentes ao repertório representado pela A., excluindo destes, apenas, os noticiários e programas de desporto em directo.
O depoimento da aludida testemunha foi prestado de forma objectiva e sem quaisquer razões para colocar em crise o respectivo conteúdo. Nesta sequência deve concluir-se que a A. representa um vasto número de produtores e o repertório representado efectivamente corresponde à quase totalidade do repertório de videogramas nacionais e estrangeiros comercializados em Portugal.»
A apelante não questiona a razão de ciência da testemunha, nem a credibilidade do depoimento, nem a forma como se encontra fundamentada a decisão.
Contrariamente ao referido pela apelante, resulta claramente do depoimento da testemunha que quantificou percentualmente quantos produtores representa autora (99,9%), ou seja, praticamente a totalidade de um universo de 100%, independentemente do concreto número de produtores representados, elemento assaz irrelevante, considerando que a ré não alegou que os videogramas passados nos televisores do hotel não estivessem inseridos no repertório representado pela autora, tendo sido demonstrado precisamente o inverso (cfr., assim, pontos 18 a 20 dos factos provados).
Tendo o tribunal dado como provada uma realidade com correspondência na prova produzida, não existe fundamento para a alterar a decisão de facto quanto ao impugnado ponto 9 dos factos provados, que se mantem.
4. Erros de julgamento:
Nas conclusões V) a II), ainda no que concerne aos factos, a apelante invoca dois erros de julgamento.
Alega, em primeiro lugar, que recorrida não cumpriu o ónus de prova quanto no que se refere à representação da «quase totalidade» dos produtores, invocando que recaía sobre a ora recorrida alegar e provar quais os produtores que representa, quais os produtores responsáveis pela produção de determinadas obras e quais as obras exibidas nos canais de televisão do hotel e as datas em que o foram.
Para além do já referido quanto à matéria do ponto 9 dos factos provados, que se reitera, a alegação da recorrente abstrai-se do que ficou efetivamente provado, ou seja, a não impugnação da matéria de facto constante dos referidos pontos provados sob os números 18 a 20, determina a irrelevância jurídica da argumentação da apelante nas conclusões de recurso sob as alíneas V) a DD).
Na verdade, tendo ficado provado que no estabelecimento da ré procede-se de forma habitual e reiterada, nos quartos e ginásio, através dos televisores ali instalados à passagem de videogramas pertencentes ao repertório da autora, visualizando tais programas os clientes do hotel, sem autorização dos produtores e seus representantes, sem pagar qualquer quantia, é evidente que estes factos são os relevantes para aferir se a recorrente incorreu na alegada violação dos direitos conexos que a recorrida lhe imputa, matéria estritamente de direito, como é bom de ver.
Em segundo lugar, a apelante alega erro de julgamento por o tribunal ter, alegadamente, utilizado uma presunção judicial quanto à taxa de ocupação efetiva do hotel (conclusões sob as alíneas EE) a II).
A questão colocada deve ser equacionada em sede de apreciação dos critérios acolhidos pelo tribunal quanto à fixação da indemnização, ou seja, no que concerne à aferição do mérito do julgado, pelo se relega para esse momento a sua concreta apreciação considerando que o valor alcançado pelo tribunal a quo também é objeto de impugnação pela recorrente.
5. Mérito da sentença:
5.1. Conceito de videograma.
Nas conclusões de recurso JJ) a NN), a recorrente alega que a sentença define, ao arrepio da lei, o conceito «videogramas», equiparando-as a obras audiovisuais, acrescentando que a transmissão televisiva por cabo não implica que a obra seja previamente fixada em qualquer suporte material, isto é, em videograma.
Não procede a alegação da recorrente.
A sentença reportou-se precisamente ao conceito legal de videograma previsto no artigo 176.º, n.º 5, do CDADC: «Videograma é o registo resultante da fixação, em suporte material, de imagens, acompanhadas ou não de sons, bem como a cópia de obras cinematográficas ou audiovisuais».
Não o definiu equiparando-o a obras audiovisuais. O que referiu, e isso é bem diferente, é que os videogramas servem de suporte a obras intelectuais como filmes, séries ou telenovelas, ou seja, o videograma é um material de suporte. O que corresponde ao que vem prescrito no artigo 1.º, n.º 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 39/88, de 06/02 (sendo que a redação do n.º 3 corresponde à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 121/2004, de 21/05).
