VÍCIOS DA VONTADE
ERRO
CONTRATO DE PERMUTA
Sumário

I.–No caso de erro sobre o objeto do negócio, incumbe à parte que errou/declarante demonstrar um duplo requisito: (i) que haja essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual o erro incidiu, sendo que o erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objeto ou de outro tipo ou com outra pessoa; (ii) que o declaratário conhecia a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual o erro incidiu ou não deva ignorar que assim era (cognoscibilidade).

II.–Tratando-se de erro na formação da vontade, a cessação do vício dá-se com o conhecimento do erro.

III.–A suppressio obsta à procedência do pedido de anulação de contrato de permuta, com fundamento em erro sobre o objeto do negócio (convicção de que o terreno era urbanizável não o sendo) quando a ação é intentada mais de dezoito anos após a celebração do contrato de permuta.

IV.–Num cenário de anulação de contrato de permuta por erro, a indemnização exigível pela autora é apenas a atinente aos danos emergentes do contrato (despesas tidas com o contrato, com os gastos tornados inúteis.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Quinta da ... – Imóveis e Construções, S.A. intentou a presente ação declarativa, sob a forma ordinária, contra Estado Português e Instituto da Segurança Social [1], IP, pedindo:
i)-Seja declarada a nulidade parcial do contrato de permuta, celebrado em 6 de Dezembro de 1991, entre a Sociedade Autora e o 2º Réu, no que respeita ao prédio permutado a favor da Autora, por impossibilidade legal do objeto, com todas as consequências legais.
Em consequência sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia de € 3.262.736,80 (três milhões duzentos e sessenta e dois mil setecentos e trinta e seis euros e oitenta cêntimos), correspondente ao valor – devidamente atualizado – atribuído ao prédio permutado a favor da Autora, acrescido de juros moratórios à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo pagamento.
Em consequência, determinando-se o cancelamento da inscrição de aquisição a favor da Autora titulada pela Cota G-1, Ap.25/930518.
ii)-A título subsidiário, sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos, a título de lucros cessantes, no montante, devidamente atualizado, de € 8.218.373,34 (oito milhões duzentos e dezoito mil trezentos e setenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), acrescido de juros moratórios à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo pagamento.

Para tanto, alegou ter celebrado uma permuta com o 2º réu nos termos da qual entregava a este o prédio de que era proprietária em Faro e recebia o prédio de que o 2º réu era proprietário em Albufeira e entregava ainda a quantia de 408.091,50 euros, correspondente ao diferencial de valores dos prédios, sendo que tais valores foram determinados em função da avaliação efetuada dos referidos prédios pela extinta Direção Geral do Património do Estado. O valor do prédio que a autora adquiriu na permuta foi determinado pelos réus admitindo uma área de construção de 10.000 m2 e uma área de implantação de 4.000 m2 e pelo valor dos edifícios a construir no terreno.

A concretização do negócio pela autora assentou na viabilidade de construção reconhecida ao prédio, facto que era do inteiro conhecimento do ora 2º réu. A autora com vista ao desenvolvimento de um empreendimento Hotel- Apartamentos requereu, em 13-07-95, a análise do respetivo projeto, o qual foi inviabilizado por questões técnicas relacionadas com a ocupação de áreas de Reserva Ecológica Nacional, com a ocupação turística e, bem assim, a solução urbanística enato prevista naquele.

Em momento posterior a autora submeteu a apreciação Estudo Prévio junto da Direção Geral do Turismo e pediu informação junto da Câmara Municipal de Albufeira sobre a viabilidade de construção de edificação naquele terreno, que entendeu não ser edificável. A autora viu-se impedida de implementar qualquer projeto de construção naquela área do prédio e vedada a possibilidade de auferir proventos inerentes à promoção imobiliária caso tivesse construído o empreendimento, tendo sofrido prejuízos em consequência.

Mais alegou que, à data da permuta, já não era permitida qualquer construção e que tal acarreta a nulidade parcial do negócio porque legalmente impossível o seu objeto negocial, peticionando assim a restituição do valor do prédio. Caso assim não se entenda, tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos advenientes do que deixou de ganhar por causa da privação do direito de construir e consequentemente comercialização do prédio.

Em sede de contestação, o Estado Português impugna os factos alegados pela autora, sustentando que a autora conhecia as condicionantes urbanísticas que abrangiam o prédio em questão. Mais invocou que o exercício do direito de ação pela autora configurava uma clara situação de abuso de direito dado o tempo decorrido entre o momento em que a autora soube da impossibilidade de construção e o momento em que propôs a ação.

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, impugnou os factos alegados pela autora, pugnando pela improcedência do pedido.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido.
*

