CONTRAORDENAÇÃO
VALOR DA COIMA
RECURSO
REJEIÇÃO
Sumário

I–Se atentarmos na condenação que pesou sobre a arguida (25 UC) e que não foi acompanhada por qualquer outro tipo de penalização acessória, para os factos e o direito que a fundamentam e para o teor das alegações/conclusões de recurso interposto pelo Ministério Público para este Tribunal da Relação de Lisboa, facilmente constatamos que aquela singela coima de 25 UC não cumpre as exigências mínimas de cariz sancionatório que são reclamadas pela alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º do RPCOLSS, não tendo, por outro lado, sido a arguida alvo de sanções acessórias nem absolvida nem, finalmente, determinado o tribunal da 1.ª instância o arquivamento do procedimento contraordenacional, a rejeição da impugnação judicial ou a decisão por via de despacho judicial, não obstante a arguida se ter oposto a esse julgamento simplificado, por dispensar a produção de prova e a discussão em sede de Audiência Final.

II–A inadmissibilidade da impugnação da sentença ou despacho judiciais que foi interposto para o tribunal da 2.ª instância não consente aos juízes a quem foi distribuído o correspondente recurso a apreciação do objeto do mesmo, ainda que algumas das questões por ele abrangidas se traduzam em vícios que afetam a referida decisão judicial e que são configuradas pelo recorrente como nulidades da mesma.
III–Logo, pelos fundamentos expostos, tem o presente recurso de contraordenação de ser rejeitado por este tribunal da 2.ª instância.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


AAA, LDA., NIPC (…) , com sede em (…) Almada, veio recorrer da decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que, no quadro do processo de contraordenação n.º 011500260 lhe aplicou as seguintes sanção e prestações:

I–Uma coima de 25 UC (2.550,00 €) pela prática negligente da contraordenação grave prevista e punida nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 521.º, alínea e) do n.º 3 do artigo 554.º, ambos do Código do Trabalho e cláusulas 11.ª, 12.ª e 22.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal e outra e o CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços de Portugal e outro, publicado no BTE n.º 31, de 29/09/2009, aplicável por força da Portaria n.º 190/2010, de 5 de abril;
II–No pagamento às trabalhadoras (…),(…),(…),(…),(…), do valor global de € 1.687,44, a título de diuturnidades às mesmas devidas, e à Segurança Social do valor total de € 208,56, a título de contribuições devidas a tal entidade.
*

Para tanto, a arguida alegou, muito em síntese, o que segue:

I–DO OBJETO DA IMPUGNAÇÃO.
a)-Caducidade do procedimento contraordenacional por ultrapassagem do prazo legal e perentório de 60 dias para a instrução do mesmo;  
b)- Da força probatória do Auto de Notícia;
c)-Da nulidade por desconsideração das declarações da testemunha e demais prova;

II–DOS FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO.
d)-Da alegada falta de pagamento das diuturnidades;
e)-Da inexistência de infração ao disposto no n.º 1 do artigo 521.º do Código do Trabalho.

Arrematou as conclusões de tais alegações nos moldes seguintes:
«Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá, se requer:
a)-Seja a caducidade do Procedimento julgada procedente, por provada e, consequentemente, o processo arquivado;
Caso assim não se entenda,
b)-Seja a exceção de nulidade por falta de força probatória do auto de notícia julgada procedente, por provada e, consequentemente, o processo arquivado;
Caso assim não se entenda,
c)-Seja a exceção de nulidade por desconsideração das declarações das testemunhas e demais prova julgada procedente, por provada e, consequentemente, o processo arquivado;
Caso assim não se entenda,
d)-Seja a falta de objecto do processo de contraordenação por inexistência de norma violada julgada procedente, por provada,
Ou, caso assim não se entenda:
e)-Seja julgado improcedente o pedido de condenação da Recorrente formulado pela Autoridade para as Condições do Trabalho, por não provado, e, consequentemente, a Recorrente absolvida das contraordenações que vem acusada.» [[1]].
***

Tal decisão da ACT fundou-se no Auto de Notícia levantado no dia 16/06/2015 por uma sua Inspetora e que se mostra junto a fls. 4 a 41 (0115500229 – Processo COL n.º 011500260).

O Auto de Notícia certificava os procedimentos imputados à arguida e constatados no dia 02/06/2014, pelas 16,30 horas, que se traduziam no facto de a arguida, de acordo com a regulamentação coletiva aplicável e a informação constante do registo de pessoal da mesma relativamente à data de admissão, respetiva categoria profissional e promoções ocorridas, não ter pago diuturnidades às trabalhadoras (…),(…),(…),(…),(…),(…),(…), nos valores discriminados nos quadros constantes de tal Auto de Notícia [[2]].

Notificada a arguida, através de carta registada com Aviso de Receção (fls. 43 e 44), veio a mesma apresentar oposição dentro do prazo legal, nos termos de fls. 46 e seguintes e 58 e seguintes (original), tendo então e após a inquirição da única testemunha arrolada pela arguida (…), fls. 63), sido elaborada pelo instrutor do processo a proposta de decisão (fls. 70 a 74) que, tendo sido acolhida pela Direção da ACT, culminou na decisão de fls. 75, datada de 8/3/2016.

Tal decisão da ACT foi notificada à arguida através de carta registada com Aviso de Receção (fls. 76, 77 e 79). 

A arguida apresentou, no quadro do seu recurso da decisão administrativa, as alegações de fls. 84 e seguintes/98 e seguintes.

A ACT respondeu a tais alegações de recurso nos moldes constantes de fls. 131 a 134 verso, tendo concluído as mesmas nos seguintes moldes:
«Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Exa., deverá a presente impugnação judicial ser julgada improcedente por não provada, e o ato praticado pelo recorrido, ser julgado valido por legal, mantendo-se a decisão final proferida no âmbito do processo contraordenacional.»

Recebido o recurso no Tribunal do Trabalho do Barreiro, veio, a fls. 2, o Ministério Público deduzir acusação nos termos previstos no art.º 37.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09 [[3]], tendo sido então proferido o despacho judicial de fls. 135, com data de 15/6/2016, onde foi admitido o recurso da arguida, lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo e entendido que o objeto de tal recurso podia ser decidido por simples despacho, não se tendo oposto a arguida e o Ministério Público a que tal assim acontecesse.

