CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
DIREITO A FÉRIAS
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Sumário

I–Cabendo à empresa utilizadora de trabalho temporário marcar o período de férias que sejam gozadas ao seu serviço, a norma contida no art. 241º nº 1 do CT, segundo a qual “o período de férias é marcado por acordo entre empregador e trabalhador” deve, quando se trate de um trabalhador temporário, ser adequadamente interpretada no sentido de o período de férias dever ser estabelecido por acordo entre o trabalhador e a empresa utilizadora, apesar de esta não ser, na realidade, o empregador desse trabalhador, mas a ETT.
II–Para haver direito à compensação por violação do direito a férias prevista no art. 246º do CT não basta que o trabalhador não tenha gozado as férias a que tem direito. É preciso também que o empregador ou, no caso do trabalhador temporário, a empresa utilizadora, tenha obstado culposamente a esse gozo. E cabe ao trabalhador alegar e provar os factos que consubstanciem esse obstáculo, já que tais factos são constitutivos do direito que invoca (art. 342º nº 1 do CC). A provarem-se esses factos, a compensação em causa é devida ao trabalhador temporário pela empresa utilizadora e não pela ETT, uma vez que tal compensação não tem natureza retributiva, mas, de algum modo (do ponto de vista do empregador e, no caso de trabalho temporário, do utilizador), de sanção pela actuação ilícita de obstrução ao gozo das férias.
III–Quer a norma contida no art. 180º nº 2 do CT, quer a contida no nº 3 do mesmo artigo têm natureza de imperativo mínimo. É pela comparação das soluções resultantes de cada uma das normas concorrentes que se afere qual delas confere mais protecção ao trabalhador, isto é, qual lhe é mais favorável. No caso, tal comparação leva-nos a concluir que a norma contida no art. 180º nº 3 é mais favorável ao trabalhador, porquanto mais facilmente lhe assegura uma retribuição constante.
IV–Embora, em caso de dúvida, perante a concorrência do disposto pelo art. 180º nº 2 com o disposto pelo art. 180º nº 3, o princípio do favor laboratoris não faça prevalecer aquele, mas sim este último (180º nº 3), por conferir maior protecção ao trabalhador, isso não significa que fique excluída a possibilidade de o trabalhador demandar apenas a ETT, apesar de os direitos que lhe assistem perante a mesma, designadamente em termos de remuneração, serem porventura inferiores, tem-se como certo que a norma do art. 180º nº 3, visando a protecção do trabalhador ao reconhecer-lhe um contrato sem termo com a empresa utilizadora, não quis eliminar a possibilidade de o trabalhador exercer os direitos contra a ETT.
V–Apesar de o trabalhador não ter reclamado a manutenção do contrato de trabalho com a empresa utilizadora por contrato sem termo, como a lei lho permitia (art. 180º nº 3 do CT), não perdeu o direito de reclamar idêntico direito da ETT, que lhe advinha não apenas do disposto no art. 180º nº 2 mas também do disposto no art. 181º nº 2, uma vez que a recorrida, embora só possa legalmente celebrar contratos a termo resolutivo nas situações previstas para a celebração de contratos de utilização e tivesse reproduzido ipsis verbis no contrato de trabalho temporário celebrado com o A. o motivo indicado no CUTT, deveria ainda ter-se preocupado em obter junto da utilizadora os elementos factuais indispensáveis à concretização do motivo para ali os consignar, conforme exigido pelo art. 181º nº 1 al. b), não se devendo bastar com a mera reprodução dos termos vagos em que o motivo é indicado no CUTT.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, residente em (…), Lourinhã, propôs, com o patrocínio do Ministério Público, contra BBB, S.A., com sede no Porto, a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, alegando, em síntese, que, após ter sido entrevistado e aprovado para efeitos de admissão profissional pela empresa (…), em 22 de Agosto de 2014 celebrou com a Ré contrato de trabalho temporário com termo certo de 30 dias, sendo a referida (…) a empresa utilizadora. No dia 5 de Fevereiro de 2016, a Ré comunicou-lhe a intenção de não renovação do contrato de trabalho que assim caducaria a 21.02.2016. O motivo invocado para a celebração do contrato de trabalho temporário - «reforço temporário da triagem manual devido ao aumento de material transferido do CTE para o CTO para reprocessamento» - além de insuficientemente concretizado, é falso, pois nunca teve qualquer relação com as funções desempenhadas na execução do contrato de trabalho, que correspondiam a necessidades permanentes e diárias, pelo que o contrato deve ser considerado como um contrato de trabalho sem termo, de acordo com o disposto nos arts. 181.º, n.º 2, 147.º, n.º 1, al) a e c e 141.º, n.º 3 do Cód. de Trabalho, e como tal deve a ordem de cessação do contrato ser considerada um despedimento ilegal que ocorreu sem justa causa nem procedimento disciplinar, o que lhe confere direito à reintegração ou o direito a indemnização por antiguidade.

Dos 54 dias de férias a que tinha direito pelo tempo de trabalho prestado o Autor apenas gozou 5 dias pois a Ré não marcou, autorizou ou permitiu que o Autor gozasse 49 dias de férias, que embora pagas, não foram gozadas.

Por ter sido despedido da forma acima narrada sofreu um forte abalo emocional e nervoso, estado de choque, sentiu-se muito desanimado, sofreu um intenso desgosto, perdeu a vontade de comer, teve dificuldade em dormir, passou a ficar facilmente irritável e em estado de apatia, passou a sofrer de grande ansiedade e angústia, foi obrigado a colocar a casa de morada de família à venda contando com o apoio de familiares para viver.

Concluiu peticionando que seja o contrato de trabalho considerado como contrato por tempo indeterminado, não temporário e sem termo, em função da inexistência de motivo justificativo de termo ou sua insuficiente concretização e a comunicação de caducidade equivalente a um despedimento ilegal e a Ré condenada a pagar-lhe:
a)-€ 1.845,00 a título de indemnização por cessação ilegal de contrato de trabalho;
b)-€ 4.108,65 relativos a indemnização por violação do direito de férias;
c)-€ 10.000,00 referentes a danos não patrimoniais sofridos causados por cessação ilegal de contrato de trabalho;
d)-juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias.
A Ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo Autor, confirmando a celebração do contrato de trabalho temporário e alegando as circunstâncias relativas à celebração do contrato de utilização de trabalho temporário que lhe subjaz, por si celebrado com a empresa utilizadora, (…), SA., nomeadamente e, em síntese, que:
O motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário, a descrição das funções, assim como todos os restantes elementos com base nos quais elaborou o contrato de trabalho temporário com o Autor foram fornecidos pela empresa utilizadora, que foi quem entrevistou e selecionou o Autor.

A empresa de trabalho temporário não pode avaliar ou fiscalizar se os motivos que a empresa utilizadora indica como justificativos para o recurso ao trabalho temporário correspondem ou não à realidade, nem o trabalho que o trabalhador temporário efectivamente pratica nas instalações da empresa utilizadora e sob as ordens desta.

O contrato celebrado com o Autor não ultrapassou o seu prazo máximo de duração e foi feito caducar a 21 de Fevereiro de 2016, por indicação da empresa utilizadora, com cumprimento do período de pré-aviso e pagamento de todos os créditos salariais devidos pela cessação do contrato, não existindo por isso despedimento ilícito nem direito a qualquer compensação nem a indemnização por danos não patrimoniais advenientes da alegada ilicitude da cessação do contrato.

A responsabilidade pela marcação das férias do Autor era da empresa utilizadora, nos termos do art. 185º, nº 3, do Código do Trabalho, pelo que não pode ser responsabilizada por uma eventual violação do direito a gozo de férias do trabalhador temporário, ora Autor.

A fls. 47 foi proferido despacho saneador que, procedendo a apreciação parcial do mérito da causa, julgou improcedente o pedido de condenação da R. no pagamento ao A. de € 4.108,65 a título de compensação pela violação do direito de férias, dele absolvendo a R..

O A. interpôs recurso deste despacho, que subiu juntamente com o recurso também por ele interposto da sentença, proferida após audiência de julgamento e que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu a R. dos pedidos.

O recorrente formula as seguintes conclusões:

No recurso do despacho saneador:
1ª- Não foram correctamente interpretadas as normas jurídicas contidas nos arts. 237.º, n.º 1, 241.º, n.º 1, 246.º, n.º 1 e 185.º, n.º 3, todos do Cód. do Trabalho
2.º- que mesmo, nos casos de contrato de trabalho temporário, não dispensam e antes obrigam o empregador (empresa de trabalho temporário) quanto ao dever de assegurar e garantir o efectivo gozo do direito de férias pelo trabalhador, ainda que a concreta marcação de tal período caiba à gestão da empresa utilizadora.
3.º- Ao não considerar assim violou a douta decisão as normas que atrás se alude, na 1.ª conclusão.
Assim, deverá pois o presente recurso obter provimento, alterando-se por conseguinte tal parte da decisão judicial sob censura e ordenando-se a sua substituição por uma outra que mande prosseguir os autos em tal parte com condenação da R. no pagamento de 4.108,64 euros a título de compensação por violação do direito de férias.

No recurso da sentença:
1.ª- Não foram correctamente interpretadas as normas jurídicas contidas nos arts. 3.º, n.º 4, 180.º, n.º 2 e 180.º, n.º 3, todos do Cód. do Trabalho
2.º- que mesmo, nos casos de concorrência de nulidade do termo aposto no contrato de trabalho temporário, com a nulidade do termo aposto no contrato de utilização de trabalho temporário, com consequente conversão da modalidade do contrato de trabalho em contrato por tempo indeterminado não impedem a responsabilização da Empresa de Trabalho Temporário por despedimento ilícito do A. e condenação no pagamento das indemnizações peticionadas
3.º- Pois a estatuição do art. 180.º, n.º 3 do Cód. de Trabalho visando a protecção do trabalhador ao permitir o acesso a um contrato de trabalho sem termo com a empresa utilizadora
4.º- Não tem por objectivo a eliminação da possibilidade do exercício de direitos contra a empresa de trabalho temporário, ao abrigo do art. 180.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho que o A. sempre perspectivou como seu empregador de acordo com o contrato celebrado e com a comunicação de cessação de contrato da autoria da R.
5.º- Em caso de dúvida o princípio do «favor laboratoris» expresso no art. 3.º, n.º 4 do Cód. do Trabalho sempre permitiria fazer prevalecer os sujeitos jurídicos identificados no texto do contrato escrito celebrado e a aplicação do art. 180.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho
6.º- Por dever entender-se que o regime do art. 180.º, n.º 3 do C.T. não é absolutamente imperativo e de aplicação automática, porque fixado para protecção do trabalhador
7.º- Não eliminando a alternativa hipótese de demanda da empresa de trabalho temporário nos termos do permitido pelo regime do art. 180.º, n.º 2 do C.T.
8.º - Ao não considerar assim violou a douta decisão as normas que atrás se alude, mormente as indicadas na 1.ª conclusão.
Assim, deverá pois o presente recurso obter provimento, alterando-se por conseguinte tal parte da sentença sob censura e condenando-se a R. no pagamento de 1845 euros a título de indemnização por cessação ilegal de contrato de trabalho, segundo as normas legais indicadas na petição inicial e na motivação de recurso supra explanada e 10 000 euros por danos não patrimoniais sofridos pelo A. tal qual dado como provado em sede de douta sentença.

A recorrida contra-alegou ambos os recursos, pugnando pela respectiva improcedência.
As questões suscitadas nos recursos são:
- num contrato de trabalho temporário, sobre qual das empresas – ETT ou utilizadora – recai o dever de compensar o trabalhador pela violação do direito ao gozo de férias previsto no art. 246º do CT;
- se a concorrência da nulidade do termo aposto ao contrato de trabalho temporário com a nulidade do termo aposto ao contrato de utilização impede ou não que a empresa de trabalho temporário seja responsabilizada por despedimento ilícito.       
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1)-A Ré é uma empresa de trabalho temporário, sendo detentora do competente alvará para a sua actividade;
2)-O Autor foi contratado pela Ré mediante um contrato de trabalho temporário, a termo certo, para prestar o seu serviço, de “operador semi-especializado”, à empresa utilizadora « (…), SA”, com início em 22.08.2014 e termo previsto para dia 21.09.2014, mediante pagamento duma retribuição base mensal ilíquida de € 615,00
3)-No texto do contrato de trabalho temporário consta a menção “Nos termos dos Art. 180º e 181º da Lei n.º 7/09, de 12 de Fevereiro, é celebrado um Contrato de Trabalho Temporário nos seguintes termos”, seguindo-se a indicação dos motivos para recurso a tal modalidade de contrato de trabalho nos seguintes termos: “Motivo de Recurso: alínea g) Execução de tarefa ocasional ou serviço precisamente definido e não duradouro; O presente contrato de trabalho temporário tem o seu fundamento nas alíneas acima referidas da Lei n.º 7/09 de 12 de Fevereiro e  especificamente: Reforço temporário da triagem manual devido ao aumento de material transferido do CTE para o CTO para reprocessamento.”;
4)-O contrato de trabalho temporário renovou-se de forma automática e sucessiva sem qualquer interrupção até 21 de Fevereiro de 2016, data em que o Autor deixou de trabalhar para a Ré, depois de, em 5 de Fevereiro de 2016, a Ré ter entregado em mão ao Autor uma declaração escrita com o seguinte teor: “Serve a presente para comunicar a V. Exªs que, de acordo com o artigo 344º, n.º 1, da Lei n.º 7/09, de 12 de Fevereiro, o contrato a termo certo celebrado com esta empresa no dia 22 de Agosto de 2014, com a Categoria de OP. SEMI-ESPECIALIZADO, não será renovado pelo que o mesmo caducará a partir do dia 21 de Fevereiro de 2016”;
5)-Durante o período de execução do contrato de trabalho temporário o Autor apenas gozou cinco dias de férias, embora lhe tenham sido pagas todas as férias não gozadas;
6)-O contrato de trabalho temporário teve subjacente um contrato de utilização de trabalho temporário, celebrado entre a Ré e a empresa utilizadora «(…), SA» com data de 22.08.2014, em cujo texto consta a menção “Nos termos do Art.º 177 da Lei n.º 7/09, de 12 de Fevereiro, é celebrado um Contrato de Utilização de Trabalho Temporário nos seguintes termos, seguindo-se a indicação do motivo de recurso a tal modalidade de contrato nos seguintes termos: “Motivo de Recurso: Alínea g) Execução de tarefa ocasional ou serviço precisamente definido e não duradouro; O presente contrato de trabalho temporário tem o seu fundamento nas alíneas acima referidas da Lei n.º 7/09 de 12 de Fevereiro e especificamente: Reforço temporário da triagem manual devido ao aumento de material transferido do CTE para o CTO para reprocessamento.”;
7)-Previamente à celebração do contrato de trabalho temporário e do contrato de utilização de trabalho temporário supra referidos o Autor foi entrevistado para efeitos de admissão profissional pela empresa utilizadora (…), SA. que o aprovou e lhe deu indicação para ir aos escritórios da Ré assinar contrato de trabalho, tendo igualmente comunicado à Ré a selecção do Autor para preencher a vaga de trabalho;
8)-Os motivos de recurso apostos no contrato de trabalho temporário e no contrato de utilização de trabalho temporário foram indicados à Ré pela empresa utilizadora «(…) SA»;
9)-Por mail enviado a 5 de Fevereiro de 2016 a empresa utilizadora “(…) SA” interpelou a Ré para que procedesse à emissão de carta de cessação do contrato iniciado em 22.08.2014 com o Autor;
10)-O Autor prestou a sua actividade laboral sob a direcção e fiscalização da empresa utilizadora “(…) SA” entre 22.08.2014 e 21.02.2016, de forma contínua e sem interrupções, não fazendo apenas triagem manual, mas desempenhando outras actividades permanentes e diárias, como sejam:
-operador de cabine e triagem, que consistia em trabalhar em local próprio (cabine) e apropriado para cada tipo de material onde se fazia a separação manual dos vários objectos, principalmente plásticos, para depois os introduzir em silos que conduziam as embalagens para uma zona de prensa para depois serem enfardados e compactados;
-recolha, transporte e descarga de material reciclável como garrafas de plástico, sacos de plástico, grades plásticas, latas, pacotes de leite, embalagens de plástico (detergentes, lixívias, etc), fazendo condução de veículo empilhador e de uma «bobcat»;
-enfardamento e prensagem de papel e cartão e plásticos;
-carregamento de camiões com fardos selecionados de papel cartão;
-colocação de bobines na máquina de cintagem;
-manutenção e lavagem de instalações, o que sucedia com intervalo de 15 em 15 dias preferencialmente em dias chegados aos fins-de-semana e após descarga de resíduos mais fortes e agressivos.
11)-A descarga dos lixos era diária e as tarefas acima mencionadas, com excepção da tarefa de lavagem e manutenção, eram constantes e independentes do maior movimento de lixos que podia ocorrer em alguma época do ano;
12)-As transferências de material do CTE para o CTO não eram diárias, mas mais intervaladas e normalmente associadas às limpezas quinzenais pois tal lixo era muito degradado e agressivo, com fermentação e odor muito intensos, que era preciso eliminar de imediato com lavagem e manutenção dos equipamentos de imediato.
13)-Face à cessação do seu contrato de trabalho o Autor, que perspectivava ficar a trabalhar por conta da “(…) SA” após a cessação do contrato de trabalho temporário, como sucedeu com outros colegas, sentiu-se desanimado e desgostoso, perdeu apetite, teve dificuldade em dormir, passou a ficar facilmente irritável e em estado de apatia, e sofreu angústia e ansiedade por ter de suportar despesas com os 3 filhos, alimentação, vestuário e crédito à habitação sem o vencimento certo e fixo que recebia da Ré e não saber se e quando iria encontrar emprego.

Apreciação

Do recurso do despacho saneador

O Sr. Juiz julgou improcedente o pedido de condenação da R. no pagamento de compensação pela violação do direito da férias, com a seguinte fundamentação “…sendo o vínculo que unia o Autor e a Ré um contrato de trabalho temporário - facto que é alegado e reconhecido por ambas as partes – e como refere a Ré na sua contestação, o artigo 185º, n.º 3, do Código do Trabalho, a propósito das “Condições de trabalho de trabalhador temporário”, estipula que é o utilizador que deve marcar o período das férias do trabalhador que sejam gozadas ao seu serviço, e não a empresa de trabalho temporário.

Assim sendo, prevendo o referido artigo 246º, n.º 1, do Código do Trabalho, uma sanção pela violação culposa do direito ao gozo de férias do trabalhador, não pode a empresa de trabalho temporário, aqui Ré, ser condenada no pagamento de tal compensação porquanto inexiste da sua parte qualquer violação culposa daquele direito já que, nos termos da lei, não lhe cabia a ela mas sim à empresa utilizadora, o dever – e o poder - de marcar as férias do Autor e este, na p. i., sequer alega qualquer conduta da empresa utilizadora tendente a demonstrar a violação culposa por parte da mesma do seu direito a férias.

Por conseguinte, e por ser desnecessária a produção de qualquer prova para proceder à sua apreciação, desde já julgo improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento de € 4.108,65 a título de compensação por violação do direito de férias, dele absolvendo a Ré”

O recorrente sustenta ser errada a interpretação efectuada pelo tribunal das normas jurídicas contidas nos art. 237º nº 1, 241º nº 1, 246º nº 1 e 185º nº 3, pois, mesmo tratando-se de um contrato de trabalho temporário, o empregador é a empresa de trabalho temporário, sobre quem recai o dever de assegurar o efectivo gozo de férias pelo trabalhador, mesmo que a marcação compita à empresa utilizadora.

Não se alcança onde possa o tribunal recorrido ter errado na interpretação das normas, contidas nos art. 237º nº 1 e 241º nº 1 do CT, e o recorrente também o não explicita.

Determinando o primeiro dos referidos normativos que “O trabalhador tem direito em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro”  e o segundo que “O período de férias é marcado por acordo entre empregador e trabalhador” verifica-se que a decisão recorrida nada contém que possa de algum modo contrariar qualquer dos aludidos preceitos. Alude, é certo, aos outros dois preceitos mencionados (185º nº 3 e 246º nº 1 do CT) para, face aos termos do que foi e, sobretudo, do que não foi alegado pelo A., concluir que a pretensão do A. quanto à compensação por violação do direito a férias não pode proceder, não podendo a R. (ETT) ser condenada por violação culposa desse direito, dado não lhe competir a ela a marcação das férias do A. e nem sequer ter sido alegado qual a conduta da empresa utilizadora que constitui violação culposa do seu direito a férias.

Adiante-se que não nos merece censura a apreciação constante da decisão recorrida.

Estabelece com efeito o art. 185º nº 3 do CT que cabe à empresa utilizadora de trabalho temporário marcar o período de férias que sejam gozadas ao seu serviço. Assim, a norma contida no art. 241º nº 1 do mesmo compêndio legal, segundo a qual “o período de férias é marcado por acordo entre empregador e trabalhador” (sendo certo que, segundo o nº 2 do mesmo preceito, na falta de acordo, o empregador marca as férias, que não podem ter início em dia de descanso semanal do trabalhador, ouvindo para o efeito os órgãos representativos de trabalhadores, maxime do trabalhador interessado) deve, quando se trate de um trabalhador temporário, ser adequadamente interpretada no sentido de o período de férias dever ser estabelecido por acordo entre o trabalhador e a empresa utilizadora, apesar de esta não ser, na realidade, o empregador desse trabalhador, mas a ETT.

Como é sabido, no trabalho temporário, a posição jurídica do empregador é fragmentada, sendo repartida entre a ETT (o empregador formal) e a empresa utilizadora, em cuja organização o trabalhador é inserido e a cujo poder de direcção fica sujeito, se bem que o poder disciplinar  incumba à ETT, assim como o dever retributivo e os deveres que lhe estão associados (como o de pagamento de contribuições à Segurança Social e de transferir para uma seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho). Sendo a actividade do trabalhador temporário desenvolvida em benefício do utilizador, bem se compreende que caiba a este a organização do respectivo tempo de trabalho, assim como a marcação das férias. Caso não o faça espontaneamente, como é suposto, convidando os trabalhadores a indicarem os períodos em que pretendem gozar as férias a que têm direito com vista a, se possível, as marcar por acordo, sendo que, na falta deste, lhe cabe marcá-las unilateralmente, sempre podem os trabalhadores requerer ao empregador ou, no caso de contrato de trabalho temporário, à empresa utilizadora, tal marcação.

Ora, o A., para fundamentar o pedido de condenação da R. a pagar-lhe a compensação por violação do direito ao gozo de férias limitou-se a alegar no art. 36º da p.i. “A R. não marcou, autorizou ou permitiu que o A. gozasse 49 dias de férias”, omitindo o que quer que seja acerca da atitude da empresa utilizadora sobre as férias, sendo indiscutível que era sobre ela que recaia o dever de lhe marcar as férias.

Para haver direito à compensação por violação do direito a férias prevista no art. 246º do CT não basta que o trabalhador não tenha gozado as férias a que tem direito. É preciso também que o empregador ou, no caso do trabalhador temporário, a empresa utilizadora, tenha obstado culposamente a esse gozo. E cabe ao trabalhador alegar e provar os factos que consubstanciem esse obstáculo, já que tais factos são constitutivos do direito que invoca (art. 342º nº 1 do CC). A provarem-se esses factos – que todavia, no caso vertente, não foram invocados - a compensação em causa é devida ao trabalhador temporário pela empresa utilizadora e não pela ETT, uma vez que tal compensação não tem natureza retributiva[1], mas, de algum modo (do ponto de vista do empregador e, no caso de trabalho temporário, do utilizador), de sanção pela actuação ilícita de obstrução ao gozo das férias.

A matéria invocada pelo recorrente para fundamentar o pedido relativo à compensação por violação do direito a gozo de férias é omissa quanto a tais requisitos, pelo que bem andou o Sr. Juiz em julgar improcedente o pedido.

Pelo exposto improcede o recurso interposto do despacho recorrido, sendo as respectivas custas da responsabilidade do recorrente.

Do recurso da sentença

O Sr. Juiz, considerando que a explicitação do motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário constante tanto do contrato de trabalho temporário (CTT), como do contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT) - idêntico nos dois contratos - não cumpre as exigências impostas pelo art. 181º nº 1 al. b) e 177º nº 1 al. b) e 2, ambos do CT[2] e tal insuficiência determina, nos termos do nº 2 do art. 181º, que se considere que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo e, por outro lado, nos termos do art. 177º nºs 5 e 6, que o CUTT é nulo, determinando tal nulidade que se considere que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, o que resulta numa, pelo menos aparente, incongruência (dado se considerar o trabalhador vinculado por contrato de trabalho simultaneamente à ETT e à empresa utilizadora), concluiu ser de aplicar, por analogia, o disposto pelo nº 3 do art. 180º para o caso de concorrência de nulidade do CUTT com nulidade do CTT por vícios substanciais e não por vício de forma, como é o caso.

Mas, considerou também não ser sequer necessário o recurso à aplicação analógica de tal norma, por a mesma ter aplicação directa, uma vez que o CUTT e o CTT são igualmente nulos por vícios substanciais, nos termos dos artigos 176º, n.º 2, e 180º, n.º 2, do CT, pois, “face ao que consta dos pontos 10) a 12) dos factos provados, resulta demonstrada a falsidade do motivo indicado para a contratação do Autor, uma vez que as funções que foi desempenhar não se cingiram à triagem manual, muito menos determinada por um aumento de material transferido do CTE para o CTO para reprocessamento uma vez que essas transferências eram feitas apenas com intervalos de aproximadamente 15 dias não justificando uma actividade adicional que justificasse a contratação e, sobretudo, porque as funções que o Autor foi exercer não se traduzem, verdadeiramente, na execução de uma tarefa ocasional ou de um serviço determinado precisamente (definido) e não duradouro mas antes numa actividade multifacetada ou conjunto variado de funções, de cariz constante, necessário, permanente ou, no mínimo, reiterado e prolongado no tempo.

Ora, verificando-se assim a concorrência da nulidade do CTT prevista no artigo 180º, n.º 2, com as nulidades do CUTT previstas no n.º 2 do artigo 176.º e no n.º 5 do artigo 177.º, determina o artigo 180º, n.º 3, do CT, que se considera que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.

Assim sendo, concluindo-se que a nulidade dos contratos determina a vinculação contratual laboral do Autor à empresa utilizadora, ou seja, à (…), SA., necessariamente se torna concluir que só esta teria legitimidade para proceder ao despedimento do Autor e só ela poderia ser responsabilizada pela ilicitude desse despedimento.

Ora, no caso em apreço, a carta que provocou, formalmente, a cessação do contrato dos autos foi da autoria da empresa de trabalho temporário, aqui Ré, e não da empresa utilizadora, ou seja, a declaração em causa partiu de uma entidade que, de acordo com o que acima deixámos exposto, não tinha legitimidade para o fazer, por não ser a sua entidade empregadora, não podendo, consequentemente e nesse plano, falar-se de um despedimento ilícito por parte da empresa de trabalho temporário, aqui Ré. Neste mesmo sentido e em situação análoga se pronunciou Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/13/2016 - Processo: 2094/12.7TTLSB.L1-4 (…)“ (…) V - Os vícios de cariz substancial e formal dos CUTT e que concorrem igualmente com vícios de cariz formal dos CTT têm como consequência jurídica a sua nulidade e a «conversão» da situação de prestação de trabalho temporário em contrato de trabalho por tempo indeterminado em que a entidade empregadora é a empresa utilizadora (2.ª Ré) e o trabalhador efectivo é o trabalhador temporário. (…) VII - A carta que provocou, formalmente, a cessação do contrato dos autos foi da autoria da 1.ª Ré e não da 2.ª Ré, ou seja, a declaração em causa partiu de uma entidade que não tinha legitimidade para o fazer, por não ser a sua entidade empregadora, não podendo, consequentemente e nesse plano, falar-se de um despedimento ilícito por parte da demandada em questão.(…)”.

Acresce que sempre importaria ter em conta outra vertente: no caso em apreço, resultou provado ainda que a Ré apenas enviou a carta de cessação do contrato por determinação da própria (…), SA. Ora, como refere o artigo 182º, n.º 1, do CT, a duração do CTT nunca pode exceder a duração do CUTT, pelo que, perante a comunicação do utilizador informando que não mais pretende continuar a contar com o trabalhador, outra alternativa não restaria à empresa de trabalho temporário, senão comunicar a caducidade do CTT.

E também nessa medida se poderia considerar que a posição assumida pela (…), SA, evidenciava a recusa por sua parte em receber a prestação de trabalho por parte do trabalhador e, assim, ser interpretada como constituindo um despedimento ilegal do trabalhador por parte da própria empresa a quem o trabalho era (prestado, a) (…), SA – solução acolhida no referido acórdão – mas a apreciação dessa questão nem se coloca nos presentes autos na medida em que não foi demandada a empresa utilizadora.

Assim sendo, concluindo-se pela nulidade dos contratos (CUTT e CTT); pelo estabelecimento da relação contratual laboral do Autor à empresa utilizadora e não à aqui Ré; e pela consequente inexistência de despedimento ilícito por parte da Ré na medida em que não era o empregador, não pode ser imputada à Ré qualquer responsabilidade pelo pagamento da indemnização peticionada pelo Autor, quer por cessação ilegal de contrato de trabalho, quer pelos danos não patrimoniais sofridos causados por força dessa cessação.

Salienta-se ainda que, à data da cessação do contrato, ainda não vigorava a actual redacção do artigo 174º, n.º 2, do CT, que prevê responsabilização subsidiária da empresa de trabalho temporário por créditos do trabalhador, apenas introduzida pela Lei n.º 28/2016, de 23 de Agosto, com início de vigência a 23 de Setembro de 2016.

A acção é assim totalmente improcedente.”

O recorrente vem imputar à sentença erro na interpretação das normas jurídicas contidas nos art. 3º nº 4, 180º nºs 2 e 3, pois a norma do art. 180º nº 3, visando a protecção do trabalhador ao reconhecer-lhe um contrato de trabalho sem termo com a empresa utilizadora, não quis eliminar a possibilidade de o trabalhador exercer os direitos contra a ETT que o trabalhador sempre considerou como empregador. Que em caso de dúvida, o princípio do favor laboratoris (art. 3º nº 4 do CT) permitiria fazer prevalecer os sujeitos jurídicos identificados no contrato escrito e a aplicação do art. 180º nº 2, por se dever entender que o regime do art. 180º nº 3 não é absolutamente imperativo e de aplicação automática, porque fixado para protecção do trabalhador, não eliminando a hipótese alternativa de demanda da ETT, nos termos do art. 180º nº 2 do CT.

Terá razão de ser a invocação do princípio do favor laboratoris, para “fazer prevalecer os sujeitos jurídicos identificados no texto do contrato escrito” e por conseguinte o disposto pelo nº 2 do art. 180º sobre o disposto pelo nº 3 do mesmo preceito?

Embora o referido princípio do favor laboratoris tenha o seu campo de aplicação por excelência no âmbito do conflito hierárquico de normas e no caso não esteja em causa um conflito desse tipo, uma vez que as normas contidas nos nºs 2 e 3 do art. 180º do CT têm o mesmo grau hierárquico, não deixa de ser pertinente o recurso a tal princípio na resolução de conflitos decorrentes da concorrência de fontes com o mesmo grau hierárquico, como aquele que nos ocupa.

Vejamos então se, como pretende o recorrente, da respectiva aplicação decorre que deva prevalecer a norma do art. 180º nº 2 sobre a do art. 180º nº 3.

A primeira das normas concorrentes em causa (180º nº 2) estatui a nulidade do termo estipulado no contrato de trabalho temporário (CTT) em violação do disposto no nº 1 do mesmo artigo, ou seja, da norma que estabelece que o CTT só pode ser celebrado a termo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização, portanto, nos casos previstos no art. 175º[3].

A segunda (180º nº 3) estabelece que, caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT) prevista no nº 2 do art. 176º[4] ou no nº 5 do art. 177º[5], considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no nº 6 do art. 173º.

Sucede, no caso, que o motivo invocado para a celebração do CTT a termo certo de um mês (que foi sendo sucessivamente renovado, tendo perdurado durante dezoito meses), é precisamente o que consta do CUTT. Porém, este, para além do vício de forma que consiste em não conter os factos que integrem o motivo [que é invocado em termos conclusivos, correspondente à fórmula contida na al. g) do nº 2 do art. 140º[6] (“execução de tarefa ocasional ou serviço precisamente definido e não duradouro”), e não permitir co-relacionar o motivo e o termo estabelecido (de um mês) - não preenchendo, manifestamente, tal requisito a menção “reforço temporário da triagem manual devido ao aumento de material transferido de CTE para o CTO para reprocessamento”, por não constituir uma tarefa ocasional ou um serviço precisamente definido e não duradouro] - acaba por se constatar não ser sequer verdadeiro, como evidenciam os factos constantes dos nºs 10 a 12, consubstanciando, assim, também, vício substancial. Daí que, quer nos termos do art. 176º nº 2, quer nos termos do art. 177º nº 5, o CUTT seja nulo, pelo que, por força do nº 3 do art. 176º se considera que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador por contrato de trabalho sem termo.

É que, conforme refere a Prof. Palma Ramalho[7] “A falta de forma escrita ou de indicação do motivo justificativo determinam a nulidade do contrato de utilização e a sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre o utilizador e o trabalhador (art. 177º nºs 4 e 5). A mesma consequência ocorre em caso de indicação de  motivo falso ou que não corresponda a um dos fundamentos previstos na lei (art. 176º nºs 2 e 3)” (sublinhado da nossa responsabilidade).

Mais adiante, na mesma obra (pag. 311/313), referindo-se às consequências dos vícios do contrato de trabalho temporário na modalidade de contrato a termo refere a mesma autora que “No actual regime, este problema não é ainda, quanto a nós, resolvido de uma forma clara, exigindo algum esforço de interpretação.

Em primeiro lugar, a indexação genética deste contrato ao contrato de utilização justifica a regra geral sobre a admissibilidade de ambos os contratos exactamente nas mesmas condições (art. 180º nº 1 do CT); e desta indexação decorre, naturalmente, a regra segundo a qual a celebração do contrato de trabalho temporário a termo fora das situações previstas para o contrato de utilização determina a nulidade do próprio termo, com a consequência da conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado (art. 180º nº 2 do CT).

Assentes estes pontos podem suscitar-se dúvidas sobre o regime desta conversão, designadamente sobre a determinação da entidade que passa a ser o empregador, uma vez que, nuns casos, a lei indica a empresa de trabalho temporário e, noutros casos, se refere à empresa utilizadora, para este efeito. Procurando fazer uma leitura coerente dos vários preceitos que se referem a esta matéria, parece ser esta a solução interpretativa mais adequada:
i) Em caso de vício substancial do contrato de trabalho temporário (nomeadamente porque foi celebrado fora das condições do contrato de utilização, exigidas pelo art. 180º nº 1 do CT), ocorre e nulidade do termo, da qual decorre a conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado com a empresa de trabalho temporário (art. 180º nº 2 do CT).
ii) Em caso de vício de forma do contrato de trabalho temporário decorrente da falta de redução a escrito ou de omissão ou indicação insuficiente no título contratual do motivo justificativo (requisitos impostos pelo art. 181º nº 1 do CT) ocorre também a conversão do contrato em contrato de trabalho por tempo indeterminado com a empresa de trabalho temporário (art. 181º nº 2 do CT).
i) Em caso de cumulação de vício substancial do contrato de trabalho temporário com vício do contrato de utilização, ocorre a conversão do contrato em contrato de trabalho por tempo indeterminado com a empresa utilizadora (art. 180º nº 3).”.

Quer a norma contida no art. 180º nº 2, quer a contida no nº 3 do mesmo artigo têm natureza de imperativo mínimo, como sucede com grande parte das normas de direito do trabalho, estabelecendo um nível de tutela que permite o respectivo afastamento por outra norma, ainda que de grau hierárquico inferior, desde que seja mais favorável ao trabalhador. Não obstante ambas terem o mesmo grau hierárquico, não nos parece que possa concluir-se que a norma contida do art. 180º nº 2 confira maior tutela ao trabalhador do que a do art. 180º nº 3.

Sendo certo que, por força de qualquer das ditas normas, o trabalho prestado se considera em regime de contrato de trabalho sem termo, no primeiro caso à empresa de trabalho temporário e, no segundo, à empresa utilizadora e, se bem que a lei preveja actualmente que as empresas de trabalho temporário possam celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado para a cedência temporária (art. 183º), na medida em que o trabalhador contratado por tempo indeterminado, no período em que não se encontre em situação de cedência, pode prestar trabalho à empresa de trabalho temporário mediante retribuição correspondente à actividade desempenhada, sem prejuízo do valor da retribuição mínima durante as cedências fixado no contrato - que pode ser a aplicável à ETT ou ao utilizador – cfr. art. 184º nº 2 al. b), 183º nº 1 al. d) e 185º nº 5 e, caso não exerça actividade, tem direito a compensação prevista em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou no valor de dois terços da última retribuição ou da retribuição mínima mensal garantida [art. 184º nº 2 al. a)] – tendo em conta o objecto da ETT definido no art. 3º do DL 260/2009, de 25/9[8] e as funções para as quais o A. foi contratado, operador semi-especializado, afigura-se-nos muito pouco provável que a ETT ora R. e recorrida conseguisse ocupar o A. nos períodos em que o mesmo não fosse cedido a utilizadores, dado não se enquadrarem no respectivo objecto social funções próprias de um operador semi-especializado, pelo que, com grande probabilidade, o rendimento do trabalhador nesses períodos de não ocupação seria necessariamente inferior aos rendimentos do trabalho nos períodos de ocupação, dependendo estes da existência ou não de utilizadores interessados no trabalho de um operador semi-especializado. Daí que tenhamos por inverosímil que a solução resultante do art. 180º nº 2 possa ser mais favorável ao trabalhador do que a solução resultante do art. 180º nº 3.

É pela comparação das soluções resultantes de cada uma das normas concorrentes que se afere qual delas confere mais protecção ao trabalhador, isto é, qual lhe é mais favorável e não, salvo o devido respeito, dos sujeitos jurídicos identificados no texto do contrato, como pretende o recorrente. No caso tal comparação leva-nos a concluir que a norma contida no art. 180º nº 3 é mais favorável ao trabalhador, porquanto mais facilmente lhe assegura uma retribuição constante.

Por isso não podemos deixar de estranhar que a acção não tivesse sido intentada contra (ou também contra, atento o disposto pelo art. 39º do CPC) a empresa utilizadora, atenta a solução resultante do art. 180º nº 3.

No entanto, embora em nosso entender, em caso de dúvida, perante a concorrência do disposto pelo art. 180º nº 2 com o disposto pelo art. 180º nº 3, o princípio do favor laboratoris não faça prevalecer aquele, mas sim este último (180º nº 3), por conferir maior protecção ao trabalhador, isso não significa que fique excluída a possibilidade de o trabalhador demandar apenas a ETT, apesar de os direitos que lhe assistem perante a mesma, designadamente em termos de remuneração, serem porventura inferiores. Concordamos, pois, com o recorrente quando afirma que a norma do art. 180º nº 3, visando a protecção do trabalhador ao reconhecer-lhe um contrato sem termo com a empresa utilizadora, não quis eliminar a possibilidade de o trabalhador exercer os direitos contra a ETT. 

Portanto, no caso, face aos termos dos contratos, o A. podia ter reclamado, conforme lhe permitia o art. 180º nº 3, a manutenção da relação de trabalho com a empresa utilizadora (…, SA), por contrato de trabalho sem termo, que, em princípio, lhe ofereceria maior protecção, que o reconhecimento de tal tipo de contrato com a R., sua empregadora formal.

No entanto, apesar de assim não ter procedido, não perdeu o direito de reclamar idêntico direito da ETT, que lhe advinha não apenas do disposto no art. 180º nº 2 mas também do disposto no art. 181º nº 2, uma vez que a recorrida, embora só possa legalmente celebrar contratos a termo resolutivo nas situações previstas para a celebração de contratos de utilização e tivesse reproduzido ipsis verbis no contrato de trabalho temporário celebrado com o A. o motivo indicado no CUTT, deveria ainda ter-se preocupado em obter junto da utilizadora os elementos factuais indispensáveis à concretização do motivo para ali os consignar, conforme exigido pelo art. 181º nº 1 al. b), não se devendo bastar com a mera reprodução dos termos vagos em que o motivo é indicado no CUTT. Neste sentido se pronunciou este tribunal no ac. de 24/1/2007 proferido no processo 9132/2006-4, disponível na base de dados do IGFEJ. Não o tendo feito, o contrato padece de insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho temporário, razão pela qual o trabalho se tem de considerar prestado à ETT em regime de contrato de trabalho sem termo, conforme resulta do nº 2 do art. 181º. E tendo este sido um dos fundamentos invocados pelo A. para demandar a R. (vide art. 28º e 29 da p.i.), não se encontra prejudicado pelo disposto pelo nº 3 do art. 180º.

Deste modo, embora com fundamentos não coincidentes com os invocados pelo recorrente, não acompanhamos a decisão recorrida, uma vez que o facto de não ter sido demandada a empresa utilizadora não obsta a que se reconheça que o contrato de trabalho temporário celebrado entre a ETT ora recorrida e o recorrente tem de ser considerado como contrato de trabalho sem termo.

E, assim sendo, a comunicação da cessação do contrato por alegada caducidade referida em 4) configura despedimento, ilícito por não precedido do competente procedimento prévio ([rt. 381º al. c)], conferindo ao A. os direitos previstos nos art. 389º a 391º, sendo que o A. optou desde logo pela indemnização de € 1.845,00 em substituição da reintegração, não peticiona retribuições intercalares e pede € 10.000 de indemnização por danos não patrimoniais.

Temos por adequada à gravidade média da ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art. 381º e ao valor da retribuição, fixar em 30 dias de retribuição a base de cálculo da indemnização devida, pelo que, sem prejuízo de dever ser contada a antiguidade até à data do trânsito em julgado, nesta data a indemnização devida perfaria € 2.460,00. Dado todavia os termos em que foi formulado o pedido e o princípio do dispositivo, fixa-se a mesma em € 1.845,00, conforme peticionado.

Face ao teor do ponto 13 e sendo o comportamento da recorrida ilícito e culposo, entendemos que os danos ali referidos são merecedores da tutela do direito, afigurando-se-nos adequado e equitativa à respectiva compensação uma indemnização no valor de € 3.000,00.

Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- julgar improcedente o recurso do despacho saneador, confirmando a decisão recorrida;
- julgar parcialmente procedente o recurso da sentença, alterando a decisão no sentido de julgar a acção parcialmente procedente e condenar a R. BBB, S.A. a pagar ao A. a indemnização por despedimento no valor de € 1.845,00 e a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 3.000,00, acrescidas de juros de mora à taxa supletiva legal, a contar da data do trânsito em julgado e até integral pagamento.
Custas do 1.º recurso pelo recorrente e do 2.º recurso por ambas as partes, na proporção do decaimento.


Lisboa, 13 de Setembro de 2017


Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira



[1]Sendo certo que recai sobre a ETT a obrigação retributiva.
[2]Sendo igualmente do CT todos artigos de ora em diante referidos sem indicação de origem.
[3]“1 – O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos:
a) Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento;
b) Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da atividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador;
c) Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes de dia;
d) Realização de projecto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de empresa ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial.
2 – Para efeito do disposto no número anterior, no que se refere à alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º, considera-se acréscimo excepcional de atividade da empresa o que tenha duração até 12 meses.
(…)
[4]Que dispõe “É nulo o contrato de utilização celebrado fora das situações a que se refere o nº 1 do artigo anterior”.
[5]Que, estabelecendo sobre forma e conteúdo do CUTT, dispõe “O contrato é nulo se não for celebrado por escrito ou omitir a menção exigida pela alínea b) do nº 1” (qual seja, o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador”.
[6]Sendo que o art. 175º nº 1 permite a celebração de CUTT nas situações previstas nas al. a) a g) do nº 2 do art. 140º.
[7]Direito do Trabalho, Parte II- Situações Laborais Individuais, Almedina, 3ª ed. pag. 310.
[8]A actividade de cedência temporária de trabalhadores para ocupação por utilizadores, podendo ainda desenvolver actividades de selecção, orientação formação profissional, consultadoria e
gestão de recursos humanos.