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ANULAÇÃO
MARCAS
CONCORRÊNCIA DESLEAL
MÁ-FÉ
SANÇÃO PECUNIÁRIA
PATENTE
REGISTO DE MARCA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
ACTIVIDADE COMERCIAL
Sumário
Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC)
1. A marca é um sinal distinto dos produtos, aposto nestes e que é utilizado por um empresário para distinguir os produtos sobre os quais incide a sua actividade económica. 2. Dos regimes jurídicos da marca notória e da marca de prestígio avulta o facto de a marca notória estar sujeita ao princípio da especialidade, o que não sucede com a marca de prestígio, em que aquele princípio não se aplica. 3. Para que uma marca registada se possa considerar imitada ou usurpada por outra é necessário concluir pela verificação cumulativa dos três requisitos: a) Prioridade de registo; b) Identidade ou afinidade dos produtos ou serviços; c) Semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra. 4. Atento o princípio da novidade da marca, destinado a proteger a sua função individualizadora, designadamente, de identificação do produto ou serviço, importa mais atentar na semelhança do conjunto dos seus elementos constitutivos, do que na dissemelhança que apresentem diversos pormenores, considerados isolada ou separadamente, sendo a impressão geral suscitada no consumidor médio dos produtos ou serviços em questão, que terá de ser ponderada, posto que o mesmo raramente procederá a um exame comparativo entre as marcas. 5. Uma marca considera-se registada de má-fé se o seu titular, no momento do registo, tiver consciência de estar a violar de forma ilícita e prejudicial um direito de terceiro. 6. A sanção pecuniária compulsória não funciona como indemnização, pois não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplemento da prestação eventualmente lhe venha a causar. Funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
FUNDAÇÃO ......., com sede no ….., intentou, em 15.07.2011, contra PEDRO ......., residente na ….., e PÊRA-GRAVE – SOC....., UNIPESSOAL, LDA., com sede na ….., acção declarativa com a forma de processo ordinário, através da qual pede:
a) A anulação dos registos das marcas nacionais n.ºs 359130 PÊRA GRAVE, 394463 PÊRA VELHA e 454524 PÊRA NOVA.
b) A anulação da firma da ré “PÊRA-GRAVE – SOC. …., UNIPESSOAL, LDA.” e o cancelamento do registo e matrícula no registo comercial e no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas.
c) A imposição aos réus da cessação e proibição do uso das expressões “PÊRA” e “PERAMANCA” ou outras semelhantes, de forma isolada ou em combinação com outras, designadamente, nas paredes e muros da sua propriedade, toldos, tabuletas, letreiros, pinturas em montras e viaturas, publicidade, sacos, embalagens, rótulos, documentação comercial, na Internet, ou por qualquer outro meio.
d) A imposição aos réus que retirem das suas propriedades e estabelecimentos e destruam todos os suportes com as expressões “PÊRA” e “PERAMANCA” ou outras semelhantes, designadamente os referidos em c), incluindo fotografias dos mesmos.
e) A condenação dos réus no pagamento de uma indemnização em montante a fixar com recurso à equidade, que tenha por base de cálculo, no mínimo, 51% do valor total das vendas realizadas pelos réus, desde 19-12-2001, e uma quantia não inferior a 15 000,00 €, destinada a cobrir os encargos suportados pela demandante com a protecção do seu direito de propriedade industrial e com a investigação e cessação da conduta lesiva desse direito.
f) A condenação dos réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00 € por cada dia posterior ao trânsito em julgado da sentença, em que não cumpram alguma das injunções referidas em a) a d).
g) A publicitação, a expensas dos réus, da sentença por qualquer meio que se considere adequado.
Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
i. Desde o princípio da década de 90, comercializa vinhos com as marcas “PÊRA-MANCA”, “CARTUXA”, “SCALA COELI”, “FORAL DE ÉVORA” e “E.A.”, os quais são produzidos na “Adega da Cartuxa”, instalada numa sua propriedade denominada “Quinta de Valbom”.
ii. É titular dos registos das marcas nacionais n.os 283684 (sinal misto)
e 308864 (sinal misto)
obtidos, respectivamente, em 07-06-1994 e 01-04-1996, e que destinam a identificar vinhos.
iii. “Peramanca”, “Pera-manca” e “Pêra-Manca” são formas de identificar uma zona do mesmo nome, onde se situa a Quinta de S. José de Peramanca, propriedade do réu e outros, onde eram produzidos vinhos com o mesmo nome, desde, pelo menos, o século XV.
iv. A partir do século XVII até finais do século XIX a designação “vinhos de Peramanca” foi deixando de ser utilizada, sendo que, na actualidade, a expressão “Pêra manca” é usada para distinguir os vinhos da autora e não para designar a proveniência geográfica desse produto.
v. Os vinhos “Pêra-Manca” da autora gozam de prestígio e reputação no mercado, tendo sido premiados em concursos nacionais e internacionais.
vi. A sociedade ré foi constituída em 19-12-2001, com a firma PÊRA-GRAVE SOC. …, UNIPESSOAL, LDA., e tem como único sócio o réu PEDRO ........
vii. O réu é titular dos registos da marca nacional n.os 359130 PÊRA-GRAVE e 394463 PÊRA VELHA, para assinalar “Bebidas alcoólicas, nomeadamente vinho”.
viii. A ré, por seu turno, é titular do registo da marca nacional n.º 454524 PÊRANOVA, também para assinalar “Bebidas alcoólicas, nomeadamente vinho”.
ix. Os réus dedicam-se, entre o mais, à comercialização de vinhos que são vendidos numa loja localizada na respectiva quinta e assinalados com a marca “PÊRA-GRAVE”. Utilizam as expressões “Quinta de S. José de Peramanca” e “S. José de Peramanca” para designar a aludida quinta, de que o demandado é comproprietário e que se situa a 5 quilómetros da cidade de Évora, destacando ainda a palavra “PERAMANCA” em suportes comerciais, tais como publicidade embalagens para garrafas.
x. Ora, a referida firma PÊRA-GRAVE – SOC…, UNIPESSOAL, LDA., e as marcas PÊRA-GRAVE, PÊRA VELHA e PÊRA NOVA constituem imitação das marcas prioritárias PÊRA-MANCA, as quais gozam de notoriedade. Para além disso, com as marcas atrás indicadas os réus pretendem fazer concorrência desleal ou esta é possível independentemente da sua intenção, estando também verificado o correspondente fundamento de anulação do respectivo registo.
xi. Por outro lado, a utilização do vocábulo “PERAMANCA” para distinguir vinhos ou em destaque na designação da “Quinta de S. José de Peramanca”, bem como em publicidade, tem o propósito de criar confusão e associação com os seus reputados vinhos “PÊRA-MANCA”, permitindo aos réus tirar um benefício ilegítimo da notoriedade conquistada pelos mesmos, para além de constituir violação dos seus direitos sobre as marcas PÊRA-MANCA.
xii. Reclama ainda a demandante o pagamento, pelos réus, de uma indemnização por perdas e danos resultantes da violação do seu direito de marca.
xiii. Uma vez que a conduta ilícita daqueles ser continuada e ainda não ter cessado, não é ainda possível determinar qual foi o lucro obtido pelos infractores, nem o valor dos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela autora, nos quais se incluem os encargos suportados com a protecção, a investigação e a cessação da conduta lesiva do direito invocado, pedindo, assim, a condenação daqueles no pagamento de uma indemnização em montante a fixar com recurso à equidade, que tenha por base de cálculo, no mínimo, 51% do valor total das vendas realizadas pelos réus, desde 19-12-2001, e uma quantia não inferior a 15 000,00 €, destinada a cobrir os encargos suportados com a protecção do aludido direito de propriedade industrial e com a investigação e cessação da conduta lesiva de tal direito.
Citados, os réus contestaram, em 10.10.2011, por excepção, invocando, a ineptidão da petição inicial, a excepção peremptória de preclusão por tolerância do direito de a autora requerer a anulação do registo da marca nacional n.º 359130 PÊRA-GRAVE e bem assim da firma da ré.
Mais sustentam na contestação que:
1. Não existe confundibilidade entre os sinais distintivos da autora e os dos réus, porquanto as marcas mistas n.ºs 283684
e 308864
são caracterizadas pela forte componente figurativa, que é o elemento essencial que as define e de onde advém a sua capacidade distintiva, assegurada pelo conjunto dos elementos figurativos e nominativos que as compõem.
2. Não estão reunidos todos os pressupostos exigidos pela lei para que se considere que as marcas nacionais n.ºs 359130 PÊRA-GRAVE, 394463 PÊRA VELHA e 454524 PÊRA NOVA imitam as marcas anteriores da autora.
3. A autora não prova nem alega factos que sejam demonstrativos quer do prestígio, quer da notoriedade que atribui às suas marcas, não estando a ser praticados pelos réus quaisquer actos que consubstanciem violação dos direitos daquela, quer porque não detém o direito ao exclusivo da utilização da expressão “Peramanca”, como ainda porque a utilização que da mesma é feita pelos demandados se limita a um uso normal do nome da sua propriedade, “Quinta de São José de Peramanca”.
4. A haver concorrência desleal, ela parte da autora contra os réus e não o contrário, porquanto aqueles se limitam a identificar o seu prédio misto denominado “Quinta de S. José de Peramanca”, nome da quinta onde se produz o vinho dos demandados, sendo certo que a mesma se localiza na zona de Peramanca, razão do nome da referida propriedade.
5. A autora não materializa nem quantifica os prejuízos por si sofridos que decorrem da utilização da denominação social da sociedade ré, concedida há dez anos pela autoridade administrativa competente para o efeito (o RNPC), sem oposição da demandante, para além de que não identificou que prejuízos sofreu com as alegadas condutas dos demandados, cuja reduzida dimensão e impacto no mercado com a venda dos vinhos “PÊRA-GRAVE” e “PÊRA NOVA” muito dificilmente poderão implicar qualquer tipo de redução nas vendas dos vinhos “PÊRA-MANCA”, a que acresce que não demonstrou qualquer indício de que o escoamento destes seus produtos tivesse sofrido prejuízo em resultados das mencionadas marcas posteriores.
A autora apresentou réplica, em 04.11.2011, respondendo às excepções deduzidas pelos réus no sentido da sua improcedência, para além de invocar factos supervenientes, relativos ao processo de registo da marca comunitária n.º 007291669.
Foi realizada a audiência prévia, em 05.11.2015, já no Tribunal da Propriedade Intelectual, para onde os autos foram remetidos, e na qual foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, deduzida pelos réus na contestação.
Na aludida audiência prévia foi ainda identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova.
Apresentados os meios de prova, foi levada a efeito a audiência final, em 13.04.2016, 14.04.2016, 15.04.2016, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 30.09.2016, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Destarte e por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção intentada por FUNDAÇÃO ....... e em consequência: a) Condenam-se os réus PEDRO ....... e PÊRA-GRAVE – SOC. …, UNIPESSOAL, LDA., a retirarem das suas propriedades e estabelecimentos os suportes com o vocábulo “PERAMANCA” em destaque indicados nos factos provados n.os 46, 48 e 50, fixando-se para o efeito o prazo de trinta dias a contar da notificação da presente sentença. b) Condenam-se os réus a se absterem de utilizar o vocábulo “PERAMANCA” de forma isolada ou em combinação com outros vocábulos, mas em que aquele se apresente em destaque, nomeadamente pelo maior tamanho da letra, como sucede nos factos provados n.os 46, 48 e 50, em paredes e muros da sua propriedade, toldos, tabuletas, letreiros, pinturas em montras e viaturas, publicidade, sacos, embalagens, rótulos, documentação comercial e na Internet, sem prejuízo do direito a usar a designação “Quinta de São José de Peramanca” / “Quinta de S. José de Peramanca” para identificar o prédio misto do réu, respectivo endereço e sede da ré, mas sem o indicado destaque do termo “PERAMANCA”. c) Condenam-se os réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), por cada dia de incumprimento das obrigações impostas em a) e b). d) De harmonia com disposto no artigo 338.º-O do CPI, ordena-se a publicitação da sentença, por extracto, numa edição de jornal de tiragem nacional, a expensas dos réus; e e) Absolvem-se os réus do demais peticionado pela autora. Julga-se improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé, formulado pelos réus. Custas pela autora e pelos réus, na proporção de 6/8 e 2/8, respectivamente (artigo 446.º, n.os 1 e 2 do CPC e, hoje, artigo 527.º n.os 1 e 2 do NCPC). Registe e notifique. Após trânsito, cumpra o disposto no artigo 35.º, n.º 3 do CPI.