Por mero despacho judicial de fls. 238 a 250, proferido em 13/06/2017 foi, em síntese, decidido o seguinte:
“Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pela recorrente, declarando-se a nulidade da decisão administrativa proferida.
*
Sem custas.
*
Notifique e Deposite (cfr. artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas).
Comunique a presente decisão à Autoridade Administrativa (art.º 70.º, n.º 4, do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro)”.    
***

O despacho recorrido fundou-se na seguinte argumentação jurídica:
“Em sede de recurso, veio a Recorrente pedir a declaração de nulidade da decisão do ACT. Invoca, em suma e para além de outros argumentos, que a decisão administrativa não valorou a defesa apresentada, nomeadamente o depoimento da testemunha arrolada pela arguida.
Em alegações, veio o ACT dizer “Quanto à testemunha apresentada, certamente por lapso a arguida não assimilou que a mesma declarou desconhecer a situação dos trabalhadores identificados no auto de notícia, sendo que na sua situação concreta e no que reporta igualmente à atualização das diuturnidades, só após a intervenção do sindicato, conseguiu que a mesma fosse efetuada.
***
IISANEAMENTO E FUNDAMENTAÇÃO:

O Tribunal é competente.
Recorrente e Recorrida têm personalidade e capacidade judiciárias, e possuem legitimidade.
Analise-se desde já a questão suscitada quanto à eventual nulidade da decisão administrativa por não apreciar os argumentos aduzidos pela defesa, nomeadamente não ter em conta o depoimento da testemunha arrolada pela defesa.
*
A arguida apresentou defesa escrita, em que refere:
“(…)
9. Assim, a Exma. Senhora Inspetora vem então elaborar os mapas de apuramento das quantias em dívida às trabalhadoras, concluindo pela sua automática falta de pagamento.
(…)
11. Com efeito em lado algum é apresentada ou demonstrada uma prova de que esse pagamento não foi efetivamente realizado.”. E arrola como testemunha (…).
A referida testemunha foi ouvida a fls. 58 do processo administrativo, fls. 63 do processo em tribunal.
Do confronto dos elementos de identificação da testemunha com o constante de fls. 26 e o teor da decisão administrativa, verifica-se que a testemunha é um dos trabalhadores indicados na decisão como um dos sujeitos em relação a quem há pagamentos por efetuar, com o nome abreviado de (…).
Sucede que a testemunha referiu “que a sua situação está totalmente regularizada desde fevereiro de 2014”.
A decisão administrativa dá como reproduzido o depoimento da testemunha (…), de fls. 58 dos autos, mas leva aos factos provados o não pagamento das quantias à trabalhadora (…) (cfr. quadros sob os n.ºs 2 e 3), condenando a arguida em pagamentos que a trabalhadora admitiu já ter recebido. Ora, a decisão não explica porque razão considerou não credível o depoimento da testemunha, trabalhadora interessada.
Por outro lado, ao contrário do que refere o ACT em alegações, a testemunha, a fls. 58, também declarou conhecer o caso de outra trabalhadora, Paula Cristina Fernandes, mas o auto não é percetível quanto ao conhecimento sobre o pagamento ou não pagamento das quantias em dívida a esta trabalhadora, dizendo-se apenas “… a mesma transmitiu-lhe que questionou a arguida no sentido de saber se tinha conhecimento ao pagamento das diuturnidades”.
O ACT não analisou a questão do pagamento das quantias em causa, o que se impunha, quer tendo em conta a argumentação da arguida em sede de defesa quer sobretudo tendo em conta o depoimento de uma das trabalhadoras em causa que referiu ter sido paga.
Importava proceder eventualmente à audição dos trabalhadores referidos e analisar os recibos respetivos, para se concluir, caso a caso, sobre o pagamento ou não pagamento das quantias em causa, datas de tais pagamento, inclusão de juros, contribuições para a SS, etc.
Após, era necessário que a decisão administrativa se debruçasse sobre um dos argumentos de defesa da arguida, o eventual pagamento das quantias.
Constam dos arts. 58.º, n.º 1 do RGCOC e 25.º da Lei 107/09, de 14/9, os elementos obrigatórios da decisão administrativa, a qual tem de ser devidamente fundamentada.
Uma decisão devidamente fundamentada tem de conter a análise dos argumentos da defesa, a prova ou não prova dos factos relevantes para a decisão aduzidos pela defesa, a indicação dos meios de prova por esta juntos, a sua apreciação em termos de coerência e credibilidade e a apreciação dos argumentos da defesa, em face das normas legais aplicáveis.
A condenação não se pode basear numa minuta genérica aplicável a situações similares, sem apreciação concreta das especificidades de cada defesa.
No caso concreto, a falta de análise dos argumentos da defesa, sobretudo em face de prova arrolada pela mesma que contraria a tese do ACT, não permite considerar preenchido o dever de fundamentação e transparência que incumbe à Autoridade Administrativa.
A apreciação fáctica e jurídica dos elementos trazidos pela defesa, bem como a valoração dos meios de prova por si carreados aos autos, são elementos essenciais e imprescindíveis de toda e qualquer decisão condenatória no âmbito de processo contraordenacional.
In casu, não se pode considerar plenamente assegurado o contraditório, corolário do direito de defesa, legal e constitucionalmente protegido (arts. 50.º do RGCOC, aplicado subsidiariamente às contraordenações laborais, e art.º 32.º, n.º 10 da CRP), pois embora a arguida tenha apresentado defesa e meios de prova, os mesmos não foram objeto de apreciação. Além do mais, não pode o Tribunal, mera instância de recurso, substituir-se à Autoridade Administrativa na apreciação pioneira dos argumentos da defesa.
Termos em que se deverá declarar a nulidade da decisão administrativa proferida.
*
Sendo a decisão administrativa nula e não produzindo quaisquer efeitos “ab initio” fica preterido o conhecimento de outras questões.
***
- CUSTAS –
Atenta a procedência do presente recurso de impugnação judicial, não são devidas custas.”
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O ilustre magistrado do Ministério Público, notificado de tal despacho e não se conformando como ele, veio interpor recurso do mesmo para este Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos de fls. 152 e seguintes, que foi admitido nos termos do despacho de fls. 170 verso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.     
***

O MP, no final do seu recurso, formulou as seguintes conclusões (fls. 153 e seguintes):   
   