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«A.–A Recorrente interpõe o presente recurso da Douta sentença proferida nos autos, na qual a Mmª Juiz do Tribunal a quo julgou a ação de processo ordinário nº 1223/10.0TVLSB improcedente, por não provada e, em consequência absolveu os Réus do pedido.
B.–Da referida sentença, vem interpor a presente apelação com impugnação da decisão da matéria de facto com reapreciação da prova gravada, conquanto considera que a factualidade trazida aos autos se afigura incorretamente julgada pelo Douto tribunal, tendo o decidido em primeira instância, com o devido respeito, resultado de uma incorreta valoração da prova produzida e bem assim, do direito aplicável.
C.–No que se refere ao pedido de nulidade do negócio de permuta celebrado com o CRSS de Faro no entender da Recorrente a factualidade apurada nos autos reclama a aplicação do regime da declaração de nulidade do negócio em relação ao prédio adquirido pela Recorrente, nos termos do art. 280.º do Cód. Civil.
D.–Com efeito, entende que o negócio celebrado padece de um vício conducente à sua nulidade parcial que é decorrente da nulidade verificada na avaliação da Direção Geral do Património do Estado que assentou num pressuposto de edificabilidade naquele prédio que do ponto de vista legal não era possível nem real.
E.–No concreto negócio celebrado com o Centro Regional de Segurança Social de Faro (CRSS de Faro) o valor do prédio adquirido pela Recorrente foi determinado pelo avaliador da Direção Geral do Património do Estado, 2ª Ré, de acordo com a concreta capacidade construtiva que à data foi reconhecida ao prédio sito em Albufeira, segundo premissas quanto área de construção e de implantação do terreno. Factos G a O, AA a CC da matéria assente.
F.–O pressuposto de edificabilidade presente na avaliação da DGP e da consequente determinação do valor do prédio do ponto de vista legal não era possível, dada a circunstância de àquela data o prédio estava incluído no regime da Reserva Ecológica Nacional (REN) e em Zona de Conservação da Natureza no PROTAL onde é interdita a construção e, portanto, o terreno não era edificável. Factos P a U, Q a T da matéria assente.
G.–Com o devido respeito, a Douta sentença recorrida violou o regime jurídico consagrado na referida disposição legal.
H.–Quanto à decisão da matéria de facto, cremos que a matéria constante dos factos não provados nos pontos 1) e 15) evidenciam um erro na apreciação da prova produzida nos autos, a qual era suficiente a dar tal matéria como provada. Com efeito,
I.–Cremos ter ficado demonstrado nos autos que o CRSS de Faro, 2ª Ré, com quem a Recorrente negociou a permuta dos imóveis tinha conhecimento que a Recorrente só fez o negócio porque pensava que podia construir no terreno em Albufeira e que era também do conhecimento do CRSS de Faro, 2ª Ré que a empresa Recorrente fazia apenas o negócio porque pretendia construir no prédio permutado, sabendo este, inclusivamente, que seria para construir um Hotel, que a razão do negócio assentou precisamente nessa possibilidade que, doutra forma, a Recorrente não faria.
J.–Com efeito, entende a Recorrente que esse conhecimento por parte do CRSS de Faro, 2ª Ré, que no negócio de permuta foi representado pelo Presidente do Conselho Diretivo, Dr. Carlos C...Andrade decorre das próprias negociações e conversas havidas entre ambas as partes antes da escritura de permuta.
K.–Numa referência à prova documental existente nos autos (constante do próprio Proc. Administrativo, despacho de fls. 302, Ata de fls. 321 e escritura de permuta constante do Doc 2. da PI) e ao depoimento das testemunhas ouvidas resulta que foi o Conselho Diretivo do CRSS de Faro o órgão que tinha os poderes necessários para tratar do negócio de permuta junto do particular, na pessoa do seu Presidente, Carlos C...Andrade, em representação do CRSS de Faro.
L.–À matéria constante dos factos não provados em 1) e 15) foram ouvidas as testemunhas Carlos C...A..., Arnaldo T...O..., Luís R... e Pedro M....
M.–A testemunha Carlos C...A... à data do negócio exercia as funções de Presidente do Conselho Diretivo e estava encarregue da realização do negócio junto do particular, tendo sido ele que, nessa qualidade, estabeleceu os contactos com o representante da empresa Recorrente e prestou um depoimento informado e conhecedor do negócio e da própria empresa (Quinta da ...) com quem estava a negociar a permuta dos imóveis e da sua atividade assim como, do seu representante (José M...D...J...).
N.–Ora, no presente negócio as negociações e todos os contactos com o CRSS de Faro foram estabelecidos com o seu Conselho Diretivo, na pessoa do seu Presidente Carlos C...A....
[depoimento prestado na audiência de 12.04.2016, gravado no sistema habilus media em 10:00:30 a 11:11:35, com a duração 01:10:58, segmentos de gravação: 00:08:23 a 00:09:50; 00:26:00 a 00:30:00; 00:43:25 a 00:50:15 e 01:03:41 a 01:07:05.]
O.–A presente testemunha, à data dos factos Presidente do Conselho Diretivo, evidenciou no seu depoimento um pleno conhecimento daquilo que era a razão do negócio para o CRSS de Faro e para a própria empresa Recorrente. Admitindo inclusivamente que a possibilidade de construção no terreno era a convicção geral das duas partes contratantes e que o negócio se fez exatamente porque havia essa convicção que era baseada no relatório oficial da DGP.
P.–Esta testemunha demonstrou ter conhecimento não só da atividade da empresa Recorrente e do seu ramo de atividade na área dos Hotéis como revelou também ter conhecimento daquilo que era a razão do negócio para ambas as partes, confirmando, que o único interesse de ambas as partes naquele negócio era construir no terreno que iria receber em troca, da parte da Recorrente referindo que seria para construir um Hotel.
Q.–Ora o conhecimento dos factos é um funcional e adveio do exercício das suas funções de Presidente do Conselho Diretivo do CRSS de Faro que, neste concreto negócio, intercedeu junto do particular em representação daquele organismo, afigurando-se ser uma testemunha essencial no apuramento da factualidade constante dos factos não provados em 1) e 15) e que por essa razão se impunha ter sido valorada pelo Tribunal na apreciação desta factualidade.
R.–Tais declarações foram também confirmadas pela testemunha Arnaldo T...O... que à data do negócio era Vogal do Conselho Diretivo do CRSS de Faro e mostrou estar informado e ser conhecedor do negócio e da própria empresa com quem estava a negociar a permuta, das suas pretensões e da sua concreta atividade, a mesma tinha um conhecimento funcional dos factos sobre os quais depôs.
S.–O órgão – Conselho Diretivo - do qual fazia parte tinha informação contratual suficiente sobre as pretensões da Recorrente na realização deste negócio que era veiculada pelo próprio Presidente que intercedia junto do particular.[depoimento prestado na audiência de 12.04.2016, gravado no sistema habilus media em 11:20:02 a 12:04:45, com a duração 00:00:00 – 00:44:40, segmentos de gravação: 00:19:00 a 00:23:00; 00:28:30 a 00:31:59; 00:43:40 a 00:44:30.]
T.–Com efeito, o Conselho Diretivo do CRSS de Faro com quem a Recorrente negociou a permuta tinha toda a informação relacionada com o negócio, tinha conhecimento das pretensões do particular/Recorrente e que para a Recorrente era essencial a possibilidade de construir no terreno que ia receber em Albufeira pois pretendia edificar no terreno de um Hotel, e que, sem essa possibilidade de construção não haveria negócio, inclusivamente, também tinha conhecimento da atividade a que esta se dedicava e que a concretização do negócio pela autora assentou apenas no pressuposto que no prédio existia essa possibilidade de edificabilidade, cuja informação era veiculada ao próprio Presidente que intercedia diretamente junto do particular. (que inclusive afirmou que o representante da empresa não aceitava vender o terreno de Faro apenas permutar com um terreno que o Estado tinha em Albufeira).
U.–No concreto contexto negocial em que surge a permuta, provado em G) a M), AA) a EE) e afirmado por todas as testemunhas, incluído por Carlos A..., ouvidas a Recorrente apenas tinha interesse no prédio de Albufeira para construir, que era essa a principal atividade da empresa Recorrente.
V.–Da conjugação da prova documental constante do próprio Proc. Administrativo, despacho de fls. 302, Ata de fls. 321 e da escritura de permuta junta Doc 2. da PI com a prova testemunhal produzida, identificada em L) supra, com os fundamentos referidos, resultou demonstrada nos autos a matéria constante dos Pontos 1) e 15) dos factos não provados, em face da referida prova deve a mesma ter-se como provada.
W.–Resultou assim provado nos autos que o CRSS de Faro, 2ª R., sabia que para a Recorrente era essencial a possibilidade de construir no prédio, inclusivamente, como refere a própria testemunha Carlos Andrade para construir um Hotel.
X.–Com efeito, da factualidade apurada decorre que o declaratário deste negócio conhecia ou não devia ignorar que para a empresa Recorrente era condição essencial para a realização da permuta a possibilidade de poder construir no terreno em Albufeira e, em concreto, de poder construir um Hotel, sem a qual não teria feito a permuta.
Y.–Relativamente ao facto não provado em 16) cremos que, tal matéria resultou também incorretamente julgada nos autos face à factualidade provada. Com efeito, ficou provado em G), L), M), N) e O), AA), BB) e CC) que o relatório de avaliação dos prédios foi da autoria da Direção Geral do Património do Estado.
Z.–Ora, no dito relatório de avaliação, o perito avaliador da Direção Geral do Património do Estado em relação ao prédio permutado a favor da Autora mencionou a capacidade construtiva com vista a um loteamento no terreno e nesse pressuposto e reconheceu capacidade de construção no prédio prevendo uma área de construção de 10.000 m2 e de implantação de 4.000 m2 e com base em tais premissas determinou o valor daquele prédio em função do valor dos edifícios a construir.- Facto N) e O).
AA.–No caso do prédio adquirido pela Recorrente face aos instrumentos de planeamento e gestão urbanística à data existentes, como seja, o regime jurídico da REN estabelecido no DL 93/90 e DL 316/90 e do PROTAL não permitia qualquer operação de loteamento no prédio permutado a favor da Recorrente, e os próprios diplomas que se seguiram, o que impediu a Recorrente de ver viabilizado o seu projeto. - Provado em P) a V).
BB.–Na referida avaliação foi completamente omitido pelo perito avaliador as condicionantes legais do prédio, não sendo feita qualquer referência ao regime da REN e do PROTAL àquela data já em vigor.
CC.–Atendendo à natureza da informação constante da avaliação, de carácter estritamente técnico, exigia-se ao referido perito uma análise também técnica e detalhada ao enquadramento urbanístico dos prédios em causa e, nessa tarefa, não podia naturalmente o perito avaliador ignorar os diplomas legais e os instrumentos de gestão territorial que estavam em vigor sobretudo o Regime da REN e o PROTAL aplicáveis à zona.
DD.–Tratando-se de um ato da Direção Geral do Património do Estado, organismo/serviço central do Ministério das Finanças que integra a administração direta do Estado Português pela natureza e entidade que fez o relatório de avaliação aquele Réu não podia ignorar a legislação em vigor e, nessa medida sabia, ou devia saber que não era permitida a construção naquele prédio.
EE.–Com os fundamentos que antecedem a matéria constante em 16.) dos factos não provados tem que resultar provada.
Acresce que,
FF.–A Recorrente considera que a sentença recorrida evidencia um erro de julgamento na apreciação dos factos trazidos aos autos e na aplicação do artigo 251º do C. Civil a que os autos se subsumiam, com efeito, os factos que se considera provados fundamentam, nos termos legais, a existência de vício do negócio conducente à sua anulação.
GG.–A factualidade apurada nos autos é suficiente a demonstrar que a Recorrente apenas fez o negócio com o CRSS de Faro, 2ª Ré assente no pressuposto que havia possibilidade de construção no prédio permutado a seu favor, no qual pretendia construir um Hotel Apartamento e que, essa circunstância, era essencial para a realização do negócio, doutra forma, não faria o negócio.
HH.–Sendo que essa possibilidade de construção constava, inclusivamente, no documento da avaliação do imóvel da autoria da DGP e determinou os termos do negócio na determinação do valor dos imóveis, e a Recorrente quando outorgou a permuta acreditava, com base na avaliação da DGP, que era possível construir no prédio estava assim numa situação de erro.
II.–Nos presentes autos, ficou ainda provado, nos termos pugnados à matéria constante dos pontos 1) e 15), que o CRSS de Faro, 2ª Ré tinha conhecimento que para este negócio era condição essencial para a Recorrente poder construir no terreno em Albufeira um Hotel, e que, sem essa possibilidade não haveria negócio.
JJ.–Cremos ter ficado provado a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro da Recorrente, qual seja a possibilidade de construir no prédio que recebeu por via da permuta com o CRSS de Faro, e que o CRSS de Faro, 2ª Ré, tinha conhecimento das razões e/ou motivos que a Recorrente estava a fazer o negócio, ou sendo conhecedores da atividade da empresa não devia ignorar que para a Recorrente era essencial a possibilidade de construir no prédio permutado porque pretendia construir um Hotel, aliás prevista na própria avaliação que foi feita pela DGP, de contrário, e não havendo essa possibilidade de construção, não faria o negócio.
KK.–In casu, estavam verificados os requisitos comuns de anulabilidade exigidos para o erro-vício, nos termos dos arts. 251.º e 247º do Cód. Civil pelo que a factualidade provada nos autos, com a alteração da matéria de facto pugnada no título anterior quanto à matéria dos pontos 1), 15) e 16) dos factos não provados, impunha uma decisão diversa no sentido da anulação parcial do negócio quanto ao prédio adquirido pela Recorrente por via da permuta realizada com o CRSS de Faro, 2ª Ré, e a consequente restituição do preço pago, ao não decidir assim, salvo o devido respeito, violou a Douta sentença recorrida o regime consagrado no art. 251.º do C.C.
Sempre com o devido respeito, referir que
LL.–Considera a factualidade constante nos pontos 2) a 13) da matéria não provada (referente aos quesitos 7º a 17º da base instrutória) que foi sujeita a prova pericial, cujo relatório pericial se que mostra junto aos autos a fls. 851 a 862 e respetivos esclarecimentos de fls. 891 a 894 incorretamente julgada face às respostas dos Srs. Peritos aos quesitos em causa.
MM.–A factualidade constante dos pontos 2), 3), 11), 12) e 13) dos factos não provados, quesitada no requerimento de perícia respetivamente em i), ii), iv), xix, xx e xxii, não foi devidamente julgada de acordo com a resposta dos Srs. Peritos, resposta que se mostra devidamente demonstrada nos cálculos apresentados no estudo do projeto que consta do Anexo I do relatório pericial a fls. 851 a 862.
NN.–Com efeito, a Recorrente entende ter ficado demonstrado pela factualidade trazida aos autos referente ao projeto de investimento turístico destinado à construção de um Hotel-Apartamento no prédio adquirido que foi sujeita a prova pericial (constante do relatório pericial junto aos autos) que a Recorrente por ter ficado privada da construção em causa deixou de auferir rendimentos de montante não inferior a € 4.351.770,72, construção essa que se apurou na ação ter sido a razão para a realização do negócio – factos DD) a GG).
OO.–No que respeita à apreciação do pedido subsidiário deduzido, entende que a decisão recorrida evidencia erro de julgamento da factualidade apurada nos autos. Com efeito,
PP. Está demonstrado nos autos que a Recorrente apenas realizou o negócio porque acreditou ser possível construir no terreno face ao teor da avaliação apresentada pela DGP e porque no âmbito da sua atividade pretendia desenvolver naquele terreno um projeto para a construção de um Hotel-Apartamentos para comercialização (factos DD a GG), cujo projeto foi inviabilizado devido as condicionantes definidas nos instrumentos de planeamento e gestão urbanística do território existentes e que o mesmo não era edificável, provado em P) a T).
QQ.–O relatório de avaliação dos prédios da Direção Geral do Património do Estado fez parte integrante do negócio realizados entre as partes e determinou os termos do negócio (Factos G) a O), AA) a CC) e é fonte da responsabilidade contratual das Rés.
RR.–Os danos invocados decorrem da perda de capacidade construtiva no terreno e da privação do direito de construir e dos ganhos que poderia obter se tivesse concretizado a construção.
SS. No concreto contexto contratual ficou provado ter sido praticado um ato pelas RR. que consignou informação contrária à legislação aplicável ao prédio em questão, legislação essa já em vigor, que o Réu Estado Português conhecia ou devia conhecer e, nessa medida, sabia ou, pelo menos, deveria saber das condicionantes do prédio em face das quais não era permitida a sua construção, provado ainda que foi com base naquela informação quanto às premissas de construção/edificação ter sido acordado os termos do negócio entre as partes e definido o valor dos imóveis.
TT.–No concreto contexto contratual que foi apurado na ação haverá que concluir pela responsabilidade das Recorridas decorrente do relatório de avaliação, conquanto, a estas é-lhes imputável a elaboração e a autoria de um relatório de avaliação do imóvel objeto do negócio que previa a possibilidade de construção com vista a um loteamento que, por sua vez, determinou os termos do próprio negócio e nessa medida integrou o processo negocial das partes, avaliação essa que ao prédio permutado a favor da Recorrente consignou informação onde omite as condicionantes do prédio quanto à questão da sua capacidade de construção.
UU.–A responsabilidade imputada às Rés, ora Recorridas decorre da relação contratual emergente da permuta, cujo negócio se concretizou nos termos constantes da avaliação na altura apresentada à Recorrente que se materializou numa proposta de negócio que não era negociável e, nesse âmbito, devem aquelas responder perante a Autora pelos danos a esta causados com a realização daquele negócio.
VV.–No entender da Recorrente ficou demonstrado, pela perícia realizada nos autos, a factualidade referente ao projeto de investimento turístico destinado à construção no prédio adquirido de um Hotel-Apartamento que a Recorrente sujeitou a prova pericial, constante do relatório junto aos autos, que a Recorrente pela privação de construir e consequentemente comercializar deixou de auferir rendimentos de montante não inferior a € 4.351.770,72.
WW.–No caso dos autos, estão verificados todos os pressupostos à responsabilização contratual das Recorridas e à sua obrigação de indemnizar a Recorrente pelos prejuízos advenientes do que deixou de ganhar caso tivesse concretizado a construção que ficou privada,
XX.–A Douta sentença recorrida violou os arts. 562º e 564º decorrente da responsabilidade contratual da R.
Nestes termos e no mais de Direito que Vexas., Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
i)-Ser a Douta sentença recorrida revogada, e substituída por outra que declare a nulidade parcial do negócio, nos termos do art. 280º CC, com os fundamentos expostos.
ii)-Ser alterada a decisão da matéria de facto não provada em 1), 15) e 16), julgando-a provada, com os fundamentos expostos.
iii)-Em consequência, improcedendo o pedido em i), seja a Douta sentença recorrida revogada, e substituída por outra que declare a anulação parcial do negócio quanto ao prédio adquirido pela Recorrente por via da permuta realizada com o CRSS de Faro, com base no regime do erro consagrado no art. 251º CC, com as consequências legais.
iv)-Seja alterada a decisão sobre a matéria de facto não provada em 2), 3), 11), 12) e 13) julgando tal matéria provada, com os fundamentos expostos.
Caso assim se não entenda,
v)-Deve a Douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que condene as Rés a indemnizar a Recorrente pelos prejuízos sofridos a título de lucros cessantes, em montante não inferior a € 4.351.770,72 porque só assim é de DIREITO e JUSTIÇA!»

