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LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário
1.– Para que seja concedida a liberdade condicional é necessária a verificação apenas das condições da al. a) do nº 2 do art. 61º do Código Penal, ou seja, é necessário que seja possível um juízo de prognose fundamentado de que o condenado, em liberdade, possa conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, com base: - nas circunstâncias concretas do caso; - na vida anterior do agente; - na sua personalidade; e, - na evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão. 2.– Embora a ausência de consciência crítica, por si só, não seja excludente da concessão de liberdade condicional, esse é, sem dúvida, um aspecto que também tem de ser ponderado. 3.– Tendo-se mantido essa diminuta consciência crítica ao longo da reclusão e demonstrando o percurso prisional a ausência de evolução positiva – apesar de duas punições disciplinares graves no primeiro ano de reclusão vieram-lhe a ser concedidas três saídas jurisdicionais, foi colocado em regime aberto e iniciou actividade laboral mas ao regressar da última licença de saída jurisdicional, foi-lhe apreendido um telemóvel, o que constitui infracção disciplinar grave (art. 104º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) – pode-se dizer que o Recorrente teve tudo ao seu dispor e tudo deitou a perder, sendo assim patente que a sua evolução durante a execução da pena não pode ser avaliada positivamente. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
I.–RELATÓRIO:
Por despacho proferido em 16.5.2017 foi negada a liberdade condicional ao recluso P.F.Q..
Inconformado, interpôs recurso formulando as seguintes conclusões: 1.– O recorrente discorda da decisão recorrida, motivo pelo qual recorre da mesma, em razão de inexistirem factos que impeçam a sua libertação neste momento. 2.–Entendeu o Tribunal "a quo" não conceder a liberdade condicional ao recorrente pelo facto deste denotar se não ausente pelo menos reduzida consciência critica em relação aos seus comportamentos criminosos, ter antes de mais, que desenvolver e consolidar a sua atitude reflexiva, por forma a que interiorize o sentido da pena e a negatividade da sua conduta, para que possa garantir-se com certeza e segurança exigíveis que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes e ainda, não demonstrar qualquer arrependimento. 3.– Com o devido respeito, mal andou o Tribunal "a quo" quanto ao seu entendimento nos presentes autos uma vez tais fundamentos não podem ser factores determinantes ou decisivos conforme o fez. 4.–O arrependimento, a confissão, a interiorização ou verbalização da culpa, o reconhecimento do erro e do seu carácter censurável, não são valores em si mesmo, qualquer deles, vale enquanto factor demonstrativo de uma especial característica da personalidade do recorrente, de apontar o sentido da evolução da sua postura e maneira de pensar. 5.–Dado que há que ter em consideração a vulnerabilidade do condenado na situação em que se encontra e o pessoal interesse em transmitir qualquer deles, para daí pretender retirar benefício processual e pessoal. 6.–A interiorização é um objectivo a almejar, mas caso não aconteça, daí não se pode afirmar por si só que restituído á liberdade o recorrente enverede novamente na senda do crime. 7.– A filosofia subjacente ao instituto da liberdade condicional é que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a quem venha a ser aplicada. 8.– De forma a limitar o mais possível os efeitos criminógenos da prisão. 9.– Ora, compulsado o relatório da DGRS, apesar do seu parecer desfavorável, curiosamente o mesmo refere que caso o Tribunal" a quo" concedesse a liberdade condicional ao ora recorrente, este deveria ser sujeito a determinadas injunções conforme aí elencadas. 10.–Todas elas, encontram-se ao alcance do recorrente conforme declarações do mesmo e, restantes elementos fácticos constantes nos autos. 11.–Se o Tribunal "a quo" tivesse valorizado tal indicação do relatório deveras que o objectivo da ressocialização do ora recorrente seria alcançável de forma eficaz. 12.–Optando por o manter preso deveras que jamais tal objectivo será logrado. 13.– Socorreu-se ainda o Tribunal "a quo" para sustentar a sua decisão o facto de o recorrente ter aquando da segunda saída jurisdicional, (acerca de um ano atrás) ter sido apanhado com um telemóvel. 14.