“1–Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da Douta Sentença que determinou a nulidade da decisão administrativa que havia condenado a sociedade arguida na coima de € 2250,00, 25 UCs, pela prática de uma contraordenação grave prevista e punida nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 521.º, al. e) do n.º 3 do artigo 554.º, ambos do Código do Trabalho.
2–A recorrente colocou uma questão prévia, epigrafada de “caducidade do procedimento”, sobre a qual a sentença não se pronunciou, pelo que a decisão é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º1, al. c) do Código de Processo Penal.
3–A Meritíssima Juiz ao ter entendido que a decisão administrativa não se encontra fundamentada e que viola o princípio do contraditório efetuou uma errada interpretação do disposto no artigo 25º da Lei 107/2009, de 14/09, artigo 50.º do RGCO e 32.º, n.º 10 CRP.
4–A fundamentação da decisão administrativa é suficiente, porquanto justifica as razões pelas quais, atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas é aplicada a coima à sociedade arguida.
5–O recurso da sociedade arguida, pelos argumentos apresentados, espelha total alcance dos factos que lhe são imputados, pelo que dúvidas não existem que a decisão administrativa cumpre os requisitos do artigo 25.º da Lei 107/2009, d e14/09.
6–Não existe qualquer violação do princípio do contraditório, mas apenas decisão por parte da autoridade administrativa diversa da defendida pela sociedade arguida.
7–Pelo exposto, ao decidir como decidiu a Douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 25.º da Lei 107/2009, de 14.09 e artigos 521.º, n.º 1 e 554.º, n.º 3, al. e) do Código do Trabalho.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência:
- Se declare a sentença nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º1, al. c) do C.P.P.;
- Se revogue a decisão recorrida e se substitua por outra que pressuponha que a decisão condenatória da entidade administrativa não padece das nulidades que lhe foram detetadas naquela sentença recorrida e que mantenha a condenação sofrida.
Este é o entendimento que perfilhamos. Vossas Excelências, porém, farão a costumada JUSTIÇA!”
***

A arguida, AAA, LDA., notificada de tais alegações, veio responder-lhes nos moldes constantes de fls. 157 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A.As presentes contra-alegações apresentadas pela Arguida têm por objeto a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo que declarou, e bem, a nulidade da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) no âmbito do processo de contraordenação número 011500260, dando provimentos à impugnação judicial apresentada pela Arguida.
B.O referido processo teve origem na ação inspetiva promovida pela ACT na loja da Arguida, sita na Loja (…), Almada.
C.A nulidade da decisão administrativa foi declarada em uniformidade com os argumentos que a Arguida apresentou na sua defesa escrita e na sua impugnação judicial.
D.Eram e são manifestos os vícios que enfermava a decisão administrativa, que não valorou nem apreciou coerentemente a defesa apresentada pela Arguida, bem como a testemunha por si arrolada.
E.Saliente-se que, de todo o exposto pelo Ministério Público (M.P) nas suas alegações de recurso, o Tribunal da Relação só deverá ater-se à matéria de Direito, tal como dispõe o artigo 51.º da Lei das Contraordenações Laborais, não podendo o M.P tentar subtilmente alterar a matéria de facto e a prova tal como foi produzida.
F.Ora, diga-se, desde já, que não existem fundamentos para um recurso, pois violou-se, na fase administrativa, o princípio do contraditório e não houve omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo.
G.O M.P suscita a nulidade da sentença, por esta não se ter pronunciado sobre o tema da caducidade do procedimento, invocado pela Arguida na sua impugnação judicial, mostrando total incoerência quando invoca expressamente que a caducidade não merece acolhimento nosso ordenamento jurídico.
H.Pedir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre um facto que o M.P considera que não merece acolhimentos não faz, pois, qualquer sentido, ainda mais quando o M.P apenas invoca uma norma do Código de Processo Penal (CPP) para sustentar a nulidade da sentença por omissão, não referindo, no entanto, qual a disposição legal que remete para a aplicação das normas do CPP.
I.Mesmo que assim não se entenda, ao decidir pela nulidade da sentença, o Tribunal a quo preteriu o conhecimento das outras questões, com toda a legitimidade legal para tal, e o M.P também reconhece essa legitimidade quando transcreve para o seu recurso toda a fundamentação do Tribunal a quo com exceção da conclusão, quando este termina dizendo que se a decisão administrativa é nula fica preterido o conhecimento de outras questões.
J.Conclui-se, então, que não existe, obviamente, omissão de pronúncia, nem poderá a sentença ser declarada nula com esse fundamento.
K.Caso assim não se entenda, o que se considera apenas por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a ACT excedeu, de forma flagrante, os prazos legalmente previstos para a duração da fase instrutória do processo contraordenacional, determinando tal excesso a caducidade do processo.
L.Sabendo que, entre a visita inspetiva e a notificação do auto decorreram cerca de um ano, e desde a resposta ao auto de notícia e a notificação da decisão decorreram cerca de 4 (quatro) meses!
M.Deste modo, foram necessários cerca de 4 (quatro) meses para a prática de atos de instrução, os quais nem sequer são verificáveis pela aqui Arguida, dado que a prova existente à data do auto de notícia é praticamente a mesma à data da decisão final, não se vislumbrando, pois, qualquer razão que justifique períodos tão alargados de demora do processo.
N.O prazo de 60 (sessenta) dias estabelecido no n.º 1 do art.º 24.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, é um prazo perentório e tal resulta do facto de estar prevista a possibilidade da sua sucessiva prorrogação por iguais períodos em casos devidamente fundamentados; prorrogações e fundamentos esses que nunca existiram.
O.Tendo sido excedido o referido prazo e não tendo existido prorrogações de prazo, a consequência necessária é a referida caducidade do procedimento e o seu arquivamento.
P.Ademais, fere o mais elementar bom senso jurídico considerar que a inexistência de cominação expressa para a ultrapassagem de um prazo determina a ausência de consequências jurídicas desse facto.
Q.Ora, ainda que se admitisse, o que apenas por mera hipótese se levanta, mas não se aceita, que o prazo de 60 (sessenta) dias previsto no Regime das Contraordenações Laborais é meramente ordenador, o que não se concede, e que, portanto, não traria qualquer consequência a sua violação, facto é que, no presente caso, foi excedido de forma grosseira.
R.Tal mais que desrespeitar a lei, desrespeita o princípio, constitucionalmente consagrado, da proporcionalidade da conduta dos órgãos e agentes administrativos.
S.Adicionalmente, o M.P tentou defender que a prova testemunhal e a defesa da Arguida foram integralmente consideradas, apreciadas e valoradas, enquanto é claríssimo que não o foram, tendo em atenção o depoimento testemunhal.
T.A ACT não fez exame crítico da prova carreada ao processo, dando como facto provado o não pagamento das quantias à trabalhadora (…), condenando a Arguida em pagamentos, enquanto esta testemunha admitiu que os pagamentos estavam regularizados desde 2014, e isto ficou bem expresso na impugnação judicial apresentada pela Arguida, ou seja, não é um tema novo.
U.O M.P vem, neste seguimento, alegar que a decisão administrativa não padece de nulidade, defendendo que não existe falta ou obrigação de fundamentação nem violação do direito de defesa, concluindo que não há violação do artigo 25.º da Lei das Contraordenações Laborais e do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO).
V.Não se compreende, pois, a razão de o M.P alegar e acreditar que a autoridade administrativa (ACT) não está obrigada a fazer exame crítico da prova, enquanto não só está obrigada a fazê-lo, como deve expor os fundamentos que conduzam à opção por determinada solução - o que não fez.
W.A apreciação dos factos, do Direito e das provas trazidas ao processo são elementos essenciais e imprescindíveis na formulação de toda e qualquer decisão condenatória no âmbito dos processos contraordenacionais, e outros.