Contra-alegaram os Réus, pugnando pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[2] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.–Impugnação da decisão de facto (factos não provados sob 1 a 3, 11 a 13, 15 e 16);
ii.–Anulação parcial do negócio de permuta.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
A)–A Autora é uma Sociedade Comercial que se dedica à compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, construção civil, promoção imobiliária, estudos e projetos de loteamentos.
B)–Encontra-se inscrito a favor da A. na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº08542/930518 a propriedade do prédio Misto, sito em Areias de São João, Albufeira, composto por mato, eira, cultura arvense, alfarrobeiras e amendoeiras, edifício térreo com 2 compartimentos e logradouro e, por edifício térreo com 4 compartimentos e logradouro, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo n.º 7 da Secção AR – AR1 e na respetiva matriz predial urbana sob os artigos nºs 1787 e 1789.
C)–Encontra-se inscrita a favor do 2º Réu, na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º 01563/910717 a propriedade do Prédio Urbano, sito na Rua do Matadouro, Faro, composto por diversos armazéns, dependências e logradouro, descrito e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 3154.
D)–Os prédios referido em B) e C) foram objeto do acordo, constante de escritura pública, escrito intitulado “Permuta”, celebrado em 6 de Dezembro de 1991, onde para além do mais consta:
“ (...) Que o representado do primeiro outorgante, Centro Regional de Segurança Social de Faro é dono e legítimo possuidor de um prédio misto sito em Areias de São João, freguesia de Albufeira, concelho de Albufeira, inscrito na respetiva matriz sob o artigo rústico 7, secção AR-AR1, com o valor patrimonial de oitocentos e vinte e dois mil quatrocentos e setenta e seis escudos e sob os artigos urbanos 1787 e 1789, com os valores tributáveis de, respetivamente, sessenta e um mil cento e dezassete escudos e cento e vinte e dois mil duzentos e trinta e quatro escudos; [Prédio da ora A.]
Que atribuem a este prédio o valor de trezentos e cinquenta e cinco milhões e quinhentos mil escudos, sendo trezentos e cinquenta e quatro milhões quatrocentos e oitenta mil escudos, o valor atribuído à parte rústica e a restante à parte urbana; (...) ”
E, ainda
“ Que a representada do segundo outorgante, Quinta da ... – Imóveis e Construções Lda., é dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto por diversos armazéns, dependências e logradouro, sito na Rua do Matadouro, freguesia da Sé, concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número mil quinhentos e sessenta e três (Sé), ali inscrito a favor da proprietária pela inscrição G-um, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3154, com o valor tributável de um milhão oitocentos e setenta e nove mil e duzentos escudos, a que atribuem o valor de duzentos e setenta e três milhões seiscentos e oitenta e cinco mil escudos ”. – [Prédio do ora 2º R].
“ Pela presente escritura, os outorgantes, na qualidade em que outorgam, permutam entre si os identificados prédios, ficando assim a pertencer ao representado do primeiro outorgante, Centro Regional de Segurança Social de Faro, o prédio urbano sito na Rua do Matadouro em Faro, e a importância de oitenta e um milhões oitocentos e quinze mil escudos, e à representada do segundo outorgante, Quinta da ... – Imóveis e Construções Lda., o prédio misto sito em Areias de São João, freguesia e concelho de Albufeira;” conforme documento junto de fls.48 a 53 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E)–No prédio referido em C) encontram-se hoje instalados os serviços do ora 2º Réu, em Faro, tendo o 2º Réu levado a cabo a construção do edifício destinado a aí instalar e a funcionarem os serviços do Centro Distrital da Segurança Social de Faro, edifício composto por cinco pisos, quatro acima do solo e uma cave, com aproximadamente 3.000 (três mil) metros quadrados de área bruta de construção e cujo valor da construção efetuada ascendeu a um valor superior a € 7.500.000,00 (sete milhões quinhentos mil euros), obra da responsabilidade do 2º Réu e cujo financiamento foi efetuado pelo Estado Português através do PIDAC, ao longo dos anos de 1998 a 2003.
F)–O início de construção teve lugar no ano de 1998 e a sua conclusão em 2003, tendo sido inaugurado e entrado em funcionamento em Outubro de 2003.
G)–Foi elaborado relatório de avaliação de ambos os prédios, sitos em Faro e em Areias de São João, Albufeira, pela anterior Direção Geral do Património do Estado.
H)–O PRÉDIO referido em C) foi adquirido pela Autora ao 2º Réu, conforme o acordo referido em D) pelo preço global de Esc.355.500.000$00 (trezentos e cinquenta e cinco milhões e quinhentos mil escudos).
I)–O valor de Esc. 81.815.000$00 (oitenta e um milhões oitocentos e quinze mil escudos) [atualmente, Euros 408.091,50 (quatrocentos e oito mil e noventa e um euros e cinquenta cêntimos)], correspondente ao diferencial de valores dos prédios, foi pago ao 2º Réu.
J)–O prédio referido em D) foi adquirido pelo 2º Réu pelo preço global de Esc. 273.685.000$00 (duzentos e setenta e três milhões seiscentos e oitenta e cinco mil escudos).
L)–Tais valores foram determinados em função da avaliação efetuada dos referidos prédios, aquando a realização do referido negócio pela extinta Direção Geral do Património do Estado.
M)–Aquando a realização do negócio foi elaborado pela extinta Direção Geral do Património do Estado relatório de avaliação de ambos os prédios sitos em Faro e em Areias de São João, Albufeira – este último adquirido pela Autora.
N)–Do relatório da avaliação do PRÉDIO consta: “ O terreno que o Centro Regional de Segurança Social de Faro possui em Albufeira, nas Areias de S. João, é essencialmente constituído por mato, portanto sem qualquer valor significativo no que respeita ao rendimento agrícola. A área total é de cerca de 42.000 m2 nele estando inseridas 2 casas de habitação com 40 e 80 m2 de área respetivamente.
(…)
A maior parte da área do terreno, isto é, dos 42.000 m2 é caracterizada por forte erosão de tal forma que é impraticável o aproveitamento em toda a extensão para a construção de Edifícios.
Assim, com vista a um loteamento apenas há que contar com uma área de implantação que não vai, certamente, além dos 4.000 m2 sendo a restante área destinada a zona de lazer com espaços verdes, piscinas, campos de ténis, etc.
Não sabemos o que a Câmara Municipal de Albufeira vai autorizar no que respeita a volumetria e outros condicionamentos. Podemos, no entanto, admitir que a área de construção seja da ordem dos 10.000 m2 com um desenvolvimento em 3 pisos sendo um em cave. Será neste pressuposto que adiante se indica e justifica o valor do terreno do Centro Regional da Segurança Social de Faro em Albufeira, com fins a permutá-lo com o que a Firma Quinta da ... – Imóveis e Construções Limitada possui em Faro, na Rua do Matadouro e que foi igualmente objeto de Avaliação.”
O)–O valor da aquisição foi justificado nos termos seguintes: “ (…) Assim, o valor do terreno em função do valor dos Edifícios nele a construir, é determinado com base em pressupostos, tais como, essencialmente, áreas de construção e de implantação autorizadas pela Autarquia.
Nesta conformidade, admitindo uma área de construção de 10.000 m2 e de implantação de 4.000 m2 (…)
P)–Em Dezembro de 1991, encontrava-se em vigor o Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL), que classificava o lote de terreno adquirido pela Autora, parte em Zona de Ocupação Turística e parte em Zona de Proteção da Natureza.
Q)–Com data de 30.12.1994, os Serviços Técnicos da Câmara Municipal de Albufeira, lavraram a seguinte informação:
“ 1.-Em Dezembro de 1991, encontrava-se em vigor o Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve. Este Plano classificava o terreno, parte em “Zona de Ocupação Turística” e parte em “ Zona de Proteção da Natureza”. Este entendimento encontra-se expresso no parecer da CCRA datado de 10/07/92 (inf.571/DROT-92).
Refira-se ainda que naquela data já se encontravam em vigor os Decretos-Lei n.º 93/90 e 316/90, relativos à Reserva Ecológica Nacional. (…)
Na formulação final da 2ª versão do PDM, aprovada e atualmente a aguardar ratificação ministerial, foi considerado pela CCRA que na situação em que o terreno se encontrava, o mesmo não poderia deixar de ser incluído na REN.
O regime jurídico que implicou que o terreno ficasse incluído em REN, foi o decorrente do Decreto-Lei 93/90 e Decreto-Lei 316/90.”
R)–A A. com vista ao desenvolvimento de Empreendimento Hotel – Apartamentos na Quinta da ... – Albufeira, requereu em 13.07.1995, a análise do respetivo projeto, o qual foi inviabilizado por questões técnicas relacionadas com a ocupação de áreas de Reserva Ecológica Nacional, com a ocupação turística e, bem assim com a solução urbanística, então prevista para aquela zona, conforme documento nº 6 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido, a saber: “ No que respeita à Reserva Ecológica Nacional, o empreendimento projetado localiza-se a cerca de 80 m da linha de costa e ocupa uma zona de arriba sensível.
Do ponto de vista turístico, o referido empreendimento apresenta índices demasiados elevados e uma classificação turística não compatível com os níveis de qualidade exigíveis para aquela área do Algarve.
Do ponto de vista urbanístico, está em causa a compatibilização do projeto com as disposições constantes do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL), já que o mesmo se insere em áreas classificadas como “Zona de Conservação da Natureza” onde é interdita a construção. O Plano Diretor Municipal de Albufeira igualmente classifica a área abrangida pelo projetado empreendimento como “ Zona de Proteção de Recursos Naturais ”, concluindo que o projeto apresentado pela Sociedade ora Autora não era aceitável.
S)–A A. apresentou pedido de Informação junto da Câmara Municipal de Albufeira sobre a viabilidade de construção de edifícios naquele terreno, conforme documento nº 7 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
T)–A este propósito, mereceu Informação datada de 3.4.1998 nos seguintes termos: “ face ao que se encontra estabelecido no PDM em vigor, o terreno em questão insere-se em Zona de Proteção de Recursos Naturais, sendo integrado em Reserva Ecológica Nacional.
Nestes termos e tendo como referência o Regime da R.E.N o terreno em causa não é edificável”.
U)–O PRÉDIO com uma área total de 42 470 metros quadrados confronta a Norte com Estrada, a Sul com Mar/Praia, a Nascente com Forte de São João e a Poente com Hotel Alísios, e apresenta o seguinte enquadramento, a saber:
De acordo com o Regulamento do Plano Diretor Municipal de Albufeira (P.D.M.), ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/95 de 4 de Maio de 1995, conforme Planta de Ordenamento e Planta de Condicionantes, a área do lote de terreno em questão insere-se respetivamente, em Zona de Proteção de Recursos Naturais e em Zona de Reserva Ecológica Nacional.
V)–Com a aprovação do Plano de Urbanização da Frente de Mar da Cidade de Albufeira, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 158/2003 de 6 de Outubro de 2003, conforme Planta de Zonamento e Planta de Condicionantes, a área onde se insere o imóvel da A., foi classificado como Reserva Ecológica Nacional.
X)–Da avaliação efetuada pela extinta Direção Geral do Património do Estado ao PRÉDIO adquirido pela Autora, com vista à realização do negócio jurídico foi atribuído o valor de Esc. 355.500.000$00 (trezentos e cinquenta e cinco milhões e quinhentos mil escudos).
Z)–Em Agosto de 2007 foi elaborado relatório de avaliação pelo Serviço de Finanças de Albufeira tendo sido atribuído ao prédio o valor patrimonial de € 1. 231.375,00 onde consta: “ Parte Rústica – Terreno constituído essencialmente por vegetação tipicamente mediterrânea de porte arbustivo, tipo mato. (...)
Apesar deste ser um terreno rústico e estar situado numa zona onde o PDM de Albufeira não permite atualmente a construção, a sua localização de exceção faz com que o valor por metro quadrado seja muito superior ao praticado habitualmente.
Face ao exposto considera-se o valor de 25 €/m2. Resultando o valor de 1 058 875 € para a totalidade da parte rústica.”
“ Parte Urbana – Relativamente à parte urbana, esta é constituída de duas construções em estado de conservação considerado mau, com a área total de 115 m2. Tendo em atenção a já referida localização excecional e os coeficientes da zona em questão, considera-se um valor unitário por m2 de 1500 €. Totalizando 172 500 € o valor atribuído à parte urbana.”
2.2.-Factos provados decorrentes da prova produzida em audiência e reportados à matéria da Base Instrutória constante do despacho saneador
AA)–Foi com base no relatório referido em G) que a A e R. acordaram nos termos do negócio referido em D).
BB)–O valor do prédio foi determinado pelos RR., pelo valor dos prédios a construir no local, admitindo uma área de construção de 10.000m2…
CC)–…e uma área de implantação de 4.000m2…
DD)–A concretização do negócio referido em D) pela A. assentou no pressuposto de que no prédio existia a possibilidade de eficabilidade…
EE)–tendo em vista o desenvolvimento de um projeto para construção de um Hotel- Apartamentos.
FF)–Iniciando-se o projeto para construção do Hotel Apartamentos no ano de 1992, a sua comercialização ocorreria em 1997.
GG)–Ano igualmente previsto para a conclusão das vendas das unidades de alojamento.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Impugnação da matéria de facto (factos não provados sob 1, 15 e 16)
O tribunal a quo deu não como não provados os seguintes factos: 1- Era do conhecimento da Ré que a concretização do negócio referido em D) pela autora assentou no pressuposto de que no prédio existia a possibilidade de edificabilidade; 15- O 1º Réu sabia que ara a celebração do acordo referido em D), determinante para a Autora era a possibilidade de edificação do projeto referido em 5; 16- À data da celebração do acordo referido em D),sabia a 1º Ré que no prédio permutado a favor da Autora, não era permitida a construção.
A apelante pretende que tais factos passem a ser considerados provados, invocando para tal os depoimentos prestados por Carlos C...A..., Arnaldo T...O..., Pedro M... e Luís R...S..., bem como o despacho de fls. 302, a ata de fls. 321 e a escritura de permuta.
Cumpridos que se mostram os requisitos do artigo 640º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar.