Inconformadas com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, em 08.11.2016, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i. A Recorrente delimita o objecto da apelação às decisões que lhe são desfavoráveis, e que são as seguinte:
a) Improcedência do pedido de anulação dos registos das marcas nacionais n.ºs 359130 PÊRA-GRAVE, 394463 PÊRA VELHA e 454524 PÊRA NOVA.
b) Improcedência do pedido de anulação da firma da ré “PÊRAGRAVE– SOC. …, UNIPESSOAL, LDA” e o cancelamento do registo e matrícula no registo comercial e no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas.
c) Improcedência do pedido de imposição aos réus da cessação e proibição do uso da expressão “PÊRA” ou outras semelhantes, de forma isolada ou em combinação com outras, designadamente, nas paredes e muros da sua propriedade, toldos, tabuletas, letreiros, pinturas em montras e viaturas, publicidade, sacos, embalagens, rótulos, documentação comercial, na Internet, ou por qualquer outro meio.
d) Improcedência do pedido de imposição aos réus que retirem das suas propriedades e estabelecimentos e destruam todos os suportes com a expressão “PÊRA” ou outras semelhantes.
e) A condenação dos réus no pagamento de uma indemnização em montante a fixar com recurso à equidade, que tenha por base de cálculo, no mínimo, 51% do valor total das vendas realizadas pelos réus, desde 19-12-2001, e uma quantia não inferior a 15 000,00 €, destinada a cobrir os encargos suportados pela demandante com a protecção do seu direito de propriedade industrial e com a investigação e cessação da conduta lesiva desse direito.
f) A condenação dos réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00 € – o Tribunal a quo fixou o valor dessa sanção em apenas 250,00 €.
ii. Na sentença recorrida entendeu-se que a legislação a considerar na apreciação da validade da marca nacional n.º 359130, PÊRA-GRAVE, deve ser feita à luz do Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro.
iii. Esse enquadramento legal não é acertado, por se alhear do disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de Julho e chocar frontalmente com a doutrina expendida no douto Acórdão do S.T.J. de 07/05/2015 (Proc. n.º 2443/09.5TBCLD.L1.S1).
iv. Deverá considerar-se que aos registos das marcas nacionais n.ºs 359130, “PÊRA-GRAVE”, 394463, “PÊRA VELHA”, e 454524, “PÊRA NOVA”, são aplicáveis os fundamentos de anulação do registo de marca previstos no Código da Propriedade Industrial (CPI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/2008.
v. Contrariamente ao decidido na, aliás, douta sentença, existe fundamento para a anulação dos registos das marcas nacionais n.ºs 359130, “PÊRA GRAVE”, 394463, “PÊRA VELHA”, e 454524, “PÊRA NOVA”, de que os Réus são titulares, com fundamento em imitação das marcas nacionais n.ºs 283684 e 308864, de que a Autora é titular, e em concorrência desleal.
vi. As marcas da Autora são constituídas pela combinação de desenhos (rótulos), sobre os quais é grafada a expressão PÊRA-MANCA.
vii. No que concerne a uma marca mista, que é constituída pela combinação de elementos figurativos e verbais, partilhamos do entendimento, que tem sido perfilhado pela doutrina e jurisprudência, de que o elemento verbal constitui o elemento predominante, uma vez que é a forma mais relevante de identificação de uma marca.
viii. Não pode a Autora conformar-se com o decidido pela Mm.ª Juiz a quo, ao concluir que a marca PÊRA-MANCA, da Autora, não é notoriamente conhecida, apesar da profusa prova documental que infirma essa conclusão.
ix. Uma marca beneficiar ou não do estatuto de marca notoriamente conhecida (art.º 241.º, n.º 1 do CPI), é uma questão de direito, não de facto.
x. Os factos dados por provados, no seu conjunto, impõem a conclusão de que a marca PÊRA-MANCA é uma marca notoriamente conhecida.
xi. Não tendo o legislador definido qualquer critério para o preenchimento do conceito jurídico de notoriedade da marca – e, muito menos, um critério quantitativo –, não pode o julgador deixar de recorrer, prima facie, às regras da experiência comum, que no caso ditam, sem nenhuma dúvida, que grande parte dos consumidores conhece os vinhos PÊRAMANCA e imediatamente os associa a vinhos de eleição, de excepcional qualidade, representativos do melhor que em Portugal se faz.
xii. São mais do que bastantes os factos dados por provados e os elementos de prova documental e testemunhal produzidos nos autos que, no seu conjunto, conduzem a concluir que a marca PÊRA-MANCA é notoriamente conhecida, designadamente os factos provados 6 e 7, 10 a 13 e 42, que aqui se dão por reproduzidos.
xiii. Os factos dados por provados e o acervo de prova documental e testemunhal produzidos nos autos (para já nem se apelar às regras da experiência comum e a um módico de cultura geral), evidenciam que a marca PÊRA-MANCA é uma das marcas de vinhos mais conhecida e reputada no nosso país, sendo, em consequência, uma marca notoriamente conhecida, na acepção do art.º 241.º, n.º 1 do CPI.
xiv. Ora, do mesmo modo que as marcas PÊRA-MANCA, da Autora, também as marcas PÊRA-GRAVE, PÊRA VELHA e PÊRA NOVA, dos Réus contêm, logo no início, o vocábulo “PÊRA”.
xv. É consabido que numa expressão, o elemento inicial é o que tem maior capacidade de atrair a atenção, é o que mais facilmente se memoriza.
xvi. A palavra “PÊRA”, no âmbito de especialidade dos vinhos, é um elemento de fantasia, um elemento distintivo forte, pois não tem nenhuma conexão ou significado algum que se correlacione com esses produtos – os significados mais comuns da palavra “PÊRA”, são o fruto da pereira ou a porção de barba na parte inferior do queixo...
xvii. Tendo o Tribunal a quo dado por provado que os registos de marca da Autora gozam de prioridade em face dos registos de marca dos Réus, que uns e outros se destinam a assinalar produtos idênticos ou afins, deveria ter concluído, ainda, que as marcas dos Réus apresentam tais semelhanças gráficas e fonéticas com as marcas da Autora, que possibilitam o erro ou confusão fácil dos consumidores.
xviii. Ou seja, in casu estão preenchidos todos os requisitos cumulativos do conceito legal de imitação de marca, previstos no art.º 245.º, n.º 1 do CPI.
xix. Ademais, no confronto entre as marcas PÊRA-MANCA, da Autora, com as marcas PÊRA-GRAVE, PÊRA VELHA e PÊRA NOVA, dos Réus, não pode deixar de se tomar em consideração o que se estabelece no n.º 3 do art.º 245.º do CPI: «Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada».
xx. Tal é o caso das marcas dos Réus, pois reproduzem a denominação de fantasia “PÊRA” das marcas PÊRA-MANCA, da Autora.
xxi. Acresce que, por a marca PÊRA-MANCA ser notoriamente conhecida, na comparação entre as marcas em conflito deve tomar-se em consideração a doutrina do Acórdão do S.T.J. de 14/11/2000 (Revista n.º 2498/00 - 1.ª Secção), em que se concluiu o seguinte: «A notoriedade da marca agrava o risco de confusão uma vez que a marca notória deixa na memória do público consumidor uma lembrança persistente e tentadora».
xxii. É manifesto que os Réus, para obterem a confusão com as marcas PÊRA-MANCA – para assim tirarem partido injustificado e gratuito da notoriedade das mesmas – resolveram adoptar a expressão “PÊRA”, em combinação com outros elementos secundários, sem capacidade distintiva: GRAVE, VELHA e NOVA.
xxiii. Na perspectiva de um consumidor médio, nas marcas dos Réus essas palavras são meros adjectivos ou indicações relativas a qualidades dos próprios produtos – ou seja, são simples elementos genéricos, previstos no art.º 223.º, n.º 1, al. c) do CPI, que não são considerados do uso exclusivo dos Réus, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
xxiv. Na comparação entre marcas, não pode atribuir-se a mesma relevância todos e quaisquer elementos nelas contidos, antes devendo a comparação focar-se nos elementos prevalentes ou com carácter distintivo, por serem estes os que podem conferir carácter distintivo à marca.
xxv. Por outro lado, na comparação das marcas devem abstrair-se os elementos sem carácter distintivo, isto é, os elementos genéricos que participem na sua composição, mas que não relevam para efeitos de um juízo de distinção/confusão.
xxvi. Assim se procedendo, como se afigura mais acertado, resulta que as marcas dos Réus caracterizam-se, exclusivamente, pela palavra “PÊRA”, sendo este um elemento forte e distintivo das marcas PÊRA-MANCA da Autora, donde, a confusão das marcas dos Réus com as marcas da Autora é, assim, fácil.
xxvii. A utilização da palavra “PÊRA”, nas marcas PÊRA-GRAVE, PÊRA VELHA e PÊRA NOVA, cria um risco de associação com as marcas PÊRA-MANCA, como se aquelas fossem simples variações das marcas PÊRA-MANCA, da Autora.
xxviii. A imitação das marcas notoriamente conhecidas PÊRA-MANCA, da Autora, é, pois, manifesta.
xxix. Também a intenção das Rés fazerem concorrência desleal à Autora é evidente, sendo certo que o motivo de anulação do registo de marca previsto no art.º 239.º, n.º 1, al. e) do CPI (aplicável por força do art.º 266.º, n.º 1 do CPI), dispensa a verificação dessa intenção, bastando a possibilidade de a marca servir para fazer concorrência desleal, independentemente da intenção do titular.
xxx. Tendo a propriedade dos Réus a designação “Quinta de S. José de Peramanca” (sem nenhum acento circunflexo ou hífen), salta à vista que a adopção do elemento “PÊRA” nas suas marcas (na marca “PÊRAGRAVE” com acento circunflexo e hífen, tal como nas marcas da Autora), foi mais um estratagema, de má-fé, para facilitar a confusão com as marcas PÊRA-MANCA, da Autora – recorde-se aqui que, a par disso, as Rés também utilizaram no comércio a expressão “PERAMANCA” como sinal distintivo, de forma destacada.
xxxi. A sentença recorrida violou, por inaplicação, o disposto nos art.ºs 241.º, n.º 1 (aplicável por força do art.º 266.º, n.º 2 do CPI), 245.º, n.ºs 1 e 3, e 239.º, n.º 1 al. e), todos do CPI.
xxxii. Em consequência, deverá ser revogada e substituída pela anulação dos registos das marcas nacionais n.ºs 359130, “PÊRA GRAVE”, 394463, “PÊRA VELHA”, e 454524, “PÊRA NOVA”.
xxxiii. Contrariamente ao decidido, não se verifica a invocada excepção peremptória de preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação do registo da marca nacional n.º 359.130, “PÊRA-GRAVE”.
xxxiv. Não existe nos autos nenhum elemento de prova de que a Autora, FUNDAÇÃO ......., tivesse conhecimento da existência do registo da referida marca, desde a sua concessão, ou, sequer, de que o uso dessa marca se tivesse iniciado com a concessão do registo e não anos mais tarde.
xxxv. Sobre o uso da marca “PÊRA-GRAVE”, o Tribunal a quo apenas deu por provado que ela era usada na data da contestação, em 11/10/2011, isto é, em data posterior à da instauração da presente acção, em 15/07/2011 –. Facto provado 41.
xxxvi. E também não existe nenhum elemento de prova de que a Autora tenha autorizado o registo dessa marca, ou, posteriormente, por qualquer modo, tivesse consentido o uso da marca.
xxxvii. A circunstância de a Autora ter reclamado, em 28/02/2003, contra o pedido de registo da marca nacional n.º 367794, PEDRA-MANCA (veio a ser recusado), não permite concluir que tivesse conhecimento de outro(s) registo(s) de marca das Rés, e, em concreto, que conhecesse naquela data a existência do registo da marca nacional n.º 359.130, “PÊRA-GRAVE”.
xxxviii. Acresce que, a possibilidade de preclusão por tolerância está afastada no caso sub judice, por esse instituto não ser aplicável ao registo obtido de má fé, nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do art.º 267.º do CPI.
xxxix. Os factos dados por provados, no seu conjunto, permitem concluir que à data em que o Réu pediu e obteve o registo da mara “PÊRA GRAVE”, de acordo com as regras da experiência, não podia deixar de conhecer a existência das marcas notoriamente conhecidas “PÊRA-MANCA, de uma bem conhecida concorrente, da mesma cidade de Évora – a FUNDAÇÃO ........
xl. Com efeito, foi dado por provado que «Os vinhos “Pêra-Manca” da autora são vinhos de qualidade e reputados no mercado (...)» (facto provado 10) e «Desde o princípio da década de 90 que a autora comercializa as marcas de vinho (PÊRAMANCA) » (facto provado 6).
xli. Em face da matéria de facto dada por provada, deve concluir-se que o registo daquela marca foi obtido de má-fé e para fazer concorrência desleal à Autora.
xlii. O registo da marca nacional n.º 359.130, “PÊRA-GRAVE”, foi concedido por despacho do INPI de 14/04/2003, e a sua anulação judicial, na presente acção, foi pedida em 15/07/2011, concluindo-se que foi apresentada dentro do prazo de 10 anos a contar da data do despacho de concessão do registo, tal como admitido no n.º 4 do art.º 266.º do CPI.