X.Neste âmbito, atente-se no disposto no artigo 374.º do CPP sobre os requisitos da sentença:
1–A sentença começa por um relatório, que contém:
a)- As indicações tendentes à identificação do arguido;
b)- As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c)- A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d)- A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2–Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” (destaque nosso)

Y.Com efeito, em matéria de facto, a fundamentação remete, como refere o segmento final do n.º 2 do artigo 374.º do CPP para a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Z.Conclui-se e reitera-se que a indicação das provas e o seu exame crítico é obrigatório, caindo, por isso, qualquer fundamento que o M.P tente aventar para tentar fazer cair a decisão do Tribunal a quo.
AA.Em suma, a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, tem de conter, também, os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido.
BB.Pelo que parece, o M.P confunde a descrição de factos e fundamentação das decisões com exame crítico das provas, enquanto são figuras distintas, mas complementares entre si.
CC.Vem o M.P alegar que “Em razão da génese e teleologia do procedimento contraordenacional, a fundamentação será suficiente desde que justifique as razões pelas quais – atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos.
DD.Ora, a Arguida até pode perceber as razões pelas quais é condenada e até impugnar tais fundamentos, o que fez, não significando isso que foi feita uma análise crítica das provas carreadas ao processo.
EE.Aliás, tal como se transcreveu supra, a Arguida impugnou a (não) valorização da sua prova testemunhal por parte da ACT.
FF.Acrescenta, ainda, o M.P que a impugnação judicial da Arguida espelha total alcance dos factos que lhe são imputados.
GG.Reitere-se o raciocínio lógico de que a Arguida até pode alcançar todos os factos que lhe são imputados e a sua defesa expressa isso mesmo. Mas, isso não é sinónimo de ter existido um exame crítico das provas.
HH.Refira-se, ainda, que o Princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127.º do CPP, impõe ao Tribunal a apreciação da prova segundo as regras da experiência comum. Assim sendo, a apreciação da prova poderá ser distinta entre uma entidade administrativa e um Tribunal.
II.Adicionalmente, o M.P formula a conclusão de que “a decisão administrativa contém na sua fundamentação, ainda que de forma conclusiva, as razões do sentido da sua decisão, pelo que não ocorre qualquer violação do direito de defesa da sociedade arguida.”
JJ. Na verdade, o M.P admite que as razões de sentido da decisão da ACT são formuladas de forma conclusiva, o que significa que se trata de uma fundamentação sucinta e parcial.
KK.Além disso, o facto de a decisão administrativa conter na sua fundamentação as razões de sentido da sua decisão, não assegura o direito de defesa e contraditório da Arguida.
LL.Embora a Arguida tenha apresentado defesa e meios de prova, os mesmos não foram objeto de apreciação, não restando, por isso, qualquer dúvida de que a decisão administrativa também violou o Princípio do contraditório, como decide, e bem, o Tribunal de Primeira Instância.
MM.Por todo o supra exposto, deverá ser mantida integralmente a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, sendo nula a decisão administrativa emitida pela ACT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser mantida a sentença recorrida e, em consequência, anular a decisão administrativa proferida e absolver a Arguida das contraordenações que lhe foram imputadas. Ao julgardes assim, Venerandos Desembargadores, estareis a fazer a costumada JUSTIÇA!».                
***

O ilustre magistrado do Ministério Público colocado neste Tribunal da Relação de Lisboa limitou-se a apor um visto em termos de parecer (fls. 175).
***

Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

O despacho impugnado não estabeleceu qualquer factualidade provada e não provada, sendo que a ACT fixou os termos da mesma nos seguintes moldes:
«Compulsada a prova documental junta aos autos, bem como o teor da resposta escrita e o auto de inquirição da testemunha, resulta a seguinte factualidade como provada:
1)– No dia 02/06/2014, pelas 16:30 horas, foi efetuada visita inspetiva ao de trabalho da arguida, sito na loja (…) Almada;
2)– De forma pessoal e direta e através de documentação fornecida pela própria arguida foi verificado que esta mantinha ao seu serviço sob as suas ordens e direção, fiscalização e mediante retribuição as seguintes trabalhadoras, as quais não estavam posicionadas conforme as seguintes diuturnidades, considerando a informação retirada do seu registo de pessoal, fornecido própria arguida, fls. 8 a 24 dos autos:


NNomeCategoria profissionalAdmissãoÚltima promoção1.ª Diuturnidade2.ª Diuturnidade3.ª Diuturnidade
(…)1.ª Caixeira20/5/20021/6/20101/6/2013 – 3€-------------
(…)Chefe de Secção 9/1/19981/5/20061/5/2009 – 3 €1/5/2012 – 6 €1/5/2015 – 9 €
(…)1.ª Caixeira19/6/19921/1/20091/1/2012 – 3 €1/1/2015 – 6 €-------
(…)Caixa de balcão com mais de 3 anos 8/7/20021/6/20071/6/2010 – 3 €1/6/2013 – 6 €-------
(…)Chefe de Secção8/10/19991/4/20071/4/2010 – 3 €1/4/2013 – 6 €-------
(…)Escriturária de 1.ª 9/9/19991/9/20071/9/2010 – 3 €1/9/2013 – 6 €-------
Decoradora1/10/19991/10/20031/10/2006 – 3 €1/10/2009 – 6 €1/10/2012 – 9 €


3.– Às trabalhadoras acima identificadas e à Segurança Social, e em virtude da de posicionamento salarial relativo às identificadas diuturnidades, a partir das datas mencionadas, são devidos os seguintes valores:


NomeCréditos devidos a trabalhadoraContribuições devidas
à Segurança Social
(…)€ 64,08€ 7,92
(…)€ 296,37€ 36,63
(…)€ 122,82€ 15,18
(…)€ 224,28€ 27,72
(…)€ 234,96€ 29,04
(…)€ 208,26€ 25,74
(…)s€ 536,67€ 66,33
Total€ 1.687,44€ 208,56


4)– A arguida não efetuou os pagamentos identificados no quadro exposto no ponto 3), dos factos provados;
5)– A arguida atuou da forma descrita não procedendo com o cuidado a segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, bem sabia que a sua conduta era punida por lei;
6)– A arguida apresentou um volume de negócios relativo ao ano de 201] valor de € 46.300.447,00, conforme informação constante do Relatório Anual.
Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa. 

VIIFactos não provados.
Não se provaram quaisquer factos com interesse para a decisão por ausência de prova.» [[4]]

III –OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 33.º, número 1 e 50.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e, subsidiariamente, dos artigos 412.º e 420.º, número 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

A –REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.

Os presentes autos de recurso de contraordenação conheceram a sua génese no Auto de Notícia levantado no dia 16/06/2015, ou seja, quando já vigorava, nesta matéria, o Código do Trabalho de 2009, que iniciou a sua vigência a 17/02/2009 [[5]], bem como o atual Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09, que começou a produzir efeitos no dia 1/10/2009, como finalmente as alterações introduzidas no Código de Processo de Trabalho, pelo Decreto-Lei n.º 259/2009, de 13/10, que tiveram começo de vigência em 1/1/2010.
Manteve-se, naturalmente e em termos subsidiários, o Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10) e o Código de Processo Penal.
Ora, será, portanto de acordo com o Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e com os demais diplomas legais de carácter supletivo, já acima identificados, que iremos apreciar as questões de índole adjetiva que eventualmente se suscitem neste recurso de contraordenação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, por força do artigo 59.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  
                
B –OBJECTO DO RECURSO.

O Ministério Público, nas suas alegações de recurso, vem, por um lado, arguir a nulidade do despacho recorrido, por omissão de pronúncia (não se debruçou sobre a questão da caducidade do procedimento contraordenacional que foi suscitada pela arguida, à cabeça da sua impugnação judicial) e, por outro, contestar a nulidade da decisão administrativa da ACT que foi declarada pelo referido despacho, por entender que, ao contrário do que aí foi defendido, a fundamentação de facto e de direito constante daquela decisão é suficiente e perfeitamente compreensível pelos seus destinatários (v.g., a arguida aqui recorrida), não se verificando da parte da ACT qualquer violação do princípio do contraditório.  
         
C –ADMISSÃO DO RECURSO.

Chegados aqui, importa chamar à colação o disposto no artigo 49.º do RPCOLSS (Lei n.º 107/2009, de 14/09), que tem como epígrafe «Decisões judiciais que admitem recurso» e que possui a seguinte redação:

Artigo 49.º
Decisões judiciais que admitem recurso
1– Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a)- For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b)- A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c)- O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d)- A impugnação judicial for rejeitada;
e)- O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 39.º
2– Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3– Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites. 

Se cruzarmos os elementos de facto e de direito que emergem do presente processo contraordenacional, com especial incidência para a condenação que pesou sobre a arguida (25 UC) e que não foi acompanhada por qualquer outro tipo de penalização acessória, para os factos e o direito que a fundamentam e para o teor das alegações/conclusões de recurso interposto pelo Ministério Público para este Tribunal da Relação de Lisboa, facilmente constatamos que aquela singela coima de 25 UC não cumpre as exigências mínimas de cariz sancionatório que são reclamadas pela alínea a) do número 1 do artigo 49.º, não tendo, por outro lado, sido a arguida alvo de sanções acessórias nem absolvida nem, finalmente, determinado o tribunal da 1.ª instância o arquivamento do procedimento contraordenacional, a rejeição da impugnação judicial ou a decisão por via de despacho judicial, não obstante a arguida se ter oposto a esse julgamento simplificado, por dispensar a produção de prova e a discussão em sede de Audiência Final.

Afastadas as diversas hipóteses do número 1 do artigo 49.º, também se dirá que nem o Ministério Público nem a arguida requereram a este tribunal da 2.ª instância que aceitasse, ainda assim, o recurso interposto por tal se afigurar «manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», sendo, por outro lado, manifesto que o objeto do mesmo não suscita questões que se pudessem reconduzir a qualquer um desses propósitos do legislador.

Importa, em derradeiro argumento, dizer que a circunstância do ilustre magistrado do Ministério Público ter arguido a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia não significa que este tribunal de recurso esteja obrigado, não obstante não se mostrarem verificados os requisitos de admissão e conhecimento do recurso pelo mesmo interposto, a analisar e a decidir a mesma, logrando-se assim, por via indireta, obter um Acórdão anulador do despacho judicial recorrido, caso a nossa análise e decisão fosse favorável às pretensões do recorrente.

Tal perspetiva que, a ser acolhida, faria entrar sub-repticiamente pela janela o que não se conseguiu fazer entrar atempada e legalmente pela porta, não conhece uma qualquer base mínima de sustentação jurídica, pois o recurso da sentença ou despacho judiciais para o tribunal da 2.ª instância tem não apenas como pressuposto necessário e obrigatório a impugnação de tais decisões judiciais como ainda e naturalmente que tal recurso seja interposto em tempo e reúna os demais requisitos de admissibilidade que são impostos igualmente pelo legislador.

