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ENERGIA ELÉCTRICA
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
–O facto de terem sido cumpridas as regras técnicas em vigor, e tudo estar em perfeito estado de conservação, não isenta de responsabilidade objectiva a entidade responsável pela condução e entrega de energia eléctrica. –Tal isenção só aproveitaria se os danos fossem originados na instalação da energia e não já na fase ulterior (sua condução e entrega). –A não observância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa do autor dessa inobservância e o nexo de causalidade entre essa inobservância e os danos que se lhe liguem e a cuja produção as leis e os regulamentos visam obstar. –Não basta que o autor da actividade perigosa tenha observado as normais cautelas sendo ainda indispensável, para afastar a sua responsabilidade, que tenha adoptado as demais providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
Texto Parcial
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório:
1.–G… S.A. intentou acção declarativa, com processo comum, contra E... S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de € 17.770,93 a título de danos patrimoniais e morais, que a Autora sofreu em virtude do sinistro descrito nos autos, causado por culpa da Ré.
Pediu ainda a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e em indemnização, em quantia não inferior a € 1.020,00.
A Ré contestou. Impugnou factos alegados e invocou ter cumprido todos os deveres legais, enquanto fornecedora de energia eléctrica.
Realizadas as audiências prévia e de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido, bem como da sua condenação como litigante de má-fé.
Inconformada, apelou a Autora, formulando, a final, as seguintes conclusões.
1ª–A autora impugna, nos termos do art. 640° do CPC, por os considerar incorrectamente julgados, os factos constantes dos n.°s 36, 39 e 40 dos Factos não Provados e que se passam a indicar: N.°36: Perante o referido em 19/, o Sr. F... escalou o muro e, já no interior do referido prédio, constatou de imediato que, para além de não funcionar o controlo eletrónico de abertura e fecho do portão metálico, também já não funcionavam as bombas de água e outros equipamentos elétricos instalados no imóvel, sendo que, anteriormente a essa operação, tanto o controlo eletrónico do portão como os outros aparelhos elétricos se encontravam em perfeitas condições de funcionamento. N.°39:Como consequência direta e causal da sobreintensidade da corrente elétrica que se gerou com o desligamento e religamento dos cabos elétricos da rede de distribuição da Ré, à baixada (ramal), que alimenta de energia elétrica o prédio da Autora, por incorreta operação, deu-se a referida avaria generalizada de aparelhos e equipamentos da Autora. N.°40:Que originou a total perda operacionalidade da sua maioria, os quais eram alimentados por tal corrente, sendo certo que, antes dessa descarga, os equipamentos que avariaram, encontravam-se em perfeito estado e condições de funcionamento.
2ª.–A Mª. Juiz a quo, na fundamentação do julgamento da matéria de facto referiu "os factos não provados foram assim considerados em face da total ausência de prova, sendo que à Autora enquanto lesada, incumbia o ónus da sua prova, nomeadamente no que aqui interessa, a existência do evento lesivo; é, a sobrecarga de corrente elétrica, o nexo de casualidade entre esse evento e a actuação dos funcionários subcontratados pela Ré na dita operação de desligamento, religamento e os danos causados.
3ª.–Contrariamente ao que a Ma. Juiz a quo invocou ao referir que os factos não provados foram assim considerados em face de total ausência de prova, foi produzida prova suficiente e adequada através de testemunhas que ou tinham conhecimento directo e pessoal dos factos invocados (a existência de danos) ou tinham conhecimento indireto, por se tratar de profissionais de eletricidade que depuseram sobre as causas concretas que terão gerado a sobrecarga/sobretensão da corrente elétrica que ocorreu, segundo essas testemunhas, por o funcionário da “S...” que realizou tal operação não ter executado corretamente o desligamento e (re) ligamento dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal) que fornece energia elétrica ao imóvel da Autora, uma vez que este funcionário como ficou provado, antes de iniciar essa operação, não interrompeu o fornecimento de energia elétrica ao imóvel em causa, o que deveria ter feito, desligando previamente o disjuntor dos fusíveis que se encontra na portinhola instalada no exterior do prédio da A. e junto ao portão metálico.
É que o facto de esse funcionário não ter desligado os fusíveis que se encontravam na portinhola, (colocada no exterior do prédio da Autora e ao interior da qual só os mesmos funcionários da E... têm acesso), teve como consequência lógica que a energia elétrica continuou a alimentar os aparelhos e equipamentos elétricos existentes nesse prédio.
4ª.–Neste caso, entende a Autora que o julgador deveria ter se socorrido do regime jurídico das presunções judiciais previsto no n.° 1 do art.° 351° do Código Civil, sendo que no art.° 349° se definem como presunções, as ilações que a lei ou e julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Na verdade, neste caso, a Ma. Juiz a quo deveria ter utilizado os dados da experiência da vida e os procedimentos técnicos que o manuseio da eletricidade exige e sobre os quais as referidas testemunhas depuseram e sobre os quais demonstraram ter conhecimentos bastantes, para se concluir que os danos nos aparelhos elétricos existentes no imóvel da Autora, foram causados por uma sobretensão, que se gerou na corrente elétrica durante a operação de desligamento e (re) ligamento dos cabos elétrico da rede ao ramal que alimenta de tal energia elétrica o imóvel da Autora, sobretensão essa que teve como consequência provocar a avaria da maioria dos aparelhos elétricos existentes no imóvel da Autora.