xliii. Não se verifica, pois, a invocada excepção peremptória de preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação do registo da marca nacional n.º 359.130, “PÊRA-GRAVE”.
xliv. O pedido de anulação da firma ou denominação social PÊRA-GRAVE – SOC. …, UNIPESSOAL, LDA é tempestivo.
xlv. O pacto social dessa sociedade foi publicado no Diário da República, II Série, de 25/02/2002 – vd. facto provado 30 –, mas a Autora não alegou em que data tomou conhecimento da existência dessa denominação social e as Rés também não.
xlvi. O n.º 1 do art.º 267.º do CPI prevê, expressamente, o «conhecimento do facto» e não o facto ou a possibilidade/obrigação erga omnes de o conhecer e o n.º 2 do mesmo art.º 267.º do CPI dispõe que «O prazo de cinco anos previsto no número anterior, conta-se a partir do momento em que o titular teve conhecimento do facto».
xlvii. O legislador, ao regular o instituto da preclusão por tolerância optou, inquestionavelmente, por fixar o prazo de cinco anos a contar desde o «conhecimento do facto».
xlviii. E o prazo de anulação de uma denominação social, com fundamento em confusão com marca anteriormente registada, é de «(...) 10 anos a contar da publicação no Diário da República da constituição ou de alteração da denominação social ou firma de pessoa colectiva (...)», nos termos do n.º 5 do art.º 4.º do CPI.
xlix. Também a circunstância de ter sido apresentada reclamação contra o pedido de registo da marca nacional n.º 3677794, em 28/02/2003 (facto provado 33), não permite dar o salto conclusivo de que a Autora tinha conhecimento, nessa data, da denominação social da requerente desse registo.
l. Na fundamentação do facto 33 (pág. 33 da sentença recorrida), esclarecesse que foi dado por provado com base na certidão do processo de registo da marca nacional n.º 367794.
li. O que resulta desse documento é que não existiu nenhuma intervenção directa da Autora - sequer uma procuração -, mas sim dos seus mandatários, que são Agentes Oficiais da Propriedade Industrial a quem conferiu uma genérica autonomia para a defesa administrativa dos seus direitos de marca, designadamente para apresentarem reclamações contra pedidos de registo que lhes pareçam conflituar com as marcas da Autora.
lii. Do conhecimento da existência do referido pedido de registo de marca, pelos mandatários da Autora, que subscreveram a referida reclamação, não decorre, necessariamente, que a própria Autora tivesse conhecimento dos pormenores desse contencioso.
liii. Sem conceder, sempre se dirá que no caso sub judice a possibilidade de preclusão por tolerância está afastada, pois esse instituto não é aplicável ao registo obrido de má-fé – cf. parte final do n.º 1 do art.º 267.º do CPI.
liv. Remete-se para o acima alegado sobre a obtenção de má-fé e para fazer concorrência desleal do registo da marca “PÊRA-GRAVE”, por ser em tudo aplicável à obtenção da firma ou denominação social caracterizada pela mesma expressão “PÊRA-GRAVE”.
lv. Em suma, a anulação da firma ou denominação social PÊRA-GRAVE-SOC, …, UNIPESSOAL, LDA foi pedida em 15/07/2011, dentro do prazo de 10 anos a contar da sua publicação oficial, em 25/02/2002, sendo tempestiva, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4.º do CPI.
lvi. Como decorre do acima alegado, a utilização da expressão “PÊRA” pelos Réus consubstancia uma violação dos direitos de marca da Autora, adquiridos pelo registo das suas marcas PÊRA-MANCA.
lvii. O art.º 224.º, n.º 1 do CPI estabelece que «O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina».
lviii. Os registos prioritários das marcas nacionais n.ºs 283684 e 308864, PÊRA-MANCA, conferem à Autora o direito de exclusivo de utilização da expressão “PÊRA”, no âmbito de especialidade vinhos, que são, também, os produtos para que as Rés estão a usar a expressão “PÊRA”.
lix. Nos termos do disposto no art.º 258.º do CPI, «O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor».
lx. Sendo esse o caso dos autos, deve ser julgado procedente o pedido de imposição aos réus da cessação e proibição do uso da expressão “PÊRA” ou outras semelhantes.
lxi. Mutatis mutandis, a procedência do pedido anterior, implica determinar a imposição aos Réus que retirem das suas propriedades e estabelecimentos e destruam todos os suportes com a expressão “PÊRA” ou outras semelhantes.
lxii. Da matéria de facto dada por provada resulta claramente que os Réus têm feito uso de sinais distintivos com a expressão “PERAMANCA” em destaque, assim como das marcas de vinhos “PÊRA-GRAVE” e “PÊRA NOVA”, em infracção dos direitos sobre as marcas PÊRAMANCA, da Autora.
lxiii. A Autora tem, assim, o direito de reclamar das Rés o pagamento de uma indemnização por perdas e danos, resultantes da violação dos seus direitos de marca, a calcular nos termos dos n.ºs 1 a 4 do art.º 338.º-L do CPI.
lxiv. Por a conduta ilicita dos Réus ser continuada e ainda não ter cessado, e por referência ao disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 338.º-L do CPI, não é possível à Autora determinar, neste momento, qual foi o lucro obtido pelos infractores, nem o valor dos danos emergentes e lucros cessantes por si sofridos, nos quais se incluem os encargos suportados com a protecção, e a cessação da conduta lesiva do seu direito.
lxv. O n.º 5 do mesmo artigo prevê que «Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso a equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas pela parte lesada caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial em questão e os encargos suportados com a protecção do direito de propriedade industrial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito».
lxvi. Nestas circunstâncias, pede-se que seja julgado procedente o referido pedido, revogando-se nessa parte a sentença recorrida, e que a Veneranda Relação de Lisboa se digne determinar à 1.ª Instância que, na liquidação em execução de sentença, estabeleça uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que (hipoteticameme) teriam sido auferidas pela Autora se os Réus lhe tivessem solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial em questão, e que teria sido de 51% (cinquenta e um por cento) do valor total das vendas realizadas pelos Réus desde 19/12/ 2001 (data da constituição da sociedade Pêra-Grave – Soc. .. Unipessoal, Lda) - cf. art.º 338.º-A do CPI -, e uma quantia razoável, destinada a cobrir os encargos suportados com a protecção judicial, mas não só, do direito de propriedade industrial, e com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito – cf. art.º 338.º-L do CPI - não inferior a 15.000,00 € (Quinze Mil Euros).
lxvii. A Autora pediu a condenação dos Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00 € por cada dia posterior ao trânsito em julgado da sentença, em que não cumpram alguma das injunções referidas em a) a d) do petitório.
lxviii. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente esse pedido, tendo fixado o valor da referida sanção em 250,00 €.
lxix. Esse montante é desajustado, por defeito, ao fim pretendido: constranger os Réus a obedecer ao que lhe foi imposto, determinados a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado.
lxx. Estando em causa uma Ré que é uma sociedade comercial que comercializa vinhos, com várias marcas, uma sanção pecuniária compulsória no valor de 250,00 € será claramente incapaz de constituir uma ameaça credível para impedir o eventual incumprimento das injunções impostas.
lxxi. Deve a sentença, quanto a este pedido, ser parcialmente revogada, e julgado totalmente procedente o pedido, fixando-se o valor da referida sanção pecuniária compulsória em 500,00 € (Quinhentos Euros), por cada dia posterior ao trânsito em julgado da sentença, em que os Réus não cumprirem alguma das injunções referidas em a) a d) do petitório.
Pede, por isso, a apelante, que a sentença seja parcialmente revogada, e, em consequência, ser a acção julgada totalmente procedente, por provada, e os réus condenadas no pedido.
Os réus apresentaram contra-alegações, em 09.12.2016, propugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida e formularam as seguintes CONCLUSÕES:
i. É o seguinte o objecto do recurso movido pela Recorrente:
1) A apreciação da validade da marca nacional n.º 359130 (“PÊRA-GRAVE”) deverá ser feita, não à luz do Decreto-lei n.º 16/95, de 24 de janeiro, como entendeu a Decisão Recorrida, mas sim à luz dos fundamentos de anulação do registo de marca previstos no Código da Propriedade Industrial (CPI), aprovado pelo Decreto-lei n.º 143/2008 – cf. Conclusões 2 a 4;
2) A Decisão Recorrida “violou, por inaplicação, o disposto nos artigos 241.º, n.º 1 (aplicável por força do art.º 266.º, n.º 2 do CPI), 245.º, n.os 1 e 3, e 239.º, n.º 1, al. e), todos do CPI”, porquanto deveria concluir-se pela anulação dos registos das marcas nacionais n.os 359130 (“PÊRA-GRAVE”), 394463 (“PÊRA VELHA”) e 454524 (“PÊRA NOVA”) com fundamento em: i. imitação das marcas nacionais n.os 283684 e 308864 por: a. preenchimento de todos os requisitos do artigo 245º, n.º 1 do CPI – cf. Conclusões 17 a 20; b. Notoriedade das marcas da Recorrente (o que agrava o perigo de confundibilidade) – cf. Conclusões 8 a 13 e 21; c. “Pêra” ser uma denominação de fantasia e ser o elemento preponderante a considerar na aceção da confundibilidade das marcas – cf. Conclusões 16. iii. concorrência desleal – cf. Conclusões 29.
3) Relativamente à marca n.º 359130 (“PÊRA-GRAVE”), “não se verifica a invocada exceção peremptória de preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação do registo de marca nacional n.º 359.140, “PÊRA-GRAVE” regime este que estará, de qualquer forma afastado por se dever ter considerado que o registo da marca foi obtido de má-fé, com base na matéria de facto dada por provada–cf. Conclusões 33 a 43;
4) Relativamente à preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação da firma ou denominação social “PÊRA-GRAVE – SOC. …, UNIPESSOAL, LDA.” pugna a Recorrente pela inexistência de matéria provada que sustente que esta tinha conhecimento da existência dessa denominação social, regime este que estará, de qualquer forma afastado por se dever ter considerado que o registo da marca foi obtido de má-fé, com base na matéria de facto dada por provada – cf. Conclusões 44 a 55.
5) A improcedência do pedido de condenação dos Réus, ora Recorridos, no pagamento de uma indemnização por perdas e danos – cf. Conclusões 62 a 66.
6) Quanto ao valor aplicado no que concerne à sanação pecuniária compulsória.
ii. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não deve conhecer de parte do Recurso ora apresentado, pois o Recorrente recorre de aspetos da decisão a quo que não lhe foram desfavoráveis, designadamente os pontos supra listados sob os números 1 e 3.
iii. Estabelece o artigo 633º, n.º 1, do CPC que, tendo ambas as partes ficado vencidas, como foi o caso, cada uma delas só pode recorrer na parte que lhe for desfavorável, concretizando a regra geral, constante do artigo 631º, n.º 1, do CPC, que os recursos podem ser interpostos por quem, sendo parte principal, tenha ficado vencido.
iv. Ora, por um lado a decisão do tribunal a quo no que respeita ao Direito temporalmente competente para aferir da validade da marca 359130, em nada prejudicou a Recorrente, pelo que recurso não deve ser conhecido nesta parte, por não haver decisão em que o Recorrente tenha decaído,
v. Por outro, o mesmo racional se aplica à preclusão por tolerância face à marca 359130 (“PÊRAGRAVE”), já que o Tribunal a quo desatendeu o pedido e aplicação da referida exceção que havia sido invocada pelos ora Recorridos.
vi. Assim, o presente recurso não pode ser conhecido quanto aos pontos 1 e 3 listados na conclusão A. supra nos termos do art. 633.º, n.º 1 do CPC, devendo ser rejeitado o conhecimento as questões identificadas sobre as Conclusões 33 a 43 da Recorrente.
vii. Igualmente, deve o presente recurso ser rejeitado no que concerne ao ponto 4. Supra identificado, onde veio a Recorrente alegar que os registos das marcas e da firma das Recorridas foram obtidos de má-fé e, ainda, que esta circunstância impede o funcionamento do instituto da preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação do registo da marca “PÊRA-GRAVE” e da fima “PÊRA-GRAVE – Soc, ….., Unipessoal, Lda.”.
viii. Toda a alegação da Recorrente no presente recurso é baseada na pretensa má-fé dos Recorridos, em clara contradição com a matéria de facto provada e não provada na douta decisão a quo, pois resulta evidente da factualidade provada – vide pontos 19 a 25, 43 a 45 e 54 – a inexistência de má-fé dos Recorridos.
ix. Nos termos do artigo 640.º do CPC incumbia à Recorrente invocar os pontos concretos da prova produzida que levariam a conclusão diferente sobre a alegada má-fé dos Recorridos, o que não fez, pelo que, não tendo a Recorrente invocado a matéria de facto específica que levaria a conclusão diferente, deve o recurso ser rejeitado quanto a este ponto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, in fine, do CPC.