A ser assim, caso tal impugnação, por via de recurso para o tribunal da 2.ª instância do despacho judicial que anulou a decisão administrativa da ACT, não reúna todos esses elementos ou características reclamadas pelas normas legais aplicáveis, o seu destino é a rejeição por parte do tribunal competente (neste caso, por este Tribunal da Relação de Lisboa), que assim não se acha funcional ou juridicamente vinculado a julgar qualquer questão que seja abordada nas alegações do dito recurso, sendo irrelevante para esse efeito a natureza mais ou menos gravosa daquela ou mesmo a sua oficiosidade, em termos de conhecimento pelo magistrado judicial.

A não admissão da impugnação recursória do despacho ou sentença judiciais fecha definitivamente tal porta e afasta (nega), em absoluto, a possibilidade de apreciação e decisão pelos juízes do tribunal da 2.ª instância do objeto daquela (aí se incluindo eventuais nulidades do despacho ou sentença judiciais que foram objeto desse recurso).

Logo, pelos fundamentos expostos, tem o presente recurso de contraordenação de ser rejeitado, por o cenário dos autos não se reconduzir a qualquer uma das situações elencadas nos números 1 e 2 do artigo 49.º acima transcrito e não ser assim suscetível de impugnação judicial para este tribunal da 2.ª instância.   
     
IV–DECISÃO.
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em não admitir o presente recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por o mesmo não caber em qualquer uma das condições de admissibilidade constante dos números 1 e 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.    
Sem custas.
Registe e notifique.



Lisboa, 6 de dezembro de 2017


     
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)

     