5ª.–Como consta dos depoimentos das testemunhas 4ª, 5ª, 6ª e 7ª da Autora que depuseram sobre a causa que terá gerado a sobretensão na corrente elétrica que teve como consequência da maioria dos aparelhos e equipamentos elétricos que, na altura da realização da operação de desligamento (re) religamento já acima referido, estavam a ser alimentados pela corrente (note-se que o funcionário da S... não interrompeu, antes de iniciar essa operação, o fornecimento dessa corrente energia elétrica ao imóvel da Autora), terá sido gerada por tal funcionário não ter executado corretamente tal operação (eventualmente trocou os fios das fases com o neutro ou vive versa, ou não realizou o desligamento e/ou posterior (re) ligamento dos fios dos cabos elétricos da rede aos fios da baixada, o que gerou a tal sobreintensidade da corrente elétrica que atingiu cerca de 380 volts, sendo que os aparelhos e equipamentos elétricos normalmente utilizado, estão preparados para suportarem tensão elétrica até cerca de 220/230 volts.
6ª.–Os concretos meios de prova que infirmam a decisão da Mª. Juiz a quo de julgar tais factos como não provados constam tanto de documentos juntos aos autos, como, sobretudo, dos depoimentos das testemunhas 1ª, 4ª, 5ª 6ª e 7ª da Autora, cujos depoimentos foram gravados na audiência de julgamento e que agora, em parte se encontram transcritos e que constam do Anexos I, do Anexo II, do Anexo II, do Anexo IV e do Anexo V os quais fazem parte integrante desta conclusão e para onde se remete, na parte que não se encontra transcrita nas conclusões seguintes.
7ª.–Quanto aos factos constantes do n.° 36 dos factos não provados indicados na 1ª conclusão, há que realçar que sobre a matéria de facto constante desse número, depuseram as testemunhas 1ª e 4ª da Autora, a saber:
a)-1ª Testemunha – F..., funcionário da Autora.
Dia 15/02/2016
Início da gravação - 10:05:23;
Fim da gravação - 10:24:58
b)- 4ª Testemunha – A..., eletricista.
Dia 15/02/2016
Início da gravação - 11:00:14;
Fim da gravação -11:15:39
8ª.–O depoimento da 1ª testemunha da A., F... encontra-se transcrito, na parte que interessa ao conteúdo do facto n.° 36 dos Factos não Provados, no Anexo I para o qual se remete, na parte que não se encontra transcrita nesta conclusão, a fim de não a tornar demasiado longa.
a)-Como nota prévia e antes de se proceder à valorização do depoimento desta testemunha deve realçar-se que, sobre a primeira parte dos factos aí dados como não provados nesse n.° 36, foram dados como provados pela Ma. Juiz a quo,os seguintes:
N°16–(que se transcreve) - Naquela altura e local encontravam-se a assistir a toda a operação, o funcionário da Autora, F... e um colega daquele trabalhador da “S...”, tendo o referido senhor F... em seu poder, o comando eletrónico da abertura e fecho do portão metálico que dá acesso ao imóvel, sendo certo que antes do desligamento dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal), o referido portão abria e fechava, sem qualquer problema, mas depois deixou de o fazer.
N°17–(que se transcreve) - O que sucedeu logo que aquele funcionário da “S...” procedeu ao desligamento dos cabos eléctricos da baixada, tendo, nessa altura, o funcionário da Autora, F... chamado imediatamente a atenção desse funcionário para esse facto, tendo o mesmo retorquido que não se preocupasse, "pois tinha desligado os cabos elétricos, mas que, a seguir, ia ligá-los".
N°18–(que se transcreve) - Todavia, tendo esse trabalhador da “S...” feito a religação dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal) que alimenta de energia o referido prédio, constatou-se que o portão do imóvel continuava a não funcionar.
N° 19 - (que se transcreve) - De novo, o Sr. F..., chamou a atenção para aquele facto.
N°21–(que se transcreve) - O administrador da Autora, telefonou então para a empresa que lhe dá assistência técnica ao portão (empresa Porta Feliz, Lda) sendo que um funcionário desta, deslocou-se imediatamente ao local e quando ai chegou, procedeu à substituição da placa eletrónica que se encontrava instalada no sistema electrónico do portão, por uma outra placa nova que trazia consigo.
N°22–(que se transcreve) - E de imediato, o controlo eletrónico do portão voltou a funcionar.
N°23–Nesse momento, constatou-se também que a placa eletrónica que foi substituída se encontrava queimada e que ainda estava quente, cheirava a queimado.
b)-A testemunha F..., no seu depoimento, na audiência de julgamento do dia 15/02/2016, cuja gravação, na parte que agora interessa, se encontra transcrita no Anexo I, depôs:
"No dia seguinte (18/09/2014) eu estive lá...
Eles puxaram e ligaram aquilo tudo.
Eu tenho as chaves.
Carreguei no botão porque ia entrar para dentro, para a Quinta.
Carreguei no botão e o portão já não funcionava".
E mais adiante:
" Depois disto tudo, eu saltei o portão.
Saltei para dentro do terreno da Quinta.
Fui ver uma bomba que é logo a 10/15 metros do portão. Já não funcionava"
E eu disse ao senhor:
"Pelo menos, uma bomba já não funciona"
E, ainda, mais adiante:
A instâncias do mandatário da Autora sobre se, no dia 18, antes de se ter levantado o cabo elétrico que tem o respetivo ramal de acesso para a casa, o senhor sabia, se aqueles equipamentos, todos elétricos, que mais tarde apareceram avariados, estavam a funcionar, a testemunha respondeu:
"Estava tudo a funcionar.
Eu até andava a trabalhar lá dentro. Eu andava a restaurar tudo. Andava a pintar as portas, a pintar a casa por dentro"
E, mais tarde adiante:
"Que na altura, o eletricista estava na obra a trabalhar ali numa obra da G...
Fui chamá-lo e depois ele foi lá ver e disse:
Este também já se foi, está queimado.
Estavam queimadas as bombas. Bem, primeiro foi o portão.
Depois foi logo uma bomba que estava a 10/15 metros do portão que é uma bomba de água do furo.