x. Acresce que, e mesmo que assim não fosse entendido, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder, não pode a Recorrente basear o seu entendimento pela existência de má-fé em dois factos provados que não dizem, sequer, respeito aos Recorridos!
xi. O instituto da má-fé- consubstancia-se em actos ou omissões deliberadas da parte a que é imputado, o que manifestamente não é o caso no que concerne aos factos n.º 10 “Os vinhos “Pêra-Manca” da autora são vinhos de qualidade e reputados no mercado, (…)” e n.º 6 “Desde o princípio da década de 90 que a autora comercializa as marcas de vinhos referidas em 4 e 5.
xii. E mesmo que assim não fosse, é evidente que a matéria de facto provada evidencia uma conduta de boa-fé dos Recorridos, a qual se extrai dos factos provados nos pontos 19 a 24 e 44 e 45.
xiii. Como é evidente, e assim considerou a decisão a quo, a decisão de utilização das expressões “PERA” nas marcas denominação social dos Réus, nada tem que ver com a Recorrente, mas antes com os 104 anos de história da propriedade dos Réus, ora Recorridos, onde se encontra a exploração vitivinícola que dá origem aos vinhos dos Réus, ora Recorridos.
xiv. No que concerne ao ponto 2 acima citado - fundamento para a anulação dos registos das marcas nacionais nªs 359130, “PÊRA-GRAVE”, 394463, “PÊRA VELHA”, e 454524, “PÊRA NOVA”, de que os Réus são titulares, com fundamento em imitação das marcas nacionais n.ºs 283684 e 308864, de que a Recorrente é titular e em concorrência desleal – refira-se que resulta claro da prova produzida que não existe qualquer confundibilidade, ou risco de confusão, entre as marcas – mistas – da Recorrente e as marcas – nominativas – dos Recorridos: as diferenças gráficas, conceptuais e fonéticas mostram-se evidentes.
xv. Não se encontram verificados os requisitos cumulativos do artigo 245.º do CPI de 2003, não estando assim igualmente verificados os requisitos de anulabilidade de marca previstos nos artigos 266.º, n.º 1 e 239.º, n.º 1, alínea a) do CPI de 2003.
xvi. Insurge-se a Recorrente contra a decisão que indeferiu a anulação dos registos das marcas dos Recorridos (e, bem assim, da firma da Recorrida), invocando a suscetibilidade de constituírem atos de concorrência desleal, porquanto, segundo a Recorrida, tais marcas e firma contêm a expressão “Pêra”, o que constitui imitação da marca “PERA-MANCA”.
xvii. Não se verificando, da matéria de facto dada como provada, qualquer usurpação/imitação das marcas da Recorrente ou prática de atos que possam induzir o público consumidor a confundir os sinais mistos desta última com os sinais dos Recorridos, cai, assim, pela base a alegação da Recorrente nesta sede.
xviii. Com efeito, não se verifica qualquer situação de concorrência desleal ou possibilidade de a mesma ocorrer, não se tendo apurado quaisquer factos que integrem o apontado fundamento de invalidade do registo, devendo a pretensão da Recorrente, também nesta sede, improceder.
xix. A Recorrente arroga-se à detenção de um monopólio sobre a palavra “Pêra”, logrando obter a proibição, da parte dos Réus, a utilizar essa expressão, assim como a expressão “Peramanca”, de toda e qualquer forma e feitio, o que como é evidente é uma pretensão que o direito não tutela.
xx. A este respeito cumpre remeter para o que foi já referido a propósito do risco de confusão entre os sinais distintivos dos Recorridos e as marcas da Recorrente, acrescentando-se que –não tendo ficado nos autos provado qualquer facto que demonstre o risco de confusão entre os sinais distintivos dos Recorrentes e Recorrida, não se mostram reunidos os pressupostos indicados no artigo 258.º do CPI, dos quais depende o exercício do jus prohibendi que caracteriza o direito exclusivo da Recorrente, enquanto titular das marcas nacionais n.os 283684 e 308864.
xxi. O que, aliás, a Recorrente bem sabe, porquanto se absteve de qualquer ação face à marca nacional n.º 405721 “Pêra Doce” pedida e usada no comércio de um vinho do Alentejo por um outro produtor, cfr. resulta da factualidade assente- ponto 43.
xxii. Acrescenta-se porém, que se acaso se considerasse existir alguma confundibilidade, em que não se concede, a mesma e criada pela própria recorrente que incluiu no seu rotulo e marcas referentes a um vinho que nunca produziu e a uma história que não é sua – vide factos 8. E 9. da matéria provada.
xxiii. Acresce que, ficou demonstrado e assim determina a decisão recorrida, que as marcas da Recorrente não gozam de notoriedade e, portanto, de especial e reforçada força distintiva que agravaria o risco de confusão, porquanto os prémios recebidos pelos vinhos da Recorrente não são critério de aferição do prestígio ou notoriedade de uma marca, mas antes critérios de aferição da qualidade de um produto, e os resultados dos estudos apresentados não demonstram uma notoriedade das marcas da Recorrente.
xxiv. Não colhe igualmente, nem tal consta da factualidade assente, que “Pêra” seja um vocábulo de fantasia, usado com critério de exclusividade pela Recorrente nas marcas invocadas nos presentes autos.
xxv. No que respeita questão da preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação da firma - ponto 3 supra indicado - a Sentença recorrida não merece censura, pois à data da propositura da presente ação, já se encontrava precludido qualquer eventual direito da Recorrente à anulação da denominação social da Recorrida, uma vez que o prazo de caducidade de 5 anos previsto no artigo 215.º, n.º 2 do CPI de 1995 iniciou a 26.02.2002 e terminou a 25.02.2007, isto é, mais de 4 anos antes da propositura da presente ação em juízo, que data de 19.07.2011.
xxvi. Veio a Recorrente alegar que os registos das marcas e da firma das Recorridas foram obtidos de má-fé e, ainda, que esta circunstância impede o funcionamento do instituto da preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação do registo da marca “PÊRA-GRAVE” e da fima “PÊRA-GRAVE – Soc. …, Unipessoal, Lda.”.
xxvii. Ora, toda a alegação da Recorrente é baseada na pretensa má-fé dos Recorridos, em clara contradição com a matéria de facto provada e não provada na douta decisão a quo, pelo que se remete para o que já ficou dito quanto à impossibilidade de conhecimento do recurso nesta sede, nos termos do artigo 640.º do CPC
xxviii. No que respeita ao pedido indemnizatório por perdas e danos, não se provou também qualquer um dos pressupostos da responsabilidade civil, pelo que o pedido da Recorrente não podia deixar de ser, como foi, improcedente.
xxix. Finalmente, relativamente à questão da sanção pecuniária compulsória, mais uma vez não tem razão a Recorrente pois os Recorridos são produtores detentores de uma pequeníssima quota de mercado, e comercializam vinhos a preços muitíssimo inferiores aos preços praticados pelos vinhos da Recorrente, pelo que o valor peticionado inicialmente pela Recorrente sempre seria totalmente desajustado, devendo também nesta sede improceder o recurso da Recorrente.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
ü DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica a análise:
a) DELIMITAÇÃO DO REGIME LEGAL APLICÁVEL;
b) DA PRECLUSÃO POR TOLERÂNCIA EM RELAÇÃO À MARCA NACIONAL Nº 359130 PÊRA-GRAVE E À DENOMINAÇÃO SOCIAL DA RÉ;
c) DO CONCEITO E FUNÇÃO DA MARCA, MARCA DE PRESTÍGIO E MARCA NOTÓRIA;
d) A IMITAÇÃO OU USURPAÇÃO DE MARCA REGISTADA, O SEU ENQUADRAMENTO NUMA SITUAÇÃO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL, O RISCO PARA O CONSUMIDOR PORTUGUÊS DE CONFUNDIR AS MARCAS EM LITÍGIO, A MÁ FÉ DA RÉ NA OBTENÇÃO DOS REGISTOS E PRETENDIDA INDEMNIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS;
e) DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA;
III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi dado como provado na sentença recorrida, que não foi alvo da adequada impugnação, o seguinte:
1. A autora é uma instituição de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, instituída em 25-09-1963, pelo Eng.º Vasco …., com sede em Évora, que se rege pelos seus Estatutos.
2. Do património da autora faz parte a “Quinta do Valbom”, nas cercanias da cidade de Évora, onde está instalada a “Adega da Cartuxa”, na qual são produzidos os vinhos “PÊRA-MANCA”, “CARTUXA”, “SCALA COELI”, “FORAL DE ÉVORA” e “E.A.” daquela.
3. A autora utiliza uvas provenientes da Herdade dos Pinheiros na feitura dos seus vinhos “PÊRA-MANCA”.
4. A autora é titular do registo da marca nacional n.º 283684
(sinal misto) requerido em 11-06-1992 e concedido em 07-06-1994, para assinalar “vinhos brancos ou tintos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
5. A autora é também titular do registo da marca nacional n.º 308864
(sinal misto), requerido em 04-04-1995 e concedido em 01-04-1996, para assinalar “vinho branco”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
6. Desde o princípio da década de 90 que a autora comercializa as marcas de vinhos referidas em 4 e 5.
7. Os sinais das marcas n.os 283684 e 308864 da autora resultam de uma adaptação do rótulo cujas ilustrações foram criadas por Alfredo Roque Gameiro, um renomado pintor e desenhista de finais do século XIX, princípios do século XX.
8. Das referidas marcas da autora constam também as inscrições "Os vinhos de PeraManca são os mais antigos e conhecidos do Alentejo, citados por D. João II em 1480 n'uma carta da CAMARA D'ÉVORA".
9. No rótulo traseiro usado nas garrafas de vinho tinto Pêra-Manca produzido pela autora diz-se, ainda, "O vinho Pêra-Manca – Évora, remonta ao sec, XV "citado nas crónicas quinhentistas e se exportava largamente nas esquadras portuguesas em demanda de terras ultramarinas“ (Espanca) e referido por D. João II em 1488 num carta da Câmara de Évora. A ele se referiram vários escritores sendo dos mais antigos a paródia bachica ao canto I dos Lusíadas onde da Índia à Pêra-Manca com os seus vinhos célebres (Barata)… no fim do séc. passado o vinho Pêra-Manca, propriedade de J. Soares, teve grande projecção pela sua valiosa presença em concursos internacionais, tendo obtido um invejável conjunto de prémios" (Rosário). Salientando-se as medalhas de ouro em Bordéus em 1897 e 1898…”.
10. Os vinhos “Pêra-Manca” da autora são vinhos de qualidade e reputados no mercado, sendo o “Pêra-Manca” branco lançado anualmente e o tinto lançado apenas quando a autora considera ter atingido um determinado padrão de qualidade.
11. A marca PÊRA-MANCA da autora foi incluída no “Tributo a Marcas de Excelência em Portugal”, ano de 2005, da Superbrands.
12. Os vinhos “Pêra-Manca” da autora foram premiados em concursos nacionais e internacionais de vinhos.
13. A autora criou o “Clube Pêra-Manca 2000”, que é constituído por um grupo limitado a 2 000 sócios, consumidores fiéis e com acesso garantido aos vinhos “Pêra-Manca”.
14. Os vinhos “Pêra-Manca” são vendidos nalguns hipermercados e supermercados.
15. O número de garrafas produzidas, por colheita e ano de lançamento (incluindo para exportação), dos vinhos brancos e tintos “Pêra-Manca”, entre 1990 e 2012, foi o seguinte:
16. Segundo as estatísticas de produção vitivinícola na região do Alto Alentejo (onde se inserem as produções, quer da autora, quer dos réus), o número de unidades produzidas pela Adega Cooperativa de Borba, C.R.L., para a marca “Adega de Borba”, situou-se, no período de 2007 a 2010, entre os 2.000.000,00 e os 3 500.000,00 litros (correspondendo, respectivamente, a cerca de 2 666.667 e 4 666.667 de garrafas da capacidade de 0,75 litros), na marca “Convento da Vila”, entre os 2 000.000,00 e os 4 500.000,00 litros (correspondendo, respectivamente, a cerca de 2 666.667 e 6 000.000 de garrafas) e na marca “Montes Claros”, próximo dos 100.000,00 litros anuais (correspondendo a cerca de 133.333 garrafas).
17. A Adega Cooperativa do Redondo, C.R.L., apresenta, em 2011, 5 221.883,00 litros de vinho branco e tinto “Porta da Ravessa” (correspondendo a cerca de 5 288.773 garrafas) e 3 966.580,00 litros de vinhos tintos e brancos “Real Lavrador” (correspondendo a cerca de 5 288.773 garrafas).
18. No total, a produção vitivinícola da região do Alentejo, em 2011, foi de cerca de 158.691.600 garrafas.
19. “Peramanca”, “pera-manca” e “Pêra-manca” são formas de identificar uma zona do mesmo nome, onde se encontra a Quinta de S. José de Peramanca e onde eram produzidos vinhos com o mesmo nome.