A testemunha Carlos A...C...A..., funcionário público reformado, exerceu as funções de Presidente do Conselho Diretivo da Segurança Social de Faro no período entre 1980 e 1987, o qual interveio como procurador do 2º Réu na escritura de permuta de 6.12.1991.
Inquirido, verbalizou designadamente o seguinte:
– A Segurança Social de Faro precisava se um novo edifício, sendo encarregue de procurar um terreno de grandes dimensões em Faro para tal efeito;
– A Câmara de Faro indicou o terreno referido em C), então da Autora, como solução possível;
– Nessa sequência, contactou a Autora que, de imediato, não se mostrou interessada em vender o terreno. Todavia, mais tarde, a Autora fez uma proposta de permuta com o terreno referido em B), então pertencente ao 2º Réu, sendo a Autora que escolheu tal terreno;
– A Segurança Social pediu à Direcção-Geral do Património que avaliasse os dois terrenos, sendo o terreno de Albufeira avaliado em valor superior ao de Faro;
– Foi com base no parecer que perguntámos ao proprietário se aceitava aqueles valores, o que ocorreu, pelo que se realizou a permuta;
– O avaliador da DGP disse-lhe que se tinha deslocado às duas Câmaras para avaliar a capacidade de construção dos terrenos;
– A Autora, ou o grupo de empresas em que se integrava, era proprietária do Hotel Montechoro, então um dos maiores hotéis do Algarve;
– Na altura, ficou com a convicção que a Autora pretendia o terreno para construir senão não teria feito a proposta. Ficou com a convicção que a Autora iria construir um hotel até porque a autora teve de pagar ainda a diferença que, nos termos da escritura junta, foi de 81.815.000$00, sendo que este pagamento “só se justificava se fosse para construção”;
– Ficou convencido que era possível construir pelo valor atribuído ao terreno de Albufeira pelo relatório da DGP, valor que “era altíssimo”, “aquele preço só poderia corresponder à capacidade de construção”, sendo que à volta do terreno existem outros hotéis, gerando a convicção fácil que a linha de construção de podia manter;
– O administrador da Autora, com quem falou várias vezes, era um homem avisado, com negócios no Algarve, que não faria um negócio desses se não tivesse a convicção que tinha vantagens;
– Não sabe precisar o teor específico do relatório, tendo a ideia que existia a possibilidade de construção por via do relatório e do preço aí fixado;
– O negócio fez-se porque havia a convicção da possibilidade de construção;
– O terreno “é do melhor que há” em termos de localização em Albufeira, ficando junto ao mar;
– Parece-me óbvio e de bom sendo que a Autora não aceitava o negócio se o terreno não tivesse capacidade de construção, “ninguém faz negócios para perder”;
– O administrador da Autora “não quereria o terreno da Falésia para nada”;
– O normal era querer o terreno para construir, “não vejo outra lógica que e não fosse essa”;
– Se soubesse que não era permitido construir, “eu própria acharia muito estranho esse negócio” e teria perguntado para é que a Autora queria o terreno;
– Não lhe foi expressamente dito que a Autora pretendia construir um hotel com 4 pisos;
– Não sabe se a Autora fez uma investigação sobre a possibilidade de construir no terreno de Albufeira;
– A Segurança Social só podia contratar nos termos e valores constantes do relatório da DGP, não tendo margem de negociação, o que foi aceite pela Autora;
– Desconhecia a existência de qualquer impedimento de construção sobre o terreno de Albufeira. Se tivesse tal informação, “eu próprio teria alertado “ a Autora.
A testemunha Arnaldo T...O... exerceu as funções de diretor distrital no Centro Distrital de Segurança Social de Faro entre o final de 1983 a 2000, tendo continuado a exercer várias funções para o mesmo até à data. À data da negociação, fazia parte do Conselho Diretivo como vogal. Inquirido, verbalizou designadamente o seguinte:
– A Segurança Social contactou a Câmara de Faro tendo em vista a cessão de um terreno para a construção da nova sede, tendo surgido a indicação do terreno referido em C) que tinha uma fábrica desativada;
– Não teve intervenção pessoal em negociações ou reuniões com a Autora;
– O terreno foi avaliado pela DGP, sendo que a permuta era confortável para a Segurança Social porque importava menos encargos;
– A Autora queria o terreno para rentabilizá-lo, sendo que o terreno estava bem situado, e deveria ter um índice de construção que permitiria à Autora rentabilizá-lo;
– Presume que o fim do terreno devia ser a construção para equipamento turístico senão não tinha sentido ficar sem utilização, “naturalmente aquele terreno devia ser no sentido de ter uma infraestrutura turística para viabilizá-lo”;
– A avaliação feita aos imóveis contemplava o índice de construção que, por sua vez, determinou o valor da avaliação;
– O terreno de Albufeira “tinha uma situação privilegiada do ponto de vista turístico, era um terreno junto à praia”;
– “Não estou a ver outro tipo de utilização que não construir ali”;
– Não contactou pessoalmente com o perito avaliador;
– A Autora “só podia querer construir nesse terreno”, “é intuitivo” em função da localização do terreno.
A testemunha Pedro M... é diretor hoteleiro, exercendo funções no Hotel Montechoro. Os Administradores da Autora eram também administradores da sociedade para quem trabalhava, sendo empresas familiares do mesmo grupo. Inquirido, verbalizou designadamente o seguinte:
– Acompanhou o negócio porque colaborava diretamente com o principal administrador da Autora, Duarte J...;
– A razão da permuta era edificar no terreno de Albufeira, sendo a principal atividade d Autora o urbanismo;
– Perto do terreno de Albufeira (700/800 metros), a Autora tinha um empreendimento turístico denominado Beach Club;
– O administrador da Autora encarregou um arquiteto de efetuar um estudo prévio sobre o que poderia ser construído no terreno de Albufeira;
– Esteve em reuniões com o arquiteto;
– Foi estudada a construção de um aparthotel para ser vendido em timesharing;
– “Não havia outro interesse senão construir”.
A testemunha Luís R...S..., foi advogado da Autora, sendo o mesmo que fez a escritura de permuta. Inquirido, verbalizou designadamente o seguinte:
– O administrador Duarte J... ia-o pondo ao corrente da negociação com a Segurança Social;
– Ta administrador “não dava ponto sem nó”;
– O pressuposto assumido pelo Estado e pela Autora é que se poderia construir na ordem dos 10.000 m2, segundo o que constava no relatório da avaliação;
– O administrador só fez o negócio no pressuposto que teria uma mais-valia que justificasse a transação;
– A Autora “não queria receber um terreno para plantar batatas”;
– O valor dos imóveis foi o resultante da avaliação;
– O administrador da autora tinha experiência suficiente para valorizar um terreno de acordo com a sua capacidade construtiva, no cado de 10.000 m2;
– Se não fosse possível construir, o administrador não teria feito a permuta;
– A Autora queria proceder à construção através de operação de loteamento, “eu diria que seria um hotel mas não tenho a certeza”;
– A Autora nunca pediu nenhuma avaliação quer para comprar quer para vender porque o seu administrador tinha muita experiência, tendo confiado no que lhe foi dito no relatório;
– Junto ao terreno de Albufeira, há mais do que um hotel;
– Acha que a DGP estava de boa fé, ouviu quem devia ouvir, confiou e escreveu. Não havia intuito de enganar. “Eles próprios terão confiado”.