O n.º 1 do artigo 1.º citado define videograma tal qual o faz o n.º 5 do artigo 176.º do CDADC, enquanto o n.º 3 do referido artigo 1.º, esclarece que «(…) é considerado material o suporte analógico ou digital, no qual está incorporado o videograma, através de cujo acesso é permitida a visualização da obra, designadamente, cartridges, disquetes, videocassetes, CD em todas as suas especificações, DVD, em todas as suas especificações, chips e outras formas de fixação que possam vir a ser determinadas pela inovação tecnológica.» (sublinhado nosso)
Sendo esta a noção de videograma é percetível que o facto da transmissão ser por cabo é irrelevante, uma vez que sempre está em causa a execução pública de videogramas, ainda que através de uma emissão de televisão (cfr., assim, artigo 184.º, n.º 2, do CDADC quando estipula que a execução pública de videogramas carece de autorização do produtor independentemente do meio por que é levada a cabo).
5.2. Âmbito dos direitos conexos
Nas conclusões de recurso 00) a QQ), alega a apelante que a sentença aplica a direitos conexos a tutela apenas conferida aos autores, esse sim, podem proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, enquanto os titulares dos direitos conexos apenas podem proibir a colocação ao público das fixações, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.
É patente a extravagância do argumento em face, desde logo, do disposto no artigo 192.º do CDADC, que estabelece o princípio de equiparação da proteção dos direitos conexos à conferida aos direitos de autor propriamente ditos.
Por outro lado, os direitos conexos, tipificados na lei (cfr. artigo 176.º a 194.º do CDADC), definidos no n.º 1 do artigo 176.º como «prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão» não excluem a tutela dos direitos dos autores como expressamente prescreve o artigo 177.º do mesmo Código: “A tutela dos direitos conexos em nada afeta a proteção dos autores sobre a obra utilizada».
Os direitos de autor regulam e concedem proteção à obra intelectual (um bem de natureza imaterial, uma criação do espírito) permitindo ao titular da mesma o correspondente aproveitamento (patrimonial e pessoal, reagindo contra a violação desse direito - cfr., entre outros, artigos 9.º, 11.º, 12.º, 67.º, 141.º, 149.º, 195.º e seguintes, do CDADC), o que não se confunde com os direitos conexos relativos às prestações referidas no artigo 176.º, n.º 1 do CDADC, que «pressupõem uma proteção complementar à obra intelectual, que pode consistir na sua execução, na sua produção técnica e industrial ou na sua radiodifusão»[1], estando aqui em causa, essencialmente, a proteção da vertente económica/empresarial do investimento por meio de uma remuneração.
Ora, no caso em apreço, a causa de pedir da ação funda-se na violação pela ré dos direitos conexos com os autorais, regulados nos artigos 176.º e seguintes do CDADC, mormente artigos 184.º, n.º 2 e 3, e 211.º.
Nem é preciso mencionar que a sentença bem entendeu a causa de pedir (e o pedido) e aplicou a lei, socorrendo-se da pertinente jurisprudência, mormente comunitária, tendo em conta o que está em discussão. Não existe, pois, qualquer fundamento na argumentação da apelante.
5.3. Execução pública
Nas conclusões WW) a ZZ), a apelante manifesta o entendimento que não procede à comunicação ao público e execução pública nos termos e para os efeitos do artigo 184.º, n.º 2, do CDADC, como decidido na sentença, limitando-se, ao invés, a receber a emissão televisiva, sendo esta distribuída em simultâneo pelos quartos e zonas comuns.
Acrescenta, ainda, que a interpretação do Tribunal de Justiça (TJ) não vincula os tribunais nacionais que não procederam ao reenvio prejudicial e, finalmente, que os acórdãos citados na decisão recorrida se reportam à Diretiva 2006/115/CE e não à Diretiva 2001/29/CE.
Começando pelo último argumento, para assinalar a estranheza do mesmo, considerando que a apelante nunca se reporta à Diretiva referida em primeiro lugar no corpo da alegação[2].