20. Os vinhos produzidos nessa zona designados “vinhos de Peramanca”, eram, pelo menos desde o século XV até meados do século XVIII, dos mais afamados do Alentejo.
21. Em 1994, foi inscrita a aquisição por doação a favor do réu PEDRO ......., de Teresa …., Joaquim …., Maria …. Assunção …. e Carlos …., com reserva de usufruto a favor de Joaquim … e Maria …., do prédio misto situado em Quinta de São José de Peramanca e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 7268/19940531.
22. Por contrato datado de 01-06-2000, Joaquim … e Maria … declararam dar de arrendamento ao réu, pelo prazo de 30 anos renováveis, o prédio referido em 21 de que são usufrutuários.
23. Desde Março de 2007 que o réu PEDRO ....... é o proprietário único do prédio misto situado em Quinta de São José de Peramanca e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Évora, sob o n.º 7268/19940531.
24. A referida quinta, situada na região de Peramanca, pertence desde 1912 à família do réu PEDRO ....... e desde muito antes daquela data que se designa “Quinta de São José de Peramanca”.
25. Logo após ter tomado de arrendamento a Quinta de São José de Peramanca, o réu decidiu iniciar a exploração vitivinícola da quinta.
26. Em 03-10-2001, o réu pediu o registo da marca nacional n.º 359130 (sinal verbal) PÊRA-GRAVE, o qual foi concedido em 14-04-2003, para assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice, concessão que foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) n.º 6/2003, de 30-06-2003.
27. Em 30-10-2001, foi celebrada escritura pública de constituição da sociedade ré, com a firma “PÊRA-GRAVE – SOC. …, UNIPESSOAL, LDA.”, e sede na Quinta de São José de Peramanca, freguesia de Malagueira, concelho de Évora, tem como sócio único e gerente o réu PEDRO ....... e objecto social “Exploração agro-pecuária, silvícola, vinícola e de caça, em prédios próprios ou alheios. Actividades de gestão e exploração de hotéis, serviços conexos de restauração e entretenimento, promoção e divulgação de actividades lúdicas, artísticas e desportivas, compra, venda e revenda de imóveis, incluindo os adquiridos para esse fim, bem como todas as actividades directa ou indirectamente ligadas à indústria de turismo e conexas; participar livremente noutras sociedades, mesmo com diferente objecto social e participar também em agrupamentos complementares de empresas”.
28. O certificado de admissibilidade da firma “PÊRA-GRAVE – SOC…., UNIPESSOAL, LDA.”, foi emitido pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) em 11-07-2001.
29. A constituição da ré foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Évora em 19-12-2001.
30. O pacto social da ré foi publicado no Diário da República, II Série, de 25-02-2002.
31. Em 31-10-2002, a sociedade ré requereu o registo da marca nacional n.º 367794 (sinal verbal) PEDRA-MANCA, para assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
32. O referido pedido de registo foi publicado no BPI n.º 12, de 31-12-2002, aí constando, entre outros elementos, a indicação da requerente do registo, PÊRA-GRAVE – SOC. .. UNIPESSOAL, LDA., e a sua morada, QUINTA DE SÃO JOSÉ DE PERAMANCA, ÉVORA.
33. A autora apresentou reclamação contra o referido requerimento de registo da marca nacional n.º 367794, em 28-02-2003, invocando imitação das suas marcas nacionais n.os 283684 e 308644 VINHO PERA-MANCA, que, por despacho do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) de 17-05-2005, foi a reclamação considerada procedente e recusado o pedido de registo da marca PEDRA-MANCA.
34. Em 11-10-2005, o réu requereu o registo da marca nacional n.º 394563 (sinal verbal) PÊRA VELHA, para assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
35. A autora apresentou reclamação contra o referido requerimento de registo da marca nacional n.º 394563, invocando imitação das suas marcas nacionais n.os 283684 e 308644 VINHO PERA-MANCA, sendo que, por despacho do INPI de 27-02-2008, foi a reclamação considerada improcedente e deferido o pedido de registo da marca PÊRA VELHA.
36. A autora não interpôs recurso do despacho do INPI de 27-02-2008, referido em 35.
37. Em 17-09-2009, a sociedade ré pediu o registo da marca nacional n.º 454524 (sinal verbal) PÊRA NOVA, o qual foi concedido em 04-12-2009, para assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinho”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
38. Em 06-10-2008, a sociedade ré requereu junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno (IHMI) o registo da marca comunitária n.º 007291669,
para assinalar “bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas)”, cuja decisão de concessão proferida por aquele Instituto foi objecto de oposição pela autora, na sequência do que, após recursos, veio a ser proferido, em 09-07-2015, Acórdão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo n.º C-249/14P, que confirmou a recusa daquele registo, com o fundamento nas marcas nacionais n.os 283684 e 308644 VINHO PERA-MANCA e na violação do artigo 8.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º 40/94, sobre a marca comunitária.
39. O réu é ainda titular do registo da marca nacional n.º 373601
(sinal misto), requerido em 07-07-2003 e concedido em 12-08-2003, que se destina a assinalar “vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
40. A ré é ainda titular dos seguintes registos:
§ marca nacional n.º 390987 (sinal verbal) CAPELA DE SÃO JOSÉ, requerido em 25-05-2005 e concedido em 12-05-2006, que se destina a assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice;
§ marca nacional n.º 390988 (sinal verbal) GRAVE, requerido em 25-05-2005 e concedido em 21-06-2006, que se destina a assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice;
§ marca nacional n.º 451027 (sinal verbal) PM, requerido em 29-06-2009 e concedido em 10-09-2009, que se destina a assinalar “bebidas alcoólicas, nomeadamente vinhos”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice;
§ marca nacional n.º 414169 (sinal misto) , requerido em 10-05-2007 e concedido em 10-08-2007, que se destina a assinalar “bebidas alcoólicas com excepção da cerveja”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice;
41. Estão em comercialização (com referência à data da apresentação da contestação, em 11-10-2011) vinhos da 2.ª ré assinalados com as seguintes marcas: PÁTEO DE S. JOSÉ, PÊRA-GRAVE, PÊRA-NOVA e PM.
42. Os vinhos tintos “Pêra-Manca” da autora custam não menos de 100,00 €, podendo chegar aos 300,00 €, e os dos réus custam cerca de 12,00 €, sendo que o preço do vinho branco “Pêra-Manca” da autora é também superior ao dos vinhos brancos dos réus.
43. Outro produtor lançou o vinho “Pêra Doce”, da região do Alentejo, com base na marca nacional n.º 405721 (sinal verbal) PÊRA DOCE, cujo registo foi requerido em 29-08-2006 e obtido em 24-05-2007, e em relação ao qual a autora não deduziu oposição no respectivo processo administrativo.
44. Os réus utilizam as expressões “Quinta de S. José de Peramanca” e “S. José de Peramanca” para designar a quinta acima referida, localizada a 5 quilómetros da cidade de Évora.
45. Desde 1912 que a frontaria da quinta tem uma placa de azulejos onde se lê “QUINTA de S. JOSÉ de PÊRA MANCA”, nos termos a seguir reproduzidos:
46. Na frontaria da referida propriedade está aposta, desde 2007, a expressão “S. José de Peramanca” com a seguinte configuração:
47. Os vinhos que os réus produzem e comercializam são vendidos, nomeadamente, numa loja localizada na sua quinta acima referida.
48. No decurso de 2011, o réu colocou o seguinte placard para assinalar a referida loja:
49. Em frente da propriedade dos réus encontra-se colocada uma placa da “Rota dos Vinhos do Alentejo”, com menção expressa ao vinho “PÊRA-GRAVE”, com a seguinte configuração:
50. Os réus utilizam a expressão “Quinta de S. José de Peramanca”, com a palavra “Peramanca” redigida em letras de dimensão maior em relação às restantes, em suportes comerciais de publicidade e embalagens para garrafas com a seguinte configuração:
51. No blogue da Internet “Prazeres Requintados” (endereço: http://prazeresrequintados.blogspot.com/), consta escrito o seguinte, com data de 22-11-2010, sobre o vinho “PÊRA-GRAVE 2008”: “À entrada de Évora, encontramos a Quinta são José Peramanca; Quem não conhece, até pensa que ali se encontra o Vinho Pêra-Manca, mas não”.
52. O “Conselho de Notáveis” da Universidade de Évora, por ocasião da Queima das Fitas de 2011, editou um folheto publicitário cujo anúncio da última página era o seguinte:
53. A autora não autorizou a utilização das imagens das suas garrafas de vinho “Pêra-Manca” no anúncio da “Quinta de S. José de Peramanca”.
54. O nome “Peramanca” ou “Pera-Manca” é empregue nalgumas situações em que outras pessoas ou entidades fazem referência à mencionada área geográfica.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a apelante contra a sentença recorrida, na parte que lhe é desfavorável, por entender, em suma, ao contrário do decidido, que deveriam ser anulados os registos das marca e insígnia da ré, por as mesmas se confundirem com as da autora, existindo má fé da ré na obtenção dos registos.
Cumpre, então, analisar as diversas questões que são suscitadas na apelação.
a. DELIMITAÇÃO DO REGIME LEGAL APLICÁVEL
Defendeu-se na sentença recorrida que se deveria convocar para apreciação das condições de validade dos sinais em causa e da excepção de preclusão por tolerância invocada pelos réus, a aplicação do Código da Propriedade Industrial de 1995 – Lei nº 16/95, de 24 de Janeiro - regime em vigor aquando do registo da marca nacional nº 359130 PÊRA-GRAVE, cuja anulação a autora propugna.
Como é sabido, o actual CPI, aprovado pelo DL n.º 36/ 2003 de 05/03, e que entrou em vigor no dia 01 de Julho de 2003, revogou o anterior aprovado pelo DL n.º 16/95 de 24/01, e foi sendo sucessivamente foi alterado pelos DL n.º 318/2007 de 26/09 ; DL n.º360/2007 de 02/11 ; Lei n.º16/2008 de 01/04; DL n.º 143/2008 de 25/07; Lei n.º52/2008 de 28/08 e Lei n.º46/2011 de 24/06.
Consagrou-se no artigo 10º do DL n.º 36/2003, que o CPI se aplicaria aos pedidos de registo de marca efectuados antes da sua entrada em vigor mas que ainda não tivessem sido objecto de despacho.
É verdade que o Decreto-Lei nº 143/2008, de 25.07, que aprovou medidas de simplificação e de acesso à propriedade industrial, consagrou no artigo 4º, sob a epígrafe “Aplicação no tempo” que: 1 — Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, as alterações ao Código da Propriedade Industrial introduzidas pelo presente decreto -lei aplicam -se:
a) Aos pedidos de patente, de modelo de utilidade e de registo de direitos de propriedade industrial que tenham sido apresentados antes da entrada em vigor do presente decreto -lei e que não tenham sido ainda objecto de despacho;
b) Aos requerimentos que tenham sido apresentados antes da entrada em vigor do presente decreto-lei e que não tenham sido ainda objecto de despacho;
c) Às patentes, aos modelos de utilidade e aos registos existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
Porém, tendo em atenção o princípio geral da não retroactividade da lei, consagrado no artigo 12º, n.º1 do Código Civil e considerando o tempo em que foram declarados protegidos os títulos de propriedade industrial em causa, o regime legal aplicável, especificamente para as situações aludidas na sentença recorrida será – como bem se aplicou – a Lei nº 16/95, de 24 de Janeiro, já que os registos, quer da marca nº 359130 PÊRA-GRAVE, quer da denominação social da ré, cuja anulação é pedida foram aprovados durante a sua vigência – v. Acs. STJ de 12.09.2006 (Pº 06A1671), 27.03.2008 (Pº 08B729) e de 14.12.2016 (Pº 707/06.9TYVNG.L1.S1).
b. DA PRECLUSÃO POR TOLERÂNCIA EM RELAÇÃO À MARCA NACIONAL Nº 359130 PÊRA-GRAVE E À DENOMINAÇÃO SOCIAL DA RÉ
Invoca a autora/recorrente que, contrariamente ao decidido, não se verifica a excepção de preclusão por tolerância do direito de pedir a anulação do registo da marca.
Prevê-se no Código da Propriedade Industrial, tanto na versão de 95 (artigo 215º) como na versão de 2003 (artigo 267º) que: O titular de uma marca registada que, tendo conhecimento do facto, tiver tolerado, durante um período de cinco anos consecutivos, o uso de uma marca registada posterior, deixa de ter direito, com base na sua marca anterior, a requerer a anulação do registo da marca posterior, ou a opor-se ao seu uso, em relação aos produtos ou serviços nos quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má fé (nº 1), sendo certo que tal prazo se conta a partir do momento em que o titular tiver conhecimento do facto.
Tal significa que uma conduta passiva do interessado, permitindo, sem oposição visível, que determinada marca seja utilizada, após o seu registo de boa fé, durante 5 anos consecutivos, impedirá o mesmo que se poder opor ao seu uso ou de requerer a anulação do registo.