Apreciando.
Resulta dos depoimentos prestados por Carlos A... e A...O..., os quais intervieram no processo negocial e de decisão da permuta, que o Instituto de Segurança Social, IP estava ciente que a motivação da Autora para a celebração da permuta assentou, em primeira linha e de forma incontornável, no potencial do terreno para edificação designadamente para empreendimento turístico. Num processo negocial como o em apreço, as partes nem sempre desvendam à contraparte todas as motivações e propósitos subjacentes ao desiderato de contratar. Todavia, considerando o objeto social da Autora (desde logo expresso na respetiva denominação), o facto da autora ou sociedade do mesmo grupo ter hotel de referência no Algarve, a privilegiada localização do terreno de Albufeira junto à praia, a existência de hotéis nos terrenos limítrofes, o valor da avaliação do terreno que teve como pressuposto expresso a possibilidade de construção (pressuposto este assumido no relatório de avaliação - cf. factos N) e O)), as testemunhas em causa não tiveram dificuldade em concluir que o pressuposto imprescindível do negócio, por parte da autora, era a edificabilidade do terreno de Albufeira. Este conhecimento por parte do ISS, IP não implica uma comunicação formal pela Autora, podendo derivar simplesmente desta ordem de razões, deste tipo de raciocínio, assumido muito naturalmente pelas testemunhas em causa.
Noutra vertente, há que notar que os factos provados sob A) (atividade social da Autora), N) e O) (teor do relatório de avaliação do qual dimana, de forma expressa, que o terreno de Albufeira terá capacidade construtiva na ordem dos 10.000 m2), U) (confronto do prédio diretamente com mar/praia), AA) (foi com base no relatório que Autora e Ré acordaram nos termos do negócio de permuta), DD) (a concretização do negócio assentou no pressuposto de que no prédio existia a possibilidade de edificabilidade) constituem factos-base que acionam o indício signum, segundo o qual quem tem acesso a determinados elementos não pode ignorar a existência de outros, a não ser que o grau de dependência entre ambos possa escapar ao nível de experiência do indivíduo. Neste tipo de indício o sujeito cognoscente passa a ser um inferior semiótico por necessidade lógica – cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, p. 299. Nesta medida, a própria factualidade provada pode sustentar que a matéria não provada sob 1 obtenha resposta positiva. Note-se que este Tribunal da Relação pode utilizar presunções judiciais que o tribunal de primeira instância não utilizou tendo em vista a alteração da decisão de facto – cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, pp. 187-189.
Pelo exposto, justifica-se que a matéria não provada sob 1 passe a constar como provada com a seguinte redação:
HH) Era do conhecimento do Instituto de Segurança Social, IP, que, por parte da Autora, a concretização do negócio referido em D) assentou no pressuposto que no prédio de Albufeira existia a possibilidade de edificabilidade.
Diversamente, no que tange ao 1º Réu Estado Português,            não resultou demonstrado um nível de envolvimento com a Autora similar ao do ISS, IP. A intervenção do Estado Português limitou-se à avaliação do prédio feita pela Direção-Geral de Património, departamento então existente e dependente do Ministério das Finanças, a quem competia organizar o processo relativo à permuta, promovendo as diligências necessárias, designadamente a avaliação dos bens (cf. Parecer da PGR de 27.6.2002, PGRP00002050). O Estado Português nem foi parte outorgante no contrato de permuta. Nesta medida, improcede o pedido formulado no sentido de que o facto não provado sob 15 passe a facto provado.
No que tange ao facto não provado sob 16, há que notar - consoante observa a apelante – que existe um erro de escrita, reportando-se o mesmo “às Rés” e não à Ré, na sequência da reclamação deferida ao despacho saneador (fls. 708 e 737).
Sem embargo, dos depoimentos acima extratados bem como do que já ficou dito infere-se que inexiste prova suficiente de que os Réus sabiam que não era permitida a construção no prédio de Albufeira. Os depoimentos das testemunhas Carlos A... e A...O... são taxativos. A própria testemunha da Autora, advogado de profissão, afirmou que, no que tange à inadmissibilidade de construção no terreno de Albufeira, acha que a DGP estava de boa fé, ouviu quem devia ouvir, confiou e escreveu. Não havia intuito de enganar. “Eles próprios terão confiado”.
Questão diversa, e que extravasa a análise requerida pelo recurso porque atinente a factos não alegados, seria a de saber se o técnico da DGP que realizou o relatório, dando por assente a edificabilidade no terreno de Albufeira, agiu com suficiente diligência de modo a firmar tal conclusão.
Termos em que persiste o facto não provado sob 16 nos seus precisos termos.

