RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO BIOLÓGICO
MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I.–Incumbe ao apelante que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: (i) cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) e tentar demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.

II.–Assim, não cumpre tal ónus o apelante que se limita a sinalizar acriticamente a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.

III.–O incumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida constitui fundamento de rejeição do recurso nessa parte.

IV.–Na sistematização adotada pela Portaria nº 377/2008, de 26.5., o dano biológico dá azo a uma indemnização tabelar equivalente para todas as vítimas, variando apenas em função da idade e do grau de gravidade da lesão, de modo que tal dano é qualificável como dano não patrimonial objetivo ou comum a todas as pessoas.
V.–Assumindo o Anexo IV da Portaria nº 679/2009, de 25.6., expressamente, como pressuposto dos pontos o valor da RMMG de 2007, tais pontos são atualizáveis por referência ao valor da RMMG e não do salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


MIGUEL ... ... ... DO MAR e BEATRIZ ... ... ..., intentaram a presente ação declarativa, sob a forma comum de processo (originalmente, sob a forma de processo experimental), contra,
1.-... –METALOMECÂNICA, LDA, pessoa coletiva nº 503 394 513, com sede na Quinta do Ribeiro, Rua de Recarei, Leça do Balio.
2.-COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A, atualmente e por fusão designada como SEGURADORAS REUNIDAS, S.A., pessoa coletiva nº 500 940 231, com sede na Avenida da ... nº 242, em Lisboa.
3.-... –SERVIÇOS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS, LDA, com sede na Rua ... Maurício Marques, Vale de Açores, Apartado 23, Mortágua.
4.-... –GESTÃO DE PROJECTOS DE ENGENHARIA, S.A, relativamente à qual a instância foi extinta por inutilidade superveniente da lide consequente à respetiva declaração de insolvência.
5.-... –PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., atualmente denominada ... PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua Gonçalo Sampaio, nº 39, Porto.
Pediram que pela procedência da ação as rés sejam solidariamente condenadas no pagamento ao autor marido de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e à autora mulher de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de Euros 80.000,00 (oitenta mil euros), bem como juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, quanto segue:
·No dia 16 de Junho de 2008, o autor encontrava-se no exercício da sua atividade profissional de serralheiro ao serviço e sob as ordens da ré ..., Lda. numa obra de construção civil do edifício Lidl, no Pragal, Almada, de que era empreiteira a ..., S.A.
·Foi necessário um meio que permitisse a montagem de estruturas metálicas em altura e por indicação do encarregado geral da obra ao serviço da ..., foi montada uma plataforma metálica para o efeito.
·Quando o autor desempenhava as suas funções em cima dessa estrutura, a mesma, por não ter resistência suficiente, cedeu, tendo ele caído desamparado de uma altura de cerca de 10 metros no piso inferior do parque de estacionamento.
·O autor esteve uma hora e meia em agonia num local inacessível, do qual foi transportado para o hospital, tendo sido sujeito a duas cirurgias e sofrido várias fraturas, luxação e lesão vertebro-medular completa que lhe provocou paraplegia.
·Ficou privado da capacidade de locomoção, sendo obrigado a utilizar, primeiro, cadeira de rodas e atualmente canadianas e está dependente de terceiros para as tarefas básicas do dia-a-dia.
·Está também privado da função sexual, não podendo mais ter filhos, o que lhe causa profunda tristeza e frustração.
·Também para a autora resultaram desse sinistro danos, consequentes à impossibilidade de ter relações sexuais com o seu marido e ter mais filhos.
·A ré ..., Lda. celebrou com a ré ..., S.A um seguro pelo qual transferiu para esta a responsabilidade pelos riscos como os que se verificaram no referido sinistro.
·A montagem da estrutura que se desmantelou e deu origem à queda do autor foi efetuada por funcionários da ..., que havia transferido a sua responsabilidade para a ré ..., S.A.
·O autor subiu à estrutura e montava o sistema de exaustão no âmbito da relação de trabalho subordinado que mantinha com a ré ..., Lda.
·O mesmo efetuava o seu trabalho seguindo ordens e indicações que lhe eram dadas pelo encarregado da ... e pelo engenheiro ao serviço da ré ..., Lda.
·A construção civil configura uma atividade perigosa pela sua natureza e pelos meios que utiliza, sendo aplicável ao caso o disposto no nº 2 do artº 493º do Código Civil.

Todas as rés apresentaram contestações, tendo-se defendido, no essencial, da seguinte forma:
(i)–A ré ..., S.A, excecionando a incompetência material do tribunal com fundamento na caracterização do sinistro como acidente de trabalho e, no mais, impugnando por desconhecimento a factualidade articulada.
(ii)–A ré ..., Lda., invocando o sentenciado no Tribunal de Trabalho, a incúria do autor no cumprimento de ordens e regulamentos existentes na empresa, tendo ele formação em segurança no trabalho. Impugnou parcialmente a factualidade articulada, concluindo pela exclusão da sua responsabilidade ao abrigo do disposto no artº 570º do Código Civil.
(iii)–A ré ..., S.A contestou aceitando a transferência de responsabilidade da co-ré ..., e sustentando que foi o autor que deu causa ao sinistro por ter, de forma livre e consciente, optado por executar os trabalhos numa plataforma que não estava apta para o efeito, a qual, por esse motivo, se partiu.
(iv)–A ré ..., Lda. defendeu-se invocando que não teve qualquer intervenção na disponibilização de meios ou na montagem dos andaimes/plataforma, não tendo praticado, por ação ou omissão, qualquer facto lícito ou ilícito suscetível de desencadear a sua responsabilidade pelo sinistro. Requereu a intervenção principal provocada, como sua associada, da seguradora Império-Bonança, S.A para a qual disse ter transferido a responsabilidade civil emergente do exercício da sua atividade. 

Convidados para o efeito, os autores responderam por escrito às exceções deduzidas nas contestações, refutando as mesmas.

O incidente de intervenção principal deduzido pela ré ..., Lda. foi indeferido liminarmente por falta de pagamento da t... de justiça inerente.

Realizou-se audiência preliminar, na qual foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção de incompetência material do tribunal. Posteriormente foram declaradas improcedentes as exceções de ilegitimidade e falta de causa de pedir supervenientemente invocadas pela ré ..., S.A.

Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, tudo ponderado de facto e de Direito, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores MIGUEL ... ... ... DO MAR e BEATRIZ ... ... ... e, nessa mesma medida:
I.–Condena-se a ré ... PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao autor MIGUEL ... ... ... DO MAR a quantia de Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à t... legal de juros civis, desde a presente data até integral pagamento.
II.–Condena-se a ré ... PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à autora BEATRIZ ... ... ... a quantia de Euros 17.000,00 (dezassete mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à t... legal de juros civis, desde a presente data até integral pagamento.
III.–Absolvem-se as rés ... – METALOMECÂNICA, LDA, SEGURADORAS REUNIDAS, S.A. e ... – SERVIÇOS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS, LDA dos pedidos contra elas formulados na ação
*