De qualquer modo, a interpretação do que seja «comunicação ao público» coloca-se nas duas Diretivas, respetivamente, nos artigos 8.º, n.º 2 e 3.º, n.º 1, sendo interpretado do mesmo modo pelo TJ. É nesse sentido que a sentença cita o acórdão proferido no C-162/10, de 15/03/2012, que decidiu uma questão prejudicial relativa à interpretação do citado artigo 8.º, n.º 2 da Diretiva 2006/115/CE, em paralelo com a menção aos acórdãos proferidos no C-306/05, de 07/12/2006, C-136/09, de 18/03/2010 e C-135/10, de 15/03/2012, que decidiram questões prejudicais relativas à interpretação do artigo 3.º, n.º 1 da Diretiva de 2001/29/CE.[3]
Acrescentando-se que não vemos na argumentação da apelante razão jurídica para ser produzida decisão diferente ao entendimento expresso nas decisões já proferidas nestes autos (no procedimento cautelar, no acórdão da Relação de Lisboa que apreciou a decisão cautelar e na ação principal, todas no mesmo sentido), que seguiram a referida interpretação do TJ, tal como o têm feito outros arestos desta Relação citados na sentença recorrida onde se colocou idêntica questão.
Contrapõe, contudo, a apelante que a jurisprudência do TJ não é vinculativa para os tribunais nacionais.
Porém, tal afirmação não tem qualquer fundamento jurídico.
Os arestos do TJ resolvendo questões interpretativas das citadas Diretivas, visam a harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação.
Tal resulta de forma evidente do acórdão C-306/95 que, como se disse, foi proferido no âmbito da interpretação da Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22/05, sendo que esta visou a harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação (cfr. artigo 3.º), tendo a mesma sido transposta para o direito interno português através da Lei n.º 50/04 de 24/8 (quinta alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) e que veio dar nova redação aos n.ºs 1 e 2 do artigo 184.º do CDADC.
Ora, a aplicação uniforme do direito comunitário e do princípio da igualdade determina que as disposições comunitárias sejam interpretadas pelos Estados-Membros, de forma autónoma, mas uniforme, conforme se relembra no ponto 31 do acórdão do TJ de 07/12/2006, remetendo para jurisprudência desse Tribunal (acórdãos de 9/11/2000, Yiadom, C‑357/98, e de 6/02/2003, SENA, C‑245/00).
Assim, são razões de uniformidade e de igualdade que afastam a argumentação da apelante.
Se a questão de direito é a mesma, a interpretação prejudicial tanto vincula o tribunal que colocou a questão, como os demais tribunais nacionais, podendo, contudo, a mesma questão prejudicial voltar a colocada pelo juiz nacional, não ficando o TJ inibido de rever ou modificar a interpretação anterior.
Neste sentido, veja-se, para além da doutrina citada na sentença recorrida, Carla Câmara, in “Guia Prático do Reenvio Prejudicial”[4], equacionando a questão dos efeitos da colocação de uma questão prejudicial sobre o processo nacional, nos seguintes termos:
“Decidida que esteja aquela questão, por Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais que julgam a causa em sede de recurso estão vinculados às conclusões do acórdão prejudicial, quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais (assim foi estabelecido no Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C – 29/68 quanto a questão prejudicial de interpretação). Além disso, os demais tribunais do Estado em causa e dos outros Estados membros da União também devem respeitar o teor do acórdão prejudicial, sem prejuízo de poderem colocar novas questões prejudiciais.”
Mas mesmo que assim não fosse - que é -, a adequação dos julgamentos dos Tribunais dos Estados Membros da União Europeia com a jurisprudência do TJ sempre se imporia como materialmente necessária para assegurar a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas (legal certainty), as quais, por sua vez, constituem Valores ético-sociais da maior relevância, pois a segurança e a confiança são condições indispensáveis ao normal funcionamento do comércio jurídico e, mais do que isso, da própria vida em sociedade.
Em conclusão, também improcede o recurso em relação a esta questão.
5.4. Dupla cobrança de remuneração
Nas conclusões WW) a ZZ), a apelante alega a duplicação de pagamentos: à entidade de gestão coletiva e às empresas de distribuição de televisão por cabo.
Não se questiona que tenha de pagar a duas entidades, mas isso não é fundamento (legal) para deixar de pagar, diríamos, a qualquer delas, considerando os distintos direitos em causa. Ou seja, os operadores de televisão estão sujeitos às taxas previstas no artigo 149.º do CDADC, que, por sua vez, fazem repercutir no preço do serviço que cobram aos seus clientes, enquanto o direito de comunicação ao público de videogramas se encontra sujeito à remuneração equitativa referida no artigo 184.º do mesmo Código, a pagar pelo utilizador, no caso, a autora.