Factos não provados sob 2, 3, 11 a 13
Os factos em causa respeitam apenas ao pedido subsidiário deduzido pela Autora. Conforme se verá infra, tal pedido - mesmo a provarem-se tais factos – sempre improcederia.
Ora, o direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[4] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13.
Assim, ao abrigo dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, este Tribunal da Relação não apreciará a impugnação de facto quanto a tal factualidade.

Anulação parcial do negócio de permuta
A apelante insiste na tese de que o negócio de permuta deve ser declarado nulo nos termos do Artigo 280º do Código Civil porquanto “o negócio celebrado padece de um vício conducente à sua nulidade parcial que é decorrente da nulidade verificada na avaliação da Direção Geral do Património do Estado que assentou num pressuposto de edificabilidade naquele prédio que do ponto de vista legal não era possível nem real.”
Esta argumentação não colhe.
Nos termos do Artigo 280º, nº1, do CC, é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
No objeto do negócio dever distinguir-se entre o objeto imediato ou conteúdo (efeitos jurídicos a que o negócio tende) e o objeto mediato ou objeto stricto sensu (quid sobre que incidem os efeitos do negócio). Para Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., p. 556, “Será impossível legalmente o objeto de um negócio, quando a lei ergue a esse objeto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza impõem aos fenómenos fisicamente impossíveis”.
Heinrich Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 1992, p. 523, afirma que: «O objeto é legalmente impossível quando a ordem jurídica não prevê tipos negociais o meios para a sua realização ou quando não o admite sequer em relações jurídicas privadas (p. ex., a promessa de celebração de um contrato que a ordem legal proíbe; o acordo sobe uma prestação impossível de efetuar [p. ex., a transferência de propriedade para quem já é proprietário]; a promessa de vender coisas que estão fora do comércio jurídico. (…) / O objeto é contrário à lei quando o negócio é materialmente possível (não há impossibilidade física; um tipo negocial da lei existe), mas o negócio contradiz normas imperativa (p. ex. os arts. 2232º e 2233º: o objeto do negócio é ilícito).»
Para Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II Vol., 2ª Ed., pp. 95-96, «No plano do objeto negocial, a ilicitude existe quando a lei não permite que sobre certa realidade possam incidir os efeitos de determinado negócio jurídico (ilicitude do objeto jurídico) ou quando, por disposição legal, certo quid não pode comportar-se como objeto de um negócio jurídico (ilicitude do objeto material). / Como exemplo do primeiro caso pode citar-se um negócio celebrado num domínio em que vigore o princípio da tipicidade, como seja o das relações familiares ou dos direitos reais.»
«Há contrariedade à lei não só quando o objeto do negócio viola diretamente uma disposição legal, como também quando o objeto, sem ofender frontalmente a lei, tenta contornar uma proibição por esta imposta, chegando por outros meios ao resultado proibido. Numa palavra, há contraditoriedade à lei tanto nos negócios contra legem, como nos negócios concluídos em fraude à lei» - Comentário do Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, p. 693.
Ora, o contrato de permuta celebrado pelas partes é perfeitamente lícito quer quanto ao seu objeto imediato (efeitos jurídicos a que o negócio tende) como ao objeto mediato (quid material sobre que incidiu). Com efeito, nada impedia as partes de celebrarem – como o fizeram – o contrato de permuta, o qual contêm clausulado perfeitamente admissível, bem como que tal contrato incidisse sobre os dois imóveis descritos nos factos provados sob B) e C), estando tais imóveis no comércio jurídico. Nada na ordem jurídica impedia as partes de celebrarem o contrato de permuta, conforme o fizeram.
Não devem confundir-se com o conteúdo do negócio jurídico as regras legais que se aplicam em consequência dele. «Só faz parte do conteúdo do negócio jurídico a regulação ou disciplina que for estipulada diretamente, ou que entrar em vigor com a sua celebração por fazer parte do respetivo tipo negocial, legal ou social» - Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p. 496. As limitações legais à construção aplicáveis ao imóvel permutado têm a sua razão de ser em imperativos de ordem pública, assumindo uma natureza legal heterónima, não fazendo parte do conteúdo do negócio de permuta – cf. Pais de Vasconcelos, Op. Cit., p. 497.
Assim sendo, apesar do propósito da Autora (subjacente à celebração do contrato de permuta) ser o da construção no prédio permutado, as limitações à construção não são importadas, direta ou indiretamente, para o conteúdo do contrato de permuta, não interferindo com a respetiva licitude.
Assim sendo, improcede a argumentação da Autora neste circunspecto.
Conforme foi pertinentemente assinalado na sentença do tribunal a quo, o enquadramento jurídico para a situação em apreço reconduz-se ao erro sobre o objeto do negócio, vício gerador de anulabilidade e não de nulidade.
O tribunal pode convolar o pedido de declaração de nulidade para anulabilidade.
 Com efeito, a regra do nº1 do Artigo 609º do Código de Processo Civil deve ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.2004, Ferreira Girão, 04B2640.
Sobre esta questão, escreve o Conselheiro Manuel Tomé Gomes, Da Sentença Cível, pp. 43-44, o seguinte:
«Também no que respeita à fixação ou condenação em objeto diferente do pedido se tem suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. É o que acontece quando, por exemplo, o autor pede a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crie é nulo por falta de forma; ou quando, por exemplo, o autor instaura uma ação de impugnação pauliana, concluindo, erradamente, pela invalidade (nulidade ou anulabilidade) do negócio impugnado, sendo que o efeito adequado é o da ineficácia relativa, à luz do disposto no artigo 6artigoº1 e 4 do CC. Será que o tribunal poderá, na primeira hipótese, declarar a nulidade do contrato e decretar a respetiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286º e 289º do CC, e, na segunda hipótese, decretar a ineficácia do negócio impugnado, dando ainda provimento à pretensão do autor?
A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídico que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa. Quando muito, importará ouvir previamente as partes sobre a solução divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos termos do nº3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.»
Na jurisprudência, merece menção o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2016, Lopes do Rego, 842/10, que analisa esta questão de forma clara e pertinente, de que extratamos os seguintes passos:
«Na praxis judiciária, encontramos posições antagónicas sobre a possibilidade de convolação jurídica quanto ao pedido formulado – opondo-se um entendimento mais rígido e formal, que dá prevalência quase absoluta à regra do dispositivo, limitando-se o juiz a conceder ou rejeitar o efeito jurídico e a específica forma de tutela pretendida pelas partes, sem em nada poder sair do respetivo âmbito; e um entendimento mais flexível que – com base, desde logo, em relevantes considerações de ordem prática – consente, dentro de determinados parâmetros, o suprimento ou correção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa (vejam-se, em clara ilustração desta dicotomia de entendimentos, a tese vencedora e as declarações de voto apendiculadas ao acórdão uniformizador 3/2001).
Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, págs. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora, sendo atualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma ação reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exatamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…
Como exemplos paradigmáticos da prevalência na jurisprudência desta visão substancialista e mais flexível das coisas, podem referir-se, desde logo, o Assento do STJ de 28/3/95 e o Acórdão uniformizador de jurisprudência 3/2001.
No primeiro daqueles arestos, entendeu-se (de forma, aliás, unânime) que Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº1 do art. 289º do CC.
(…)
Considera-se, deste modo, que o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado.
Importa, todavia, estabelecer, na medida do possível, quais os parâmetros dentro dos quais se move esta possibilidade de convolação jurídica, não se podendo olvidar que – continuando a ser a regra do dispositivo pedra angular do processo civil que nos rege – o decretamento de efeito jurídico diverso do especificamente peticionado pressupõe necessariamente uma homogeneidade e equiparação prática entre o objeto do pedido e o objeto da sentença proferida, assentando tal diferença de perspetivas decisivamente e apenas numa questão de configuração jurídico-normativa da pretensão deduzida.
E daqui decorre que não será possível ao julgador atribuir ao autor ou requerente bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, não sendo de admitir a convolação sempre que entre a pretensão formulada e a que seria adequado decretar judicialmente exista uma essencial heterogeneidade, implicando diferenças substanciais que transcendam o plano da mera qualificação jurídica.
O Ac. de 5/11/09, proferido pelo STJ no P. 308/1999.C1.S1, ilustra, de forma clara, as balizas em que é lícita esta atividade de reconfiguração ou reconstrução normativa pelo juiz da pretensão efetivamente formulada pela parte. Assim, entendeu-se que:
- Nada obstava a que se pudesse convolar do pedido de anulação de certo negócio jurídico de doação, realizada mediante intervenção de procurador, cuja legitimação assentava em procuração que havia sido anulada por se ter verificado erro dolosamente provocado, para a declaração de ineficácia do negócio jurídico em relação ao doador, decorrente da representação sem poderes, nos termos do art. 268º do CC; porém:
- Tendo-se o autor limitado a formular um pedido constitutivo de anulação do negócio jurídico de doação, já não seria, porém, lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento de certo valor negativo do ato (independentemente de este se configurar como invalidade ou ineficácia) se condenasse ainda oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do negócio destruído, já que, nesse caso, a decisão acabaria por incidir sobre um objeto material – a restituição de certos bens – claramente diferenciado e destacável do objeto da pretensão formulada, situada apenas no plano da aniquilação dos efeitos do negócio.
Deste modo, tendo-se o autor limitado a formular um pedido de anulação de certo negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença de condenação na restituição ou entrega dos bens, consequente ao decretamento da invalidade - ou da ineficácia do negócio - por tal implicar violação do princípio de que o juiz não pode condenar em objeto diverso do pedido.
Ou seja: é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efetivamente, na sua estratégia processual, curou de formular.
O grupo de situações em que se pode admitir – e em que vem sendo mais frequentemente admitida - a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor situa-se no campo dos valores negativos do ato jurídico: pretendendo o autor, em termos práticos e substanciais, a destruição dos efeitos típicos que se podem imputar ao negócio jurídico celebrado, ocorre uma deficiente perspetivação jurídica desta matéria, configurando a parte o efeito prático-jurídico pretendido – de aniquilação do valor e eficácia do negócio – no plano das nulidades quando, afinal, a lei prevê para essa situação um regime de ineficácia ou inoponibilidade; ou na invocação de um regime de anulabilidade quando o valor negativo do ato se situa no plano da nulidade, ou vice-versa.»