E depois o vídeo porteiro, também.
E depois o vídeo vigilância via-se que não estava ligado.
c) 4ª-Testemunha da Autora – A..., eletricista
Dia 15/02/2016
Início da gravação - 11:00:14;
Fim da gravação - 11:15:39
O depoimento desta testemunha e cujo depoimento foi gravado, na parte que agora interessa, encontra-se transcrito no Anexo II que faz parte integrante desta conclusão.
Depôs que :
" No dia em que foram lá colocar o poste, eu estava lá na moradia em construção.
Eu fui lá.
Vi que o portão estava avariado.
Junto do portão estava o senhor Francisco, o senhor que gere a manutenção.
Eu falei com ele...
Ele disse-me que a partir do momento em que montaram o novo poste e as ligações ao novo poste, avariou o portão. Então eu disse-lhe:
É melhor ir verificar se há mais alguma coisa avariada. Depois entrei na casa.
Vi o equipamento de vídeo vigilância à distância e vi que a luz estava apagada.
Normalmente a luz está ligada"
Tendo presente os depoimentos das duas testemunhas identificadas nesta conclusão, verifica-se que foi produzida prova suficientemente forte e relevante sobre o conteúdo da parte final do já indicado N.° 36 dos Factos não Provados, dada a isenção, imparcialidade e espontaneidade com que essas testemunhas depuseram, (sugere-se a audição da gravação do depoimento destas testemunhas, mesmo na parte que não se encontra transcrita no Anexo I e no Anexo II para nos apercebermos da espontaneidade desses depoimentos).
Por isso, deve dar-se como provado e, em consequência, deve aditar-se aos Factos Provados, eliminando-se o mesmo do elenco dos Factos não Provados, o N.° 36.
9ª.–Matéria de facto dada como não provada nos n.°s 39 e 40 dos Factos Não Provados, cujo conteúdo se encontra transcrito na 1ª conclusão.
Para fundamentar que não se provou a matéria de facto constante destes n.°s 39 e 40, a Ma. Juiz a quo afirma, na sentença recorrida, o seguinte:
"Os factos não provados foram assim considerados em face de total ausência de produção de prova, sendo que à Autora, enquanto lesada, incumbia o ónus da sua prova, nomeadamente, para o que aqui interessa, a existência do evento lesivo, isto, é a sobrecarga de corrente elétríca, o nexo de casualidade entre esse evento e a atuação dos funcionários subcontratados pela Ré na dita operação de desligamento e (re) ligamento e os danos causados"
Com todo o respeito, a Autora impugna não só o conteúdo dos números 39 e 40 dos Factos não Provados como a fundamentação que a Mª. Juiz a quo, para isso invoca, ao dizer que os factos não provados foram assim considerados em face da total ausência de prova, sendo que à Autora enquanto lesada incumbia o ónus da sua prova.
Contrariamente ao que refere a Ma. Juiz a quo, a Autora sobre o conteúdo dos n.°s 36, 39 e 40 dos Factos não Provados, fez inequívoca prova testemunhal, através do depoimento das testemunhas que depuseram sobre essa factualidade.
Na verdade,
1–Do elenco dos factos provados, designadamente, dos constantes dos n.°s 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22 e 23, apurou-se que:
a)–Na operação de levantamento, fixação, desligamento e (re)ligamento dos cabos elétricos da rede de distribuição da Ré à baixada (ramal) que abastece o imóvel da Autora, intervieram diversos trabalhadores da Ré.
b)-Ficou provado, quanto a esta operação, o seguinte:
b.l)-O trabalhador da S... que realizou tal tarefa procedeu ao desligamento da baixada (ramal) que abastece o imóvel em causa, sem que previamente e por uma questão de segurança, tivesse procedido à interrupção do fornecimento de energia eléctrica ao imóvel nomeadamente, utilizando o disjuntor próprio no quadro existente na portinhola existente junto ao referido portão metálico e no exterior do prédio (n.°s 14 e 15 dos factos provados).
b.2)-Antes do desligamento dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal), o referido portão abria e fechava sem qualquer problema, mas depois deixou de o fazer, o que sucedeu logo que aquele funcionário da S... procedeu ao desligamento dos cabos elétricos da baixada, sendo que depois de esse trabalhador ter feito a religação dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal) que alimenta de energia elétrica o referido prédio, constatou-se que o portão do imóvel continuava a não funcionar (ver n.°s 14, 15, 16, 17, e 18 dos Factos Provados).
b.3)-Perante o não funcionamento do controlo eletrónico do portão, o administrador da Autora telefonou para a empresa que lhe dá assistência técnica ao portão (a empresa Porta Feliz, Lda), sendo que um funcionário desta deslocou-se imediatamente ao local e quando aí chegou, procedeu à substituição da placa eletrónica que se encontrava instalada no sistema eletrónico do portão, por uma outra placa eletrónica, que trazia consigo e, de imediato, o controlo eletrónico do portão voltou a funcionar, sendo que, nesse momento, constatou-se também que a placa eletrónica que foi substituída se encontrava queimada e que ainda estava quente, cheirava a queimado (ver n.°s 19, 20, 21, 22 e 23 dos Factos Provados)
b.4)-A questão que nesta conclusão se pretende debater e
1º-Se as tapreciar é a de apurar:estemunhas que depuseram na audiência de julgamento assistiram à operação de desligamento e (re) ligamento dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal) que alimenta de energia elétrica o imóvel da Autora.
2º-Tratando-se de uma operação técnica que exige a prática de determinados procedimentos e que foi realizado por um trabalhador à qual só ele próprio assistiu (pois ele estava sozinho na barquinha - grua - a cerca de 4/5 metros do solo, onde por ele foi realizada essa operação), só será possível saber se a mesma foi executada, bem ou mal, pelas consequências que daí resultaram.