Improcede também este segmento da argumentação da recorrente.
5.5. Inexistência de benefício económico para a recorrente
Nas conclusões AAA) a BBB), a apelante alega que dada a obrigatoriedade legal de existência de televisores em hotéis classificados com 5 estrelas, a sua existência não consubstancia um benefício económico.
Começa-se por referir que o TJ no acórdão proferido em 15/03/20123 (C-135/10- Società Consortile Fonografici (SCF) v Marco Del Corso), referenciando-se ao acórdão de 07/12/2006 (C-306/05), reconhece que, atendendo à natureza essencialmente económica do direito a uma remuneração equitativa, o conceito de comunicação ao público que a ele está inerente, pressupõe igualmente um escopo de benefício ou vantagem, o que se verifica quando está em causa um estabelecimento hoteleiro.[5]
Entre nós, a Portaria n.º 327/2008, de 28/04, estabelece a obrigatoriedade de TV a cores com controlo remoto nas unidades de alojamento dos estabelecimentos hoteleiros classificados com 3, 4 e 5 estrelas.
Porém, como se entendeu no acórdão nesta Relação de Lisboa, proferido em 4/06/2013, «à categoria do estabelecimento hoteleiro anda associado o valor cobrado pela ocupação dos respectivos quartos, constituindo, nessa medida, embora com carácter obrigatório para atingir uma determinada classificação, uma característica qualitativa que lhe traz benefício económico no âmbito da actividade desenvolvida.» [6]
Não vemos, fundamento que infirme tal constatação, acrescentando-se que não se descortina na lei qualquer obrigação dos estabelecimentos hoteleiros da natureza do da requerida porem à disposição dos clientes os conteúdos televisivos da natureza daqueles que constam dos factos provados sob o número 16.
Não se acolhe, pois, a objeção da apelante.
5.6. Nulidade das tarifas aplicadas pela recorrida
Nas conclusões CCC) a OOO), a apelante invoca que a atuação da apelada no que concerne à fixação unilateral de tarifas não respeita os princípios previstos na lei, sendo nulas.
Ademais, questiona os critérios que presidem a essa fixação, bem como a aplicação retroativa do valor de 2014 aos anos de 2010 a 2013.
O tribunal a quo na ponderação sobre o caráter equitativo da remuneração prevista no artigo 184.º, n.º 3, do CDADC, aplicável ao período em causa nos autos (2.º semestre de 2010, e anos de 2011, 2012, 2013 e 1.º semestre de 2014) levou em conta o normativo em vigor à data dos factos (artigo 4.º da Lei n.º 83/2001, de 03/08/2001[7]), bem como o tarifário aplicável a hotéis, que se baseia, essencialmente, nos seguintes fatores: categoria do estabelecimento hoteleiro (número de estrelas), número de quartos e taxa de ocupação efetiva, concluindo que o tarifário em vigor em 2014 respeita os princípios de transparência, equidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Considerou ainda na fundamentação do decidido o que resulta dos factos provados no que concerne à alteração do tarifário a partir de janeiro de 2014 em resultado da negociação entre as associações do setor de hotelaria, a GEDIPE e a GDA, um estudo abrangendo vários países europeus, outro referente a estabelecimentos hoteleiros em Portugal e Espanha, as tabelas da congénere espanhola AISGE, o Protocolo estabelecido com a Confederação do Turismo Portuguê (CTP) e as adesões de várias associações representativas do ramo hoteleiro (cfr. factos provados 30 a 43).
A apelante discorda pelas razões acima resumidas que passamos, agora, a analisar de forma mais concreta.
No que concerne à taxa de ocupação efetiva de 100%, importa dizer o seguinte: a taxa de ocupação efetiva é, sem dúvida, um dos fatores a ter em conta no modo como se alcança o valor da tarifa, a par da classificação do estabelecimento e número de quartos, e que molda o valor final da tarifa aplicável em cada período e a cada caso concreto.
Se os dois últimos fatores são de fácil constatação e comprovação por terceiros, a taxa de ocupação efetiva é um fator que apenas o estabelecimento se encontra em condições de fornecer de forma segura.
A autora alegou na petição inicial para demonstrar a razoabilidade do tarifário uma ocupação de 100% (artigo 82.º), invocando a possibilidade de correção se a taxa de ocupação efetiva viesse a revelar-se diferente (artigos 87.º a 88.º). Sendo que a variabilidade do valor em função da taxa de ocupação efetiva foi sempre transmitida à ré nas comunicações existentes antes da fase judicial do litígio como comprovam as missivas referidas nos factos provados sob os n.ºs 21 e 22.