A preclusão por tolerância, como bem se afirmou na sentença recorrida, trata-se da aplicação do principio da boa fé aos concorrentes, garantindo-se o reconhecimento das situações criadas num quadro valorado positivamente pelo direito e tutelando-se deste modo o princípio ético-jurídico destinado a preservar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
É certo que na sentença recorrida, não obstante se afirmar que se encontravam verificados alguns dos requisitos exigidos pelo citado normativo, nomeadamente a circunstância de o registo da marca nacional nº 359.130 PÊRA-GRAVE ter sido feito de boa-fé, a verdade é que se entendeu que o requisito temporal não se mostrava verificado, razão pela qual se concluiu pela não verificação da preclusão por tolerância invocada pelos réus.
Ora, não podendo a autora considerar-se vencida nesta parte, antes pelo contrário, não poderá agora, no recurso, pretender que tal questão volte a ser apreciada com o detalhe que a autora parece pretender.
Assim, sendo, mantém-se o determinado na sentença recorrida.
Já quanto à pretensão de anulação da denominação social da ré, igualmente carece a autora/apelante de razão.
Sendo de aplicar ao caso, como acima ficou dito, o CPI 95 e, aderindo à exaustiva fundamentação exarada na sentença recorrida, na qual se evidenciou – e bem – que a autora revelou ter conhecimento da adopção da denominação social da ré, pelo menos desde 28.02.2003, forçoso é concluir que decorridos se mostravam mais de cinco anos até à data da interposição da presente acção, razão pela qual improcede a apelação, mantendo-se, nesta parte, a sentença recorrida.
c. DO CONCEITO E FUNÇÃO DA MARCA, MARCA DE PRESTÍGIO E MARCA NOTÓRIA
Como é sabido, a marca, a insígnia e o nome do estabelecimento são sinais distintivos do comércio e integram os títulos de propriedade industrial. E, quem tiver legítimo interesse, designadamente, industriais, comerciantes, agricultores, produtores e demais empresários, têm o direito de adoptar um sinal distintivo para designar ou tornar conhecidos os seus produtos ou actividades.
A marca é um sinal distinto dos produtos, aposto nestes e que é utilizada por um empresário para distinguir os produtos sobre os quais incide a sua actividade económica.
As marcas podem ser sinteticamente agrupadas em quatro principais espécies:
a) Nominativas (compostas exclusivamente de elementos verbais escritos);
b) Figurativas (integram apenas elementos de natureza desenhística ou emblemática);
c) Mistas (agrupam simultaneamente caracteres de marca nominativa e figurativa);
d) Plásticas, formais ou tridimensionais (constituídas pela forma do produto ou da respectiva embalagem.
- v. entre outros, MIGUEL J. A. PUPO CORREIA, Direito Comercial, 7ª ed. 337 e ainda J. M. COUTINHO DE ABREU, Noções, Espécies, Funções, Princípios Constituintes, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXIII, 122-123, que acrescenta também as auditivas, as constituídas por letras, números ou cores, as simples e as complexas.
Estatui o artigo 222º, nº 1 do CPI 2003, tal como já sucedia com o artigo 165º do CPI95 que:
“1- A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas;
2- A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor”.
Esta disposição legal permite definir a marca como o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor, distinguindo-se, assim, as marcas de produtos das marcas de serviços.
Esclarece PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção: As marcas de grande prestígio, ROA, ano 58, Jan. 98, 378-440 que, do ponto de vista jurídico, são apontadas às marcas diversas funções, tais como:
i) Individualização de bens ou serviços e a sua diferenciação de outros da mesma espécie;
ii) Indicação da procedência ou proveniência dos bens ou serviços;
iii) Garantia ou indicação de qualidade;
iv) Fixação de clientela;
v) Instrumento publicitário.
Mas, pese embora a atribuição à marca de uma multiplicidade de funções, complementares entre si, a função essencial da marca é permitir a identificação dos produtos ou serviços que designa e distingui-los de outros de origem diversa, permitindo também estabelecer uma relação entre esse produto ou serviço e um determinado agente económico, independentemente da individualização concreta deste.
Considera LUÍS M. COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, 267, que: ”A marca, para além de indicar, em grande parte dos casos, que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso da transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses da licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso. O ónus consubstancia-se no facto de o titular da marca, sob a cominação da perda do seu direito, ter necessidade de garantir o seu uso não enganoso. Isto significa que qualquer uso da marca, praticado pelo titular ou por terceiro com o seu consentimento, susceptível de provocar um engano negativo relevante junto do público, em relação às características essenciais dos produtos ou serviços marcados, sem que os consumidores tenham sido disso, prévia ou imediatamente, informados, pode implicar a caducidade do registo da marca.»
Ressalta, por conseguinte, do nº 1 do citado normativo do CPI que a função distintiva continua a ser considerada a função principal da marca, pois que esta serve fundamentalmente para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Este preceito enfatiza a primordialidade da função distintiva da marca ao estabelecer, na alínea a) do nº. 1 do artigo 166º CPI95 (actual artigo 223º CPI2003), como primeira excepção às condições previstas no anterior preceito, para a constituição da marca, precisamente as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo.
A marca é, pois, um sinal distintivo dos produtos ou serviços comercializados por um empresário ou empresa e propostos ao consumidor, destinada a identificar a proveniência de um produto ou serviço.
Referia-se FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. I, Universidade de Coimbra, 1973, 328-329, ao princípio da especialidade da marca, como o princípio da novidade, assinalando que “a lei formula para as marcas o mesmo princípio do exclusivismo que formulou para a firma e o nome ou insígnia de estabelecimento”, restringindo-o embora “aos produtos da mesma espécie ou afins.”.
Na composição da marca vigora o princípio da liberdade, pois quem pretende obter o registo de determinada marca pode compô-la como bem entender, por forma a, porventura, melhor atrair a clientela, obviamente com os limites intrínsecos e extrínseco previstos na lei.
É, portanto, possível recorrer a uma marca nominativa ou, ao invés, a uma marca mista ou complexa.
E, aquele que adopta uma marca para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional goza da propriedade e do exclusivo dela, desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo.
A propriedade e o exclusivo da marca são garantidos pelo seu registo nacional, já que o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina.
Estamos, assim, perante registo constitutivo, em que o direito, nomeadamente à marca, apenas existe se e na medida em que esteja registado a favor do respectivo titular.
O titular de marca registada adquire o direito de a usar, em exclusivo, para os produtos indicados no seu pedido de registo, não havendo nenhum direito exclusivo sobre um determinado sinal se este não estiver registado.
Neste sentido corrobora mesmo o artigo 258º do CPI2003, quando estatui que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor”.
Assim, os terceiros, ao escolherem as marcas para os seus produtos e serviços, têm que evidenciar espírito criativo e inovatório, por forma a que as marcas que pretendem registar cumpram, por um lado, a já mencionada função distintiva e, pelo outro, não sejam iguais ou confundíveis para os mesmos produtos ou serviços, ou para os produtos ou serviços que revelem uma relação de afinidade, o que se traduz no denominado principio da novidade ou especialidade da marca com enorme relevância prática e teórica – cfr. todavia a crítica efectuada por Pedro Sousa e Silva, ob. cit., 395, ao emprego das expressões “especialidade” e “novidade” com um sentido equivalente que, do ponto de vista terminológico, seria preferível dissociar.
Este princípio da novidade ou especialidade - não no sentido que a marca deve ser nova, inovadora ou original, mas que se deverá distinguir das já existentes para produtos ou serviços do mesmo género ou espécie - mostra-se agora consignado na alínea a) do artigo 239º do CPI2003, normativo que estabelece limites extrínsecos ao supra referido princípio da liberdade na composição da marca.
Como refere REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, 1995, 594, conquanto não seja um sinal distintivo obrigatório, mas antes facultativo, a marca «é, sem dúvida, o mais importante dos sinais distintivos, por causa do protagonismo que assume na moderna economia, caracterizada pela oferta concorrente de produtos e serviços idênticos ou afins por banda de uma pluralidade de agentes económicos», e «daí que, no paradigma económico-jurídico da economia de mercado (e do neo-liberalismo), as marcas diferenciam os produtos de cada empresário, em face dos produtos ou serviços dos empresários concorrentes». Por sua vez, «ao público (maxime, os consumidores finais) fica, deste jeito, garantida a identidade da origem do produto ou serviço marcado; permitindo-lhe distinguir sem confusão possível esse produto do de outra proveniência»
Sintetiza, de forma clara, LUÍS M. COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial”, 141, as várias funções da marca, a saber:
a) Uma Função Essencial: Função Distintiva A marca distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso.
b) Uma Função Derivada: Função de Garantia de Qualidade dos Produtos e Serviços A marca não garante, directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, mas garante indirectamente essa qualidade por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa.
c) Uma Função Complementar: Função Publicitária A marca, em complemento da função distintiva, pode cumprir, nalguns casos, a função de contribuir, por si mesma, para promoção dos produtos ou serviços que assinala.
Conclui-se, por conseguinte, que qualquer outra marca escolhida por terceiros tem de ser distinta da anteriormente registada e não confundível para os mesmos produtos ou serviços ou afins.
Diversos factores podem ser apontados na indagação do conceito de afinidade:
i) A natureza dos serviços e produtos;
ii) A composição, finalidade ou função desses serviços;
iii) As suas utilidades;
iv) Os canais de distribuição usados e o género de estabelecimentos em que são comercializados;
v) O respectivo preço;
vi) O grau de qualidade;
vii) O tipo de consumidores.
Tal significa que importa analisar não só as características intrínsecas dos produtos ou serviços em comparação, mas também outros factores destinados a apurar se existem áreas de sobreposição entre os respectivos mercados. É que, se não existirem essas intersecções, inexiste afinidade que permita a invocação do exclusivo legal.
Importa, por outro lado, referenciar que em relação às marcas célebres, ditas de prestígio, as mesmas gozam de uma protecção para além dos limites impostos pelo princípio da especialidade, não subordinada ao princípio da especialidade da marca, ou como uma excepção do aludido princípio.
Como bem salienta LUÍS M. COUTO GONÇALVES, ob. cit, 312-313, A protecção de marca de prestígio representa uma solução anómala num sistema assente no interesse da diferenciação de bens ou serviços num pretenso mercado de livre concorrência. Na verdade, a protecção da marca por forma tendencialmente intemporal só faz sentido se a marca for essencial e normalmente protegida na sua dimensão funcionalmente distinta. Só esta dimensão justifica a atribuição de um direito privativo indefinidamente renovável no tempo ao contrário de que acontece, por exemplo, nas criações de tipo autoral ou industrial em que a atribuição do direito corresponde a uma compensação, temporariamente limitada, para um esforço de criação e inovação de um bem em si mesmo considerado. Por tido isto, a abertura do sistema à protecção de marcas célebres deve ser o mais exigente possível.
São, pois, exigíveis dois requisitos para se considerar uma marca de prestígio. Um de natureza quantitativa e outro de natureza qualitativa:
i) Gozar a marca de excepcional notoriedade, o que significa que a marca tem de ser imediata e generalizadamente conhecida do grande consumidor e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal distinto de uma determinada espécie de produtos ou serviços.
ii) Gozar a marca de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores, o que significa que a marca deve contar ou com um elevado valor simbólico junto do público consumidor, podendo até não ser de grande consumi, ou que represente um elevado grau de satisfação junto de grande público consumidor, não sendo a qualidade objectiva que está aqui em causa, mas o particular significado que a marca representa junto do consumidor médio em ordem à satisfação, bem sucedida, de determinadas necessidades concretas.
Sintetiza, assim, LUÍS M. COUTO GONÇALVES que, a marca de prestígio, para além de uma excepcional capacidade distintiva, deve ter ou uma excepcional capacidade evocativa e/ou uma excepcional aceitação no mercado, num caso e noutro de modo tão intenso que, dificilmente, a sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviços.
Por outro lado, igualmente na base da classificação de uma marca como “Notória” está também um critério quantitativo.
Cotejando os regimes jurídicos da marca notória e da marca de prestígio avulta o facto de a marca notória estar sujeita ao princípio da especialidade, como resulta do fundamento da recusa de registo da marca ter como fundamento a aplicação “a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória”, sendo que à marca de prestígio aquele princípio não se aplica.
Entende‐se, generalizadamente, que a marca notória tem de ser conhecida de uma parte significativa do público relevante.
No entanto, nem todos qualificam de igual forma o conceito de público relevante.
Uns, entendem como público relevante o público em geral - Cfr. neste sentido, LUÍS COUTO GONÇALVES, Direito de Marcas, Coimbra, 2003, 146.
Outros, consideram relevante, para este efeito, apenas o público do circuito mercantil (fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores) do produto ou serviço comercializado sob aquele sinal distintivo - Cf. AMÉRICO DA SILVA CARVALHO, Direito de Marcas, Coimbra, 2004, p. 356 e, a título exemplificativo, Ac. R.L. de 09.07.2015 (Pº 1135-05.9TVLSB.L1 -2), que considerou “marca notoriamente conhecida, no sentido de conhecida de grande parte do público interessado naqueles produtos”.