(Note-se que nenhuma testemunha estava junto desse trabalhador quando ele executou tal operação técnica).
Será, pois, pelas consequências, ou seja, pelos danos provocados nos equipamentos que estavam à mercê da tensão da corrente eléctrica (note-se que ele não interrompeu o fornecimento de energia eléctrica ao imóvel da Autora por não ter desligado o disjuntor próprio existente na portinhola - veja-se n.° 15 dos Factos Provados)
3º-Será, por isso, possível fazer a prova, como efetivamente foi feita na audiência de julgamento, através das testemunhas idóneas, nessa área de conhecimentos sobre eletricidade, por estarem tecnicamente habilitadas para tal, designadamente em função das tarefas que realizam na sua vida profissional.
Ê o caso da 4ª testemunha – A... que é eletricista de profissão, da 5ª testemunha – L..., que é além de engenheiro civil, é perito do sistema nacional de certificação energética, da 6ª testemunha – V... - que sendo serralheiro exerce na empresa onde trabalha a atividade de instalação de portões e automatismos elétricos e da 7ª testemunha – V... que vende e repara equipamentos elétricos e que no caso da Autora, fornece e dá assistência às bombas de água, há mais de 20 anos, tendo uma vasta experiência profissional nessa área de atividade.
b.5)-Tais testemunhas depuseram na audiência de julgamento e o seu depoimento que foi gravado, encontra-se transcrito, na parte que agora interessa no Anexos II, no Anexo III, no Anexo IV, e no Anexo V., que fazem parte integrante desta conclusão.
Como questão prévia, deve dizer-se que, na parte que agora se está a debater, tais depoimentos incidiram sobre três pontos, a saber:
1–A não interrupção pelo técnico da S..., antes de proceder à operação de desligamento e (re) ligamentos dos cabos elétricos da rede à baixada que alimenta o imóvel da Autora, do fornecimento de energia elétrica a esse imóvel (ver n.° 15 dos Factos Provados).
2–Desrespeito dos procedimentos técnicos adequados, na operação de desligamento e (re) ligamento dos cabos elétricos da rede de distribuição à baixada (ramal) que alimenta de energia elétrica o imóvel da Autora.
3–Avaria generalizada dos aparelhos e equipamentos elétricos mais sensíveis existentes no prédio da Autora.
10ª.-Através dos depoimentos das testemunhas que se encontram em parte transcritos nos Anexos II, III, IV e V, cujo teor se dá aqui como reproduzidas e ainda o Relatório de Avaria que é o doc. n.° 14 junto à p.i. que a Mª Juiz a quo deveria ter dado como provada a matéria de facto constante dos n.°s 39 e 40 dos Factos não Provados, pois, tal prova foi feita inequivocamente através do depoimento dessas testemunhas, (que depuseram com espontaneidade, isenção e imparcialidade) e, ainda, através do documento n.° 14 junto à p.i.
Assim,
11ª-Devem ser eliminados dos Factos não Provados os n.°s 36, 39 e 40, devendo os mesmos serem aditados aos Factos Provados, com a mesma redacção.
Terminou pedindo a procedência do recurso e, em consequência, a revogação da sentença recorrida e, dando-se como provados os factos constantes dos n.°s 36, 39 e 40 (dos Factos dados como não Provados) e devendo os autos baixar à 1ª instância para a feitura de nova sentença que tenha em conta a nova factualidade dada como provada.
Não houve contra-alegação.
2.–A sentença deu como provados os seguintes factos:
1.–A Autora dedica-se à compra e venda para revenda de bens imóveis, administração de propriedades e prestação de serviços de consultadoria à gestão de empresas, conforme doc. 1 junto com a PI cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2.–Para o exercício de tal actividade, a Autora adquire vários imóveis;
3.–Um desses imóveis, o prédio misto sito na Rua Alto do Pinheiro, n. ° 10 (anteriormente Lote 21), no Sobralinho, com a área total de 8.620 m2, e a área coberta de 600 m2 e com a área descoberta de 8.020 m2, composto de cultura arvense e árvores de fruto e casa de rés-do-chão, 1° andar e sótão, para habitação, arrecadações domésticas e para alfaias agrícolas e tanque, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n. ° 4086/20061212, da freguesia de Alverca do Ribatejo e concelho de Vila Franca de Xira e inscrito na matriz predial sob os artigos 76 (secção E) rústico e 6057 urbano, da mesma freguesia, tem registada a aquisição a favor da Autora, mediante Ap. 20, de 13.11.2000 e 4, de 23.01.2001;
4.–E confronta a norte, com Ribeiro, a sul com rua pública, Fernando Ruas e outros, a nascente com José António Moura Ruivo e outro e a poente com Gestimonte, S.A. e outro;
5.–Na berma esquerda, da Rua Alto do Pinheiro, no sentido sul/norte, encontra-se instalada uma rede de distribuição de energia eléctrica de baixa tensão, que è propriedade da Ré e que abastece energia aos prédios urbanos sitos naquela Rua;
6.–A Ré dedica-se à exploração e direcção efectiva da rede de distribuição e energia eléctrica de baixa, média e alta tensão;
7.–No dia 17 de Setembro de 2014, a hora não concretamente apurada mas anterior às 13.30 horas, um poste Cavan 9/400, de betão, e com luminária de 100 watts, da rede eléctrica que ali se encontrava instalado, caiu, tombando com a sua parte superior, sobre o muro que confina com o referido prédio;
8.–Na parte superior desse poste, encontravam-se ligados os cabos eléctricos da rede de distribuição, à baixada (ou ramal) que fornece energia ao dito imóvel;
9.–E na posição referida em 7), o poste dificultava a passagem de veículos pela Rua Alto do Pinheiro;
10.–A cerca de 15/20 metros, no sentido sul/norte e do lado direito dessa Rua, encontra-se ura portão metálico que dá acesso ao interior do prédio da Autora supra referido, e cuja abertura e fecho é efectuado mediante a utilização de um comando electrónico;