A ré, na contestação, veio invocar, por exceção, a nulidade das tarifas unilateralmente fixadas pela autora (artigos 94.º a 111.º da contestação). Contudo, nunca invoca que a taxa de ocupação efetiva levada em conta pela autora se encontra incorreta e, muito menos, invoca qual seja a real taxa de ocupação efetiva que se verifica no estabelecimento hoteleiro em causa nos autos no período em discussão.
Assim, a ré aceitou que a taxa de ocupação efetiva do seu estabelecimento era 100% para efeitos do cálculo da referida tarifa.
Por conseguinte, o tribunal a quo quando aferiu da razoabilidade da referida tarifa não lançou mão de qualquer presunção judicial como a apelante defende nas conclusões de recurso sob as alíneas EE) a II), apenas se ateve à posição das partes sobre essa matéria, sindicando tão só se o resultado alcançado cumpria os princípios enunciados no artigo 4.º da Lei n.º 83/2001.
No que concerne à invocação de um tarifário com valor mais baixo aplicável pela congénere espanhola da autora, tal facto não consta dos factos provados, constando, antes, um outro no ponto 32 dos factos provados, que revela valores não coincidentes com os invocados pela apelante. Sendo que nos factos provados sob os n.ºs 34 e 35 até consta o inverso do invocado pela ora recorrente.
De qualquer modo, analisando o quadro apresentado pela apelante não se descortina quais os critérios utilizados para se alcançar o valor ali referido de €1,74, a não ser a classificação do hotel. Ora a comparação só poderá ser credível se os critérios utilizados forem os mesmos, e isso a apelante não conseguiu demonstrar (nem sequer os alegou).
A desvalorização do Protocolo estabelecido com a CTP e as adesões das associações representativas dos hotéis, com base nos argumentos utilizados nas conclusões III) a KKK), convenhamos, que são, no mínimo, pouco consistentes, imprestáveis, pois, para se questionar de forma séria o tarifário alcançado num quadro negocial para o ano de 2014, não imposto unilateralmente, contrariamente ao dito pela apelante.
Finalmente, quanto à alegada retroatividade, evidencia-se que nesta ação o que está em causa é, para além da aferição da violação pela ré dos direitos conexos dos representados pela autora, a determinação de uma indemnização por perdas e danos resultantes dessa violação (artigo 211.º, n.º 5, do CDADC), e não propriamente a condenação da ré no pagamento das tarifas que a autora foi aplicando no período em discussão nos autos e que a ré não pagou.
Assim, ainda que no cálculo dessa indemnização se tenha em conta o valor do tarifário que obedeça aos princípios enunciados no referido artigo 4.º da Lei 83/2001, de modo a alcançar a remuneração equitativa prevista no artigo 184.º, n.º 3, do CDADC, não está obviamente em causa a aplicação (retroativa ou não) desse tarifário, pelo que não se verifica a alegada retroatividade.
Em suma, também improcede este segmento da apelação.
5.7. Inconstitucionalidade da interpretação das normas aplicadas na sentença
Nas conclusões PPP) a SSS), a apelante invoca que a interpretação que a sentença fez do artigo 211.º do CDADC viola o artigo 2.º (princípio da segurança jurídica) e artigo 18.º, n.º 2 (princípio da proporcionalidade), da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Apreciando, adianta-se, desde já, que não assiste qualquer razão à apelante.
Quanto à violação do artigo 2.º da CRP, no entender da apelante resulta da aplicação retroativa das tarifas cobradas pela ré e na discricionariedade e casuísmo que resulta do facto da determinação do valor da taxa ficar dependente do momento em que é proferida a sentença.
Ora, por um lado, não está em causa, como já dito, a aplicação retroativa das tarifas praticadas pela ré, mas antes a determinação do valor da indemnização devida pela violação dos direitos conexos dos representados da autora, lesão essa carecida de reparação por recurso à equidade (n.º 5 do artigo 211.º do CDADC), como explanado na sentença, fundamentação jurídica para a qual se remete, mormente fls. 445-452, sendo que supra já houve ensejo de apreciar e decidir da justeza e legalidade do modo como o tribunal fundamentou e determinou o valor da condenação.