Para uma terceira posição mitigada, o público relevante varia consoante o tipo de produto ou serviço em causa. Tratando-se de produto ou serviço de grande consumo há que apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público consumidor. Ao invés, se se tratar de um produto ou serviço que, pela sua funcionalidade, atinge apenas um sector da sociedade, então teremos de apurar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e/ou serviços.
A razoabilidade esta terceira posição traduz-se no facto de, se o bem for de restrito consumo pela sua natureza, isto é, se ao consumidor médio é necessária uma condição não comum para ter acesso ao conhecimento daquele tipo de bem, ficariam as marcas que os fornecem em desvantagem quando se lhes exigisse que estas fossem conhecidas do público em geral.
Mas, tratando-se de um produto ou serviço de grande consumo, o público relevante terá de se situar no público em geral, ou seja, no universo dos fornecedores, produtores, distribuidores e todos os potenciais consumidores.
Decorre da Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI ‐ Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well‐Known Marks (Thirty-Fourth Series of Meetings of the Assemblies of the Member States of WIPO - September 20 to 29, 1999) World Intellectual Property Organization Geneva 2000, acessível em http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/marks/833/pub833.pdf
que se poderão referenciar os seguintes indicadores para se aferir da qualidade de marca notória (artigo 2º da Recomendação):
1) O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante, indicando-se, como tal:
i) os actuais ou potenciais consumidores do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica;
ii) pessoas envolvidas em canais de distribuição do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica;
iii) círculos de negócio ou comerciais que lidam com o tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica. Acrescenta a mesma Recomendação, neste mesmo preceito e na sua subalínea (2) (b), que a marca que seja bem conhecida de pelo menos um dos sectores relevantes do público antes referidos, num determinado território nacional, deve ser considerada notória nesse Estado Membro;
2) A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
3) A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação, em feiras e exposições dos produtos e/ou serviços a que a marca se aplica;
4) A duração e área geográfica de quaisquer registos, e/ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem a extensão do uso ou reconhecimento da marca;
5) Número de decisões judiciais favoráveis na defesa do direito da marca, em especial, no sentido em que esta é reconhecida como marca notória;
6) O valor associado à marca.
Importa salientar que os definidos indicadores ou meios de prova do grau de conhecimento do público relevante, continuam a ter um alcance quantitativo.
Daí que, como defende LUÍS COUTO GONÇALVES, ob. cit., 303-317, uma marca, para ser notória, precisa de ser conhecida do público em geral, sendo que a marca de prestígio deve igualmente gozar notoriedade na mesma esfera - Cfr. a título meramente exemplificativo e também na exigência de que a marca seja conhecida do grande público consumidor e não apenas dos correspondentes meios interessados, Ac. R.L. de 18.11.2014 (Pº 484/12.4YHLSB.L1-7).
Ora, no caso vertente, tendo em consideração o entendimento que antes se propugnou acerca da qualificação do conceito de marca notória e os supra mencionados parâmetros de referência, forçoso é concluir que as marcas da autora, que se destinam a assinalar vinhos, não se discutindo a sua qualidade, não se pode entender que as mesmas possam ser consideradas marcas notórias, a que teria de corresponder um conhecimento por um espectro muito largado de potenciais consumidores, canais de distribuição e de comercialização, factualidade essa que não resultou apurada.
Concorda-se, assim, com a sentença recorrida ao entender que não estamos perante marcas notórias.
d. A IMITAÇÃO OU USURPAÇÃO DE MARCA REGISTADA, O SEU ENQUADRAMENTO NUMA SITUAÇÃO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL, O RISCO PARA O CONSUMIDOR PORTUGUÊS DE CONFUNDIR AS MARCAS EM LITÍGIO, A MÁ FÉ NA OBTENÇÃO DOS REGISTOS E A PETICIONADA INDEMNIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS
A jurisprudência sempre considerou que a identidade, quer entre os sinais, quer entre os produtos ou serviços, é aferida, na perspectiva do consumidor médio, relativamente aos produtos ou serviços para protecção dos quais o registo é pedido.
Como se defendeu no Ac. STJ de 12.02.2008 (Pº 07A4618), acessível na Internet no sítio www.dgsi.pt, a imitação ou a confundibilidade de uma marca por outra pressupõe um confronto e esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas.
A susceptibilidade de confusão em relação a marcas deve, portanto, ser aferida em face do consumidor, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou de confronto, sendo este o regime aplicável à definição da imitação de marca registadas.
Há que atentar se a semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra, do logótipo posterior com a marca e logótipo anteriormente registados, induz facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir aquele de cada um destes senão depois de exame atento ou confronto, ou que crie um risco de associação.
Por outro lado, de acordo com o artigo 239º, nº 1, alínea a) do CPI constitui fundamento de recusa do registo de marca, a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada – cfr. em igual sentido artigo 189º, nº 1, alínea m) CPI95.
E, decorre do artigo 299.º do CPI, sob a epígrafe “Anulabilidade” que: 1— Para além do que se dispõe no artigo 34.º, o registo é anulável: a) Quando, na sua concessão, tenha sido infringido o disposto no artigo 285.º; b)Quando se reconheça que o titular do registo pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção. 2— As acções de anulação devem ser propostas no prazo de 10 anos a contar da data do despacho de concessão do registo, sem prejuízo do que se dispõe no número seguinte. 3— O direito de pedir a anulação do nome de estabelecimento registado de má fé não prescreve.
Sobre o conceito de imitação ou usurpação dispõe o artigo 245º do CPI (correspondendo no essencial ao artigo 193º, nº 1 do CPI95), aí se estatuindo que:
“1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c)Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto. 2 - Para os efeitos da alínea b) do n.º 1: a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins; b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins. 3 - Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.
E, demonstrada que esteja a imitação de marca, há então de apurar se a mesma é susceptível de ser enquadrada numa situação de concorrência desleal.
Importa salientar que os actos de concorrência desleal têm no nosso direito um tratamento jurídico distinto da protecção dos direitos privativos da propriedade industrial, constituindo institutos autónomos. E, a autonomia destes institutos traduz-se no facto de poder haver violação de um direito privativo sem que haja uma situação de concorrência desleal, podendo existir concorrência desleal sem que ocorra violação de um direito privativo.
São, assim, pressupostos do conceito de concorrência desleal contido no proémio do actual artigo 317.° do C.P.I.: tal como sucedia no artigo 260º do CPI 95:
a) a prática de um acto de concorrência;
b) que esse acto seja contrário às normas e usos honestos;
c) de qualquer ramo de actividade económica
No aludido proémio do identificado preceito, sob a forma de uma cláusula geral, enunciam-se os requisitos gerais do conceito de concorrência desleal, e nas diversas alíneas do nº 1 desse normativo enumeram-se actos desleais típicos, ou seja, aqueles que, pela sua maior importância ou frequência, o legislador entendeu especificar.
Tendo em consideração a redacção do proémio do preceito, conclui-se pela expressão “nomeadamente” que consta da sua parte final, que o elenco das alíneas tem carácter meramente exemplificativo, podendo constituir actos de concorrência desleal condutas diferentes das previstas nessas alíneas, caso preencham os requisitos gerais constantes da aludida cláusula geral.
Refere JORGE PATRÍCIO PAUL, Concorrência Desleal e Direito do Consumidor, Revista da O.A. ano 65 – Vol. I, Jun. 2005, que a existência de uma cláusula geral, de carácter valorativo, torna a apreciação da deslealdade do acto muito dependente da sensibilidade do decisor, propiciando a criação de zonas nebulosas e cinzentas e a consequente insegurança dos operadores económicos. Mas, também salienta este autor as suas inegáveis vantagens, pela maleabilidade e fluidez que permite e pela consequente possibilidade de moldar o conceito de concorrência desleal às várias situações que em cada momento e sector de actividade se considerem contrárias às normas e usos honestos.
Os actos de concorrência desleal podem ser agrupados na seguinte tipologia, muito embora a doutrina consagre, por vezes, diferente terminologia:
a) actos de confusão, de aproveitamento ou de apropriação (previstos nas alíneas a) e c) do artigo 317.° e no artigo 318.° do C.P.I.)- artº 260º als. a), c) e i) do CPI 95);
b) actos de agressão ou de descrédito (modalidade prevista na alínea b) do artigo 317.° e também no artigo 318.° CPI2003); artº 260º als. a), c) e i) do CPI 95);
c) actos de indução do público em erro ou de falsa apresentação própria ou actos enganosos (previstos nas alíneas d), e) e f) do artigo 317.° do C.P.I.2003 - artº 260º als. d), e) e f) do CPI 95;
- v. neste sentido JORGE PATRÍCIO PAUL, ob. cit, loc cit.; LUÍS M. COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial, 2ª ed., 418 e ss. e JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Concorrência Desleal, 402-403.
Distinguem ainda alguns autores, autonomamente, como modalidades do ilícito de concorrência desleal, a imitação servil, a concorrência parasitária, considerando outros que estes actos de concorrência desleal se integram nos chamados actos de apropriação – cfr. CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial – Noções fundamentais, C.J. ano XII, t. 4, 12-20.
A alínea a) do artigo 317.° do CPI qualifica como concorrência desleal “os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue”.
Sanciona-se no preceito mais a confusão que a concorrência desleal pode provocar, do que a imitação em si mesma, o que é pertinente visto que só a confusão, designadamente de produtos, é susceptível de provocar a deslocação da clientela.
Vejamos, então, se no caso vertente, ocorre a imitação ou usurpação das marcas da recorrente pela marca da recorrida, susceptível de acarretar uma situação de concorrência desleal.
Com efeito, não enumera a lei os casos de semelhança entre marcas. Apenas indica os critérios para a determinar, cabendo ao intérprete e aplicador da lei, designadamente à jurisprudência, a tarefa de decidir, caso a caso e à luz desses critérios, sobre a sua verificação e consequente relevância para efeitos de recusa de registo ou ainda de anulação de registo.
Para que uma marca registada se possa considerar imitada ou usurpada por outra é necessário concluir, como acima ficou dito, pela verificação cumulativa dos três requisitos enumerados no nº. 1 do artigo 245º do CPI:
a) Prioridade de registo;
b) Identidade ou afinidade dos produtos ou serviços;
c) Semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra.
Para se poder concluir que há riscos para o consumidor português de confundir as marcas, há que verificar se, no caso vertente, ocorre ou não uma situação de imitação, consubstanciada nos três requisitos antes enumerados.
Analisemos cada um de per se, no caso concreto.
O requisito da prioridade do registo com relação à marca verifica-se, pelo quenenhuma dúvida a esse propósito se levanta.
Com efeito, em relação à exigida anterioridade da marca da recorrente, está provado que a autora/recorrente é titular das marcas nacionais n.ºs 283684 e 308864 (sinais mistos), registadas em 07.06.1994 e 01.04.1996, respectivamente (v. n.ºs 4 e 5 da Fundamentação de Facto);
Por seu turno, os réus são titulares das marcas nacionais n.ºs 359130, 394563 e 454524 (sinais verbais), registadas, respectivamente, em 14.04.2003, 27.02.2008 e 04.12.2009 (v. n.ºs 26, 34, 35, 36 e 37 da Fundamentação de Facto).
O segundo requisito exigido para que uma marca registada se possa considerar imitada ou usurpada consiste em ambas assinalarem produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta.
Reforça a lei, no nº 2 do citado normativo, a ideia de que é irrelevante, no conceito de afinidade, a circunstância dos produtos ou serviços em confronto estarem ou não incluídos na mesma classe, tendo por referência o Acordo de Nice sobre a Classificação Internacional de Produtos e Serviços com Fins de Registo de Marcas, de 15 de Junho de 1957, objecto de revisões periódicas, sendo esta lista de Produtos e Serviços vulgarmente designada por “Acordo de Nice”.
No caso em apreciação tal requisito igualmente se verifica, já que as marcas em causa - MN 283684, 308864 (da apelante) e MN e 359130 (dos apelados) - assinalam produtos idênticos - vinhos - que integram a classe 33.
Existe, pois, entre as marcas em confronto coincidência relativamente a produtos que as marcas assinalam - v. n.ºs 4, 5 e 26 da Fundamentação de Facto.
Por fim, há que analisar o terceiro requisito, por forma a apurar se, no caso concreto, ocorre ou não, semelhança gráfica, figurativa ou fonética susceptível de facilitar erro ou confusão do consumidor, ou risco de associação, o que implica saber, em suma, se a semelhança é tal que a distinção só se revele possível mediante confronto ou exame atento.
Como acima ficou dito, a marca tem por função a identificação dos produtos ou serviços propostos ao mercado, servindo desta forma e com estes objectivos distingui-los dos congéneres para, com vista à protecção do público consumidor, de eventual confusão, garantindo o direito a que o público não seja confundido.