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente ... Portugal, SA, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«I.–Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Juízo Central Cível de Almada da comarca de Lisboa que condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de:
-250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais do Recorrido;
-17.000,00 € (dezassete mil euros), a título de danos não patrimoniais da Recorrida.
II.–Com interesse para a apreciação das questões objeto deste recurso, vejam-se os pontos 3, 6, 11, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 62 da matéria de facto dada como provada;
III.–Por força do depoimento testemunhal do Sr. Branco, prestada na sessão de julgamento de dia 21-12-2016, com início às com início às 10:40:56 e fim às 11:42:31, a Recorrente entende que o tribunal deverá considerar como não provados os factos n.ºs 17, 18 e 19.
IV.–Relativamente ao dano biológico, entende a Recorrente que o mesmo tem natureza patrimonial;
V.–Pelo que já terá sido indemnizado no foro laboral;
VI.–Esta circunstância, não sendo tomado em consideração na estipulação do montante indemnizatório, implica uma mais-valia para o Recorrido, desvirtuando a razão da indemnização e transformando-a num enriquecimento injustificado, violando manifestamente os artigos 564.º e 566.º, do Código Civil.
VII.–Assim, deve ser eliminada a dupla valoração do dano biológico;
VIII.–Sem prejuízo do alegado supra, sem conceder e por mero dever de patrocínio, igualmente se dirá que a Recorrente discorda dos valores da condenação atribuídos aos Recorridos.
IX.–Pese embora a Ré não ponha em causa o sofrimento do Autor, a verdade é que a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais é excessiva sobretudo quando comparada com a prática jurisprudencial, que sempre deverá constituir a base de um juízo equitativo, sendo violadora dos critérios fixados no art.º 496.º do Código Civil.
X.–Nos termos do artigo 496.º do Código Civil, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal”, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto.
XI.–Ora, no caso em apreço, resultou demonstrado que o Recorrido se colocou numa situação de perigo, uma vez que subiu o andaime sem os meios de segurança aptos a evitar o acidente;
XII.–Nos termos do artigo 570.º do Código Civil “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
XIII.–Estes factos que foram dados como assentes nos autos não podem ser deixados de parte para efeitos de indemnização.
XIV.–Acresce, por outro lado, que a Sentença em crise valora, sem respaldo na matéria de facto, uma pretensa falta de autodeterminação, atribuindo à entidade empregadora um poder de comando que, por si só, seria geradora da obrigação de indemnizar. Ora, como se disse, essa matéria não se encontra refletida na matéria de facto e resulta de um pretenso facto notório do qual se extraiu, sem qualquer suporte legal, uma relevância para o caso concreto.
XV.–Independentemente da impugnação da matéria de facto, a verdade é que os autos são completamente omissos quanto à circunstância de o Autor ter subido ao andaime em virtude dessa pretensa falta de autodeterminação. O critério de que o Tribunal a quo se serviu para repartir a culpa é, pois, um critério sem qualquer suporte factual e legal e que, por isso, é arbitrário, nomeadamente tendo em conta a matéria de facto da qual ressalta, sem margem para dúvidas, a culpa do lesado.
XVI.–Considerando as características do caso concreto e atendendo à realidade socioeconómica, bem como às lesões e dores sofridas pelo Apelado, não pode deixar de se considerar completamente injustificada a atribuição de um montante indemnizatório tão elevado, tomando em conta, nomeadamente, as decisões da jurisprudência nacional para situações semelhantes, e ainda desproporcional a fixação do grau de culpa do lesado em 15%.
XVII.–No tocante à indemnização por danos não patrimoniais atribuída à Recorrida, e tendo em conta a culpa do lesado no caso concreto, a Recorrente considera que a quantia arbitrada é excessiva e que deve ser reduzida, sendo que qualquer valor superior a € 10.000,00 é excessivo.
XVIII.–É, pois, neste quadro, que a Recorrente não se conforma com a decisão proferida e peticiona a sua alteração em conformidade com juízos de equidade e de justiça.
XIX.–Assim, por violar, entre outros, o disposto nos artigos 483.º, 494.º, 496.º e 566.º do Código Civil deve o Acórdão sub judice ser alterado por outro, que corrija os montantes indemnizatórios arbitrados, de forma justa.
XX.–Face ao exposto, deve a sentença sub judice ser alterada por outra, que corrija os montantes indemnizatórios arbitrados e os respetivos juros, de forma justa.
Nestes termos e nos demais de Direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!!»