Por outro lado, não se vislumbra como pode estar infringido o princípio da segurança jurídica com base em meras conjeturas da apelante, que se contrapõem à realidade em apreciação, ou seja, ao facto de ter sido proferida uma sentença que apreciou e analisou a causa de pedir e pedidos formulados numa concreta ação, fundamentada de facto e de direito, como, aliás, decorre de imperativo constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da CRP).
No que concerne à violação do artigo 18.º, n.º 2, da CRP (princípio da proporcionalidade), alega a apelante que a sentença levou em consideração uma taxa de ocupação efetiva de 100%, não considerando sequer os meses em que o estabelecimento hoteleiro da ré esteve encerrado ao público (novembro de 2010 a janeiro de 2011).
Já supra se apreciou a questão da ocupação efetiva e a razão dessa consideração, pelo que se remete para o ponto 5.6.
Já a questão do encerramento temporário é questão nova, não a vemos alegada nos autos senão neste momento. Sendo que, de qualquer modo, os factos provados (e não provados) nada espelham nesse sentido, sublinhando-se que a ré não impugnou a decisão de facto suscitando a omissão agora invocada.
É, pois, inconsequente aludir que essa matéria ficou ficado provada em julgamento e criticar o tribunal por não a ter considerado na decisão (cfr. fls. 501 do corpo da alegação) quando a parte nada requereu em sede de julgamento de modo a tal factualidade ser considerada nos factos provados, mantendo igual postura em sede de recurso.
Não se verificam, pois, as invocadas inconstitucionalidades.
Em conclusão, a apelação improcede, exceto no que concerne à retificação do número de quartos, pelo que se impõe igualmente retificar o valor da indemnização devida, seguindo os cálculos da sentença, alterando-se o quantum indemnizatório para €33.499,20 (considerando €3,22x215x12= €8.307,60 + €67,20=€8.374,80x4=€33.499,20), mantendo-se no demais.
Dado o recíproco decaimento, as custas do recurso ficam a cargo da apelante e da apelada, na proporção do vencimento (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se o valor da indemnização do ponto 3) da parte dispositiva da sentença para €33.499,20 (trinta e três mil, quatrocentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos), condenando-se consequentemente a ré a pagar à autora este valor, mantendo-se no demais.
Custas nos termos sobreditos.
Lisboa, 16 de maio de 2017
(Eurico José Marques dos Reis - 1.º Adjunto)
______________________________________________________________
[1] MENEZES LEITÃO, “Direitos de Autor”, Almedina, 2001, p. 243.
[2] A Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito ao comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual, corresponde à versão consolidada da Diretiva 92/100/CEE do Conselho, de 19/11/1992, revogando-a, tendo esta última sido transposta para o nosso ordenamento jurídico através do Decreto-Lei n.º 332/97, de 27/11.
[3] De referir que a Diretiva 2001/29/CE foi transposta para o direito interno pela Lei n.º 50/94, de 24/08.
[4] Edição do Centro de Estudos Judiciários, com a colaboração científica de Maria José Rangel de Mesquita, p. 14 e 16.
[5] É o que consta do ponto 90 do acórdão onde se lê: “Mais concretamente, o Tribunal de Justiça já decidiu que a intervenção efetuada pelo operador de um estabelecimento hoteleiro, destinada a dar aos seus clientes acesso a uma obra radiodifundida, deve ser considerada uma prestação de serviço suplementar realizada com o fim de dela retirar um determinado benefício, na medida em que a oferta desse serviço tem influência na categoria do seu estabelecimento e, portanto, no preço dos quartos. De igual modo, o Tribunal de Justiça decidiu que a transmissão de obras radiodifundidas pelo operador de um café‑restaurante é efetuada com o objetivo e é suscetível de se repercutir na frequência do estabelecimento e, finalmente, nos resultados económicos do mesmo (v., nesse sentido, acórdãos, já referidos, SGAE, n.° 44, e Football Association Premier League e o., n.° 205).”
[6] Proc. n.º n.º 44/13.2YHLSB-C.L1-1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Diploma revogado pela Lei n.º 26/2015, de 14/04, a qual entrou em vigor em 14/05/2014, sendo que o artigo 10.º, n.º 1, corresponde ao artigo 4.º da Lei n.º 83/2001, prescrevendo ambos sobre os “Princípios” da atividade das entidades de gestão coletiva e respetivos critérios de gestão.