Nos termos do Artigo 251º do Código Civil, “O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratório ou ao objeto do negócio, torna esta anulável nos termos do artigo 247º”. E, nos termos do Artigo 247º, “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”

O erro é a não coincidência entre a representação e a realidade (circunstância de facto ou de direito), sem que haja consciência disso, ou seja, é uma falsa representação da realidade. O declarante comunica corretamente o sentido da sua declaração negocial, mas a realidade que o determinou à declaração não era verdadeira, ou seja, há erro-vício.
O objeto do negócio abrange a coisa/prestação a que se reporta o negócio (a sua identidade) ou as suas qualidades essenciais. Qualidades de um objeto são todos os fatores determinantes do valor ou da utilização pretendida. Uma qualidade é essencial quando é decisiva para o negócio conforme a finalidade económica ou jurídica deste – cf. HEINRICH HORSTER, A parte geral do Código Civil Português, Almedina, 1992, p. 574. O erro referente às qualidades do objeto ocorre sempre que o objeto, por falta de atributos físicos ou jurídicos necessários à realização do fim a que se destina ou assegurados pela outra parte, não possa realizar adequadamente esse fim ou sofra desvalorização, e o declarante ignore justificadamente que tal se verifica – cf. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES,  Manual dos Contratos em Geral, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2002, p. 92.
Não é necessário que o erro constitua o motivo único a determinar o declarante, ou seja, a causalidade do erro não exclui uma situação de concausalidade, sendo suficiente que este tenha contratado também por causa do erro desde que, sem ele, não o tivesse feito – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.6.2003, Alves Velho, CJ 2003 AcSTJ – II, pp.. 93-97; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.1.2002, Pinto de Almeida, CJ 2002 – I, pp. 177 – 182.
O erro-vício reporta-se ao desconhecimento ou falta representação da realidade presente ou pretérita (reporta-se à situação existente no momento da celebração do negócio) e não quanto ao futuro. Com efeito, pode-se falhar uma previsão mas, quando se prevê, não se versa ainda em erro, pois não há nenhuma representação sem correspondência com a realidade. O erro supõe a possibilidade abstrata de conhecer aquilo sobre que se está equivocado, e tal possibilidade só existe em relação ao passado ou ao presente. Neste sentido, INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Op. Cit., p. 98 e p. 100, Nota 110; ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Erro e Vinculação negocial, Almedina, 2002, pp. 17-21; MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, p. 539; OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral do Direito Civil, II Vol., Lisboa, 1985, pp.. 125-126; OLIVEIRA ASCENSÃO, “Onerosidade excessiva por alteração das circunstâncias”, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, 2007, pp. 516 e 521. 

A parte que errou tem o ónus de demonstrar [5] um duplo requisito:
a)- Que haja essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual o erro incidiu (essencialidade). O erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objeto ou de outro tipo ou com outra pessoa - cf. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4ª Ed., 2005, p. 507. A essencialidade do erro deve ser analisada sob o aspeto subjetivo daquele que foi levado a formular uma ideia inexata acerca do objeto do negócio, sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.5.2004, 04B4349).
b)- Que o declaratário conheça a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual o erro incidiu ou não deva ignorar que assim era (cognoscibilidade). O declaratário pode conhecer essa essencialidade através do conjunto de circunstâncias que rodearam a celebração do negócio, através da comunicação operada entre as partes na fase pré-negocial, na conclusão negocial ou porque consta do conteúdo do negócio.
No sentido do que acaba de ser dito, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.94, Fernando Fabião, acessível em www.dgsi.pt/jstj; JOSÉ ALBERTO VIEIRA, Negócio Jurídico, Anotação ao regime do Código Civil (Artigos 217º a 295º), Coimbra Editora, 2006, pp. 60, 63 e 64.

Ora, deriva da factualidade provada que a Autora celebrou o contrato de permuta determinada pelo convencimento que era permitido construir no prédio recebido (construção de hotel-apartamentos), com uma área de construção de 10.000 m2 e uma área de implantação de 4.000 m2 (factos A), N), O), AA) a EE)). Ou seja, a Autora emitiu a sua declaração negocial em erro sobre as qualidades essenciais do imóvel que recebeu nos termos contratuais. Isto porquanto resultou também provado que, quer na data da celebração da permuta quer posteriormente, esteve sempre vedada a possibilidade de construir no referido imóvel (cf. factos provados sob P) a V)). Existe essencialidade do erro porquanto a Autora só contratou porque estava convencida que era viável a edificabilidade no imóvel em causa.

No que tange ao segundo requisito (cognoscibilidade), o mesmo está também preenchido a partir do momento em que está provado que: HH) Era do conhecimento do Instituto de Segurança Social, IP, que, por parte da Autora, a concretização do negócio referido em D) assentou no pressuposto que no prédio de Albufeira existia a possibilidade de edificabilidade (facto provado acima aditado). Daqui se infere que o declaratário conhecia a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual o erro incidiu ou não deva ignorar que assim era.

O erro da Autora foi essencial no sentido de que é causa da conclusão do negócio em si mesmo, por oposição ao erro incidental que é causa da conclusão do negócio nos termos em que foi concluído, ou seja, sem o erro incidental o errante concluiria o negócio mas noutros termos. Se o erro for essencial, a anulação atinge todo o negócio. Pelo contrário, se o erro foi incidental a anulação atinge apenas os termos do negócio afetado pelo vício – cf. Nuno Pinto Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Noções Fundamentais, 2007,p. 246.

No caso em apreço, o erro é essencial pelo que só pode fundar o pedido de anulação total do negócio e não de “nulidade parcial do contrato de permuta” conforme é peticionado pela Autora.

O pedido de anulação total tinha de ser deduzido no prazo de um ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (Artigo 287º,nº1, do CC). Tratando-se de erro na formação da vontade, a cessação do vício dá-se com o conhecimento do erro – Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, p. 711. Esse prazo não foi respeitado porquanto esta ação deu entrada em 25.10.2010 e, pelo menos, logo em 30.12.1994, a Autora ficou ciente que o imóvel permutado integrava a REN (facto Q)). Porém, a caducidade em causa não é de conhecimento oficioso e não foi arguida pelas partes (cf. Artigo 333º, nº1 e nº2 do CC).

Todavia, na sua contestação, o Estado Português arguiu a exceção perentória da suppressio, argumentando que a Autora, pelo menos desde 1995, tem conhecimento da impossibilidade de proceder à construção do empreendimento turístico no prédio de Albufeira e só instaurou esta ação em 2010 (fls. 493). Note-se que, conforme é pacífico, a exceção perentória do abuso de direito é mesmo de conhecimento oficioso. A Autora respondeu à exceção, afirmando que não esteve inerte, tendo feito inúmeras diligências e reuniões com a CCDR Algarve, Câmara Municipal de Albufeira por forma a obter soluções urbanísticas que permitissem materializar o projeto de empreendimento (fls. 511).

Esta argumentação da Autora não constitui uma contraexceção porquanto nesta sede não relevam atos e diligências realizadas perante terceiros. Tendo em vista infirmar a exceção perentória da suppressio, cabia à Autora alegar e demonstrar que expressou perante a contraparte no negócio (no caso, ISS, IP) a situação de erro em que incorrera bem como que estava a tentar superar os obstáculos às restrições à construção sob pena de ter de acionar o ISS,IP. Ora, a Autora não alegou nem demonstrou factos de tal índole.

Diz-se suppressio a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar o princípio da boa fé  [6] consagrada no Art. 762º do Código Civil - neste sentido, Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, II Vol., p. 797.

Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pp. 239-240, afirma que a suppressio é um subtipo do venire contra factum proprium, traduzindo «o comportamento contraditório do titular do direito que o vem exercer depois de uma prolongada abstenção. A abstenção prolongada no exercício de um direito, pode, em certas circunstâncias, suscitar uma expetativa legítima e razoável de que o seu titular o não irá exercer ou que haja renunciado ao próprio direito, ao exercício de algum dos poderes que o integram, ou a certo modo do seu exercício. Esta expectativa é atendível quando a sua criação seja imputável ao titular do direito e resulte de uma situação de confiança que seja justificada e razoável.»

Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Vol., 2011, p. 237, afirma que o papel indireto da supresso é o de complementar a área tradicional da prescrição e da caducidade, aperfeiçoando-a e diferenciando-a. Analisando este instituto, afirma o mesmo autor:
«O quantum de tempo necessário para concretizar a suppressio varia. Podemos, todavia, marcar balizas: será inferior ao da prescrição, ou a suppressio perderá utilidade; além disso, equivalerá àquele período decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo juiz, já não será de esperar o exercício do direito atingido.