11.–A Ré foi avisada pela Autora, cerca das 13.39 horas, do referido em 7), e cerca de duas horas mais tarde, compareceram no local, funcionários da sociedade S... S.A., a mando e em execução de contrato com a Ré para providenciarem a retirada do referido poste em betão, o que fizeram;
12.–Mantiveram, contudo, ligados os cabos eléctricos que se encontravam instalados na parte superior do poste, pois os cabos eléctricos que o poste apoiava, continuaram a fornecer com normalidade, a energia eléctrica ao imóvel;
13.–No dia seguinte, 18 de Setembro de 2014, compareceram novamente no local, funcionários da sociedade "S... - Construções e Projetos, S.A.", a mando e em execução do contrato com a Ré, para proceder à instalação de um novo poste em betão, no mesmo local onde se encontrara o anterior, e que entretanto já fora removido por funcionários dessa empresa;
14.–E, após a implantação no mesmo local, do novo poste, erguer, com a ajuda de uma grua, os cabos eléctricos em 8) e fixá-los novamente ao longo do poste;
15.–Foi nesta operação que, de seguida - e sem que, um trabalhador da referida S... previamente e por uma questão de segurança tivesse procedido à interrupção do fornecimento de energia eléctrica ao imóvel, nomeadamente utilizando o disjuntor próprio no quadro existente em portinhola existente junto ao referido portão metálico, e no exterior do prédio, - procedeu ao desligamento da baixada (ramal) que abastece o imóvel em causa;
16.–Naquela altura, e local, encontravam-se a assistir a toda a operação, o funcionário da Autora, F..., e um colega daquele trabalhador da “S...”, tendo o referido Sr. F... em seu poder, o comando electrónico de abertura e fecho do portão metálico que dá acesso ao imóvel, sendo certo que antes do desligamento dos cabos eléctricos da rede de distribuição à baixada (ramal), o referido portão abria e fechava, sem qualquer problema, mas depois deixou de o fazer;
17.–O que sucedeu, logo que aquele funcionário da “S...”, procedeu ao desligamento dos cabos eléctricos da baixada, tendo nessa altura o funcionário da A., F..., chamado imediatamente a atenção desse funcionário para esse facto, tendo o mesmo retorquido que não se preocupasse, "pois tinha desligado os cabos eléctricos, mas que a seguir, ia ligá-los";
18.–Todavia, tendo esse trabalhador da “S...” feito a (re)ligação dos cabos eléctricos, da rede de distribuição à baixada (ramal) que alimenta de energia eléctrica o referido prédio, constatou- se que o portão do imóvel continuava a não "funcionar";
19.–De novo, o Sr. F... chamou à atenção daquele para o facto;
20.–Ao tomar conhecimento da ocorrência supra, o administrador da A. compareceu no local e telefonou para o piquete da Ré, sendo que, pouco tempo depois, compareceu no local, uma outra equipa da já indicada sociedade “S...”, tendo um dos seus elementos, após a abertura da referida portinhola, referido que na mesma não havia qualquer avaria;
21.–O administrador da A., telefonou então para a empresa que lhe dá assistência técnica ao portão (a empresa "Porta Feliz, Lda."), sendo que um funcionário desta, deslocou-se imediatamente ao local, e quando aí chegou, procedeu à substituição da placa electrónica que se encontrava instalada no sistema electrónico do portão, por uma outra placa electrónica nova, que trazia consigo;
22.–E de imediato, o controlo electrónico do portão voltou a funcionar;
23.–Nesse momento constatou-se também que a placa electrónica que foi substituída se encontrava queimada e que "ainda estava quente, cheirava a queimado";
24.–A Autora elaborou uma lista provisória dos aparelhos e equipamentos avariados cuja detecção fez e, no dia seguinte, 19 de Setembro de 2014, dirigiu-se, na pessoa do seu administrador, às instalações da Ré onde apresentou uma reclamação escrita, conforme doc. 8 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de cuja lista constam:
- 2 Programadores de rega, de marca Richdel;
- 1 Sistema de comando elétrico do portão de entrada, de marca Roger Technology;
- 1 Bomba de água de profundidade e respetivo quadro eléctrico
- 1 Vídeo porteiro de marca Avidsen, incluindo 2 projetores de marca Beghelli; - Sistema de vídeo vigilância de marca Asus;
-Central de alarmes de marca Sopho Kron ± Philips;
- 6 Aparelhos de ar condicionado de marca Sharp Inverter
- Aquecimento central Vulcano;
25.–A Autora além de ter reparado imediatamente a placa do portão eléctrico, no que despendeu a quantia de € 250,00, mais IVA, substituiu ainda o sistema de vídeo porteiro e respectivos projectores, no que despendeu a quantia de € 227,15, com IVA;
26.–A substituição ou reparação dos demais equipamentos referenciados em 24), orça na quantia global de € 11.235,93, mais IVA;
27.–Na sequência da reclamação referida em 24), a Ré enviou à Autora duas cartas, datadas respectivamente de 7 e de 9 de Dezembro de 2014, declinando a sua responsabilidade pela avaria dos aparelhos/equipamentos da Autora, conforme docs. 9 e 10 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
28.–Mediante carta registada com AR, datada de 16 de Janeiro de 2015, a Autora interpelou novamente a Ré para ressarcimento dos danos que lhe causou o sinistro supra identificado, conforme docs. 11 e 12 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
29.–A Ré, respondeu, mantendo a mesma postura de 27);
30.–A queda do poste referida em 7), deu-se por causa não concretamente apurada, encontrando-se partido a cerca de 30 centímetros do solo;
31.–No local onde o poste quebrou, inexistiam vestígios de qualquer embate de um veículo, ou de embate de qualquer outro objecto, designadamente vidros partidos ou sinais de travagem na via e as condições climatéricas, eram boas.