E, estando em causa o princípio da novidade da marca, destinado a proteger a sua função individualizadora, designadamente, de identificação do produto ou serviço, importa mais atentar na semelhança do conjunto dos seus elementos constitutivos, do que na dissemelhança que apresentem diversos pormenores, considerados isolada ou separadamente, visto que o que se terá de ponderar é a impressão geral suscitada no consumidor médio dos produtos ou serviços em questão, ao qual raramente será possível proceder a um exame comparativo – v. neste sentido, CARLOS OLAVO, ob. cit., 52.
Sempre que estamos perante marcas nominativas, compostas apenas por palavras, o aspecto a considerar em primeiro lugar é, efectivamente, o da semelhança fonética.
Sucede, porém, que no caso em análise estão em causa marcas mistas, da apelante (englobam simultaneamente caracteres de marca nominativa e figurativa) e marcas nominativas das apeladas, ou seja:
ü marca nacional n.º 283684 / marca nacional n.º 308864
ü marca nacional n.º 359130 : PÊRA-GRAVE
ü marca nacional n.º 394563: PÊRA VELHA
ü marca nacional n.º 454524: PÊRA NOVA
Ora, como refere CARLOS OLAVO,Propriedade Industrial, Vol. I, 2ª Ed., Almedina, 2005, 102, Os elementos fonéticos são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos.
“Daí que, quanto às marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar seja o da semelhança fonética. De facto, os elementos nominativos são retidos na memória sobretudo pelos fonemas que os compõem, em detrimento da respectiva grafia. E, no que respeita às marcas mistas, isto é, compostas simultaneamente por elementos gráficos/figurativos e nominativos, entendeu-se, é certo, no Ac. STJ de 08.05.2003 (Pº 02B3968), que: a experiência demonstra que o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão.
É inegável que inexiste qualquer homofonia propiciada por tonicidade idêntica, já que as marcas em confronto têm diferentes designações. Daí que não se evidencia qualquer semelhança ideográfica. Não são compostas pelo mesmo número de letras, são foneticamente distintas, o som das letras não é idêntico, tendo distinta sonoridade.
No plano gráfico e figurativo, as dissemelhanças entre as marcas são, como é evidente, incomparavelmente significativas. No plano do grafismo, e assim em processo analítico, há diversidade, qual seja a de nos sinais da autora/recorrente os vocábulos mostram-se redigidos integralmente em letra bastante estilizada e distintiva, ao invés dos sinais dos réus que se encontram redigidos, ou em letras maiúsculas de estilo corrente.
O que releva, em suma, num juízo comparativo, sobretudo quando estão em apreciação marcas mistas,é a semelhança do conjunto de todos os elementos constitutivos da marca, sendo da globalidade da sua composição que se há-de aferir dessa semelhança ou dissemelhança.
Ora, nas marcas em apreciação, no plano fonético e no desenho das letras, as dissemelhanças são uma realidade. Foneticamente Pêra-Manca é dispare de Pêra-Grave, Pêra-Velha ou Pêra Nova. Igualmente, consideradas no seu conjunto, no plano gráfico e figurativo as semelhanças ainda são menores. As letras que compõem, cada uma das palavras em causa, são absolutamente distintas.
Alguma similitude reside apenas em assumirem, quer nas marcas da autora, quer nas dos réus, o mesmo vocábulo - PÊRA - (PERA MANCA), pelo lado da autora/apelante; (PÊRA GRAVE), (PÊRA VELHA), (PÊRA NOVA), pelo lado dos réus/apelados, vocábulo esse que, por se tratar de um elemento distintivo neutro, não se podendo considerar um elemento dominante (faz parte, de resto, do nome da zona geográfica onde se encontra a sede da ré), não se nos afigura suficiente para gerar confundibilidade.
Não se pode considerar, portanto, que as marcas prioritárias da apelante hajam sido imitadas ou usurpadas pelas marcas dos réus, concordando-se com a sentença recorrida quando aí se refere que: (…)
« da análise de conjunto nos moldes acima enunciados resulta que os sinais dos réus apresentam diferenças gráficas, fonéticas e figurativas que os distinguem dos sinais da autora, não gerando confundibilidade que possa suscitar dúvidas a uma pessoa média, colocada na posição de consumidor dos produtos em questão, de modo a que seja induzido em erro, optando pelos vinhos dos pensando que são da autora, titular das marcas anteriores, ou fazendo qualquer tipo de associação aos seus sinais e produtos que comercializa no mercado. Os elementos diferenciadores acima referidos que relevam no conjunto de qualquer um dos sinais dos réus permitem estabelecer distinção bastante entre estes e os sinais prioritários da autora, afastando deste modo o risco de erro, confusão ou associação e assegurando a função distintiva de cada um».
Acresce que, os registos prioritários das marcas nacionais de que a autora é titular não lhe conferem o direito exclusivo de utilização do aludido vocábulo Pêra. De resto, a autora nem sequer deduziu oposição ao registo da marca “Pera Doce” efectuado por outro produtor – v. Nº 43 da Fundamentação de Facto.
Improcede, pois, a pretensão da apelante, de imposição aos réus da cessação e proibição do uso do mencionado vocábulo.
Ora, tendo-se concluído pela inexistência de riscos para o consumidor português de confundir as marcas em confronto, por demonstrar ficou que a actuação dos recorridos integre um acto de concorrência desleal.
Acresce que tão pouco ficou provado que os réus, ao proceder ao registo das marcas aqui em apreciação, hajam actuado de má-fé.
Como é sabido, a má–fé reveste na situação em apreço um sentido de má–fé subjectiva.
Uma marca considera-se registada de má-fé se o seu titular, no momento do registo, tiver consciência de estar a violar de forma ilícita e prejudicial um direito de terceiro.
Perante os factos dados como provados, há que concluir que, muito embora as MN da autora datem de 1994 e 1996, e os dos réus de 2003, 2005 e 2009, a verdade é que a Quinta onde se situa a sede da ré e se efectua a exploração vitivinícola, pertence desde há muito à família do réu, sendo este, desde 2007, seu único proprietário e sempre a mesma foi designada por “Quinta de São João de Peramanca” que fica situada, precisamente, na região de Peramanca, sendo GRAVE, o apelido do réu – v. Nºs 20 a 24 da Fundamentação de Facto.
Assim, dadas estas apuradas ligações às marcas dos réus e à míngua de outra relevante factualidade, há que concluir que os réus, ao obterem os registos das marcas aqui em apreciação, não agiram com o intuito de se aproveitar dos sinais distintivos pertencente às autoras, nem, consequentemente, que o hajam efectuado com o intuito de causar prejuízos às autoras e de alcançar, em seu único e exclusivo proveito, um benefício que sabia não ter direito.
A concorrência desleal assume, como é sabido, a modalidade de ilícito civil, podendo originar responsabilidade civil extracontratual, desde que estejam reunidos os pressupostos exigidos pelo artigo 483º do Código Civil.
Considerando, porém, que não se provou a situação de concorrência desleal por parte dos réus, não há que apreciar o pedido de indemnização por perdas e danos invocado pela autora/apelante, não havendo, assim, que ponderar acerca da verificação dos respectivos pressupostos.
Improcede, portanto, também nesta parte, a apelação.f. DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
A lei civil regula a sanção pecuniária compulsória no artigo 829º-A do Código Civil, aí se dispondo que, nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, (...) o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento (...).
Tal preceito foi aditado ao Código Civil através do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16.6, constando do seu preêmbulo que tal medida “visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.”
Trata-se de uma sanção preventiva, imposta e fixada ex ante, visando primariamente compelir o obrigado ao cumprimento. A sua função é prevenir o ilícito no futuro, evitando o não cumprimento violador da ordem jurídica.
Depende de um requisito material - só pode funcionar nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, mas que não exija especiais qualidades científicas ou artísticas, ou obrigação de pagamento de quantia certa - e de um requisito formal - depende de requerimento do credor interessado, não se consentindo a actuação oficiosa do Tribunal.
É certo que a letra do artigo 829.º-A do Código Civil não exclui uma interpretação que permita a aplicação automática da sanção pecuniária compulsória, a requerimento do credor, obtida que seja a condenação do devedor no cumprimento de uma prestação de facto infungível.
É que, o referido preceito pode permitir duas interpretações:
a) Uma, mais ampla, em que se pode defender que a prestação compulsória deve ser sempre fixada desde que tal seja requerida pelo credor de uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo, bastando, portanto, o reconhecimento judicial da obrigação, a natureza infungível da prestação determinada e o requerimento do credor para vincular o Tribunal à condenação do devedor no pagamento de sanção pecuniária.
b) Outra, mais restrita, que entendemos mais correcta e que supomos ser maioritária na jurisprudência (v. a título meramente exemplificativo, Ac.R.L. de 12.12.2013 - Pº 617/13.3YRLSB-6), em que não será indiferente à condenação em sanção pecuniária compulsória o cumprimento ou incumprimento da obrigação pelo devedor, sendo o eventual incumprimento da obrigação fixada, o elemento essencial para se determinar se tem, ou não, lugar a sanção pecuniária, pois sem incumprimento não há lugar a sanção.
Como salienta, de resto, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1995, 440, sempre que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que cesse e/ou não renove a sua infracção"
Não deverá ser, por isso, razoável, admitir a aplicação de forma automática da condenação do devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, sem que estejam efectivamente provadas circunstâncias que determinem a existência de sério risco da prática de infracção, sob pena de a força dissuasora e preceptiva da justiça, expressa na sanção pecuniária compulsória, ser mobilizada sem verdadeira causa.
Em relação aos pressupostos de aplicação da aludida sanção, impõe-se que esteja em causa uma obrigação negativa (de non facere), duradoura, de natureza continuada, já que as obrigações de non facere são o campo de aplicação por excelência da sanção pecuniária compulsória, dada a sua infungibilidade natural.
É igualmente necessária a prova de que o devedor não tenciona cumprir o que haja sido decidido pelo Tribunal, já que só uma futura e previsível violação das condenações/intimações proferidas por um Tribunal justifica a condenação na sanção pecuniária compulsiva.
Na fixação da aludida quantia pecuniária, o julgador deve observar um critério de razoabilidade, tendo em consideração cada dia de atraso no cumprimento ou cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
Trata-se de uma sanção marcadamente preventiva, imposta e fixada ex ante, visando primariamente compelir o obrigado ao cumprimento. A sua função é prevenir o ilícito no futuro, evitando o não cumprimento violador da ordem jurídica.
A sanção pecuniária compulsória não funciona como indemnização, pois não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplemento da prestação eventualmente lhe venha a causar. Funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida.
Infligir uma sanção pecuniária compulsória é, ao cabo e ao resto, anunciar previamente a sanção pecuniária em que o devedor incorrerá se não acatar a injunção judicial de que é destinatário.
A infungibilidade da prestação de facto decorre da impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor.
No caso em análise, estamos perante uma obrigação negativa (de non facere), duradoura, de natureza continuada, sendo as obrigações de non facere o campo de aplicação por excelência da sanção pecuniária compulsória, dada a sua infungibilidade natural.
Entendeu, certamente, o Tribunal a quo que seria razoável supor que, in casu, haveria a susceptibilidade de os réus manterem as suas demonstradas condutas, continuando a violar os apurados direitos da autora/apelante, pelo que considerou necessária a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, a fim de compelir os réus/apelados, designadamente, a retiraram das suas propriedades e estabelecimentos os suportes com o vocábulo “PERAMANCA” e de utilizarem esse vocábulo em destaque.
O artigo 829º-A, nºs 1 e 2 do CC prevê que a sanção pecuniária compulsória deve ser decretada em função das circunstâncias do caso e segundo critérios de razoabilidade ou de equidade, para que a mesma se revele adequada e eficaz, apta a pressionar e intimidar o devedor, levando-o a respeitar a injunção judicial e a cumprir a obrigação a que está adstrito.
Na fixação do seu quantum, deva ser tomada em consideração, por um lado, a capacidade económica e financeira do obrigado e, por outro, a pressão psicológica que a expectativa do agravamento da sanção é susceptível de exercer.
É, por isso desejável que do processo resultem dados factuais que habilitem o julgador a arbitrar um determinado montante adequado a dissuadir o devedor do incumprimento da obrigação em causa.
É certo que no caso em apreciação nada se apurou, em concreto, sobre a capacidade económica e financeira réus. Mas, embora se trate de uma sociedade unipessoal, admite-se que gozará de alguma solvabilidade.
Sucede que, face à ausência de elementos sobre as condições económicas dos réus e, com o objectivo de assegurar o respeito pela injunção judicial que decorre da presente decisão, entende-se ser razoável, num juízo de equidade, o quantum fixado atinente á sanção pecuniária compulsória determinada na sentença recorrida, o qual se mantém.
Nestes termos, improcede o recurso de apelação interposto pela autora/apelante, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 25 de Maio de 2017 Ondina Carmo Alves – Relatora Pedro Martins Lúcia Sousa