Contra-alegaram os apelados, propugnando pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
a.-Impugnação da decisão de facto (factos provado sob 17 a 19);
b.-Dupla valoração do dano biológico;
c.-Fixação do grau de culpa do lesado;
d.-Montante da indemnização por danos não patrimoniais atribuído à Autora.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
«1.-O autor, até 17 de Junho de 2008, desempenhava a profissão de serralheiro civil, o que fazia na qualidade de funcionário da ré ..., Lda., desde 27 de Outubro de 2003 [alíneas D) e E) dos factos assentes].
2.-O mesmo auferia um vencimento mensal base de Euros 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), ao qual acrescia um prémio de assiduidade no valor de Euros 295,20 (duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos) e o subsídio de alimentação no valor de Euros 126,00 (cento e vinte e seis euros) [alínea F) dos factos assentes].
3.-No exercício da sua atividade de serralheiro e sob as ordens da ré ..., o autor tomou parte na obra de construção do Centro Cívico do Pragal, nesta comarca de Almada, na construção do edifício do supermercado "Lidl" aí instalado [alíneas G) e H) dos factos assentes].
4.-O autor detinha a categoria profissional de oficial ao serviço da ré ..., sendo a pessoa que naquela obra dava ordens ao outro trabalhador da mesma empresa que também participava nos trabalhos (artºs 70º e 71º da base instrutória).
5.-A Ensul Meci promoveu a realização da obra de construção do Centro Cívico do Pragal e dos vários imóveis e infraestruturas que o integram (artº 4º da base instrutória).
6.-Por indicação e sob as ordens da sua entidade patronal, o autor esteve em obra, desde 11 de Junho de 2008, a montar o sistema de exaustão de fumos e proteção contra incêndio dos pisos do parque de estacionamento do supermercado (artº 1º da base instrutória).
7.-O fabrico do referido sistema e a sua instalação no local foi solicitado à ré ... pela ré ..., que o concebeu de acordo com o projeto que foi fornecido pela Ensul Meci (artº 2º da base instrutória).
8.-A ... havia contratado com a Ensul Meci o fornecimento e montagem, por aquela a esta, do dito sistema de exaustão de fumos e proteção contra incêndio (artº 3º da base instrutória).
9.-O encarregado geral da obra de construção referida no nº 5, que coordenava todos os trabalhos à mesma inerentes, era o Sr. Branco, que o fazia sob as ordens da Ensul Meci (artº 5º da base instrutória).
10.-A ré ... deslocou para a obra o Engº Pedro R..., seu funcionário, que coordenava a montagem do sistema de exaustão de fumos e proteção contra incêndio que o autor estava a efetuar (artº 6º da base instrutória).
11.-O autor também cumpria ordens e indicações que lhe eram dadas pelo Eng° Pedro R... quanto à referida montagem do sistema de exaustão de fumos e proteção contra incêndio (artº 7º da base instrutória).
12.-O Engº Pedro R..., funcionário da ré ... contactava telefonicamente com o autor ou deslocava-se à obra para prestar ao mesmo os esclarecimentos técnicos por ele pedidos sobre a instalação do sistema (artº 91º da base instrutória).
13.-No exercício das suas funções, que compreendiam a montagem de estruturas em altura, o autor utilizou durante algum tempo uma "máquina de cesto" (máquina do tipo plataforma elevatória), solicitada a uma equipa de vidraceiros que estava a trabalhar na obra e emprestada pela mesma (artºs 8º e 78º da base instrutória).
14.-Essa máquina foi devolvida ao proprietário, a solicitação deste, no dia 16 de Junho de 2008, tendo o autor ficado sem meios que lhe permitissem levar a efeito o seu trabalho (artºs 9º e 79º da base instrutória).
15.-O autor deu conhecimento desse facto, de imediato, ao Engº Pedro R... e comunicou o mesmo também ao encarregado geral da obra ao serviço da ré ..., Fernando ... (artº 10º da base instrutória).
16.-O autor solicitou então ao Engº Pedro R... a disponibilização de meios que lhe permitissem, em segurança, aceder, no interior da “courette” onde estava a ser montada a estrutura do sistema de exaustão de fumos, ao nível do teto do parque de estacionamento (artºs 11º e 12º da base instrutória).
17.-No dia 16 de Junho de 2008, por indicação do Sr. Branco, foi montada uma estrutura metálica (andaime) por trabalhadores da ... às ordens daquele encarregado (artºs 13º e 81º da base instrutória).
18.-O autor questionou o Sr. Branco quanto à segurança dessa estrutura, uma vez que uma das plataformas da mesma, devido à existência de uma saliência no interior da “courette”, não tinha um dos vértices engatado no respetivo prumo vertical, tendo aquele outro assegurado que a estrutura estava apta, estável e sólida, não oferecendo quaisquer riscos (artº 14º da base instrutória).
19.-O autor solicitou ao Sr. Branco a montagem de uma linha de vida fixa à parede da “courette”, o que o segundo recusou, alegando que a estrutura metálica era segura e que não eram necessários meios de segurança adicionais (artº 15º da base instrutória).
20.-No dia seguinte, pelo início da tarde, enquanto o autor desempenhava o seu trabalho na referida estrutura metálica, procedendo à montagem do sistema de exaustão de fumos, uma das peças que suportava a plataforma referida no nº 18, por ter carga excessiva com o peso do autor, partiu, fazendo com que a plataforma cedesse (artº 16º, 89º e 90º da base instrutória).
21.-Devido à cedência da plataforma, o autor caiu, desamparado, de uma altura de cerca de dez metros, no piso inferior do parque de estacionamento (artºs 17º e 90º da base instrutória).
22.-A Ensul Meci e as rés ... e ... não se certificaram que a estrutura montada e que ruiu era suficientemente apta ao fim a que se destinava (artº 69º da base instrutória).
23.-O autor tinha formação profissional sobre segurança no trabalho que a ré ... promoveu e custeou (artºs 72º e 73º da base instrutória).
24.-A mesma ré distribuiu aos seus funcionários, entre eles, ao autor, um manual individual de segurança, com ordens para estes o cumprirem e fazerem cumprir aos subordinados (artº 74º da base instrutória).
25.-A utilização obrigatória de linha de vida e arnês estava determinada nesse manual individual de segurança como procedimento para trabalho em alturas superiores a três metros do solo quando não existissem proteções antiqueda coletivas (artº 75º da base instrutória).
26.-O autor sabia que atenta a forma como a estrutura metálica estava executada, referida no nº 18, não era seguro executar o serviço sem a proteção adicional da linha de vida e arnês, tendo utilizado, numa primeira fase do trabalho esse arnês com um cabo preso à mesma estrutura metálica e deixado de o fazer quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu, tendo sido nesta segunda fase que se deu a queda (artº 77º da base instrutória).
27.-Para retirar o autor do local onde ele caiu foi necessária a desmontagem de diversos atenuadores de som que estavam já instalados, tendo os bombeiros demorado cerca de uma hora e meia a conseguir libertá-lo (artºs 18º e 19º da base instrutória).
28.-Durante esse período o autor sofreu dores lancinantes e temeu pela sua vida (artºs 20º e 21º da base instrutória).
29.-O mesmo sofreu angústia e o muito medo na fração de segundo que mediou entre o colapso da estrutura e o impacto do seu corpo no chão (artº 22º da base instrutória).
30.-O autor, depois de ter estado cerca de uma e hora e meia sozinho num local inacessível, em sofrimento e sem saber se iria sobreviver, foi assistido no local e transportado de ambulância ao Hospital Garcia de Orta (artº 23º da base instrutória).
31.-O mesmo esteve internado nesse hospital até ao dia 22 de Junho de 2008, tendo sido sujeito, no mesmo, a uma intervenção neurocirúrgica e ortopédica, de urgência, no dia 18 de Junho de 2008 (artº 24º da base instrutória)
32.-O autor foi transferido, no dia 22 de Junho de 2008, para o Hospital de S. João, no Porto, onde esteve internado até ao dia 29 de Julho de 2008 (artº 25º da base instrutória).
33.-No Hospital de São João, o mesmo foi sujeito, no dia 10 de Julho de 2008, a nova intervenção cirúrgica - osteossíntese da cabeça do perónio e reinserção da cápsula – tendo-se constatado nessa intervenção que havia sofrido lesão completa do ciático poplíteo externo (artº 26º da base instrutória).
34.-Da queda e impacto resultaram para o autor fratura-luxação do pé direito, luxação do joelho direito com arrancamento da cabeça do perónio e instabilidade postero-lateral, fratura tipo burst na coluna lombar (L1) com recuo posterior, fragmento intra-canalar e lesão neurológica, a qual, determinou inicialmente que ficasse paraplégico da lesão para baixo, tendo recuperado a mobilidade do membro inferior esquerdo durante o internamento hospitalar (artºs 27º a 30º da base instrutória).
35.-O autor foi submetido a redução e fixação com fios K no pé direito, o qual ficou completamente imobilizado com tala engessada até à raiz da coxa direita (artº 31º da base instrutória).
36.-Em resultado da queda em altura o autor ficou a padecer de diminuição da sensibilidade táctil da pele da perna direita e ficou sem sensibilidade táctil no pé direito (artº 33º da base instrutória).
37.-Pelo mesmo motivo perdeu mobilidade do joelho direito, não tolera apoio num pé sobre o membro inferior direito, não tolera agachar-se ou ajoelhar-se, tendo limitações em passar de deitado para sentado e desta posição para a posição de pé (artºs 33º e 34º da base instrutória).
38.-O autor só consegue deambular por períodos até 10 minutos, necessitando de usar muletas para períodos superiores e tendo especiais dificuldades de marcha em pisos irregulares, rampas e escadas (artº 35º da base instrutória).
39.-O mesmo apresenta uma cicatriz na face externa do joelho, nacarada, vertical, com 16cm por 1cm de maiores dimensões e uma outra cicatriz vertical com 4cm por 0,4cm de maiores dimensões, bem como atrofia muscular da coxa de 1cm e da perna de 2 cm, estando afetado de um dano estético permanente de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (artº 36º da base instrutória).
40.-Ao longo do tratamento e das intervenções cirúrgicas a que foi sujeito o autor sentir fortes dores, agravadas ao andar, qualificáveis como de grau seis numa escala de sete graus de gravidade crescente (artº 37º da base instrutória).
41.-A fratura vertebro-medular resultante do acidente implicou para o autor a perda de controlo dos esfíncteres, com a inerente perda de continência urinária e fecal (artº 38º da base instrutória).
42.-O autor esteve sujeito a algaliação crónica durante período de tempo concretamente não apurado e a auto-algaliação findo esse período, obrigando a um doloroso processo, diário, de extração de urina por introdução de sonda (artºs 39º e 40º da base instrutória).
43.-Em virtude de neoplasia entretanto diagnosticada, o mesmo foi sujeito a intervenção cirúrgica para retirada da bexiga - cistectomia radical da bexiga – tendo passado a usar um saco coletor (artº 41º da base instrutória).
44.-A utilização desse saco limita o autor e impede-o de ir à praia ou usar calções ou roupas mais justas, pela vergonha e o embaraço que lhe causa (artº 42º da base instrutória).
45.-Por causa do acidente e até à remoção cirúrgica da bexiga, o autor teve que dormir de fralda, por causa das perdas involuntárias de urina (artº 43º da base instrutória).
46.-Durante período de tempo concretamente não apurado o autor esteve privado da sua capacidade de locomoção autónoma, tendo utilizado cadeira de rodas; atualmente utiliza canadianas para deambular por períodos superiores a 10 minutos (artº 45º da base instrutória).
47.-O mesmo necessita da ajuda de terceiros para conseguir subir e descer escadas, designadamente as da sua própria casa (artº 46º da base instrutória).
48.-O mesmo esteve dependente de terceiros para se vestir, despir, tomar banho, fazer a barba e demais cuidados básicos de higiene, atualmente consegue realizar essas tarefas sozinho, na maioria delas, na posição de sentado, mas necessita da ajuda de terceira pessoa quando surgem quadros dolorosos intensos que limitam a sua mobilidade (artº 47º da base instrutória).
49.-Por causa do acidente, o autor tornou-se uma pessoa triste, infeliz, fechada em si mesma e sem vontade de viver, padecendo de uma perturbação persistente do humor com repercussão grave na sua autonomia pessoal, social e profissional, para a qual necessita de tratamento e acompanhamento em consulta de psiquia... com periodicidade trimestral (artºs 48º, 63º e 64º da base instrutória).
50.-Em consequência do mesmo evento, o autor ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta para a sua atividade profissional habitual, de uma incapacidade permanente parcial de 74,5307% de acordo com a tabela nacional de incapacidades para acidentes de trabalho e doenças profissionais e de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos (artºs 49º e 50º da base instrutória).
51.-Os autores são casados entre si desde 6 de Novembro de 1999 (artº 92º da base instrutória).
52.-Em virtude das lesões causadas pelo acidente, o autor ficou com dificuldades na ereção e na ejaculação, que era de curta duração e desprovida de sensação de prazer, sendo essa repercussão permanente na sua atividade sexual qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (artº 51º da base instrutória).
53.-Posteriormente, devido à cirurgia à bexiga causada pela neoplasia, o mesmo deixou de ter qualquer ereção, não mais podendo ter relações sexuais com a sua mulher, nem com o recurso a medicamentos ou outros tratamentos para o efeito, o que o impede de ter mais filhos e lhe causa uma profunda tristeza e frustração (artºs 51º a 53º da base instrutória).
54.-O autor tinha muito gosto e realização pessoal no exercício da sua profissão de serralheiro civil (artº 55º da base instrutória).
55.-O facto de não mais poder exercer essa profissão e ver interrompida a sua carreira, causa-lhe desgosto e infelicidade (artº 56º da base instrutória).
56.-Com a sua reduzida mobilidade o autor não consegue passear, nomeadamente a pé, com a sua família, como gostava de fazer e era um hábito do mesmo, da sua mulher, da filha de ambos e da filha da autora, o que importa uma repercussão permanente nas atividades de lazer qualificável como de grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente (artºs 57º e 62º da base instrutória).
57.-Em consequência do acidente o autor passou a refugiar-se em casa, saindo com pouca frequência e a evitar enfrentar pessoas fora do seu círculo familiar próximo (artºs 59º a 61º da base instrutória).
58.-A impossibilidade de manter relações sexuais com o seu marido, privando-a de ter mais filhos, causa à autora mulher uma enorme infelicidade (artº 65º da base instrutória).
59.-O agregado familiar dos autores não dispõe de meios que lhe permitam contratar uma terceira pessoa para prestar assistência ao autor (artº 68º da base instrutória).
60.-O autor nasceu no dia 25 de Novembro de 1970.
61.-A ré ...-Metalomecânica, Lda. transferiu para a ré Companhia de Seguros ..., SA a responsabilidade emergente por acidente de trabalho, relativa ao aqui autor, através da apólice 0001222544 [alínea I) dos factos assentes].
62.-No processo nº 478/09.TTALM do Tribunal do Trabalho de Almada a ré Companhia de Seguros ..., S.A. aceitou estar para ela transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, tendo sido fixada ao autor marido a incapacidade permanente parcial de 56,24% e a mesma ré sido condenada a pagar àquele a pensão anual vitalícia de €10.307,06 e a quantia de €5.112,00 a título de subsídio por situações de elevada incapacidade [alínea A) dos factos assentes].
63.-O acidente foi participado pela ré ..., S.A ao Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de Almada, a 25 de Junho de 2009 [alínea J) dos factos assentes].
64.-A Ensul Meci - Gestão de Projetos de Engenharia, S.A., até à data da sua insolvência, era uma sociedade comercial que se dedicava essencialmente à atividade de construção [alínea B) dos factos assentes].
65.-A mesma transferiu para a ... - Seguros de Portugal, SA, através da sua apólice de responsabilidade civil nº 108.163, a responsabilidade em que eventualmente incorra pelos danos causados a terceiros na execução e prossecução da sua atividade [alínea C) dos factos assentes].»