E deu como factos não provados:
32.–A Autora celebrou contrato de fornecimento de energia eléctrica, de baixa tensão, para o referido prédio, com a aqui Ré;
33.–Na posição referida em 7), o poste impedia totalmente a passagem de qualquer veículo, pela Rua Alto do Pinheiro;
34.–O poste eléctrico caiu, por se encontrar instalado numa zona onde existe uma curva pronunciada, pelo que quebrou pela tração dos cabos e ainda pelo próprio peso, forçado pela tração dos cabos eléctricos ligados à parte superior do mesmo;
35.–Também contribuíram, o envelhecimento do poste e a sua falta de escoramento;
36.–Perante o referido em 19), o Sr. F... escalou o muro e já no interior do referido prédio, constatou, de imediato que, para além de não funcionar o controlo electrónico de abertura e fecho do portão metálico, também já não funcionavam as bombas de água e outros equipamentos eléctricos instalados no imóvel, sendo que, anteriormente, a essa operação, tanto o controlo electrónico do portão como os outros aparelhos eléctricos se encontravam em perfeitas condições de funcionamento; (Transita para os factos provados atendendo à reapreciação)
37.–Novamente o referido Sr. F..., informou o trabalhador da “S...” que procedeu à referida operação (desligamento e ligamento dos cabos eléctricos) que, em consequência, haviam deixado de funcionar vários equipamentos eléctricos instalados no imóvel, seja o portão metálico e eléctrico sejam outros aparelhos eléctricos, que ele, no próprio momento, verificou tais como as bombas de água, tendo aquele trabalhador respondido que chamassem o piquete da EDP, ora R;
38.–Aquando o referido de 21) a 23), encontravam-se presentes alguns membros do piquete da Ré;
39.–Como consequência directa e causal da sobreintensidade da corrente eléctrica que, se gerou com o desligamento e (re)ligamento dos cabos eléctricos da rede de distribuição da Ré, à baixada (ramal), que alimenta de energia eléctrica o prédio da Autora, por incorrecta operação, deu-se a referida avaria generalizada de aparelhos e equipamentos da Autora; (Transita para os factos provados atendendo à reapreciação)
40.–Que originou a total perda de operacionalidade da sua maioria, os quais eram alimentados por tal corrente eléctrica, sendo certo que, antes dessa descarga eléctrica, os equipamentos que avariaram, encontravam-se em perfeito estado e condições de funcionamento; (Transita para os factos provados atendendo à reapreciação)
41.–A Autora despendeu cerca de € 500,00, com telefonemas para a Ré, na tentativa de resolução do diferendo;
42.–Logo que tomou conhecimento da ocorrência, a Ré diligenciou pela imediata colocação de geradores no local, para diminuir os impactos das avarias nos clientes.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
3.–A sociedade recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 640.° do Código de Processo Civil.
A prova produzida na audiência de julgamento foi gravada, sendo que a recorrente deu cumprimento ao disposto nos n° 1 (indicando os pontos que considera incorrectamente julgados - alínea a) -; os concretos meios probatórios constantes da gravação, a imporem diversa decisão - alínea b) -; e a decisão que, na sua perspectiva, devia ter sido adoptada - alínea c) -) e 2º, alínea a) daquele preceito adjectivo).
Certo que, mau grado o princípio base da livre apreciação das provas, segundo a "prudente convicção acerca de cada facto" do julgador, constante do n.º 5 do artigo 607,° do Código de Processo Civil, no uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, “a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção" na plena aplicação daquele princípio, "nos mesmos termos em que o deve fazer a l.ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do principio da imediação da prova". (v.g. Acórdão do STJ, de 14.02.2012 - proc. n° 6283/09.3BBRG.G1.SI).
O propósito do legislador, expressamente afirmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foi criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, "desiderato que só pode ser completamente conseguido se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção (coincidente ou não com a formada pelo julgador da l.ª Instância) no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar, de modo algum, limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida".
Vejamos, então.
Como se disse, a recorrente insurge-se contra terem sido não provados os factos seriados sob os n.ºs 36, 39 e 40. E são estes os seguintes:
“36.–Perante o referido em 19), o Sr. F... escalou o muro e já no interior do referido prédio, constatou, de imediato que, para além de não funcionar o controlo electrónico de abertura e fecho do portão metálico, também já não funcionavam as bombas de água e outros equipamentos eléctricos instalados no imóvel, sendo que, anteriormente, a essa operação, tanto o controlo electrónico do portão como os outros aparelhos eléctricos se encontravam em perfeitas condições de funcionamento;”
“39.–Como consequência directa e causal da sobreintensidade da corrente eléctrica que, se gerou com o desligamento e (re)ligamento dos cabos eléctricos da rede de distribuição da Ré, à baixada (ramal), que alimenta de energia eléctrica o prédio da Autora, por incorrecta operação, deu-se a referida avaria generalizada de aparelhos e equipamentos da Autora;
“40.–Que originou a total perda de operacionalidade da sua maioria, os quais eram alimentados por tal corrente eléctrica, sendo certo que, antes dessa descarga eléctrica, os equipamentos que avariaram, encontravam-se em perfeito estado e condições de funcionamento;”
Em sede de motivação, a instância recorrida considerou ausência de prova bastante quanto ao facto 39.º e 40.º.