–Pois bem, o recorrente já foi castigado por tal conduta, durante o lapso temporal tem tido comportamento adequado e exigível pelo estabelecimento prisional. 15.– Facto aliás que fora já tido em conta na última decisão pelo Tribunal" a quo" aquando da apreciação da sua liberdade condicional, penalizando o recorrente por esse motivo. 16.– O recorrente encontra-se a um ano de terminar a sua pena de prisão a que fora condenado. 17.– Adquiriu hábitos de trabalho enquanto preso. 18.– Tem tido apoio de familiares, nomeadamente da sua mulher. 19.–Pretende aquando da sua libertação reintegrar o seu agregado familiar bem como, retomar o seu posto de trabalho como operador de caixa na loja do posto de Abastecimento BP das Mercês, havendo para tal disponibilidade por parte da entidade patronal, ou, caso consiga obter carta de habilitação legal para veículos pesados, emigrar para a Alemanha. 20.–Encontrando-se preenchidos todos os pressupostos de atribuição de liberdade condicional quer formais, quer materiais, com violação no artigo 61° nº 2 do Código Penal. 21.–Nesta medida, deverá ser revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente. Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser concedida liberdade condicional à recorrente.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, sustentando, em síntese:
Não crendo nós, como defende o recorrente, que:
1– O facto de ter já sido sancionado disciplinarmente pela posse de telemóvel, impeça a valoração dessa infração como critério de apreciação da concessão de liberdade condicional. É que afinal a prática (ou não prática) de infração disciplinar em meio prisional, é elemento essencial a ter em conta na avaliação – que, lembremo-nos, se impõe efetuar ( cfr. artº. 173º nº 1 a) do CEPMPL)- sobre o seu comportamento prisional. 2– O facto da DGRSP ter elencado no seu relatório e “ apesar do seu parecer desfavorável, as injunções a que deveria ser sujeito caso lhe fosse concedida a liberdade condicional, e o facto de “ encontrarem-se todas ao alcance do recorrente”, justificar a decisão de concessão e liberdade condicional. É que afinal, é a lei que impõe à DGRSP que, na elaboração do relatório efetuado ao abrigo do disposto no artº. 173º nº 1 b) do CEPMPL, mencione as condições a que o recorrente deve ser sujeito em caso de concessão de liberdade condicional. Naturalmente, essa menção está subordinada ao caso concreto e às condições que razoavelmente são exigíveis ao recorrente, caso lhe seja concedida a liberdade condicional, ou seja, e frisa-se, caso estejam reunidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional. Pressupostos que, no caso concreto, não estão preenchidos, como aliás também foi percepcionado nesse relatório. Não surpreende, é certo, que o recorrente conclua que as aludidas condições estão ao seu alcance. Tal é demonstrativo do acerto da percepção que, sobre a sua aplicação, a DGRSP apresenta. O que o recorrente não valora é que as mesmas são consequência da decisão de concessão de liberdade condicional, e não pressuposto da sua concessão. Ao invés do pugnado pelo recorrente, ao tribunal impunha-se valorar todos os elementos que afinal fundada e correctamente analisou. A análise conjunta de todos esses elementos demonstra com clareza, a manutenção de vários factores de risco na reinserção social deste recluso, que revelam ser necessária uma mais segura consolidação na sua evolução, de molde a minimizar os assinalados riscos e permitir formular um juízo de prognose favorável à sua reinserção. A decisão recorrida apresenta-se assim correcta e fundadamente elaborada, em conformidade com os normativos legais vigentes e o entendimento jurisprudencial que, sobre a aplicação do artº. 61º nº 2 a), é maioritariamente defendido. (…) Em consonância com todo o exposto, forçoso se impõe concluir não se verificar o pressuposto material de concessão da liberdade condicional decorrente da alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal. Única interpretação que aliás se coaduna com as finalidades subjacentes à consagração do regime legal da concessão da liberdade condicional. De concluir é assim que não foi violada pelo Tribunal “ a quo ” qualquer dispositivo legal, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso. Contudo, V.Ex.as. farão, como sempre, JUSTIÇA.
O recurso foi admitido.
Neste Tribunal, a Ex.ma Srª Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação proferiu parecer sustentando a improcedência do recurso e citando pertinente jurisprudência.
O Recorrente não respondeu.
Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. II.–FUNDAMENTAÇÃO. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal). Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente, a questão a decidir é a verificação dos pressupostos substanciais da concessão da liberdade condicional e a violação do disposto no art. 61° nº 2 do Código Penal. **
O despacho recorrido decidiu pela não concessão da liberdade condicional com os seguintes fundamentos de facto e de direito:
Dos pressupostos formais. O recluso cumpre a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão à ordem do proc. 7/10.0TELSB, J6 Grande Instância Criminal de Sintra, pela prática de um crime de falsificação de documento agravado e um crime de burla. Para efeitos de liberdade condicional releva que o recluso atingiu o meio da pena em 06.10.2016; os dois terços da pena em 06.05.2017; e atingirá o termo da pena em 06.07.2018. Mostram-se verificados os pressupostos formais para a apreciação da liberdade condicional, uma vez que o recluso já cumpriu dois terços da pena e declarou aceitar a sua eventual libertação condicional.
Dos pressupostos materiais. Considerando a análise conjugada dos elementos existentes nos autos, em especial a certidão da decisão condenatória, o CRC, a ficha biográfica, o auto de audição do recluso, a acta da realização do conselho técnico, o parecer do Ministério Público, o parecer do Director do EP, o relatório integrado da DGRS e dos SEE do EP, pode dar-se como demonstrado o seguinte quadro factual: 1.–O recluso regista antecedentes criminais pela prática dos crimes de condução sem habilitação legal, desobediência e falsificação de documento; 2.– É natural de Luanda, Angola, sendo o segundo dos cinco filhos de um casal de condição socioeconómica muito humilde; 3.–O pai era camionista, mantendo atualmente a mesma profissão, em Angola, e a mãe era cozinheira, entretanto falecida em 24.08.2016; 4.– Atualmente todos os seus irmãos permanecem em Angola; 5.– A dinâmica familiar foi caracterizada pelo condenado como pouco afectiva e com dificuldades económicas extremas; 6.–O pai devido à profissão, foi uma figura ausente no desenvolvimento e educação do recluso e a mãe, não obstante ser uma figura presente, é descrita pelo condenado como uma pessoa muito nervosa e autoritária, tornando-se por vezes agressiva para com os filhos; 7.– Os progenitores separaram-se quando o recluso tinha cerca de 15 anos de idade, rumando a progenitora para o interior do país, procurando melhores condições de vida; 8.–Em 2001, com cerca de 21 anos de idade, decidiu vir para Portugal com a ambição de vir a adquirir melhor qualidade de vida e conhecer outra cultura, instalando-se inicialmente em casa de um tio materno, no Cacém, até se conseguir autonomizar; 9.–No plano afectivo/relacional, aos 21/22 anos de idade, estabeleceu relação de namoro, a qual terminou passado cerca de quatro anos; 10.– Na sequência deste relacionamento adquiriu um apartamento com a companheira, na ………….; 11.–Seguiu-se uma outra relação afectiva, a qual terminou passados três anos; 12.– Cerca de 2010, iniciou outra relação afectiva com a mãe da sua filha que nasceu em 2013; 13. Durante a gravidez da mãe da sua filha, iniciou outra relação afectiva com a sua actual companheira, tendo terminado a anterior relação após o nascimento da filha, que ficou entregue aos cuidados maternos; 13.– Em 2012 passou a coabitar com a sua atual companheira e a filha desta, na altura com 10 anos de idade; 14.– À data da actual detenção, habitava uma casa arrendada no Cacém com a sua companheira e a enteada, atualmente com 14 anos de idade; 15.–Em termos escolares, o recluso concluindo o 8º ano de escolaridade aos 17 anos de idade; 16.– A nível laboral, iniciou o seu percurso, com essa idade numa oficina de automóveis, como ajudante de eletricista-auto, tendo posteriormente optado por ir trabalhar como chefe de armazém; 17.– Actividade que abandonou passado cerca de um ano e meio, por a firma ter aberto falência, passando, então, a trabalhar num talho, inicialmente como cortador de carne e mais tarde como operador de caixa, actividades que manteve cerca de dois anos; 18.–Após ter vindo para Portugal em 2001, terá iniciado actividade laboral na área da construção civil; 19.–No seu percurso laboral registaram-se ainda outras actividades, nomeadamente numa peixaria e num talho em dois hipermercados, no MacDonald´s, seguindo-se a actividade de operador de caixa na BP, actividade que manteve desde cerca de 2007 até à presente detenção; 20.– Revela reduzida consciência crítica em relação aos crimes e suas consequências, minimizando a sua conduta e justificando o seu comportamento com dificuldades económicas; 21.– Em meio prisional, iniciou actividade laboral como faxina em 29.06.2016, terminando essa actividade em 05.10.2016; 22.–Regista três sanções disciplinares, uma punida com repreensão e duas com permanência obrigatória no alojamento, a última das quais em 12.10.2016; 23.– Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicional; 24.– Aquando do regresso da última licença de saída jurisdicional, foi-lhe apreendido um telemóvel; 25.–Foi revogado o RAI em 06.10.2016, tendo regressado ao regime comum e afastado do posto laboral; 26.– Foi-lhe indeferida a última licença de saída jurisdicional; 27.–Beneficia de visitas da sua companheira e de outros familiares; 28.–Em meio livre, pretende reintegrar o agregado familiar da companheira; 29.–A companheira aufere cerca de 850,00€ mensais, trabalhando em três diferentes ocupações laborais, entre as 6H00 e as 21H00, para poder responder às necessidades do agregado; 30.–O recluso pretende retomar o seu posto de trabalho como operador de caixa na loja do ……………… das Mercês, havendo para tal disponibilidade por parte da entidade patronal, ou, caso conseguia obter carta de habilitação legal para veículos pesados, emigrar para a Alemanha. **
Do quadro factual supra traçado e da articulação dos elementos acima mencionados, resulta que não se mostram ainda verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da liberdade condicional.
É esta também a conclusão a que chegou o Ministério Público e, por unanimidade, os membros do Conselho Técnico.
Efectivamente, conforme resulta da análise crítica do relatório integrado e do auto de audição, onde o recluso referiu, em relação aos crimes pelos quais se encontra em cumprimento de pena, que “dei o endereço a um amigo; na altura não sabia mas depois começou a cair qualquer coisa e mantive-me calado”, o que denota senão ausente pelo menos reduzida consciência crítica em relação aos seus comportamentos criminosos, um dos quais aliás exige astúcia, pelo que mal se compreende a justificação do recluso, de resto completamente contrariada pelos factos da decisão condenatória.
Há, pois, antes de mais, que desenvolver e consolidar a sua atitude reflexiva, por forma a que interiorize o sentido da pena e a negatividade da sua conduta, para que possa garantir-se com a certeza e segurança exigíveis que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes.
Aliás, neste particular, é bem explícito o relatório integrado elaborado pelas técnicas que mais de perto convivem com o recluso, onde se fez constar que este “tem dificuldade em avaliar criticamente os crimes praticados com tendência para minimizar a sua conduta…Denota lacunas ao nível da consciência crítica e pensamento consequencial, encarando a sua atual situação jurídico-penal com alguma displicência”, o que, de resto, já evidenciava aquando da condenação, como resulta do acórdão condenatório (cfr. fls. 549), o que significa, portanto, na verdade, que, pese embora o tempo de prisão já cumprida, não existiu, a este nível, qualquer evolução.
Ora, um primeiro passo para que o tribunal possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido de que o arguido se irá comportar de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, é, indubitavelmente, o seu reconhecimento do crime e o seu profundo arrependimento, pois só isso garantirá, com um mínimo de segurança, uma aptidão séria para a mudança, o que o recluso manifestamente ainda não revela.
Importa ainda fazer notar que tendo beneficiado de medidas de flexibilização da pena, no regresso de uma licença de saída jurisdicional foi-lhe apreendido um telemóvel - que lhe valeu o afastamento do RAI, do posto de trabalho e a recolocação em regime comum -, o que é bem revelador da sua dificuldade no acatamento de regras, como já resultava, de resto, das várias sanções disciplinar já sofridas.
Acresce que o apoio exterior com que conta é basicamente o mesmo que tinha à data da prática dos factos e que não obstou ao cometimento dos crimes, pelo que tal apoio não se afigura suficientemente dissuasor da prática de novos delitos.
Por outro lado, importa fazer notar que se trata de um recluso com antecedentes criminais, inclusive pela prática de um crime de falsificação, a evidenciar propensão delituosa, o que deixa antever, ainda mais face à fraca consciência crítica que revela em relação aos seus comportamentos criminosos, fortes necessidades de prevenção especial.
Tudo para concluir, que os factos acima referidos, os tipos de crime cometidos e a sua motivação, o ainda reduzido/ausente juízo crítico manifestado em relação aos ilícitos praticados, evidenciam a necessidade de consolidação do percurso prisional do recluso, com vista a uma efectiva consciencialização do desvalor da sua conduta e da sua reinserção, dado persistirem factores de risco de reincidência, não sendo o apoio exterior de que beneficia e/ou a possibilidade de emprego com que conta (e que também já tinha), de molde a concluir em sentido diverso.
Nas palavras de Jescheck (Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, págs. 1152 e 1153), o tribunal deve correr um risco prudente, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que é manifestamente o caso dos autos.
E assim sendo, continuando o recluso a manter a mesma postura em relação aos crimes, não revelando, como se viu, adequada consciência crítica face ao seu comportamento e às consequências dele resultantes não pode dizer-se que a evolução positiva da sua personalidade seja de molde a que o tribunal possa concluir que o mesmo interiorizou a necessidade de alterar as suas condutas e correr o risco (elevado) da sua libertação antecipada, para a qual não se afigura ainda estar preparado.
Por outro lado, como se viu tem revelado um percurso prisional oscilante, já marcado por várias sanções disciplinares o que deixa evidenciada a sua fraca capacidade em conformar o seu comportamento com o dever ser jurídico e deixa antever que o mesmo não está ainda capaz de resistir à prática de novos ilícitos, tornando-se evidente a necessidade de consolidação do seu percurso prisional, pois apresenta um quadro de factores de risco que persistem e que não permitem formular, desde já, um juízo de prognose seguro quanto ao sucesso da sua reinserção social e afastamento da prática de novos ilícitos.
Face ao que se deixou exposto, atenta a natureza dos ilícitos, a forma como foram praticados, o circunstancialismo da sua execução, a atitude criminal do recluso, que carece de evolução e consolidação quanto ao seu processo de readaptação social, entende-se não poder ser, por ora, concedida a liberdade condicional. **
Cumpre decidir.
Substancialmente, as divergências do Recorrente prendem-se com a verificação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional.
Resulta da liquidação da pena constante da decisão sob recurso, que está em causa a apreciação da possibilidade de concessão da liberdade condicional já após os 2/3 do somatório das penas sucessivas que cumpre.
Assim, para que seja concedida a liberdade condicional é necessária a verificação apenas das condições da al. a) do nº 2 do art. 61º do Código Penal, como decorre do nº 3 da citada norma.
Ou seja, é necessário que: [al. a)] Seja possível um juízo de prognose fundamentado de que o condenado, em liberdade, possa conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, com base: -nas circunstâncias concretas do caso; -na vida anterior do agente; -na sua personalidade; e, -na evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão.
Concretizando.
O Recorrente fundamenta o seu recurso invocando um quadro fáctico em que acentua os aspectos positivos do seu percurso e olvida ou desvaloriza os aspectos negativos que também existem e que ficaram assentes na decisão recorrida, que procedeu a uma análise criteriosa dos elementos constantes dos autos. Entende que inexistem factos que impeçam a concessão da liberdade condicional, desvalorizando a reduzida consciência crítica em relação aos seus comportamentos criminosos e a relevância da infracção disciplinar pelo qual foi sancionado e salientando a circunstância do relatório da DGRS indicar as injunções a que deveria ser sujeito caso fosse concedida a liberdade condicional, os hábitos de trabalho adquiridos em reclusão, o apoio familiar e a garantia de trabalho.
Como bem salienta o Ministério Público na sua resposta, a circunstância da DGRSP ter elencado no seu relatório “as injunções a que deveria ser sujeito caso lhe fosse concedida a liberdade condicional, e o facto de “encontrarem-se todas ao alcance do recorrente”, não justifica a decisão de concessão e liberdade condicional, porquanto é a lei que impõe que, na elaboração do relatório efetuado ao abrigo do disposto no artº. 173º nº 1 b) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, se mencionem as condições a que o recluso deve ser sujeito em caso de concessão de liberdade condicional.