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Impugnação da decisão de facto (factos provado sob 17 a 19).
Pretende a apelante que os factos provados sob 17 a 19 passem a considerar-se como não provados, invocando em abono dessa posição o depoimento prestado pela testemunha Branco.

Em sede de alegações, escreve a apelante:
«No que respeita à matéria de facto dada como provada, entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao dar como assente os factos descritos sobre os n.ºs 17, 18 e 19.
Sobre os acontecimentos anteriores ao acidente, o tribunal baseou-se apenas no depoimento do Autor e da testemunha Henrique M... G... P....
Acontece que foram ouvidas outras testemunhas, nomeadamente o Sr. José M... B... que, na sessão de julgamento de dia 21-12-2016, com início às com início às 10:40:56 e fim às 11:42:31, prestou o seu depoimento em sentido diferente:
[seguem-se excertos de tal depoimento]
Assim, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal, a testemunha refere que não forneceu instruções no sentido de montar o andaime, nem se lembra de ter dito ao Recorrido que o mesmo era seguro, nem tão pouco se recorda do Recorrido ter solicitado a montagem de uma linha de vida. Deste modo, não se entende como é que o tribunal deu como provado os factos n.ºs 17, 18 e 19, onde se estabelece que:
[segue-se cópia dos factos 17 a 19]
Assim, por força do depoimento testemunhal do Sr. Branco, prestada na sessão de julgamento de dia 21-12-2016, com início às com início às 10:40:56 e fim às 11:42:31, a Recorrente entende que o tribunal deverá, ao invés, considerar como não provados os factos n.ºs 17, 18 e 19
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Resulta desta norma que ao apelante se impõem diversos ónus em sede de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.

A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.5.2016, Maria Amélia Ribeiro, 1393/08, «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum» (sublinhado nosso).

No Acórdão da Relação do Porto de 6.3.2017,Miguel Morais, 632/14, afirma-se, confluentemente, que:
« (…)  tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do art. 607º, nº 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do nº 1 do art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»

Deste modo e exemplificativamente, não observa tal ónus o apelante que sustenta apenas que o tribunal a quo faz uma incorreta valoração da prova produzida, uma vez que baseou a sua convicção na prova produzida pelas testemunhas de uma parte, nomeadamente o seu filho e a sua nora, não lançando o tribunal a quo mão de qualquer outro elemento de prova que permita de forma segura dar esse facto como assente.
Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão da
matéria de facto”, http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf , analisa a questão nestes termos:
« (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.

Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.

E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afetados por perjúrio.

Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.

Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada» (sublinhado nosso).

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.9.2011, Álvaro Rodrigues, 1079/07, afirmou-se que:
«A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente.
Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.
É exatamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida» (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: «Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida»!
Com efeito, trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o Recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detetada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.»

Não observa tal ónus o apelante que, depois de indicar as testemunhas que depuseram à matéria dos pontos controvertidos que menciona, afirma que « da audição e ponderação do teor das testemunhas, conjugadas com os documentos juntos aos autos, parece se impor uma resposta diversa à matéria dos pontos (que indica) dos factos a provar» e acrescenta: «deverão assim ser alteradas as respostas à matéria de facto» ou «deverão se dados como provados os factos» que refere.

Por sua vez, no Acórdão do mesmo Tribunal de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06, afirmou-se que:
«Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.
Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto.

Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis.»

Resulta deste excurso pela doutrina e jurisprudência que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar – sem mais – nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo.

Com efeito, o tribunal de primeira instância – no âmbito do contexto de justificação – elabora uma motivação-documento em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objetivável e intersubjetiva (cf. Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330).O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa (cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª ed., pp. 165-180).

Assim sendo, cabe ao apelante – para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida – argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo - a versão aceite pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante colocar-se na posição do juiz a quo e exercitar - ele próprio - a apreciação crítica da prova, hierarquizando a credibilidade dos meios de prova (enunciando os parâmetros que majoram ou diminuem a credibilidade de cada meio de prova), concluindo por uma versão alternativa dos factos. Deste modo, este exercício não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com tal enunciação singela.

Cabe ao apelante atuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.
Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo, limitando-se a assinalar que existem meios de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo tribunal a quo.
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, em primeiro lugar, a apelante limitou-se a recapitular parte do que foi verbalizado pela testemunha Branco, não alinhavando uma única palavra no sentido de que tal depoimento dever ser credibilizado pela razão x ou y. A verbalização do testemunho é apenas um ponto de partida da valoração do mesmo, cabendo à apelante aduzir razões no sentido de que tal verbalização deve ser atendida, o que pode derivar de múltiplos fatores –cf., desenvolvidamente,  Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, 2013, pp. 284-319.

Em segundo lugar, a apelante não esboça qualquer juízo crítico direto sobre a convicção expressa pelo tribunal a quo, limitando-se a enunciar os meios de prova que foram atendidos pelo tribunal a quo, abstendo-se de rebater a valoração que tais meios de prova mereceram em primeira instância. A apelante não tentou, minimamente, demonstrar que a convicção firmada e expressa pelo tribunal a quo é desajustada e inconsistente.

Destarte, a apelante não cumpriu, minimamente, o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida quer na vertente de desconstruir a convicção expressa pelo tribunal a quo quer na vertente de sustentar que a testemunha a que se reporta merece credibilidade prevalecente pela razão a ou b.
Termos em que se rejeita o recurso no segmento da impugnação da decisão de facto por incumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida (cf. Artigo 640º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil).