No tocante aos factos 39.º e 40.º afirmou:
“Os factos não provados foram assim considerados em face de total ausência de produção de prova, sendo que à Autora, enquanto lesada, incumbia o ónus da sua prova, nomeadamente, para o que aqui interessa, a existência do evento lesivo, isto, é a sobrecarga de corrente eléctrica, o nexo de causalidade entre esse evento e a actuação dos funcionários subcontratados pela Ré na dita operação de desligamento e (re)ligamento e os danos causados”.
Ora, da atenta análise, e audição, da prova gravada, aliás transcrita, com rigor e detalhe, pela recorrente, e também da convicção resultante do documento nº 14, junto com o primeiro articulado, procede a impugnação da matéria de facto.
Daí que os factos 36.º, 39.º e 40.º transitem para o elenco dos factos provados.
Tal bastaria para a prova dos requisitos da responsabilidade aquiliana - evento, culpa, nexo de causalidade (naturalístico) e dano (prejuízo material) indemnizável.
Mas, ainda que se questionasse a prova da culpa sempre, e ao contrário do que afirma a decisão posta em crise, a mesma resulta de presunção legal (“juris tantum”) que a Ré não ilidiu como lhe permitia o n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil e beneficia a Autora, “ex vi” do n.º 1 do mesmo preceito.
Vejamos com algum, e maior, detalhe:
Os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual (que, como atrás acenámos aqui se perfila), aliás, são comuns à responsabilidade civil contratual, são: facto, ilicitude, culpa, dano, e nexo de causalidade entre facto e dano.
Ou seja, nos termos dos artigos 483° e 487°, n°2, do Código Civil, exige-se a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um "bom pai de família".
Mas o artigo 493º n.º 2º do Código Civil estabelece presunção de culpa ao estatuir que quem causar dano a outrem no exercício de uma actividade perigosa, por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Os actos ordenados com vista à realização de determinado fim consubstanciam o exercício de uma actividade.
Assim, quem exerce actividades perigosas que derivam da natureza dessa mesma actividade é obrigado a reparar o dano daí decorrente.
A ilisão da presunção de culpa faz-se pela prova de que foram tomadas as medidas idóneas para evitar o dano dela resultante, medidas essas ditadas pelas normas técnicas, aferidas pela diligência de um homem médio.
Consagra-se assim a tese da culpa em abstracto.
A presunção de culpa só é ilidida se quem tem a direcção efectiva dessa actividade provar que tomou todas as providências que, segundo a experiência, são adequadas a evitar o perigo.
Assim, para efeito da inversão do ónus da prova consagrada no artigo 493º do Código Civil, a perigosidade da actividade deve existir no exercício desta, considerada em abstracto, não se atendendo por isso á inexperiência de quem a exerce.
A par da responsabilidade subjectiva consagra a lei a responsabilidade objectiva ou pelo risco, obrigando o agente a indemnizar independentemente da culpa, embora excepcionalmente.
Dispõe o artigo 509º do Código Civil que:
“1.–Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada a condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
2.–Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa".
Daí que, a responsabilidade objectiva é estabelecida para a hipótese da responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica e para a resultante da condução e entrega da mesma energia.
Na condução e entrega de energia eléctrica só inexiste essa responsabilidade nos casos de força maior.
Nos casos da condução e entrega o terem sido cumpridas, as regras técnicas em vigor, e tudo estar em perfeito estado de conservação, não isenta de responsabilidade objectiva a entidade responsável pela condução e entrega de energia.
Tal isenção só aproveitaria se os danos fossem originados na instalação da energia e não já na fase ulterior (sua condução e entrega) como foi o caso.
A não observância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa do autor dessa inobservância e o nexo de causalidade entre essa inobservância e os danos que se lhe liguem e a cuja produção as leis e os regulamentos visam obstar.
Mas a demandada não alegou, e por isso não podia ter provado, que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir o dano.
Assim a sua culpa presume-se nos termos do artigo 493 n.° 2 do Código Civil.
Repete-se, não basta que o autor da actividade perigosa tenha observado as normais cautelas sendo ainda indispensável, para afastar a sua responsabilidade, que tenha adoptado as demais providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
A finalidade do artigo 493° n.°2, é ditada pela conveniência de estabelecer um regime particularmente severo para a responsabilidade civil resultante de actividades perigosas (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed. pág. 419 e 420).
Ora, e ainda que, por mera hipótese, não se lançasse mão da presunção legal sempre se concluiria, do mesmo modo, pela responsabilidade da recorrida.
É comumente sabido – e resulta da experiência da vida quotidiana de quem lida profissionalmente, com o fornecimento de energia eléctrica – ser boa prática desligar os disjuntores sempre que há uma interrupção de corrente e antes de voltar a reestabelecer o fornecimento.
Aliás, no caso em apreço tudo aponta para que a sobretensão tenha sido provocada por uma “fase” ter tocado no “neutro”.
E, se esse tipo de evento ocorre fora da área do prédio do cliente, mas no espaço do fornecedor de energia, é sempre este o responsável pelo dano causado.
A deliberação final passa, assim, e nuclearmente, pela presunção legal de culpa da recorrida, que esta não logrou ilidir, e pela presença dos demais pressupostos da responsabilidade aquiliana.
Por abundância, recuperamos o que foi dito no Acórdão do S.T.J. de 24 de Outubro de 2014 – 1593/07.7TBPVZ.P1.S1 - :
“Mais actualmente, a doutrina considera a culpa como uma realidade de natureza normativa, ou seja, como um juízo de censura formulado relativamente à conduta ilícita do agente (cf., v.g., Profs. Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 12.ª ed., 580; Ribeiro de Faria, I, 451; Menezes Leitão, "Direito das Obrigações", 8.ª ed., 1, 313; e Menezes Cordeiro, "Tratado de Direito Civil Português", II, "Direito das Obrigações", Tomo III, 469).