Naturalmente, essa menção está subordinada às condições que razoavelmente seriam exigíveis ao recorrente, caso estivessem reunidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional. Porém esses pressupostos, no caso concreto, não estão preenchidos, como foi percepcionado também nesse relatório. **
Vejamos então se a análise dos requisitos da liberdade condicional após os 2/3 da pena permite uma leitura da factualidade provada diferente da que resulta da decisão recorrida:
É inquestionável face à tipologia dos factos pelos quais foi condenado colaborando, com a sua actuação no plano concertado pelos seus co-arguidos de subtracção e apropriação reiterada de cheques depositados em marcos de correio, sua adulteração e angariação de contas bancárias tituladas por terceiros onde os mesmos fossem depositados com vista ao seu posterior levantamento que as circunstâncias concretas do caso exigem que se faça depender o juízo de prognose favorável ao ora Recorrente da evolução no cumprimento da pena, aqui se incluindo também a aquisição de consciência crítica em relação aos crimes e suas consequências.
Relativamente à vida anterior do agente salienta-se que apesar de ter mantido ocupações laborais em diversas áreas, o passado criminal é significativo, registando-se a prática e condenação (em penas de multa) pelos crimes de condução sem habilitação legal, desobediência e falsificação de documento (sendo especialmente relevante de forma negativa este último crime pelo mesmo tipo de crime que determinou a sua prisão).
Quanto à personalidade do ora Recorrente que os factos permitem compreender, importa salientar como a decisão recorrida que existe a necessidade de consolidação do percurso prisional do recluso e o desenvolvimento de um maior sentido crítico, com vista a uma efectiva consciencialização do desvalor das suas condutas. Importa agora abordar a evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão e perspectivas no exterior. Apesar do apoio familiar e garantia de trabalho (“basicamente o mesmo que tinha à data da prática dos factos e que não obstou ao cometimento dos crimes”, salienta a decisão recorrida), é o percurso prisional que demonstra a ausência de evolução positiva: apesar de duas punições disciplinares graves no primeiro ano de reclusão vieram-lhe a ser concedidas três saídas jurisdicionais, foi colocado em regime aberto e iniciou actividade laboral. Ao regressar da última licença de saída jurisdicional, foi-lhe apreendido um telemóvel, o que constitui infracção disciplinar grave (assim considerada nos termos do art. 104º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade). Por isso, poder-se-á dizer que o Recorrente teve tudo ao seu dispor e tudo deitou a perder, sendo assim patente que a sua evolução durante a execução da pena não pode ser avaliada positivamente.
Concordamos com Figueiredo Dias[1] quando ensina que, no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional “decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais – mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”. É por isso que, na dinâmica da evolução do comportamento prisional do Recorrente, a sua conduta consubstancia uma manifesta regressão a ser avaliada negativamente e que põe seriamente em causa a preparação do Recorrente para assumir um comportamento responsável em liberdade.
A essa ausência de evolução acresce, como nota a decisão recorrida, a reduzida consciência crítica em relação aos crimes e suas consequências, minimizando a sua conduta e justificando o seu comportamento com dificuldades económicas. Essa diminuta consciência manteve-se ao longo da reclusão como resulta do relatório integrado e também é patente no teor das suas declarações constantes do auto de audição de recluso (art. 176º nº 5 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade). Embora se concorde com o Recorrente quando sustenta que a ausência de consciência crítica, por si só não é excludente da concessão de liberdade condicional, esse é, sem dúvida, um aspecto que também tem de ser ponderado[2]. Considera-se, assim, que a decisão recorrida sopesou devidamente as circunstâncias concretas do caso, a vida anterior do Recorrente, a sua personalidade e a sua evolução durante a execução da pena de prisão pelo que não merece reparo porquanto ainda não é possível formular um prognóstico individualizado de reinserção social que traduza um conteúdo favorável, assente essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adoptar um comportamento socialmente responsável.
Em conclusão, tendo em atenção os pressupostos substanciais da liberdade condicional consignados no art. 61º nº 2 al. a) do Código Penal, o Recorrente não reúne as condições para que lhe seja concedida a liberdade condicional. III.–DECISÃO. Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por P.F.Q., mantendo-se na íntegra o decidido em primeira instância. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal).
Lisboa, 13 de Setembro de 2017
(elaborado, rubricado e revisto pelo relator e assinado por este e pela Ex.ma Adjunta)
(Jorge Raposo) (Margarida Ramos de Almeida)
[1]Direito Penal Português – Parte Geral II. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, pg.s 538 e 539, [2]Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2012, no proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1, disponível no site da dgsi.pt e acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.7.2016, no proc. 824/13.9TXLSB-J.L1 e de 12.10.2016, no proc. 224/16.9TXLSB-D.L1.