Os indícios objetivos que complementam o decurso do prazo relacionam-se com a posição do titular atingido: este não deve surgir como impedido patentemente de atuar mas, antes, como pessoa consciente que, podendo fazê-lo, não aja.
A suppressio é apresentada como um instituto totalmente objetivo; não requer qualquer culpa do titular atingido, mas penas o facto da sua inação.
Considera-se a suppressio prejudicada pelos fatores voluntários que, nos termos a lei, interrompam ou suspendam a rescrição ou a caducidade: tais factos vêm destruir, por definição, a ideia de que o direito não mais será exercido.
Finalmente: a suppressio é entendida como um remédio subsidiário: acode a situações extraordinárias, que não encontrem saída perante os remédios normais [p. 322].
(…)
Por fim, a suppressio, justamente por não dispor da precisão facultada pelo factum proprium, vai requerer circunstâncias colaterais que melhor alicercem a confiança do beneficiário. Em suma, teremos de compor um modelo de decisão, destinado a proteger a confiança de um beneficiário, com as proposições seguintes:
-um não-exercício prolongado;
-uma situação de confiança;
-uma justificação para essa confiança;
- Um investimento de confiança;
-a imputação da confiança ao não-exercente.
O não exercício prolongado estará na base quer da situação de confiança, quer da justificação para ela. Ele deverá, para ser relevante, reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não mais será exercida. O investimento de confiança traduzirá o facto de, mercê da confiança criada, o beneficiário não dever ser desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis. Finalmente: tudo isso será imputável ao não exercente, no sentido de ser social e eticamente explicável pela sua inação. Não se exige culpa: apenas uma imputação razoavelmente objetiva [pp. 323-324].»
Sobre o instituto da suppressio na jurisprudência, cf. Acórdãos do STJ de 19.10.2000, Nascimento Costa, 2491/00, de 20.10.2011, Martins de Sousa, 369/2002, ambos acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com , bem como o Acórdão de 11.12.2013, Fernandes da Silva, 629/10.

Ora, o contrato de permuta foi outorgado em 6.12.1991. Pelo menos em 30.12.1994, a Autora ficou ciente que o imóvel permutado estava incluído em REN com a consequente forte restrição à edificabilidade (facto Q)). Em 1995, a Autora apresentou um projeto de um hotel, o qual foi inviabilizado, entre outros motivos, por o imóvel integrar a REN e por ser incompatível com o Plano Regional do Ordenamento do Território do Algarve (facto R)). Em 3.4.1998, a Autora obtém nova informação camarária de que o terreno não é edificável (facto T)). Em 2003, com a aprovação do Plano de Urbanização da Frente de Mar da Cidade de Albufeira, a área onde se infere o imóvel foi classificada como Reserva Ecológica Nacional (facto V)). Em suma, desde cedo a Autora ficou ciente que a construção de um hotel no imóvel não seria viabilizada, sendo tal situação constante ao longo dos anos. Todavia, só em 25.5.2010 é que a Autora veio instaurar esta ação, ou seja, a ação foi instaurada dezoito anos, cinco meses e vinte dias após a celebração do contrato de permuta.
Neste ínterim, a Autora não alegou nem demonstrou que tenha praticado perante qualquer dos Réus quaisquer atos similares aos que interrompem a prescrição e caducidade (Artigos 323º e 331º do Código Civil; cf. citação supra de Menezes Cordeiro). Por sua vez, o ISS, IP, sedimentou a convicção de que o contrato de permuta era firme e não estava viciado de tal modo que, no prédio permutado, iniciou a construção de um edifício destinado a instalar e ao funcionamento dos serviços do Centro Distrital de Segurança Social de Faro, sendo concluída a sua construção em 2003 (facto F)), estando a ser utilizado desde outubro de 2003. Tal edifício é composto por cinco pisos, quatro acima do solo e uma cave, com aproximadamente 3.000 (três mil) metros quadrados de área bruta de construção e cujo valor da construção efetuada ascendeu a um valor superior a € 7.500.000,00 (sete milhões quinhentos mil euros), obra da responsabilidade do 2º Réu e cujo financiamento foi efetuado pelo Estado Português através do PIDAC, ao longo dos anos de 1998 a 2003.
Deste acervo factual resultam demonstrados os requisitos operativos do instituto da suppressio. Com efeito, existe um não exercício prolongado por parte da Autora do direito de anular o contrato de permuta, sendo certo que há muitos anos que a Autora está ciente da inviabilidade da construção no imóvel. A Autora é um profissional, no sentido de que se dedica à compra e venda de imóveis e à construção civil, estudos e projetos de loteamentos, sendo de presumir que conhece bem as regras e limites de tais atividades, tendo assessoria jurídica (cf. a testemunha inquirida). Nessa medida, era expectável para a contraparte no negócio de permuta que a Autora, colocada perante eventuais dificuldades no licenciamento de um empreendimento no imóvel, não deixaria de atuar de forma ativa na defesa dos seus interesses, desde logo perante a contraparte no contrato de permuta. A Autora não é uma sociedade de pequena dimensão, pelo contrário, os próprios valores envolvidos no negócio demonstram que tinha meios financeiros significativos. A passividade da Autora (perante a contraparte) gerou a confiança do ISS, IP no caráter firme da permuta de modo que este avançou com a construção da sua sede no terreno permutado, com um investimento avultado de € 7.500.000 e obras que se prolongaram por mais de quatro anos (investimento de confiança).
Neste contexto, a pretendida anulação do negócio – nos termos do Artigo 289º, nº1, do Código Civil – daria azo a uma relação de liquidação no âmbito da qual o ISS, IP, teria de restituir o imóvel permutado (construído e utilizado nos termos já enunciados) ou, não sendo a restituição em espécie possível como será o caso, o valor correspondente atualizado segundo o índice do custo de vida – cf. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 719; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.6.2012, Gregório Jesus, 521-A/1999. Tal valor atualizado seria de € 2.544.740, partindo de um valor de € 1.365.152 (273.685.000$00 em 1991) e tendo como referência o ano de 2010, segundo o calculador disponível no INE com base no índice de preços do consumidor. Daqui deriva, de forma linear, que o exercício intempestivo da anulação do contrato pela Autora importaria para o ISS, IP, danos elevados dificilmente compensáveis, sendo certo que o ISS, IP é alheio ao erro da Autora.
Valorando todo o circunstancialismo fático-jurídico exposto, entendemos que opera a exceção perentória da suppressio com a consequente neutralização da pretensão da Autora perante os Réus.
Com efeito, o Artigo 334º do Código Civil estatui a ilegitimidade do exercício abusivo do direito mas não determina as sanções que lhe devem corresponder.        A sanção do ato abusivo é variável e deve ser determinada, consequentemente, caso por caso de acordo com as circunstâncias específicas do comportamento concretamente assumido pelo titular do direito.
Assim, o abuso de direito pode ser fonte de responsabilidade civil desde que no exercício abusivo se verifiquem os requisitos próprios da responsabilidade delitual: ato abusivo; dano; culpabilidade e nexo de causalidade entre o dano e o facto abusivo – cf., por todos, CUNHA DE SÁ, Abuso de direito, Almedina, 1997, pp. 637-646. E, tendo em conta o princípio da restauração natural (Artigo 562º do Código Civil), a sanção para o ato abusivo pode consistir na necessidade de reposição da situação anterior ao abuso.
Outra consequência do carácter abusivo do exercício do direito é a de constituir, a favor do lesado, uma pretensão de omissão de tal exercício e a de paralisação de certos efeitos jurídicos – cf. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II Vol., 2ª ed., 1996, p. 493.
A suppressio obsta à procedência quer do pedido principal quer do pedido subsidiário. Todavia, sempre se acrescenta que o pedido subsidiário nunca poderia proceder. Com efeito, aplicam-se ao contrato de permuta as disposições do contrato de compra e venda nos termos do Artigo 939º do Código Civil. Assim, num cenário de anulação de contrato de permuta por erro, a indemnização exigível pela Autora é apenas a atinente aos danos emergentes do contrato nos termos do Artigo 909º do Código Civil. O que significa que a Autora apenas teria direito às despesas tidas com o contrato, com os gastos tornados inúteis e não com os lucros cessantes – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2011, Nuno Cameira, 1453/06.
A factualidade provada é insuscetível –porque insuficiente - de estribar a responsabilidade civil por factos ilícitos (Artigo 483º do Código Civil) ou mesmo com base no instituto da culpa in contrahendo (Artigo 227º do Código Civil) quanto ao Réu Estado, cuja única intervenção foi na avaliação dos terremos (cf. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 720), sendo certo que a Autora fundou os seus pedidos em vício do negócio e não nos institutos em causa.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a improcedência da ação embora com fundamentos distintos da sentença impugnada.
Custas pela apelante.



Lisboa, 10.10.2017


                                  
(Luís Filipe Sousa)                                  
(Carla Câmara)                                  
(Higina Castelo)



[1]Assim identificados na petição aperfeiçoada, porquanto na petição original foram demandados: Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Segurança Social de Aro, Direcção-Geral do Tesouro e Finanças e Ministério das Finanças e da Administração Pública.
[2]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[3]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos,07P2433,de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[4]Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12.
No Acórdão da mesma Relação de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, escreveu-se a este propósito:
«A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.»
No acórdão da mesma Relação de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, a mesma ideia é assim expressa:
«De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objeto da ação.»
[5]Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.94, Fernando Fabião, acessível em www.dgsi.pt/jstj  .
[6]Nos termos do Art. 762º, nº2 do Código Civil, "No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé."
A boa fé constitui uma cláusula geral que carece da mediação concretizadora do juiz . "(...) este deverá partir das exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam as expectativas dos sujeitos jurídicos." A. COSTA, Direito das Obrigações, 5ª ed., pg. 94. Na formulação do Acórdão do STJ de 10.12.91, Fernando Fabião, BMJ nº 412, pg. 459 e ss., agir de boa fé no contexto do Art. 762º do Código Civil é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesse da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
A boa fé a que se reporta o aludido preceito integra uma norma de conduta das partes, impondo uma directriz para temperar uma interpretação e um desempenho estritos ou abusivos da relação obrigacional. A concretização dessa directriz pode ter como consequência que se modifique, amplie ou restrinja  o conteúdo atribuído à prestação pela mera letra do negócio ou da lei, fixando-se também a medida em que ao credor incumbe cooperar no acto de cumprimento. A concretização da boa fé tem de partir da regulação contratual instituída entre as partes pelas declarações negociais de modo a apurar aquilo que um contraente razoável há-de ter de aceitar como implicado pelo desenvolvimento adequado e justo do sentido contratual.