Dupla valoração do dano biológico
Sustenta a apelante que o dano biológico tem natureza patrimonial, tendo já sido indemnizado no foro laboral. Nessa medida, a indemnização fixada pelo tribunal a quo importa um enriquecimento injustificado pelo autor. Acresce que, no entendimento da apelante, os valores da indemnização atribuídos são excessivos.
A este propósito, o raciocínio seguido pelo tribunal a quo foi o seguinte:
«O dano biológico não é entendido de modo uniforme, podendo acentuar-se a sua componente de prejuízo patrimonial quando se reflete na capacidade de ganho do indivíduo ou a vertente não patrimonial na medida em que ele, por definição, tem repercussão no desempenho das tarefas gerais ou indiferenciadas da vida.
No caso, é a vertente não patrimonial do dano biológico que releva, uma vez que o autor está completamente incapacitado para o exercício da sua atividade profissional habitual (nº 50 supra).
Recorrendo à tabela de cálculo do dano biológico constante do Anexo IV à Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho e considerando que o autor tinha à data dos factos 37 (trinta e sete) anos, temos: Euros 1.664,68 x 68 = Euros 113.198,58 (sendo Euros 1.664,68 o meio do intervalo entre o limite máximo e o mínimo, considerando que quer a pontuação do dano quer a idade do autor correspondem a esse meio).
Uma vez que essa tabela reflete o salário mínimo nacional no ano de 2007 (Euros 403), há que fazer a sua adequação ao último salário médio disponível (ano de 2015) que é de Euros 913,90 (cf. a base de dados “Pordata” in www.pordata.pt). Efetuada a necessária operação (regra de três simples) obtém-se a quantia de Euros 256.705,16 (quando ao ajustamento dos valores da tabela ao salário médio mais atual, cf., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Junho de 2013, Desembargadora Maria Inês Mouro, in www.dgsi.pt).
Prosseguindo na análise dos danos não patrimoniais, vê-se que o autor esteve em internamento hospitalar durante 43 dias (nº 31 e 32 da matéria provada). Sofreu dores qualificadas como de grau 6 (seis) numa escala de sete graus de gravidade crescente (nº 40 supra).
Em consequência do acidente, o mesmo ficou com sequelas que importam um dano estético permanente de grau 5 (cinco) numa escala de sete graus de gravidade crescente (nº 39).
Todos esses danos são de natureza não patrimonial, havendo que partir, mais uma vez e por imperativo metodológico, dos dados aritméticos definidos legalmente para a “proposta razoável para indemnização do dano corporal”, constantes da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho.
Assim e para efeitos analíticos, obtém-se Euros 1.323,54 a título de internamento hospitalar (Euros 30,78 x 43), ao que acresce Euros 3.283,20 de “quantum doloris” (montante máximo para 6 pontos) e Euros 5.745,60 de prejuízo estético.
Os cálculos efetuados apontam para uma indemnização no valor de Euros 267.057,50, mas o raciocínio não pode quedar-se neles, uma vez que além dos danos contemplados na tabela de que se partiu, existem outros, igualmente provados, de natureza não patrimonial.
Com efeito, em razão das lesões infligidas pelo acidente, o demandante viu a sua função sexual permanentemente afetada em medida que a perícia fixou em 5 (cinco) pontos numa escala de sete graus de gravidade crescente (nº 52). Importa neste passo referir que não se demonstrou que incapacidade para ter uma ereção de que o autor atualmente padece seja consequência das lesões causadas pelo sinistro, sendo a mesma, antes, consequente aos tratamentos à neoplasia na bexiga que sobreveio ao demandante (nºs 43, 52 e 53 dos factos provados).
As sequelas das lesões causadas pelo sinistro importam para o autor severas dificuldades de locomoção que se repercutem nas atividades de lazer, o que foi avaliado com a atribuição de 5 (cinco) pontos numa escala idêntica (nº 56).
Tendo presentes os cálculos acima efetuados e esses outros danos entende-se, num juízo de adequação próprio da equidade, fixar o valor da compensação em Euros 310.000,00 por se julgar este proporcional e adequando à natureza e gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor e que comportam um elevado nível de padecimento, não só físico, mas também psicológico. Pondera-se neste plano, não só a angústia e sofrimento do autor imediatamente após a queda de que foi vítima (nºs 27, 28 e 30), a severidade dos tratamentos a que foi sujeito (nºs 31, 33, 35 e 42), mas também os efeitos psicológicos associados ao prejuízo sexual e às limitações na sua autonomia pessoal (nºs 41, 45 e 48), tendo-se em consideração que o mesmo tinha 37 anos de idade na data do sinistro.
De acordo com a proporção da responsabilidade da ... no sinistro, haveria que arbitrar ao demandante uma compensação global, por danos não patrimoniais, de Euros 263.500 (duzentos e sessenta e três mil e quinhentos euros), mas excedendo esse valor o do pedido formulado, será arbitrado o montante peticionado de Euros 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros). »

Vejamos.

O conceito de dano biológico surgiu em Itália, sendo proclamado pela primeira vez em sentença do Tribunal de Génova de 25 de maio de 1974, num contexto de uma situação específica do ordenamento jurídico italiano em que o sistema ressarcitório de danos não patrimoniais era muito fechado – cf. Ana Luísa Monteiro de Queiroz, Do Dano Biológico, Porto, 2013, pp. 6 e 34.
Entre nós, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro [3]; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística. Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico. Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente.[4]
Ora, o dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, suscetível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada diretamente no Artigo 25º, nº1, da Constituição (« A integridade moral e física das pessoas é inviolável») e no Artigo 70º, nº1, do Código Civil. Conforme refere Ana Queiroz, Op. Cit., pp. 12-13, «Temos, pois, que o dano biológico se preenche na lesão em se e per se considerada (dano-evento). Isto porque se trata da lesão de bens pessoais ou até, se quisermos, pessoalíssimos (como a saúde). E ainda que a sua liquidação possa ser feita com base em critérios standard definidos em tabelas [como em Itália], não deixam de ser valores que “não têm preço”, tendo em conta que tal situação empobrece a existência humana, diminuindo o valor e a dignidade da pessoa. Segundo Angelo Bianchi, a lesão da integridade psicofísica da pessoa é, acima de tudo, o “comprometimento de algumas capacidades fundamentais da pessoa que representa um autónomo perfil de prejuízo não patrimonial enquanto impeditivo da pessoa realizar o seu próprio fim porque não a deixa ser feliz”».

Por sua vez, Maria da Graça Trigo, “Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, p. 653, defende que «O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais.»

Entendemos que esta conceção do dano biológico como dano-evento integrado por uma lesão de bens eminentemente pessoais (saúde) do lesado é a mais correta e ajustada. Trata-se de uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.[5]

Na doutrina portuguesa, alguma doutrina identifica um elenco de variáveis que integram o dano biológico, a saber: dano de afirmação pessoal ou dano à vida de relação; dano estético; dano psíquico; dano sexual; dano à capacidade laboral genérica – cf. Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 2017, p. 72.
 
Questão diversa é a de saber se, no caso concreto, o dano biológico acarreta apenas consequências de índole não patrimonial ou também patrimonial. Na expressão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2012, Moreira Alves, 85/09, «Por dano biológico ou corporal tem-se entendido, geralmente, o dano pela ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quer dela resulte ou não perda da capacidade de ganho; consequentemente, o dano biológico, envolvendo sempre uma vertente não patrimonial, pode, também, abranger uma vertente patrimonial, caso em que devem os danos ser valorados em ambas as vertentes, sem que isso implique duplicação.» Ou seja, a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade resultante de um acidente é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.[6] A jurisprudência tem decidido que a reparação do dano biológico é autónoma da indemnização por danos patrimoniais relativos à perda de remunerações do trabalho (danos emergentes) e de capacidade de ganho (lucro cessante) – cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.4.2014, Clara Sottomayor, 1520/04.

Conforme refere Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 2017, p. 82, a vantagem do estudo do dano biológico é a de, num primeiro nível, se ampliar as componentes do dano-evento ou dano real a ter em conta e, num segundo nível, se determinar, de forma mais justa, a indemnização devida pelo responsável a nível das consequências não patrimoniais.

Na sistematização adotada pela Portaria nº 377/2008, de 26.5., o dano biológico é definido como “o dano pela ofensa à integridade física e psíquica de que resulte ou não perda de capacidade de ganho” (Artigo 3º,alínea b)), com fixação tabelar de indemnização – nos termos de proposta razoável – segundo o Anexo IV. Assim sendo, a indemnização a título de dano biológico é equivalente para todas as vítimas, variando apenas em função da idade e do grau de gravidade da lesão. Daí que Maria da Graça Trigo, Op. Cit., p. 84, proponha a qualificação deste dano como dano não patrimonial objetivo ou comum a todas as pessoas, do que se distinguem os danos não patrimoniais subjetivos que são específicos de cada um. Assim sendo, seguindo a proposta da mesma autora, os danos enumerados na referida Portaria são sistematizáveis nos seguintes termos:
i.-Danos patrimoniais futuros resultantes da incapacidade laboral específica e genérica (Artigo 3º al. a)) ou apenas incapacidade laboral genérica (Artigo 4º, al. f));
ii.-Outros danos patrimoniais (Artigo 3º, als. c) e e) e Artigo 10º);
iii.-Dano biológico ou danos não patrimoniais objetivos (Artigo 3º, al. b));
iv.-Outros danos não patrimoniais ou danos não patrimoniais subjetivos (Artigo 4º, als. a) a c) e e)).
Feito este breve excurso, atentemos nas particularidades do caso.
Por força do acidente ocorrido, decorreu processo laboral por acidente de trabalho, tendo sido fixada ao autor marido a incapacidade permanente parcial de 56,24% e a  ..., SA foi condenada a pagar àquele a pensão anual vitalícia de €10.307,06 e a quantia de €5.112,00 a título de subsídio por situações de elevada incapacidade (facto 62). Neste processo laboral cuidou-se apenas da fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros resultantes da incapacidade laboral específica e genérica (cf. supra i).
Nestes autos, o autor reclama uma indemnização pelo dano biológico ou danos não patrimoniais objetivos, realidade diversa da que foi objeto do processo laboral. Não está em causa o dano biológico como dano-evento gerador de danos patrimoniais mas como gerador de danos não patrimoniais objetivos, a indemnizar tabelarmente de forma igualitária, variando apenas em função da idade da vítima e do grau de gravidade da lesão. Nesta medida, improcede a tese da apelante no sentido de que ocorre uma duplicação da indemnização.
No que tange ao cálculo da indemnização feita pelo tribunal a quo, concordamos como tribunal a quo no sentido de que – do ponto de vista metodológico – há que partir dos montantes indicados na Portaria nº 377/2008, de 26.5., atualizada pela Portaria nº 679/2009, de 25.6. Os montantes indicados nestas Portarias não são vinculativos para os tribunais mas indicam um valor mínimo inultrapassável por defeito.
Ora, o autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos (facto 50), havendo que aplicar o Anexo IV da Portaria nº 679/2009, de 25.6., na sua 5ª coluna com a linha 14ª, o que gera o valor de € 1.664,68 (valor correspondente ao meio do intervalo entre o valor mínimo de € 1615,95 e máximo de € 1713, 42).
Entendeu o tribunal a quo que, considerando que a tabela dessa Portaria reflete a remuneração mínima nacional de 2007 (€ 403), há que atualizá-la para o último salário médio disponível de 2015. Para tal, citou a doutrina do Acórdão da Relação de Coimbra de 4.6.2013, Maria Inês Moura, 2092/11, «A Portaria 377/2008 de 26 de Maio faz consignar a remuneração mínima mensal garantida como valor para efetuar o cálculo do dano biológico./ Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida. Seguimos aqui de perto o já decidido no Acórdão deste Tribunal e Secção de 28 de Maio de 2013, no Proc. 1394/08.5 TBTNV. C1 (…) que refere a dada altura: “A retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio refletir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem.”»
Assim, o tribunal a quo aplicou o valor de € 913.90 (salário médio disponível de 2015), obtendo o valor de € 256.704,39, na sequência destas operações: regra de três simples ( 403________1.664,68;  913,90 ________x) o que dá € 3.775,06464516129 x 68 = 256.704,39.
Cremos que, neste segmento, ocorreu um erro de raciocínio e de metodologia que passamos a explicitar. O Anexo IV da Portaria nº 679/2009, de 25.6. assume, expressamente, como pressuposto dos pontos o valor da RMMG de 2007 que era de € 403. No mesmo ano de 2007, o salário médio dos trabalhadores por conta de outrem era de € 806,1 (cf. www.pordata.pt) , sendo de € 913,90 em 2015. Tendo o Anexo IV como pressuposto assumido o valor da RMMG de 2007, ou seja tendo como referencial o valor da RMMG, tal quadro tem de ser atualizado a partir do valor da mesma RMMG e não do salário médio dos trabalhadores por conta de outrem (no âmbito de uma atualização o referencial tem de ser o mesmo). Assim, se para uma RMMG de € 403 o valor dos pontos é de 1.664,68, para o valor da RMMG de 2015 (€ 505) o valor dos pontos será de 2.086,013399503722 (ou seja, 403____1.664,68; 505___________x) que multiplicados por 68 dá € 141.848,91.
O raciocínio adotado pelo tribunal a quo levaria a um cálculo distinto na medida em que o referencial tem de ser sempre o mesmo. Assim, se em 2007 o valor médio do salário dos trabalhadores por conta de outrem era de € 806,1( cf. www.pordata.pt) e em 2015 era de € 913,9, então a operação seria a seguinte: 806,1____1.664,68; 913,9 _________x, com o resultado de 1.887,29 que multiplicados por 68 daria € 128.336,27.
A este valor (€ 141.848,91) acrescem, como assinalado pelo tribunal a quo, € 1.323,54 pelo internamento hospitalar de 43 dias, € 3.283,20 de quantum doloris e € 5.745,60 de prejuízo estético, totalizando € 152.201,25 como valor mínimo da indemnização.
Há, ainda, que considerar que: o autor ficou afetado na função sexual num grau de cinco numa escala crescente de sete graus (facto 52); o facto de o autor não poder exercer a sua profissão lhe causa desgosto e infelicidade (facto 55); o autor temeu pela sua vida e sofreu angústia (factos 28 a 30); a idade do autor de 37 anos à data do acidente.
Nesta sede de fixação de indemnização por danos não patrimoniais, há que atender também as decisões que vêm sendo proferidas pelo STJ (cf. Artigo 8º, nº3, do Código Civil).

Assim:
-No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Tomé Gomes, 3987/10 foi fixada uma indemnização de € 150.000 para acidentado que ficou dependente de terceiros, usará fraldas o resto da vida, desloca-se em cadeira de rodas, ficando sexualmente impotente;
-No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.2011, Fernandes do Vale, 3515/05 fixou-se uma indemnização de € 150.000 para um lesado de 32 anos, que ficou paraplégico e com disfunção sexual;
-No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.3.2011, Nuno Cameira, 1639/03, foi fixada uma indemnização de € 400.000 para lesado de 19 anos que ficou tetraplégico;
-No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.7.2008, João Camilo, 1940/08 foi fixada uma indemnização de € 150.000 para lesado que ficou com vida vegetal e impotente;
-No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Abrantes Geraldes, 385/2002 foi fixada uma indemnização de € 250.000 para lesado que ficou com insensibilidade total abaixo da cintura.
Conjugando os fatores enunciados e atendendo aos parâmetros da jurisprudência do STJ, entendemos que a indemnização por danos não patrimoniais a fixar ao autor, nos termos do Artigo 496º, nº1, do Código Civil, deve ser computada em € 180.000 e não nos € 310.000 fixados pelo tribunal a quo. Ao contrário do que foi entendido pelo tribunal a quo, cremos que não são valoráveis autonomamente as dificuldades de locomoção (facto 56) e as limitações à sua autonomia pessoal porquanto tais danos se subsumem, de pleno, no dano biológico já valorado.

Fixação do grau de culpa do lesado
Sustenta a apelante que o autor se colocou numa situação de perigo, uma vez que subiu o andaime sem os meios de segurança aptos a evitar o acidente. Nessa medida, deve aplicar-se o Artigo 570º do Código Civil, sendo o grau de culpa do lesado de 15% fixado pelo tribunal a quo desproporcionado.
Sobre esta questão, o tribunal a quo discorreu nestes termos:
«As rés, nomeadamente a ré ..., trouxeram à colação a culpa do lesado, convocando o artº 570º do Código Civil.
Está em causa a aplicação do nº 1 dessa norma, uma vez que a responsabilidade civil que acima se firmou assenta na culpa efetiva dos colaboradores da ....
Segundo esse preceito “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
A aplicação da norma depende da formulação de um raciocínio de causalidade (de acordo com a teoria da causalidade adequada consagrada no artº 563º do Código Civil) mas também de um juízo de culpa.
Interessa no caso a possibilidade de o lesado ter concorrido para a produção do dano, ou seja, a primeira das proposições alternativas.
O autor tinha formação em segurança no trabalho e estava vinculado à ordem do manual de segurança individual divulgado pela sua entidade patronal que o obrigava a utilizar linha de vida e arnês para trabalhos em alturas superiores a três metros quando não existissem proteções antiqueda coletivas (nºs 23 a 25 supra).
Se é certo que no caso o andaime deveria funcionar como uma proteção deste segundo tipo, também é facto que o mesmo não cumpria essa função de forma eficiente, dado o modo como estava construído.
Isso mesmo foi prontamente detestado pelo autor que pediu ao encarregado da empreiteira a montagem de uma linha de vida e que executou a parte inicial das suas tarefas preso à própria estrutura do andaime através do arnês e de um cabo (nºs 19 e 26 dos factos provados).
Tivesse o autor ligado com o arnês à linha de vida, apesar da falência da plataforma do andaime, o mesmo não teria caído.
Não existem dúvidas que o demandante previu o risco que corria ao utilizar aquela estrutura e não se precaveu suficientemente para o mesmo.
Lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2012 sobre a aplicação do citado artº 570º:
”Não é qualquer comportamento do lesado que despoleta a consequência jurídica a que alude o nº 1 do preceito em análise; exige-se que o mesmo seja, em sede de concausalidade adequada, idóneo à produção ou agravamento dos danos, aferido o ato em caso de negligência (e excluímos a apreciação do dolo), sendo inoperantes “imprudências de relevo diminuto” por parte do lesado; e se bem que se compreenda que não pode deixar de relevar para excluir ou reduzir a indemnização a conduta daquele que, conhecendo ou devendo conhecer o perigo de uma situação concreta de perigo não a de que o seu comportamento de molde a esconjurá-lo; outrossim há que atender aos casos em que o lesado incorre em falta pelo desconhecimento não culposo da perigosidade de uma situação desde logo relacionado com equipamentos inadequados ou potencialmente perigosos; intervém aqui uma relação de confiança do utente no responsável pela pessoa encarregada da manutenção e idoneidade dos mesmos em ordem a evitar o desencadear de acidentes. De qualquer forma está presente desde logo no agravamento do ónus da prova da ausência de culpa a cargo do vigilante o reconhecimento da desproporção de meios entre o utente comum e a entidade (não raro multinacionais de enormes recursos) à guarda de quem estão os equipamentos suscetíveis de causar danos a terceiros” (Relator Conselheiro Távora Victor, in www.gsi.pt).
No caso concreto, como se disse, o autor reconheceu o perigo que se lhe apresentava e não observou o dever de cuidado a que estava adstrito ao ter decidido executar o trabalho naquelas circunstâncias.
Por esse motivo, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 570º do Código Civil, a indemnização a arbitrar-lhe será reduzida.
Essa redução deve ser proporcional ao nível de culpa concreta do demandante e ele é, na comparação com o que está por detrás da construção do andaime e da atitude do encarregado geral da ..., significativamente diluído.
Na ponderação dessa censura há ainda que enfrentar, com realismo, as condições em que trabalham os operários da construção civil e as constrições da subordinação jurídica e sobretudo económica dada pelo contrato individual de trabalho.
A alternativa naquele contexto era recusar a realização do trabalho e essa alternativa tinha contra ela vários constrangimentos: a autoridade do encarregado geral do empreiteiro, o imperativo de não atrasar a obra, a reação da entidade patronal.
Perante esses dados, crê-se ajustada a redução da compensação a arbitrar em 15% (quinze por cento).»

Vejamos.

Nos termos do Artigo 570º, nº1, do Código Civil, a indemnização pode ser reduzida ou excluída «quando o prejudicado não adote a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos» - Almeida ..., Direito das Obrigações, 12ª Ed., p. 782. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações II, Tomo III, 2010, p. 731, afirma que a expressão “culpa” deve ser amplamente entendida. «a indemnização é reduzida ou anulada sempre que os danos sejam provocados pelo lesado ( e na medida em que o sejam) ainda que não voluntariamente ou ainda que licitamente.» Para efeitos de aplicação deste preceito, há que aferir se a conduta do lesado corresponde à falta de diligência exigível a um sujeito médio colocado nas circunstâncias em que ele se encontrava – cf. Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, 2017, I Vol.,p. 731. Por seu turno, Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, p. 579, assinala que deve ser feita uma comparação da conduta do lesado com a que teria tido, naquela situação de perigo ou de possível dano, uma pessoa medianamente cuidadosa e prudente, dotada de inteligência, conhecimentos e aptidão normais, nomeadamente nos círculos de atuação em que o potencial lesado deve acatar normas técnicas de conduta.

Ora, atenta a factualidade provada sob 17 a 26, infere-se que o autor prefigurou a situação de perigo em que incorreria, como ocorreu, quer porque já não dispunha da máquina cesto (facto 13 e 14) quer porque questionou – direta e previamente – o encarregado da obra sobre a segurança do andaime montado para o efeito (factos 18 e 19),quer ainda porque a utilização de linha de vida e de arnês estava predeterminada no manual de segurança como procedimento de trabalho em alturas superiores a 3 metros do solo (facto 24 e 25). E, sobretudo, ficou provado que o autor sabia que, atenta a forma como a estrutura metálica estava executada, não era seguro executar o serviço sem a proteção adicional da linha de vida e arnês, tendo utilizado, numa primeira fase do trabalho esse arnês com um cabo preso à mesma estrutura metálica e deixado de o fazer quando o comprimento desse cabo não mais o permitiu, tendo sido nesta segunda fase que se deu a queda.

Flui do exposto que a conduta do autor assumiu não corresponde à conduta expectável a um serralheiro civil medianamente cuidadoso e prudente, dotada de inteligência, conhecimentos e aptidão normais, sendo certo que o autor já tinha, pelo menos, cinco anos de experiência (facto 1). Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.6.2012, Távora Victor, 5331/07, «O comportamento do lesado apresenta-se bastas vezes como autodanoso, na medida em que facilita de sobremaneira a ocorrência das situações cujo ressarcimento reclama[7]; e aquele traduz-se, não raro, na omissão de cuidados em ordem a prevenir efeitos tanto mais facilmente previsíveis, quanto é certo ou facilmente presumível o natural conhecimento das vulnerabilidades em áreas que fazem parte do seu círculo de interesses e cuja ocorrência especialmente deve também acautelar: não o fazendo está ele próprio a expor-se ao risco, sendo certo que, em certa medida lhe é aplicável o princípio volenti et ciente non fita injuria e sibi imputat

O tribunal a quo entendeu que a conduta do autor deve beneficiar de atenuantes porquanto:
«Na ponderação dessa censura há ainda que enfrentar, com realismo, as condições em que trabalham os operários da construção civil e as constrições da subordinação jurídica e sobretudo económica dada pelo contrato individual de trabalho.
A alternativa naquele contexto era recusar a realização do trabalho e essa alternativa tinha contra ela vários constrangimentos: a autoridade do encarregado geral do empreiteiro, o imperativo de não atrasar a obra, a reação da entidade patronal.»

Não podemos acompanhar o tribunal a quo nestes raciocínios assentes em constrangimentos e constrições a que o autor estaria sujeito. Com efeito, a matéria de facto provada não permite tais extrapolações porquanto: desconhece-se o prazo da obra; desconhece-se se a obra estava atrasada ou ficaria atrasada se o autor se recusasse a trabalhar naquelas condições; a factualidade provada não permite estribar qualquer ilação sobre a existência de uma situação de sujeição acrescida do autor perante a respetiva entidade patronal ou encarregado da obra, que exceda o que é normal neste tipo de relações contratuais. Note-se que o autor não era um principiante nem uma espécie de estagiário, tendo já uma experiência de, pelo menos, cinco anos.
Por todo o exposto, o grau de culpa do autor na produção do evento danoso deve ser majorado para 25%.
Deste modo, a indemnização final do autor é reduzida para € 135.000 (180.000 – 45.000 = 135.000).
Montante da indemnização por danos não patrimoniais atribuído à Autora
A Autora peticionou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 80.000.
O tribunal a quo condenou a Ré ... a pagar uma indemnização de € 20.000 (reduzida para € 17.000 pela culpa do autor fixada em 15%) à Autora de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à t... legal de juros civis.
A apelante insurge-se contra tal condenação, argumentando que a mesma deve ser diminuída tendo em conta a culpa do lesado, reputando excessivo qualquer valor superior a € 10.000.

Sobre esta questão, o tribunal a quo discorreu nestes termos:
«A autora, enquanto esposa do lesado, peticiona uma compensação em virtude de ter ficado privada de se relacionar sexualmente com o seu marido e de ter mais filhos, como ambos planeavam.
A compensação de danos não patrimoniais das pessoas elencadas no nº 2 do artº 496º do Código Civil, nas situações em que a vítima sofre lesões corporais, não flui diretamente da letra da lei e por esse motivo não mereceu o acolhimento da maioria da jurisprudência dos tribunais superiores.
Escreveu-se então que “A posição dominante continua a ser a de que só excecionalmente os danos não patrimoniais reflexos, sofridos por terceiros, serão indemnizáveis, não sendo possível uma interpretação extensiva ou aplicação analógica do nº 2 do art. 496º de modo a abranger as situações de ofensa corporal não causadora da morte.
Considero que o legislador optou claramente por limitar aos casos de morte da vítima a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelos respetivos familiares, não me parecendo que esta solução, consagrada no direito vigente, conduza, só por si, a injustiças. Na verdade, para além do já referido direito a indemnização por danos patrimoniais que lhes assiste quando tenha de prestar assistência ao lesado, importa ponderar que sendo o lesado, ele próprio, titular do direito a indemnização por danos não patrimoniais, o tribunal poderá, nos casos em que as lesões sofridos se projetem de forma gravosa na sua vida conjugal ou familiar, atribuir relevância a esse aspeto do cálculo da indemnização que lhe é devida. Portanto, ao invés de se discutir uma verba indemnizatória por danos não patrimoniais a atribuir ao cônjuge ou aos pais do lesado, cumprirá na fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais do lesado compensas a afetação da sua própria vida conjugal ou familiar (Laurinda Guerreiro Gemas, Indemnização dos danos causados por acidentes de viação – Algumas questões controversas, Julgar nº 8, 2009, itálico nosso).     
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2009 entendeu-se diversamente, tendo-se considerado ressarcíveis os danos morais sofridos pelo autor em consequência do acidente que vitimou a sua mulher e do qual resultaram lesões que comprometiam a coabitação (em concreto, o débito conjugal), tratando-se esses danos como diretos e não reflexos (Relator Conselheiro Nuno Cameira, in www.dgsi).
Entretanto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2014 (proferido no processo 6430/07.0TBBRG.S1) pôs cobro à controvérsia, definindo a seguinte jurisprudência uniformizada:
“Os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”
Na situação em presença nesta ação, além do dano que emerge para a autora (na perspetiva da plena comunhão de vida com o seu marido) da repercussão das sequelas do sinistro na vida sexual, não é difícil depreender da factualidade provada que a demandante viu a sua vida totalmente alterada por aquele evento.
O autor esteve privado da capacidade de locomoção autónoma, esteve dependente de terceiros para os cuidados básicos da sua higiene, continua a necessitar dessa ajuda sempre que as dores limitam a sua mobilidade, necessita também de auxílio para subir e descer escadas, incluindo as da casa que habita, sendo que o agregado familiar não dispõe de recursos que lhe permitam contratar uma terceira pessoa para esse apoio, pelo que o mesmo necessariamente impende sobre a autora (nºs 46, 47, 48 e 59).
Esse quadro representa para a demandante, se bem se crê, um dano de particular gravidade, passível de fundamentar a compensação que o referido acórdão uniformizador reconheceu como devida.
Tendo presente a natureza e a gravidade dos danos, em conformidade com o disposto no nº 1 do artº 496º do Código Civil entende-se ajustada uma compensação no valor de Euros 20.000 (vinte mil euros) que de acordo com a repartição de responsabilidade acima definida se reduz para Euros 17.000 (dezassete mil euros)

Apreciando.

Para a cabal compreensão da problemática da ressarcibilidade de danos não patrimoniais há que atentar que na personalidade humana há uma organização somático-psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de personalidade física ou moral – Artigo 70º, nº1 do Código Civil. Essa organização “(...) é composta não só por bens ou elementos constitutivo (v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex., a saúde, o prazer e a ...) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.) ” – capelo de sousa, O Direito geral da personalidade, 1995, Coimbra Editora, p. 2000. E mais adiante, p. 458, afirma tal autor “Dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem direta e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exatamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente.”

Como explica Mota Pinto, Teoria Geral Do Direito Civil, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1991, p. 115, "Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal". A perspetiva subscrita por este autor subsume-se à “functional approach”, segundo a qual a indemnização visa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.

A concetualização do dano não patrimonial, a partir da concreta situação em que se encontra a pessoa lesada, conduz ao reconhecimento de várias subcategorias consoante o aspeto da vida ou da personalidade que ficou afetado:
- O dano existencial (afeta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera intima da pessoa);
- O dano estético (afeta o aspeto físico e a beleza corporal, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a própria pessoa e perante os outros);
- O dano biológico (traduz-se na diminuição psicossomática da pessoa, compreendendo fatores suscetíveis de afetar as atividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, assumindo um caracter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou dano patrimonial);
- O dano de perda de autonomia (afeta a ... de iniciativa, a autorrealização e a autoestima);
- O dano da perda da alegria de viver (que altera a forma como a pessoa vê e sente o mundo no seu quotidiano);
- O dano da afirmação pessoal (que altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros);
- O dano da incapacidade laboral que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, retira à pessoa a sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de autoestima e do sentido da vida;
- O dano da perda de esperança de vida ou de diminuição da longevidade;
- O dano da perda de possibilidade de gozar os anos da juventude (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.3.2015, Clara Sottomayor, 1988/05).

Nos termos do Artigo 496º, nº1 do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº3 do mesmo preceito, “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º “. O legislador ficou, assim, como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (Artigo 496º, nº3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º). No que tange à situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma « (…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa)», só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que o bem vida não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no Artigo 494º - cf. Maria Manuel Veloso, “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542

A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva. Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (Artigo 496º, nº1). A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º) – cf.  Paula Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 283-291, 415-416; Maria Manuel Veloso, Op. Cit., p. 540.

O Artigo 496º, nº1 do Código Civil confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custas ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afetada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição mas sim a uma valoração – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.3.95, Lopes Pinto, CJ AcSTJ 1995 – I, p. 233.

A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objetivo e não por um padrão subjetivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da indemnização deve também atender-se aos padrões adotados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes- cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, Salvador da ..., acessível em www.dgsi.pt/jstj. Segundo Maria Veloso, Op. Cit., pp. 542-545, a intensidade, a natureza da lesão e a importância do bem jurídico violado representam os fatores-base de ponderação, devendo ainda atender-se à ideia de proporcionalidade e à necessidade de uniformizar os montantes indemnizatórios.

Ora, em primeiro lugar, conforme resulta dos factos provados sob 52 e 58, a impossibilidade da Autora manter relações sexuais com o marido, privando-a de ter mais filhos, causa à Autora uma enorme infelicidade.

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Tomé Gomes, 3987/10, afirmou-se que : «Para compensar o dano não patrimonial da autora pelo desgosto sofrido com o impedimento de se relacionar sexualmente com o seu marido, ora autor, em virtude de este ter ficado impotente em consequência das lesões sofridas com o acidente, considera-se ajustado o valor de € 15.000,00. »

Por outro lado, como foi bem enfatizado pelo tribunal a quo, toda a demais vida da Autora ficou afetada pelas múltiplas limitações de que o autor ficou a padecer, sendo manifesto que a Autora sofre de um dano existencial e de um dano de perda de alegria de viver, ao ter de acompanhar o marido em tais privações e limitações.

Neste contexto, a indemnização fixada pelo tribunal a quo de € 20.000 se peca é por defeito e não por excesso. Não pode este tribunal majorá-la por força do princípio da proibição da reformatio in peius.
Sendo a culpa do lesado de 25%, há que reduzir o valor desta indemnização para € 15.000 (Artigo 570º, nº1, do Código Civil).

DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, reduzindo-se a indemnização devida ao Autor para cento e trinta e cinco mil euros e a indemnização devida à Autora para quinze mil euros, mantendo-se no mais o decidido em primeira instância.
Custas pela apelante na proporção de 56% e pelos autores na proporção de 44% sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.



Lisboa, 12.9.2017

                                  
(Luís Filipe Sousa)                                  
(Carla Câmara)                                 
(Higina Castelo)


[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3]Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2004, Salvador da Costa, 2970/04, de 18.12.2008, Pires da Rosa, 2661/08, de 15.11.2011, Fonseca Ramos, 106/08, de 26.1.2016, Fonseca Ramos, 2185/04.
[4]Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.5.2010, Lopes do Rego, 103/2002, de 10.10.2012, Sérgio Poças, 3008/09.
[5]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.7.2004, Ferreira de Almeida, 2084/04.
[6]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.5.2012, Prazeres Beleza, 1145/07. Consoante se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2009, Sebastião Póvoas, 560/09, « O que ocorre é um chamado dano biológico, na perspetiva de repercussões que a incapacidade lhe poderá vir a causar o que, na expressão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 – 298/06.OTBSJM.S.1 – “assume um cariz dinâmico compreendendo vários fatores, sejam atividades laborais, recreativas, sexuais ou sociais.”
Já o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal, de 4 de Outubro de 2005 – 05 A2167, julgou no sentido de que “o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.”
Certo que se trata de um dano (que na definição do Prof. A. Varela “é perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses [materiais, espirituais ou morais] que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar.” – in “Das Obrigações em Geral”, I, 591, 7.ª ed.)
Mas há que proceder à integração do dano biológico, ou na categoria do dano patrimonial – como “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.” – Prof. A. Varela, ob. cit.) abrangendo não só o dano emergente, como perda patrimonial, como o lucro frustrado, ou cessante –, ou na classe dos danos não patrimoniais (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestigio ou de reputação e que atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, o bom nome, que não integram o património do lesado).
A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).
Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua atividade profissional concreta- pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Nesta perspetiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso como decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta direta – ou indiretamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural
resultante da idade.»