Ao contrário da responsabilidade contratual/obrigacional em que a culpa sempre se presume, "ex vi" do n.º 1 do artigo 799.° do Código Civil, na responsabilidade delitual da "lex aquilia" a prova da culpa cumpre, em princípio, ao lesado, como acima se acenou, ao citar-se o artigo 487.° do Código Civil.
Este último preceito excepciona, no seu n.° 1, e como também antes se referiu, a existência de presunção legal de culpa.
E tal acontece, na parte que aqui releva, por ser a que iremos abordar, tratando-se do "exercício de uma actividade perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados".
Então, o respectivo manipulador (ou utente) fica obrigado a reparar os danos causados excepto se demonstrar que tomou todas as cautelas para os prevenir, ou seja, que foi cuidadoso e diligente que de acordo com as circunstâncias lhe era exigível (n.° 2 do citado preceito).
Adere-se, na conceptualização desta regra, ao afirmado pelos Profs. P. de Lima e A. Varela que dizem afastar-se "indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por outra causa (causa virtual) mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências" (in "Código Civil Anotado", 3.° ed., I, 470) ou seja, aceita-se a relevância negativa da causa virtual.
É que, a causa virtual assume duas modalidades: causalidade interrompida e causalidade antecipada que mais não são do que perspectivas da mesma situação de facto (certo facto provocou um dano que seria causado por outro facto se aquele não tivesse ocorrido).
O segundo facto - causa hipotética ou virtual do dano, constitui o seu autor na obrigação de indemnizar (relevância positiva da causa virtual) e se tal facto pode ser alegado pelo autor do primeiro (causa operante) para afastar, ou reduzir a obrigação de indemnizar (relevância negativa).
Tratando-se de causalidade interrompida há que apurar se o autor da causa virtual deve indemnizar o dano que teria causado (relevância positiva da causa virtual); se se trata de causalidade antecipada há que verificar se o autor da causa real pode, alegando a causa virtual, afastar o dever de indemnização (relevância negativa da causa virtual) - (cf. ,entre outros, o Prof. Pereira Coelho - "O problema da causa virtual na responsabilidade civil", 1955, n.º 4).”
“Analisando, agora, a conceptualização do n.º 2 do artigo 493.° do Código Civil topamos com o conceito de actividade perigosa "pela sua própria natureza" ou "pela natureza dos meios utilizados no seu exercício" e com a inversão do ónus da prova se tal exercício causar danos.
Desde já, vamos deter-nos no segundo por apelo ao disposto nos artigos 349.° e seguintes do Código Civil.
Como antes afirmámos, o n.º 2 do artigo 493.° estabelece uma presunção legal "tantum juris" de culpa, cujo facto-base é o exercício de uma actividade perigosa.
A presunção legal só deixará de relevar se for ilidida nos termos do n.º 2 do artigo 350.° do Código Civil, ilisão a ser feita com a demonstração fáctica da parte final do n.º 2 do artigo 493.°, do mesmo diploma, transferindo, assim, o "ónus probandi" (inversão do ónus da prova)”.
E continua:
“No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2009 - 162/09.1 YFLSB, decidiu-se que "o n.º 2 do artigo 493.° do Código Civil contém uma presunção de culpa só ilidível pelo causador dos danos quando mostre que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir (cf., a propósito, e entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1974, de 22 de Julho de 1975, de 3 de Fevereiro de 1976 – este tirado em reunião de secções - e de 4 de Maio de 1976 - BMJ 237-231, 249-480, 254-180 e 257-121, respectivamente e Assento de 21 de Novembro de 1979 - 068004 e ainda os Acórdãos de 25 de Março de 2004-04 A 521 - e de 17 de Maio de 2017 - 1506/11.1TBOAZ.P1.S1).
Na falta de definição legal de actividade perigosa a doutrina e a jurisprudência vêm trabalhando o conceito.
Aqui, o que nos parece mais completo consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004 - 4B025 - com relato do Magistrado de referência Conselheiro Araújo Barros, fixando que "é, em princípio, perigosa uma actividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios empregados, tenha ínsita, ou envolva, uma probabilidade maior de causar danos, do que a verificada nas restantes actividades em geral, embora a sua perigosidade concreta seja matéria a apreciar em cada caso segundo as circunstâncias" (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos de 10 de Julho de 2012 - 1400/04.2TBAMT.P1.S1 e de 11 de Julho de 2013- 95/09.TBAMM.P1. SI).
Para o Prof. Vaz Serra (apud "Responsabilidade pelos Danos Causados por Coisas ou Actividades" - BMJ, n.° 85 – Abril 1959 - p. 378) actividades perigosas são as que "criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal, derivada de outras actividades."
Na óptica do Prof. Almeida Costa (ob. cit. 5.ª ed., 473) a perigosidade deriva da própria natureza da actividade ou quando os meios utilizados têm ínsita uma probabilidade de causar danos maior do que "as restantes actividade em geral".
Procede, pelo exposto, o núcleo central da argumentação do recorrente, impondo-se a condenação da Ré, embora somente quanto aos danos patrimoniais.
Decisão.
5.–Termos em que, ponderando os factos provados, acordam dar parcial provimento ao recurso e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 11 235,93, acrescido do IVA correspondente, bem como a quantia de € 464,65, ambas de danos provados, acrescidas dos juros de mora desde a citação.
E absolve-la do mais pedido (danos não patrimoniais, por não se inserirem no nº 1 do artigo 496ºCC).
Mantém-se a absolvição quanto à litigância de má-fé, por improvadas quaisquer das circunstâncias da lide dolosa ou gravemente negligente do n.º 2 do artigo 542.º CPC.
Custas por recorrente e recorrida na proporção do vencido.
Lisboa, 13 de Julho de 2017.
Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge