ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
Sumário

1.–O dano biológico, empregue num sentido amplo de dano corporal, assume relevância, quer pelas suas consequências patrimoniais, quer pelas não patrimoniais, compreendendo-se nas primeiras o dano patrimonial futuro consequente de défice funcional permanente da integridade físico-príquica de que resulte, ou não, perda de capacidade de ganho, e nas segundas os danos morais complementares relativos ao quantum doloris e os danos à integridade física e psíquica, previstos, respetivamente, nos Artigos 4.º e 8º da Portaria n.º 377/2008 de 26/5.
2.–O dano patrimonial futuro emergente de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica parcial, mesmo que não implique uma perda de capacidade de ganho efetiva ou concreta, corresponde a um dano suscetível de indemnização determinável por aplicação das regras de equidade, ponderando os resultados obtidos pelo método comparativo com outras decisões judiciais de casos semelhantes, com os objetivamente decorrentes da aplicação dos critérios de cálculo resultantes da Portaria n.º 377/2008 de 26/5 e das fórmulas matemáticas normalmente referenciadas pela jurisprudência, com vista a apurar o valor mais adequado ao caso concreto.
3.–Na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros consequentes de défice permanente da integridade físico-psíquica relevam fundamentalmente a presumível duração da vida ativa do lesado, o grau de défice funcional apurado e o rendimento do sinistrado, tendo por referência mínima os critérios legais que resultam do Art. 7.º b) da Portaria 377/2008 de 26/5 (70 anos de idade de reforma) e Art. 6.º n.º 2 e n.º 3 da mesma Portaria (rendimento líquido fiscalmente comprovado, nunca inferior ao RMMG).
4.–É adequada uma indemnização de €13.000,00 de dano patrimonial numa situação em que o lesado tem 43 anos, portanto, com estimada vida ativa de 27 anos, sendo afetado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 7 pontos, ponderando o rendimento mensal mínimo garantido.
5.–O dano de privação de uso de veículo é um dano autónomo indemnizável, igualmente com recurso a regras de equidade, mesmo que o veículo tenha sido considerado perda total, desde que se prove que o seu proprietário o utilizaria normalmente de forma regular e não o pode fazer por causa do acidente que determina a obrigação de indemnização.

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Paulo ... ... ..., veio interpor a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra a Seguros ..., S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento de:
a)-€7.397,00, a título de indemnização por privação do uso de veículo, desde a data do sinistro até à data de pagamento da perda total do veículo;
b)-€1.679,68 a título de parqueamento da sua viatura;
c)-€300,00 a título de despesas médicas;
d)-€30.862,63 a título de indemnização pelo dano corporal sofrido e perdas salariais;
e)-€3.000,00 a título de despesas futuras com a cirurgia;
f)-€772,90 a título de indemnização pelos objetos danificados;
g)-Juros moratórios, contados à taxa legal em vigor, desde da data de citação até efetivo e integral pagamento;
h)-Custas e o mais legal.

Para tanto invocou, em síntese, que no dia 25 de junho de 2013 foi interveniente em acidente de viação causado por culpa do condutor do veículo segurado da R., tendo em consequência sofrido danos de natureza patrimonial consistentes na privação do uso do seu veículo (alvo de perda total), despesas com o parqueamento do mesmo veículo, além de lesões corporais que levaram a uma incapacidade absoluta temporária para o trabalho e a sequelas correspondentes a um dano biológico de 12 pontos, havendo necessidade de vir a realizar certa cirurgia, além de que viu danificados alguns bens pessoais.

A R. veio contestar impugnando os factos alegados pelo A., concluindo pela improcedência da ação.

O processo seguiu os seus termos, com despacho saneador e julgamento, tendo a final sido proferida sentença que decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando a R., Seguros ..., S.A.., no pagamento ao A., Paulo ... ... ..., duma indemnização de €23.347,70, acrescida de juros de mora, a contar de 30 de maio de 2014, sobre o montante de €1.722,70, fixados a título de danos patrimoniais de quantificação certa; e de juros de mora, a contar da data da sentença sobre o montante de €21.625,00, fixados a título de danos patrimoniais, nos termos do Art. 566º n.º 3 do C.C., absolvendo a R. do demais peticionado.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a R., formulando no final das suas alegações as seguintes conclusões, que agora se reproduzem de forma resumida:
1.ª– O recurso interposto da sentença de 28.03.2017 restringe-se à parte em que avalia os danos sofridos pelo Autor a título de dano biológico e dano de privação do uso do veículo e fixa os termos da indemnização por eles devida;
2.ª– Verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito que aplicou ao caso em concreto, nomeadamente na atribuição e fixação da indemnização do dano biológico e do ao dano de privação do uso de veículo, existindo ainda violação dos princípios de equidade na fixação das indemnizações;
3.ª– Relativamente aos danos corporais/danos biológicos apurados nos presentes autos, máxime através do relatório de perícia médico-legal, bem como as demais circunstâncias do caso, verifica-se que a indemnização arbitrada a esse título se revela manifestamente injusta, excessiva e exagerada;
4.ª– No caso em apreço, verificou-se (i) um quantum doloris fixável no grau 4/7; (ii) um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos; (iii) ausência de dano futuro (iv) as sequelas sofridas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade, ainda que impliquem esforços acrescidos (v) ajudas medicamentosas de tipo analgésico sempre que necessário;
5.ª– Assim, não se revela adequada a fixação da quantia de €20.000,00 para reparação e/ou compensação da incapacidade e repercussão na atividade profissional (esforços acrescidos), devendo a mesma ser reduzida e fixada em valor nunca superior a €10.000,00;
6.ª– O montante indemnizatório para reparação dos danos corporais deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, deve ainda atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (o segurado), à sua situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo de atender aos padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência;
7.ª– No que tange à jurisprudência, tomando em consideração circunstâncias concretas muito similares às presentes autos (idade, incapacidade, esforços acrescidos,…), o Supremo Tribunal de Justiça fixou em €10.000,00 a indemnização a título de danos corporais (vide o douto Acórdão do STJ de 06.10.2016, disponível em www.dgsi.pt).
8.ª– Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo ser de ressarcir a privação ou paralisação do veículo do Autor, tendo condenado a Ré a pagar a quantia global de €1.625,00, correspondente a 65 dias à razão diária de €25,00;
9.ª– Verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito, máxime do Dec.Lei n.º 291/2007, não sendo devida qualquer indemnização por privação do uso do veículo;
10.ª– Não sendo viável a reparação do veículo, como ocorre no caso “sub judice”, não há privação do uso, atendendo que o mesmo deixou de poder desempenhar as funções para que foi criado;
11.ª– A indemnização prevista no caso de perda total do veículo abrange somente o dano constituído pela definitiva perda do veículo, não sendo devida indemnização pela paralisação ou privação do veículo sinistrado;
12.ª– Trata-se, assim, de uma indemnização integral dos danos sofridos pelo lesado, cobrindo todos os danos resultantes do sinistro, é como se tivesse havido uma aquisição do veículo pela seguradora, reportada à data do sinistro;
13.ª– Subsidiariamente e sem conceder, sempre se dirá que o dano (a privação do uso do veículo), a ser ressarcível, terá de corresponder a um dano efetivamente sofrido pelo lesado, não procedendo a construção jurídica de acordo com a qual tal dano é considerado um dano moral indemnizável em si mesmo;
14.ª– Esta solução favorece a obtenção de resultados justos, impedindo, por exemplo, situações de enriquecimento injustificado do lesado, como sucederia nos casos em que se prova, por exemplo, que o proprietário não queria ou não podia usar a coisa durante o período em que decorreu a reparação ou esteve privado da utilização do veículo;
15.ª– Sem conceder, o recurso à equidade no caso concreto, em que não foram apresentadas quaisquer provas dos alegados danos, contraria o preceituado nos artigos 564.º e 566.º do Código Civil, porquanto não foi feita prova de qualquer dano determinável com recurso à equidade;
16.ª– Subsidiariamente, no que tange ao quantum indemnizatório devido pela paralisação do veículo, impondo a lei o recurso à equidade, afigura-se que o valor fixado na sentença é manifestamente exagerado pelo que, caso se entenda dever fixar-se um valor por essa privação de uso, tal valor não deverá ultrapassar os €10,00 por cada dia de privação de uso do veículo.
17.ª– A douta sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 41.º e 42.º do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (DL 291/2007), bem como os artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

O A. não apresentou contra-alegações.

II–QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, são questões únicas a decidir:
a)-Saber se a indemnização fixada, relativa ao “dano biológico”, é excessiva; e
b)-Saber se há lugar a indemnização pelo dano de privação do uso do veículo em caso de perda total e, em caso afirmativo, se a indemnização fixada é excessiva.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.-No dia 25 de Junho de 2013, cerca das 23h40m, ocorreu, na Rua Vasco da Gama, no sentido Raposeira/Sabugo, concelho de Sintra, um sinistro de viação, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros da marca BMW, com matricula 0...-... ...-...9 e o veículo ligeiro de passageiros da marca Audi, com matricula
... ...-6...-...0.
2.-O veículo ...3-... ...-7... é propriedade do A., sendo que, no momento da verificação do referido acidente era conduzido pelo ora A..
3.-O veículo ... ...-6...-...0 é propriedade de Maria J... S... A... e no momento do acidente era conduzido pela mesma, encontrando-se segurado pela ora R., através de contrato titulado pela Apólice nº. 7010141458.
4.-O veículo do A. seguia na sua hemi-faixa de circulação quando, da sua direita, surgiu o veículo ... ...-6...-...0.
5.-A faixa de rodagem na qual circulava o veículo ... ...-6...-...0 era sinalizada por um sinal de STOP.
6.-O veículo ... ...-6...-...0 ao efetuar a manobra de mudança de direção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, foi embater no veículo ...3-... ...-7....
7.-O embate ocorreu entre a frente e lateral direita do veículo do A. e a lateral esquerda do veículo do ... ...-6...-...0.
8.-O A. reclamou junto da ora R. a assunção de responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, mediante o preenchimento da Declaração Amigável de Acidente de Automóvel com cópia junta aos autos a fls. 14.
9.-A R., após realização da peritagem aos danos do veículo, considerou o mesmo como “perda total” tendo assumido a responsabilidade da condutora do veículo ... ...-6...-...0 na produção do sinistro.
10.-A R. indemnizou o A. pela perda total do seu veículo, pelo valor de 12.690,00€ (doze mil seiscentos e noventa euros), no dia 29 de agosto de 2013.
11.-O A. esteve privado de utilizar o seu veículo desde a data do acidente.
12.-O A. necessitava do seu veículo diariamente, para as suas deslocações pessoais e familiares.
13.-O A. necessitou, por isso, de recorrer a outras soluções para fazer tais deslocações diárias, como fazer várias viagens com o veículo comercial, de dois lugares, que possuía, para transportar os elementos do seu agregado familiar.
14.-Em consequência do acidente, o A. sofreu lesões corporais ao nível do ombro direito e coluna.
15.-A 03.01.2014 o ora A. suportou o pagamento de 300,00 euros pela “prestação de serviço médico”.
16.-O A. sofreu incapacidade temporária absoluta para o desempenho da atividade profissional (Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total) no período compreendido entre 25.06.2013 a 17.09.2013.
17.-Após ter sido observado em 17.09.2013, pelos serviços clínicos da R. em avaliação de dano corporal, foi reconhecido pela mesma ser o A. portador de uma I.P.P. de 6 pontos e quantum doloris de 3/7.
18.-O A. ficou com ligeira limitação funcional dolorosa no ombro direito.
19.-Em resultado das lesões provocadas pelo acidente, o A. sofreu um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 7 pontos; tendo padecido de dores, num Quantum Doloris de 4/7; e no desempenho da sua atividade profissional (mecânico de automóveis) vê-se obrigado a efetuar esforços acrescidos, em particular quando lhe são exigidos esforços mantidos nos quais esteja envolvido o ombro direito, a carecer com permanência de ajuda medicamentosa do tipo analgésico sempre que necessário.
20.-No sinistro ficaram danificados os óculos que o A. trazia no valor de €772,90.
21.-O valor diário do aluguer de um veículo com as características do veículo ligeiro de passageiros da marca BMW, com matricula 0...-... ...-...9 acima referido ascende a 100, 00 a 150, 00 euros diários.
22. Paulo ... ... ... é o único sócio e gerente da firma “Auto Paulo ... ..., Unipessoal, Lda.”, sociedade comercial cuja constituição se mostra inscrita na Conservatória do Registo Comercial conforme Ap. 21/20130108.
23.-Relativamente ao ano de 2013, o A. declarou, em sede de IRS, quanto a rendimentos do trabalho dependente, 3.799,17 euros.

Tudo visto, cumpre apreciar.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Fixada que está a responsabilidade do segurado da R. pela ocorrência do sinistro que obriga ao pagamento de indemnização e delimitado que se mostra o objeto do recurso às questões do “dano biológico” e “privação do uso do veículo”, importará apreciar de forma discriminada as duas situações que motivaram a pretensão da recorrente.

a)– Da indemnização devida pelo dano biológico:
O A. havia formulado, sob a alínea d) da petição inicial, o pedido de condenação da R. no pagamento de €30.862,63 a título de indemnização pelo “dano corporal sofrido e perdas salariais”.
O A. pretendeu conformar a sua pretensão indemnizatória nos termos estipulados no Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto e na Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio (vide: Artigo 32º da petição inicial), sendo que quanto ao “dano corporal” sofrido discriminou o “dano biológico”, o quantum doloris” e o “desempenho da atividade profissional (mecânico de automóveis), com esforços acrescidos”.

A quantia peticionada de €30.862,63, relativa a “dano corporal” mostrava-se então discriminada pelo A. nas seguintes verbas:
1.º– Dano Biológico: €13.500,00 (12 pontos)
2.º– Perdas Salariais: €1.562,63 (retribuição base: 485,00 x 14 meses x 84 dias).
3.º– Quantum Doloris: €800,00 (4 pontos)
4.º– Repercussão na Vida Laboral: €15.000,00 (v.g. artigo 33º da petição inicial).

A matéria de facto relevante à apreciação dessa pretensão indemnizatória é a seguinte:
«14.-Em consequência do acidente, o Autor sofreu lesões corporais ao nível do ombro direito e coluna. (…)
«16.-O Autor sofreu incapacidade temporária absoluta para o desempenho da atividade profissional (Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total) no período compreendido entre 25.06.2013 a 17.09.2013.
«17.-Após ter sido observado em 17.09.2013, pelos serviços clínicos da Ré em avaliação de dano corporal, foi reconhecido pela mesma ser o A. portador de uma I.P.P. de 6 pontos e quantum doloris de 3/7.
«18.-O Autor ficou com ligeira limitação funcional dolorosa no ombro direito.
«19.-Em resultado das lesões provocadas pelo acidente, o Autor sofreu um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 7 pontos; tendo padecido de dores, num Quantum Doloris de 4/7; e no desempenho da sua atividade profissional (mecânico de automóveis) vê-se obrigado a efetuar esforços acrescidos, em particular quando lhe são exigidos esforços mantidos nos quais esteja envolvido o ombro direito, a carecer com permanência de ajuda medicamentosa do tipo analgésico sempre que necessário. (…)
«22.-Paulo ... ... ... é o único sócio e gerente da firma “Auto Paulo ... ..., Unipessoal, Lda.”, sociedade comercial cuja constituição se mostra inscrita na Conservatória do Registo Comercial conforme Ap. 21/20130108.
«23.-Relativamente ao ano de 2013, o Autor declarou, em sede de IRS, quanto a rendimentos do trabalho dependente, 3.799,17 Euros.»
Com base nesta factualidade, a sentença recorrida apreciou os “danos corporais” no conjunto, sob a categoria indiferenciada de “danos biológicos”, decidindo a final fixar uma indemnização pela “incapacidade permanente parcial” do A. no montante de €20.000,00.»
A sentença em apreço encontra-se extensamente fundamentada e recorreu ao método comparativo com outras decisões semelhantes de tribunais superiores para a fixação do valor da indemnização com recurso à equidade.
A R., sem pôr em causa a verificação do dano e que o mesmo deve ser objeto de reparação por via indemnizatória, entende que a compensação fixada pelo tribunal a quo é excessiva, não devendo ser superior a €10.000,00. Até porque num caso semelhante o Supremo Tribunal de Justiça fixou exatamente esse valor (v.g. Acórdão do STJ de 06.10.2016, disponível em www.dgsi.pt).
Não é original a abordagem da questão pelo método comparativo.

Salazar Casa Nova, num texto publicado pelo CEJ no quadro do Curso de Especialização sobre “Temas de Direito Civil” em 2013, também fez esse exercício e chegou então aos seguintes resultados de indemnizações por danos de incapacidade profissional, sem perda de capacidade de ganho, mas em que havia maior penosidade:
– Ac. S.T.J. de 19/1/2012 (relator Silva Gonçalves - Revista n.º 275/07.4TBMGL.C1.S1 - 7ª Secção) – para uma incapacidade de 10%, sinistrado com 34 anos, rendimento de €1.155,00, indemnização de €40.000,00;
– Ac. S.T.J. de 26/1/2012 (relator João Bernardo - Revista n.º 220/2001.L1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 40%, sinistrado com 28 anos, rendimento de €6.181,70 ao ano, indemnização de €80.000,00;
– Ac. S.T.J. de 31/1/2012 (relator Nuno Cameira - Revista n.º 3177/07.0TBBRG.G1.S1 – 6ª Secção) para uma incapacidade de 15%, sinistrado com 52 anos, rendimento à peça de €5,2 por toalha, produzindo 5 toalhas dia, indemnização de €14.000,00;
– Ac. S.T.J. de 1/3/2012 (relator Bettencourt Faria - Revista n.º 939/05.7TBPVZ.P1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 15%, sinistrado com 24 anos, rendimento de €16.500,00 ao ano, indemnização de €82.000,00;
– Ac. S.T.J. de 6/3/2012 (relator Fonseca Ramos - Revista n.º 7140/03.2TVLSB.L1.S1 – 6ª Secção) para uma incapacidade de 5%, sinistrado com 20 anos, rendimento de €5.935,00 ao ano, indemnização de €70.000,00;
– Ac. S.T.J. de 15/5/2012 (relator Fonseca Ramos - Revista n.º 485/08.7TJVNF.P1.S1 – 6ª Secção) para uma incapacidade de 3%, sinistrado com 24 anos, rendimento de €7.000,00 ao ano, indemnização de €15.000,00;
– Ac. S.T.J. de 24/5/2012 (relator Tavares Paiva - Revista n.º 73/07.6TBCHV.P1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 15%, sinistrado com 42 anos, rendimento de €7.805,00 ao ano, indemnização de €20.000,00; e
– Ac. S.T.J. de 12/6/2012 (relator Fonseca Ramos - Revista n.º 4964/07.8TVLSB.L1.S1 – 6ª Secção) para uma incapacidade de 10%, sinistrado com 41 anos, indemnização de €60.000,00.
Atualizando um pouco os dados desse estudo, poderemos agora aditar alguns dos acórdãos mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma matéria:
– Ac. S.T.J. de 6/7/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira - Revista n.º 344/12.9TBBAO.P1.S1 – 7ª Secção) para uma incapacidade de 87%, sinistrado com 44 anos, indemnização de €150.000,00.
– Ac. S.T.J. de 25/5/2017 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 25%, sinistrado com 41 anos, indemnização de €170.000,00.
– Ac. S.T.J. de 16/3/2017 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 294/07.8TBPCV.C1.S1 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 41%, sinistrado com 19 anos, indemnização de €250.000,00.
– Ac. S.T.J. de 15/2/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira - Revista n.º 118/13.0TBSTR.E1.S1 – 7ª Secção) para uma incapacidade de 27%, sinistrado com 21 anos, desempregado, indemnização de €108.000,00.
– Ac. S.T.J. de 12/1/2017 (relatora Maria dos Prazeres Beleza - Revista n.º 3.323/13.5TJVNF.G1.S1 – 7ª Secção) para uma incapacidade de 10%, sinistrado com 60 anos, que teve de passar à reforma, indemnização de €20.000,00.
– Ac. S.T.J. de 14/12/2016 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 37/13.0TBMTR – 2ª Secção) para uma incapacidade de 11%, sinistrado com 43 anos, indemnização de €22.000,00, mas poderia ir aos €33.000,00 se o sinistrado tivesse recorrido.
– Ac. S.T.J. de 3/11/2016 (relator Lopes do Rego - Revista n.º 1.971/12.0BLLE.E1.S1 – 7ª Secção) para um défice funcional de 4%, sinistrado com 32 anos, indemnização de €25.000,00.
– Ac. S.T.J. de 16/6/2016 (relator Tomé Gomes - Revista n.º 1.364/06.8TBBCL.G1.S2 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 6%, sinistrado com 40 anos, indemnização de €25.000,00.
– Ac. S.T.J. de 7/6/2016 (relatora Maria da Graça Trigo - Revista n.º 237/13.2TCGVR.G1.S4 – 2ª Secção) para uma incapacidade de 8%, sinistrado com 22 anos, apenas licenciado, indemnização de €25.000,00 (todos os acórdão mencionados estão disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jstj).
Temos também o acórdão mencionado pelo recorrente, nas suas alegações de recurso, que fixou a indemnização pelo dano biológico em €10.000,00.
A abordagem da questão pelo método comparativo é particularmente interessante, embora possa conduzir à ponderação de resultados muito díspares, considerando as especificidades de cada caso concreto.
Dito isto, a questão em apreço resume-se ao valor da indemnização que se deve julgar adequada ao dano concretamente dado por provado.
Temos de realçar que a decisão recorrida acabou por tratar de forma indistinta o “dano corporal” e as “perdas salariais”, referindo ... de princípio que se dispensou de «escalpelizar os entendimentos existentes sobre a matéria (para uns, serão danos de natureza patrimonial; para outros, um tertium genus relativamente aos danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial; para outros, ainda, tratam-se de danos que podem ser ressarcidos nestas duas vertentes)».
Ainda assim, com a aprovação da Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, entretanto atualizada pela Portaria n.º 679/2009 de 25/6, veio a distinguir o “dano patrimonial futuro” em casos de dano corporal (Art. 3.º n.º 1 al. a) da mencionada Portaria) da compensação devida por violação do direito à integridade física e psíquica, de que resulte ou não perda de capacidade de ganho, identificada aí como “dano biológico” (Art. 3º al. b) da mesma Portaria).
Por outro lado, também temos de realçar que essa Portaria fixou critérios distintos para a determinação da indemnização por “danos morais complementares” (Art. 4º e anexo I), por “danos patrimoniais futuros” (Art. 7.º e anexo III) e, finalmente, para o “dano biológico” (Art. 8º e anexo IV). Sendo assim evidente que o primeiro e o último são tratados como “danos não patrimoniais” e o segundo como “dano patrimonial”.
O dano patrimonial consiste na afetação de vantagens suscetíveis de avaliação pecuniária e a sua indemnização, por regra, calcula-se pela fórmula da diferença, prevista no Art. 566º n.º 2 do C.C., comparando a situação patrimonial do lesado com a sua situação patrimonial hipotética, na data mais recente que puder ser atendida. Já o dano não patrimonial é definido pela negativa, como afetação de vantagens insuscetíveis de avaliação pecuniária, ou seja vantagens de ordem espiritual, ideal ou moral, que apenas podem ser objeto duma compensação e não duma indemnização por equivalente (vide, a propósito: Maria da Graça Trigo in “Responsabilidade Civil – Temas Especiais”, pág. 72).
Ora, o “dano biológico” tanto pode afetar vantagens suscetíveis de avaliação pecuniária, nomeadamente quando em causa esteja a afetação da capacidade de ganho futura, como vantagens insuscetíveis de avaliação pecuniária, como sejam o dano estético, dano psíquico, dano sexual, dano à capacidade laboral genérico ou qualquer outra repercussão relevante no corpo do lesado ou no seu estado de saúde físico e psicológico.
Deste modo, o “dano biológico” ou “dano corporal”, tomado em si mesmo, é conceptualmente transversal a várias realidades, nomeadamente no que se refere à classificação dicotómica entre “danos patrimoniais” e “não patrimoniais”.
No entanto, o legislador veio a assumir a relevância jurídica desse dano, para efeitos de apresentação por seguradoras aos lesados de proposta razoável para indemnização por acidente de viação, não pela sua natureza própria, mas sim pelas consequências típicas que tem na esfera jurídica do lesado (v.g. Art. 1.º n.º 1 da Portaria n.º 377/2008 de 26/5).
Nesse pressuposto, se quisermos ter um referencial objetivo certo, não podermos deixar de considerar os resultados que decorreriam da aplicação direta dos critérios legais fixados nessas Portarias de 2008 e 2009, o que nos obrigada a um esforço de discriminação dos efeitos patrimoniais e não patrimoniais do dano biológico, dado que os mesmos ficam aí sujeitos a critérios de cálculo próprios e diferenciados.
Para esse efeito, temos de ponderar que, de acordo com o que fundamentalmente foi apurado pelo INML (cfr. fls 92 a 94, 122 a 125, 144, 149 a 151, 160 a 163 e 175 a 178), o lesado tinha 43 anos à data do sinistro (vide também doc. de fls. 56) e sofreu em consequência do acidente um “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica” de 7 pontos. O que não impede o seu exercício profissional habitual, como mecânico de automóveis, mas exige um esforço acrescido, atenuado com ajuda medicamentosa.
Por outro lado, foi apurado igualmente que o A. apenas declarou no ano de 2013, para efeitos de IRS, um rendimento anual de trabalho dependente no montante de €3.799,17. No entanto, o Art. 6º n.º 3 da Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, quando prevê a proposta razoável para danos patrimoniais futuros em caso de morte, obriga a considerarmos apenas a “retribuição mínima mensal garantida” à data da ocorrência que obriga ao pagamento da indemnização.
Julgamos nós que não faz qualquer sentido restringir essa previsão ao caso específico do decesso do sinistrado, porque não se justifica a diferença. Pelo que, a remuneração de referência a considerar seria a de €485,00 mensais, por força do Decreto-Lei n.º 143/2010 de 31/10.
Não resulta dos autos que tivesse ocorrido qualquer diminuição efetiva no rendimento proveniente do seu trabalho por força défice funcional permanente de que o A. passou a padecer em consequência do acidente dos autos. Ainda assim, este facto não é motivo suficiente para afastar o direito à indemnização pelo dano patrimonial futuro considerado, porque o A. ficou afetado de forma efetiva e objetiva na sua capacidade de trabalho por um défice funcional permanente, que irá para sempre condicionar a sua vida profissional e as suas opções de trabalho no futuro, devendo toda a incapacidade funcional parcial permanente provocada por facto ilícito culposo ser sempre objeto de indemnização independentemente de haver ou não uma redução no salário auferido de facto pelo lesado (Neste sentido, entre muitos outros: Ac. S.T.J. de 7/6/2011 – Relator Granja da Fonseca; Ac S.T.J de 11/12/2012 – Relatora Isabel Pais Martins; e Ac. R.L. de 28/6/2012 – Relator Pedro Martins; disponíveis em www.dgsi.pt).
A indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente de “Défice Funcional Parcial Permanente da Integridade Físico-Psíquica” do lesado deve ter por referencial os mesmos critérios que são estabelecidos para os casos de incapacidade permanente absoluta, mas com as devidas adaptações.
Em termos gerais e muito lineares, poderia dizer-se que o dano patrimonial futuro relativo à potencial perda de ganho poderia ser obtido pelo produto do rendimento anual do lesado, pela sua incapacidade permanente e pelo número de anos de vida ativa provável. No entanto, este critério de cálculo não é seguido por ninguém, porque na maior parte dos casos determina a fixação de indemnizações injustas pelo dano patrimonial futuro considerado.
Evidentemente que o modelo mais adequado à reparação deste tipo de dano, nomeadamente quando há perda efetiva de rendimento, até seria a fixação duma indemnização sob a forma de renda. No entanto, o tribunal só pode fixar uma indemnização em renda se o lesado assim o requerer, conforme dispõe o Art. 567º n.º 1 do C.C. e, no caso, o A. quer receber a sua indemnização por danos patrimoniais futuros duma só vez, e pode legitimamente peticioná-lo.
A jurisprudência anterior à entrada em vigor das Portarias aprovadas na sequência da nova Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Dec.Lei n.º 291/2007 de 21/8), vinha a defender critérios diversos quanto à fixação do quantitativo indemnizatório por danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de vencimento até ao fim da vida ativa de um trabalhador.
É assim que se começou por se entender que, em vez do lesado receber o valor das prestações vencidas e vincendas que deixou de auferir, deveria antes receber um valor monetário que pudesse ser rentabilizado por aplicação financeira a que correspondesse um rendimento suscetível de suprir a perda do salário verificada.
Para concretizar semelhante desiderato estabelecia-se um raciocínio económico segundo o qual determinado capital, aplicado em depósito à ordem, poderia vencer determinado juro anual que corresponderia ao valor do vencimento pedido.
No caso dos autos teríamos de considerar que o A. perderia potencialmente um rendimento anual de €475.30 (€485,00 x 14 meses x 0,07 relativo ao “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica” fixado pelo INML). Considerando que um depósito a prazo, em qualquer instituição bancária nacional, dá hoje, em média, cerca de 1% líquidos de rendimento de juro ao ano, teríamos que o capital necessário para obter o rendimento perdido seria de €475,30 : 0,01 = €47.530,00.
Ou seja, com €47.530,00 aplicados numa conta a prazo, o A. conseguiria receber, com juros à taxa de 1%, os €475,30 que fracionadamente lhe eram devidos todos os anos, como compensação pela perda do seu rendimento.
No entanto, decorridos que fossem anos que lhe restassem da sua vida laboral ativa, o A. passava a ter direito à sua reforma e, portanto, como qualquer outro cidadão, incapacitado ou não para o exercício duma profissão, deixaria de receber o seu vencimento normal decorrente do trabalho.
Assim sendo, nunca a indemnização devida ao A. poderia corresponder aos mencionados €47.530,00, pois uma vez iniciada a sua vida de aposentado, estaria a receber do Estado a pensão a que tinha legitimamente direito, ficando além disso enriquecido na sua conta bancária, e de forma completamente injustificada, pelo mencionado valor de capital, o qual, ainda por cima, continuaria a render igual juro anual para lá da idade da reforma.
Foi tendo isto em consideração que se começaram a pensar em estabelecer fórmulas de cálculo que permitissem soluções que expurgassem a possibilidade desse tipo de enriquecimento ilegítimo, nomeadamente que permitissem que o capital da indemnização devida fosse objeto duma espécie de amortização ao longo do tempo da vida ativa do lesado, por forma a que o mesmo cumprisse a sua função de compensação do rendimento perdido, mas se esgotasse no fim do período ativo considerado.
É neste contexto que o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. S.T.J. de 2/2/1993 in C.J.S.T.J.-I, pág. 131 e de 5/4/1994 in C.J.S.T.J.-II, pág. 86) veio a propor a seguinte fórmula matemática:
C = P x [ 1 / i – 1 + i / (1 + i)  N x i ] + P x ( 1 + i ) – N.
Sendo que “C” corresponderia ao total do capital a depositar no ano; “P” era a prestação correspondente ao valor a pagar anualmente ao lesado; “i” a taxa de juro a considerar (que inicialmente andava pelos 9% – vide: Ac. S.T.J. de 2/2/1993 in C.J.S.T.J.-I, pág. 131 supra citado – e depois foi sendo sucessivamente reduzida – por exemplo, no Ac. S.T.J. de 25/6/2002, in C.J.S.T.J.-II, pág. 128, já foi apenas considerada uma taxa de 3 %); e “N” o número de anos por que as prestações se manteriam, ou seja desde a idade atual até à idade legal da reforma.
No caso concreto, em face das premissas próprias do direito invocado pelo A., adaptado ao tempo em que essa fórmula matemática era aplicada, a “P” deveria corresponder ao valor médio anual de €3.799,17. O “i”, corresponderia à taxa de juros duma aplicação financeira segura, devendo nos dias de hoje ser considerar na ordem de 1%. E “N” seria igual a 25 anos, correspondente à vida ativa estimada até à idade legal de reforma, determinada em função dos critérios atualmente em vigor.
Entretanto, a Portaria n.º 377/2008 de 26/5 veio a propor uma fórmula matemática própria, com o mesmo tipo de pressupostos, mas um pouco mais completa em função dos fatores que pondera:
DPF = {[(1-((1+k)/(1+r))^n)/(r-k)]} x p.
Neste caso “p” era o valor das prestações anuais (que em princípio apenas deveriam ser apuradas em função das declarações de rendimento anual fiscalmente comprovadas, mas que nunca poderiam ser inferiores ao rendimento mínimo mensal garantido (Art. 6º n.º 2 e n.º 3 da Portaria n.º 377/2008 de 26/5); “r” a taxa de juros nominal líquida das aplicações financeiras, fixada em 5%; “k” a taxa anual de crescimento fixada em 2%; e “N” o número de anos pelo qual a prestação é devida, presumindo-se que o lesado trabalharia até aos 70 anos (Art. 7.º n.º 1 al. b) da Portaria em menção).
Ao resultado desse cálculo corresponde uma tabela que discrimina os fatores que devem ser considerados, resultando a indemnização a fixar do produto que se obtém do rendimento anual bruto perdido pelo fator indicado para o número de anos de vida ativa a ter em conta.
Assim, no caso concreto, o prazo de vida ativa a ter em conta, em princípio, seria de 27 anos e o fator ponderar o de 18,998466, conforme consta da tabela III anexa à Portaria (atualizada pela Portaria n.º 679/2009 de 25/6). Pelo que, o valor da indemnização em função dos critérios estabelecidos na Portaria n.º 377/2008 de 26/5 seria o seguinte: €475,30 (correspondente ao rendimento anual parcial bruto potencial perdido calculado do seguinte modo: €485,00 x 14 x 0,07 de “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica”) x 18,998466 = €9.024,71.
Sem prejuízo, os critérios matemáticos nunca foram tidos como critérios definitivos, mas meramente como elementos informadores ou adjuvantes da quantificação a fazer, sendo os seus resultados sempre corrigidos de forma equitativa (vide, a propósito, entre muitos outros: Ac.s S.T.J. de 6/7/2000 in C.J.S.T.J.-II, pág. 145 e de 25/6/2002 in C.J.S.T.J.-II, pág. 128; Ac. R.C. de 21/2/1985 in C.J.-I, pág. 69; e Ac. R.P. de 13/4/1989 in C.J.-II, pág. 221 – e já relativamente à nova Portaria n.º 377/2008, entre outros: Ac. S.T.J. de 7/6/2011, Proc. n.º 160/2002 – relator Granja da Fonseca; Ac. S.T.J. de 17/5/2011, Proc. n.º 7449/05.0TBVFR – relator Gregório Silva Jesus; Ac. S.T.J. de 27/10/2010, Proc. n.º 488/07.9GBLSA - relator Armindo Monteiro, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).
Ainda neste contexto surgiram também outros esforços de simplificação dos critérios indemnizatórios que mereceram adesão na jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim, seguindo de perto a sua exposição do Sr. Dr. Juiz Conselheiro Sousa Dinis (in “Avaliação e Reparação do Dano Patrimonial e Não patrimonial no Domínio do Direito Civil”, disponível no site do CEJ; atualizando o texto: “Dano Corporal em Acidente de Viação” publicado na C.J.S.T.J., ano IX, Tomo I, 2001, págs. 5 e ss.) poderíamos também partir do valor de €475,30, correspondente ao rendimento bruto potencial perdido, decorrente da incapacidade parcial permanente. Ponderaríamos a repercussão desse valor em função da esperança de vida útil laboral do lesado, que seria de 27 anos (€475,30 x 27 = €12.833,10), fazendo depois um desconto relativo à antecipação no tempo do pagamento da indemnização.
A esse rendimento bruto perdido haveria que descontar em média entre 1/3 e 1/4, para evitar o enriquecimento injusto que resultaria do facto do lesado receber duma só vez o valor da indemnização.
No caso concreto, porque o acidente ocorreu no meio da vida laboral ativa do A., o fator de ponderação deveria ficar sensivelmente a meio entre o 1/3 e 1/4.
Deste modo, chegaríamos ao seguinte resultado:
475,30 : 3 = 158,43.
475,30 : 4 = 118,83.
(158,43 + 118,83) : 2 = 138,63.
12.833,10 – 138,63 = €12.694,47.
Constata-se que este valor é ligeiramente mais elevado que o resultante da Portaria n.º 377/2008 de 26/5.
Comparando todos estes resultados, evidencia-se a maior justeza da fixação da indemnização em causa em função do último critério de cálculo considerado, sem prejuízo do arredondamento do resultado obtido, considerando-se adequado fixar equitativamente a indemnização pelo dano patrimonial futuro em causa por €13.000,00.
Mas para além do dano patrimonial futuro, o A. peticionou e logrou provar danos morais complementares relativos a quantum doloris e esforço acrescido no desempenho da atividade profissional decorrente de incapacidade permanente (Art. 4º al.s c) e e) da Portaria n.º 377/2008 de 26/5) e danos biológicos de natureza não patrimonial relativos à ofensa da integridade física (Art. 3.º al. b) e Art. 8.º da mesma Portaria).
Quanto ao “quantum doloris” foi fixado em 4 pontos numa escala de 7. O que, nos termos da tabela I anexa, atualizada pela Portaria n.º 679/2009 de 25/6, corresponderia a uma compensação de €820,80.
Já relativamente à repercussão da incapacidade na vida laboral não foi provado que tal se verifique efetivamente, o que afasta a aplicação dos critérios de cálculo da Portaria n.º 679/2009 de 25/6 nesse particular. Muito embora o INML tenha reportado o facto das sequelas implicarem maior esforço, que apenas é suprido pela toma de analgésicos. O que não pode deixa de ser relevado para efeitos da consideração do dano não patrimonial (Art. 496º n.º 1 do C.C.).
Por outro lado, quanto ao “dano biológico”, tendo em atenção a tabela IV atualizada pela Portaria n.º 679/2009 de 25/6, a indemnização razoável aí proposta deveria ser fixada entre €800,28 e €990,09.
O que significa que a aplicação das Portarias em causa justificaria uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de danos corporais que poderia atingir os €1.810,89.
Como já referido, os danos de natureza não patrimonial caracterizam-se pelo facto de não serem suscetíveis de avaliação pecuniária. Assim, o lesado apenas pode ser compensado pelo estabelecimento duma obrigação pecuniária imposta ao lesante, que corresponde mais uma satisfação do que propriamente uma indemnização em sentido próprio (Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, 5.ª Ed., Vol. I, pág. 561).
Nos termos do Art. 496º n.º 1 do C.C. na fixação dessa indemnização deve atender-se somente aos danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que para efeitos da fixação do montante da indemnização, o Art. 496º n.º 3 do C.C. estabelece que se deve atender à equidade, ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias que o justifiquem.
Os danos não patrimoniais dados por provados referem-se a lesões físicas consequentes ao acidente, realçando-se que o A. sofreu incapacidade temporária absoluta para o desempenho da atividade profissional que se prolongou por quase 3 meses (entre 25.06.2013 e 17.09.2013), tendo ficado com ligeira limitação funcional dolorosa no ombro direito, que determinaram um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica que foi quantificada em 7 pontos, numa escala de 100, tendo igualmente padecido de dores, num Quantum Doloris fixado em 4 pontos numa escala de 7, vendo-se obrigado a efetuar esforços acrescidos no desempenho da sua atividade profissional de mecânico de automóveis, em particular quando lhe são exigidos esforços nos quais esteja envolvido o ombro direito, a carecer com permanência de ajuda medicamentosa do tipo analgésico e sempre que necessário.
Estes danos merecem evidentemente tutela do direito, sendo que os valores de referência mencionados na Portaria n.º 377/2008, atualizados pela Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho, não se traduziriam numa compensação justa por todos os danos de natureza não patrimonial efetivamente verificados.
Desde ..., temos de realçar que as tabelas aprovadas pelas Portarias consideradas não esgotam sequer o naipe dos danos não patrimoniais suscetíveis de reparação, sendo que a matéria de facto provada retrata uma situação que importará valorar na indemnização a fixar.
Essencialmente há que relevar a repercussão concreta que as lesões e sequelas verificadas tiveram na vida pessoal do A. e na sua atividade profissional, muito particularmente durante o longo período de cura, que se prolongou por quase 3 meses.
Para além desse período inicial, o A. ficou com sequelas que irão permanecer no futuro, são limitativas e importam controlo medicamentoso.
Julgamos assim ser mais adequada uma indemnização por estes danos não patrimoniais pelo valor de €3.000,00.
Deste modo, porque a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o dano que obriga à reparação (Art. 562º do C.C.), computamos o valor da indemnização devida ao A. decorrente dos “danos corporais” em €16.000,00, sendo €13.000,00 por danos patrimoniais futuros e €3.000,00 por danos não patrimoniais. Procedendo assim em parte a apelação.

B)– Do dano relativo à privação de uso do veículo:
O A. peticionou igualmente uma indemnização de €7.397,00, a título de indemnização por privação do uso de veículo, desde a data do sinistro até à data de pagamento da perda total do veículo.
Estabeleceu como parâmetros dessa indemnização na circunstância de ter sido privado do veículo desde a data do sinistro (25/06/2013) até ao pagamento da indemnização pela perda total (29/08/2013), tendo por referência o valor diário de €113,80 de custo médio pelo aluguer de um veículo com as mesmas características (v.g. artigos 18º e 19º da petição inicial).

A matéria de facto relevante ao conhecimento desta pretensão é a seguinte:
«9.- A R., após realização da peritagem aos danos do veículo, considerou o mesmo como “perda total” tendo assumido a responsabilidade da condutora do veículo ... ...-6...-...0 na produção do sinistro.
«10.- A R. indemnizou o A. pela perda total do seu veículo, pelo valor de 12.690,00€ (doze mil seiscentos e noventa euros), no dia 29 de agosto de 2013.
«11.- O A. esteve privado de utilizar o seu veículo desde a data do acidente.
«12.- O A. necessitava do seu veículo diariamente, para as suas deslocações pessoais e familiares.
«13.- O A. necessitou, por isso, de recorrer a outras soluções para fazer tais deslocações diárias, como fazer várias viagens com o veículo comercial, de dois lugares, que possuía, para transportar os elementos do seu agregado familiar. (…)
«21.- O valor diário do aluguer de um veículo com as características do veículo ligeiro de passageiros da marca BMW, com matricula 0...-... ...-...9 acima referido ascende a 100, 00 a 150, 00 euros diários.»
A decisão recorrida refletiu as seguintes considerações sobre a matéria:
« (…) a jurisprudência nacional foi refletindo essencialmente as seguintes soluções:
«- a privação é suscetível de acarretar dano de natureza não patrimonial devendo o ressarcimento ser inserido nesse quadro normativo;
«- exigência de efetiva prova da existência de prejuízos de ordem patrimonial negando-se o direito à indemnização face à simples prova da não utilização do bem;
«- reconhecimento do direito de indemnização com fundamento na simples privação do uso normal do bem - cfr., por mais antigo, o Ac. STJ, de 9-5-1996, in BMJ 457º, p. 325 - apesar de não se provarem fatos relativamente às perdas concretamente verificadas em consequência do não uso.
«Julgamos que se foi tornando dominante, na doutrina e jurisprudência, esta última posição. No nosso sistema de responsabilidade civil extracontratual, perante a situação de privação de uso de um bem, não sendo viável a reconstituição natural, verifica-se que o lesado ficou privado das utilidades que o referido bem poderia proporcionar.
“Por isso, pressupondo que a privação do uso do veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado e que, em regra, será causa de um prejuízo material, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, de acordo com a gravidade das repercussões negativas e o destino que, em concreto, era dado ao bem.
«Essa compensação pode variar de acordo com o circunstancialismo presente em cada caso, designadamente, tendo em consideração a disponibilidade de outro veículo com idêntica função ou o grau de utilização que efetivamente lhe seria dado durante o período da privação. Mas, em princípio, a privação deverá ser compensada com a atribuição de um quantitativo correspondente ao desvalor emergente da ação.
«Defendendo, assim, uma solução que realce a verificação de uma situação patrimonial menos valiosa do que a que existiria se não fosse a privação, fica aberta a possibilidade de proceder ao apuramento do seu quantitativo, em última análise, seguindo as regras da equidade propiciadoras de uma solução justa.
«Naturalmente, é inatingível a determinação com rigor matemático do valor dos prejuízos, nem tal se pede ao Tribunal quando, nestes e noutros casos, tem de se pronunciar (…) deve, então, orientar-se pelos traços largos da equidade, ponderando as circunstâncias que o processo ou as regras da experiência revelem (…) tomando, por exemplo, como ponto de referência a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes” - cfr. António Santos Abrantes Geraldes in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, Almedina, p. 50 e ss.
«Veja-se, ainda, a título de exemplo significativo, o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8-5-2013, disponível em http://dgsi.pt do qual se extrai o seguinte trecho: “Entende-se que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde ..., por impedir o proprietário” (…) “de exercer os poderes correspondentes ao seu direito (assim, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 5 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc., nº 07B1849, ou de 10 de Setembro de 2009, já citado); e que o cálculo da correspondente indemnização, tal como se decidiu no acórdão recorrido, há-de ser efetuado com base na equidade, por não ser possível avaliar o valor exacto dos danos (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).
«Mais recente, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-3-2016, acessível no mesmo lugar, com o seguinte teor: “A utilização dos bens faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem sendo que a simples possibilidade de utilização ou de não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afetada, deve ser ressarcida. Dessa forma, haverá lugar à fixação de indemnização por privação de uso de veículo mesmo sem a prova de quaisquer perdas concretas, pois que o que está em causa no âmbito deste dano é a própria indisponibilidade da viatura.
«Nas situações em que não seja possível determinar o montante exato dos prejuízos, o tribunal deve socorrer-se de um juízo de equidade e fixar tal montante dentro dos limites que tiver por provados.»
«Já no Acórdão da Relação do Porto de 8-10-2015, acessível no mesmo lugar, se decidiu sobre o assunto: “Salvo se se provar o contrário, a falta por um certo período de tempo de um veículo que se adquiriu para usar e se estava a usar, traduz-se num dano de privação do seu uso, que deve ser reparado pelas seguradoras com a colocação à disposição do lesado de um veículo de substituição (de características semelhantes) ou, caso essa obrigação não seja cumprida, pela atribuição, pelo menos tendencialmente, de um valor que parta do custo de aluguer diário desse veículo.”.
«Por sua vez, em Acórdão da Relação de Coimbra, de 6-3-2012, acessível no mesmo lugar, se decidiu: “Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstrato da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade.
«Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
«A quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfazia as necessidades básicas de deslocação do lesado e de um seu irmão que também o utilizava por empréstimo.»
«Já no Acórdão da Relação de Lisboa de 13-10.2016, disponível no mesmo lugar, se decidiu: “ Provando-se que o automóvel em causa não era uma viatura de “fim-de-semana”, usando-a a A., nomeadamente, em deslocações de trabalho, e emprestando-a à filha; provando-se que, tendo a seguradora manifestado a sua recusa em assumir o encargo de reparação da viatura em janeiro de 2014, a A. ... demandou judicialmente a R. em abril de 2014, reclamando o pagamento da reparação e indemnização pela imobilização do veículo; provando-se que o preço da reparação da viatura era avultado (€6.889,74 euros) e não se provando que a A. era pessoa de recursos económicos folgados, que lhe permitissem, sem sacrifício relevante, adiantar o preço da reparação; julga-se adequado, tomando em consideração os valores praticados pela jurisprudência, o valor diário fixado pelo tribunal de primeira instância e peticionado pela A., de €20,00 diários por cada dia de privação da viatura.”
«Com muito interesse, anotámos, ainda, o teor do Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 7-5-2015, relatado pelo Desembargador António Martins, também, acessível em http://dgsi.pt, com o seguinte teor: “Julgar equitativamente não pode aqui implicar, sem mais, que o tribunal julgue tendo por base o custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, porquanto isso seria pressupor que o requerente teria tido danos emergentes, como se tivesse procedido ao aluguer de uma viatura de idênticas características, o que não foi o caso, além de que no custo de aluguer de uma viatura existem variáveis como a margem de lucro da empresa de aluguer e o IVA suportado, variáveis que não seria equitativo colocar a cargo da requerida, como se o requerente as tivesse suportado.
«Naquele juízo equitativo importa ponderar o valor médio do aluguer de uma viatura, como um referencial máximo, por corresponder ao valor que, em termos correntes, alguém teria que despender para lograr obter pelo menos o gozo e fruição de uma viatura média e ainda o tipo de utilização que o requerente fazia da viatura (mais ou menos intensa) de utilidade (para fins laborais ou familiares) ou de lazer e o período de privação do uso, aqui se devendo considerar que durante todo este período a seguradora não ressarciu o lesado e que apenas o veio a fazer na sequência de execução instaurada, facto que não deve deixar de se censurar também pela via indemnizatória, pois esta indemnização corresponde ao ressarcimento de um ato ilícito, com base na responsabilidade civil extracontratual.”.
«Ora, como, pelo menos, todos os que usam veículo regularmente, sabem, a privação do uso deste bem causa constrangimentos vários, que não raro, passam, pelo efetivo gasto com outro que supra a falta do danificado, pelas atividades que deixa de se realizar porque não se dispõe de veículo; pelas contrapartidas a terceiros (pecuniárias, ou não) pela disponibilização de um veículo.
«No caso, contamos com a privação de uso pelo tempo decorrido entre a data do acidente - 25 de junho de 2013 - e a data em que a ora Ré entregou ao Autor o valor do salvado (na sequência da perda total do veículo) - 29 de agosto de 2013, num total de 65 (sessenta e cinco) dias.
«Quanto ao mais, apenas se apurou que o Autor necessitava do seu veículo diariamente, para as suas deslocações pessoais e familiares; e que o Autor necessitou, por isso, de recorrer a outras soluções para fazer tais deslocações diárias, como fazer várias viagens com o veículo comercial, de dois lugares, que possuía, para transportar os elementos do seu agregado familiar; e, bem assim, que o valor diário do aluguer de um veículo com as características do veículo ligeiro de passageiros com as características do veículo do Autor, ascende a 100,00 a 150,00 euros diários (valor que, contudo, o Autor não alegou que tivesse suportado; como não alegou ter suportado qualquer outro valor).
«Assim, tendo em conta esta factualidade apurada sobre a matéria; ponderando, além do mais, no valor de combustível suplementar inerente às “duplas” deslocações no veículo “comercial” de dois lugares; e natural transtorno por essa solução; e nos termos do art. 566º, nº 3, do Código Civil, decide fixar-se o montante do dano patrimonial adveniente da privação do uso do veículo em 1.625, 00 euros (considerando um montante diário de 25,00 euros por cada um dos 65 dias de privação do uso).»

A R. apelou deste segmento da decisão por entender com ela não poder concordar, por considerar não ser devida qualquer indemnização por privação do uso do veículo, nomeadamente nos casos de perda total, porquanto a indemnização, nesses casos, deve limitar-se à reconstituição patrimonial do lesado pelo valor do veículo sinistrado, tudo se passando como se tivesse havido uma aquisição do veículo pela seguradora, reportada à data do sinistro.

Mas, subsidiariamente, caso se entendesse o contrário, sempre o dano de privação do uso do veículo teria de corresponder a um dano efetivamente sofrido pelo lesado, não podendo proceder a construção jurídica de acordo com a qual tal dano é considerado um dano moral indemnizável em si mesmo.

Por outro lado, no que tange ao quantum indemnizatório devido pela paralisação do veículo, impondo a lei o recurso à equidade, considera a R., aqui apelante que, caso se entenda dever fixar-se um valor por essa privação de uso, tal valor não deveria ultrapassar os €10,00 por cada dia de privação de uso do veículo.

Quanto a este dano em concreto não podemos deixar de manifestar a nossa concordância absoluta com o que foi exposto na sentença recorrida relativamente a ser devida compensação pela privação do uso do veículo.

O dano pela privação de uso de veículo é um dano autónomo com repercussão na esfera patrimonial do lesado, que pode ser considerado independentemente de haver ou não perda total do veículo, nomeadamente quando se prove que, durante determinado período de tempo, se verificaram situações relevantes de perda efetiva das utilidades próprias desse bem danificado ou sejam demonstradas situações concretas em que se verificou uma falta de disponibilidade da viatura.

Há também quem aceite que essas situações também podem resultar de mera presunção natural de que o seu proprietário usaria normalmente esse veículo (Vide: Ac.s do S.T.J. de 3/5/2011 (relator Nuno Cameira – Revista n.º 2618/06), de 15/11/2011 (relator Moreira Alves – Revista n.º 6472/06) e de 9/3/2010 (relator Alves Velho – Revista n.º 1247/07).

Tomamos aqui a liberdade de citar, a propósito, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2015 (relatora Maria Adelaide Domingos – Revista n.º 5119/12.2TBALM.l1-1), onde se refere:
«I– A indemnização por privação do uso de veículo é um dano indemnizável autonomamente e não depende da prova concreta de gastos acrescidos por parte do lesado, bastando que esteja demonstrada a perda das utilidades que o veículo proporciona.
«II– A respetiva avaliação, se outro critério não puder ser seguido, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, temperado pelas regras da razoabilidade e da experiência.»

Ao contrário do que é sustentado pela apelante, é para nós claro que a disponibilização pela seguradora da indemnização devida pela perda total do veículo não só não compreende em si a reparação do dano de privação de uso do veículo, como não pode ter um “efeito retroativo” relativamente à reparação desse dano específico.

No que se refere à ponderação do montante da indemnização devida por este dano, tem sido recorrente o auxílio ao valor locativo dum veículo de caraterísticas semelhantes como critério valorativo. No entanto, esta solução de recurso tem sido muito criticada (vide, a propósito: Maria Graça Trigo in “Responsabilidade Civil – temas especiais, págs. 63 e ss). De todo o modo, em abono da verdade a decisão recorrida não fez apelo a tal critério indemnizatório.

É aceitável que o valor da indemnização seja feito através da ponderação dum valor económico diário que tenha em conta a utilidade que decorre do uso normal do veículo, fornecendo assim um critério objetivo e sindicável ao exercício pelo julgador da avaliação por equidade desse dano.

Dito isto, a prova feita sobre as desvantagens verificadas na esfera do lesado durante o período relevante de perda de uso do veículo são muito ténues e, em face disso, julgamos que o valor de €25,00 diário, considerado na sentença recorrida, é efetivamente excessivo, devendo antes ser tido em consideração os €10,00 que a R. menciona nas suas alegações de recurso, por se nos afigurar mais adequado à situação concreta.

Em conformidade, o valor da indemnização relativa ao dano da privação de uso do veículo deverá ser igual a €650,00 (€10,00 x 65 dias).

No mais deverá ser mantida a decisão recorrida, nomeadamente quanto ao critério usado para determinação do dies a quo para o cálculo dos juros, que aliás não foi posto em causa nas alegações de recurso.

V– DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando parcialmente a sentença recorrida na parte que condena a R., “Seguros ..., S.A..”, no pagamento ao A., Paulo ... ... ..., de €20.000,00 por danos biológicos ou danos corporais, reduzindo nessa parte à condenação da R. ao pagamento €16.000,00, sendo €13.000,00 por danos patrimoniais futuros e €3.000,00 por danos não patrimoniais.
Mais se julga revogar parcialmente a sentença recorrida na parte que condena a R. ao pagamento ao A. duma indemnização de €1.625,00 pelo dano de privação do uso de veículo, reduzindo nessa parte a condenação da R. ao pagamento de €650,00.
Mantém-se o mais da decisão recorrida.
- Custas por apelante apelado, na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 26 de setembro de 2017


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)                             
(Dina Monteiro)