[1]As conclusões de tal impugnação judicial foram as seguintes:
«1. A presente impugnação judicial interposta pela ora Recorrente tem por objeto a decisão proferida no processo de contra-ordenação n.º 011500260 datada de 11 (onze) de marco de 2016, que teve origem na ação inspetiva promovida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante apenas ACT) na loja da Recorrente, seta na Loja (…), Almada
Da Caducidade do Procedimento
2. A ACT excedeu, de forma flagrante, os prazos legalmente previstos para a duração da fase instrutória do processo contraordenacional, o que determina, naturalmente, a caducidade do procedimento.
3. Ora, a visita inspetiva foi realizada no dia 2 (dois) de junho de 2014, contudo o Auto de Notícia apenas foi notificado à Arguida, ora Recorrente, em junho de 2015.
4. A Arguida, aqui Recorrente, apresentou a sua defesa escrita dentro do prazo correspondente, ainda em novembro de 2015, sendo que somente no dia 11 de marco de 2016, veio a ser proferida decisão final, a qual aqui se impugna
5. Pelo que entre a visita inspetiva e a notificação do auto decorreram cerca de 12 (doze) meses, e desde a resposta ao auto de notícia e a notificação da decisão decorreram cerca de 4 (quatro) meses!
6. Sendo que no presente processo não houve sequer diligências instrutórias, além da inquirição da testemunha arrolada pela Arguida, ora Recorrente, o que não poderá deixar de ser sancionado, conforme infra melhor se explicar
7. Não se vislumbra, pois, qualquer razão que justifique períodos tão alargados de demora do processo, uma vez que não houve mais diligências instrutórias realizadas nesse período.
8. Em face do que assim fica descrito, terá necessariamente de se concluir pela caducidade do presente processo contraordenacional, porquanto a fase instrutória excedeu os prazos máximos legalmente estabelecidos, uma vez que o prazo de 60 (sessenta) dias estabelecido no n.º 1 do art.º 24.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro, é um prazo perentório e que tal resulta do facto de estar prevista a possibilidade da sua sucessiva prorrogação por iguais períodos em casos devidamente fundamentados, embora tais prorrogações e fundamentos que nunca existiram.
9. Ademais, fere o mais elementar bom senso jurídico considerar que a inexistência de cominação expressa para a ultrapassagem de um prazo determina a ausência de consequências jurídicas desse facto
10. Afigura-se pacifica a noção de prazo perentório como sendo aquele cujo decurso do prazo extingue o direito de praticar o ato - cfr. art.º 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
11. A este propósito, vela-se a sentença da 5.ª Secção de Trabalho, J1 da Instância Central de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, que ora se junta como Documento 1 e cujos efeitos aqui se dão por legalmente reproduzidos, "é certo que o citado preceito não estabelece expressamente uma cominação para a ultrapassagem do prazo. Mas visando esta fundamentar a decisão final do processo administrativo, designadamente a decisão de instrução condenatória prevista no preceito seguinte (artigo 25.º da citada Lei 170/2009), outra solução não resta do que concluir que, ao não ter sido respeitado o prazo máximo para a instrução, caducou o direito a aplicar qualquer sanção".
12. Concluindo a referida sentença que "desde já se decide julgar procedente a questão da caducidade invocada pela Arguida/Recorrente (…), S.A, revogando-se por isso a coima."
13. Ora, ainda que se admitisse, o que apenas por mera hipótese se levanta, mas não se aceita, que o prazo de 60 (sessenta) dias previsto no Regime das Contra-ordenações Laborais é meramente ordenador, e que, portanto, não traria qualquer consequência a sua violação, facto é que no presente caso foi excedido de forma grosseira.
14. Tal mais que desrespeitar a lei, desrespeita o princípio, constitucionalmente consagrado, da proporcionalidade da conduta dos órgãos e agentes administrativos.
15. Dispõe o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa que "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados a Constituição e a lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios do igualdade, da proporcionalidade, do rustica e do imparcialidade". (sublinhado nosso)
16. Cite-se, a este propósito, os Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral nas suas Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações "encontra-se este princípio intimamente ligado ao da igualdade, embora vá um pouco para além quando impõe o respeito pela proporcionalidade ou da proibição do excesso: Como aquele também atravessa o processo desde a fase da aquisição e recolha das provas, passando pela instrução e até à decisão final. A Administração deve, assim, agir no exercício de poderes vinculados não só quanto à aplicação da lei substantiva como também quanto ao modo e forma de actuação para encontrar a vontade que há-de decidir o processo. Devem, por ultimo, os órgãos e agentes administrativos pautar a sua conduta enquanto titulares do processo, pelo princípio da boa-fé em sentido subjectivo e objectivo".
17. Assim, resulta cristalino que o entendimento vertido que a ora Recorrente propugna e que foi acolhido pelo douto Tribunal de Vila Nova de Gaia é, efetivamente, aquele que se afigura mais correto e conforme ao direito, atento os princípios e matéria aqui em causa, pelo que as delongas na fase de instrução do processo deverão conduzir a caducidade do procedimento, com todas as devidas e legais consequências.
18. Desta forma, devera concluir-se pela caducidade do procedimento, devendo por conseguinte arquivar-se o processo
Da força probatória do auto de notícia
19. Entre a verificação dos factos alegadamente ilícitos e sujeitos a contra-ordenação e o auto de notícia mediaram cerca 12 meses!
20. Ora, a Lei 107/2009 de 14 de setembro, não estabelece um prazo para os inspetores da ACT elaborarem o auto de notícia, no entanto, o Código de Processo Penal, aqui subsidiariamente aplicável, determina no artigo 243.º, n º 3 que o auto de notícia deve ser elaborado "no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias".
21. Ora, ainda que se alegue, hipótese que se levanta por mera cautela, que o auto de notícia no âmbito das contra-ordenações laborais não tem obrigatoriamente de ser levantado ate 10 dias depois da verificação do suposto ilícito, facto é que fere a mais básica sensibilidade que um auto de notícia demore cerca de 360 (trezentos e sessenta) dias a ser levantado!
22. Aliás, refira-se (uma vez mais) que a Lei 107/2009, de 14 de setembro impõe o prazo de 60 dias para a conclusão da instrução (cfr. art.º 24.º do referido diploma legal) — que compreende uma série de diligências de prova, nomeadamente solicitação de documentos e inquirição de testemunhas
23. Questiona-se, assim, como poderá um auto de notícia levantado tanto tempo depois da visita inspetiva ser rigoroso e preciso sobre a descrição circunstanciada dos factos que dariam lugar, alegadamente, à contra-ordenação?
24. Dispõe o artigo 15.º do Regime das Contra-ordenações Laborais que "o auto de notícia, a participação e o auto de infração referidos nos artigos anteriores mencionam especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante e, ainda, relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas" (sublinhado nosso)
25. Todos os elementos legalmente elencados e que devem fazer parte do auto de notícia são factuais, pelo que, embora não se alterem com o decurso do tempo, a verdade é que a descrição que virá a ser elaborada por quem os verificou irá perder exatidão e consistência, à medida que passam os dias.
26. Um auto de notícia que não seja elaborado de imediato, ou num período de tempo que se afigure como razoável, mas sempre na ordem de dias, perde, de forma substancial, rigor fáctico.
27. Sendo menos rigorosa a descrição fáctica, e também menos verdadeira e verídica.
28. Consequentemente, o auto elaborado no presente processo reproduz um conteúdo cuja veracidade segue impugnada, impugnando-se igualmente a sua força probatória, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 3, parte final da Lei 107/2009 de 14 de setembro
29. Termos em que se devera considerar nulo o procedimento e a decisão que se impugna, em face de ter sido excedido o prazo máximo de 10 dias legalmente previsto, ou ainda que assim não se entenda, por não ter sido respeitado um prazo curto e razoável entre a notícia dos alegados factos e a redação do auto, o que, naturalmente, tem efeitos no rigor fáctico do processo.
Da Nulidade por desconsideração das declarações da testemunha e demais prova
30. Na sua resposta escrita, a Recorrente indicou uma testemunha, a saber, a Exma. Sra. (…), testemunha cuja audição foi totalmente desconsiderada pela ACT.
31. Sucede que não foram as declarações recolhidas tomadas em consideração, porquanto as mesmas importariam decisão diversa da decisão que aqui se impugna.
32. Ora, tal desconsideração pela prova produzida revela-se como uma grave nulidade de todo o processo, porquanto não foram tomados em consideração os factos tal como constantes da prova produzida pela Recorrente
33. Mais acresce que a Autoridade para as Condições de Trabalho demonstra-se totalmente indiferente para com tudo aquilo que é alegado pela Recorrente na sua resposta escrita, além de, e de forma gritante, no que toca à prova testemunhal indicada pela Recorrente.
34. Tal situação revela um enorme desrespeito pelos princípios de um juízo independente, é que a ACT investida da pele de acusadora e julgadora preteriu um elemento fundamental da defesa apresentada, ou seja, a prova produzida pela Recorrente.
35. Nesta medida, e em face da nulidade aqui descrita, deve o processo de contra-ordenação ser arquivado
Dos fundamentos da impugnação
36. A Recorrente e uma sociedade comercial que detém diversos estabelecimentos de venda de pronto-a-vestir, tendo a representação em Portugal das Lojas da marca (…).
37. No dia 2 de junho de 2014, na  (…), Almada, a ora Requerente recebeu uma visita inspetiva promovida pela ACT.
Da alegada falta de pagamento de diuturnidades
38. Nos termos do Auto de Noticia entendeu a ACT consubstanciar a conduta da Recorrente numa infração porquanto "mantinha ao seu serviço sob as suas ordens, direção, fiscalização e mediante retribuição, entre outros, as trabalhadoras; (…),(…),(…),(…),(…),(…),(…) sem que tivesse pago a estas trabalhadores as diuturnidades devidas, após a ultima promoção, estabelecidas nas clausulas 11 a, 12 2 e 22.a do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável".
39. Considerando assim a ACT que a ora Recorrente infringiu o disposto na cláusula 12.ª, mediante a qual "os trabalhadores admitidos tem direito a uma categoria profissional e a usufruir de promoções obrigatórias" A ACT alega, ainda, que a Recorrente infringe a cláusula 22a, n. (21 da CCT em vigor, a qual previa que "aos ordenados mínimos fixos estabelecidos neste contrato será acrescida uma diuturnidade de € 3 por cada três anos de permanência na mesma categoria, ate ao limite de quatro diuturnidades, para as categorias sem acesso obrigatório"
40. Salienta-se que do cotejo da norma prevista na CCT com as demais normas convencionais e legais aplicáveis, não é devido o pagamento as trabalhadoras mencionados na decisão de que se recorre Na verdade, n'ao é obrigatório o pagamento de diuturnidades
41. Não obstante, e por mero dever de cautela e sem conceder, se atentarmos apenas na disposição citada - o artigo 22.º da CCT - resulta que as diuturnidades apenas são devidas para as categorias sem acesso obrigatório
42. E na decisão da ACT que ora se impugna, é determinada a aplicação de uma coima pelo desrespeito de tal disposição no valor de € 2 550,00 (dois mil e quinhentos e cinquenta euros) acrescidos € 1 687,44 (dos mil seiscentos e oitenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos) para pagamento as trabalhadoras e o valor de €208,56 (duzentos e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) a pagar a Segurança Social.
43. Ora, não pode a Recorrente concordar com a aplicação de tal contraordenação uma vez que não existe fundamento para a aplicação de qualquer coima.
44. Este entendimento da ACT terá por base um alegado incumprimento por parte da Recorrente na promoção das trabalhadoras, mencionadas acima, e no pagamento das diuturnidades que, supostamente, lhes eram devidas.
45. Ora, face a este entendimento, e por claramente não responder à verdade, cumpre esclarecer o sucedido.
46. Em bom rigor, a ACT aplica uma coima com base numa conduta por parte da Recorrente que não se verifica.
47. Tanto a promoção das trabalhadoras, como o pagamento de diuturnidades, são fatores que aliciam os trabalhadores, em geral, a permanecerem nos seus postos de trabalho.
48. As trabalhadoras aqui em questão apresentam uma antiguidade que varia entre 19 (dezanove) e 24 (vinte e quatro) anos de serviço
49. Com base nesta realidade, cumpre referir que são evidentes e notórios os valores da confiança e fidelidade que estão na base desta relação laboral entre a entidade empregadora e as trabalhadoras.
50. O que significa que, se realmente existissem créditos em divida, e se as trabalhadoras não fossem promovidas em tempo devido, elas já tinham manifestado interesse em abandonar o posto de trabalho, ou mesmo tomado iniciativa de sair, o que nunca se verificou até aos dias que correm.
51. Ademais, reitera-se, a Recorrente sempre cumpriu com todas as obrigações legais para com os seus trabalhadores
52. Não compreende, pois, a Requerente o porquê da ACT condenar no pagamento de uma coima por uma contraordenação que não cometeu.
53. Assentando a condenação da ACT em meros formalismos e nomenclaturas!
54. A ACT não pode, pois, fundamentar nos exatos termos em que o faz, uma contraordenação sem olhar aos factos que realmente foram apurados.
55. Crê assim a Recorrente que este auto de notícia não logra fundamentar e indicar concretamente os factos nos quais a Recorrente vem acusada, violando assim o artigo 15.º, n.º 1 da Lei das Contraordenações Laborais (Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro)
Da inexistência de infração ao disposto no n.2 1 do artigo 521.2 do C6digo do Trabalho
56. A Exma. Senhora lnspetora vem demonstrar a aplicabilidade do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal e outra e o CESP (Sindicato dos Trabalhadores do Comercio, Escritório e Serviços de Portugal) e outro, publicado no BTE n.º 36 de 29/09/2009, por via da Portaria n.º 190/2010, de 5 de Abril
57. Seguidamente, através da consulta da informação constante do registo de pessoal exibido, vem a Exma. Senhora Inspetora concluir pela falta de pagamento de diuturnidades às trabalhadoras (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…),
58. Assim, a Exma. Senhora Inspetora vem então elaborar os mapas de apuramento das quantias em divida as trabalhadoras, concluindo pela sua automática falta de pagamento.
59. Assim, a Exma. Senhora Inspetora vem então elaborar os mapas de apuramento das quantias em divida às trabalhadoras, concluindo pela sua automática falta de pagamento
60. Essa conclusão não pode ser automática, na medida em que os pagamentos das diuturnidades realizados podem não constar do registo de pessoal que consta das lojas, não se podendo eliminar automaticamente a hipótese de pagamento.
61. Ora, tal não pode proceder, uma vez que em lado algum é apresentada ou demonstrada uma prova de que esse pagamento não foi efetivamente realizado.
62. Adicionalmente, não podemos deixar de referir que o montante alegadamente em falta não foi, em lado algum, concretizado, sendo apenas a ora Requerente condenada ao pagamento da coima.
63. Ora, mais uma vez não pode a Recorrente concordar com a aplicação de tal contraordenação uma vez que não existe fundamento para a aplicação de qualquer coima.
64. Não admitindo a ora Recorrente que venha a ACT num auto bastante parco em fundamentação, sem a clara invocação das normas legais infringidas acusar a Requerente de uma infração que não cometeu.»

[2]Pode ler-se o seguinte em tal Auto de Notícia:
«DESCRIÇÃ0 DOS FACTOS:
Efetuada visita inspetiva ao local de trabalho acima referido, no dia 2 de junho de 2014, pelas 16:30H, verifiquei de forma pessoal, direta e imediata que a empresa mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direção e mediante o pagamento de retribuição a trabalhadora (…), admitida em 19/06/1992, atualmente com a categoria profissional de 1.ª Caixeira, auferindo a retribuição mensal de € 616,00.
Mais, por documentos presentes neste serviço após notificação elaborada com esse objetivo, designadamente o registo de pessoal, verifiquei de forma direta, pessoal e mediata que a infratora mantinha também ao seu serviço as trabalhadoras:
(segue-se a identificação de mais 12 trabalhadoras, com a indicação da sua data de admissão, categoria profissional e retribuição mensal)
Ora, considerando o disposto nas cláusulas 11.ª (Classificação profissional), 12.ª (Condições de admissão e promoções obrigatórias e 22.ª (Diuturnidades) do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal e outra e o CESF (Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços d€ Portugal) e outro, publicado no BTE n.0 36, de 29/09/2009, aplicável por força da Portaria n.º 190/2010, de 5 de abril (doc. 2),
E a informação constante do registo de pessoal exibido, relativamente a data de admissão, a respetiva categoria profissional e promoções ocorridas,
As trabalhadoras (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…), são devidas as diuturnidades, considerando o seu registo de pessoal (doc. 3), como a seguir se demonstra.
(seguem-se os quadros discriminatórios das diuturnidades vencidas e devidas)
Com efeito, relativamente às categorias profissionais de Caixeira (1.ª), Caixa mais de 3 anos), Chefe de Secção e Decoradora, entre outras, sem possibilidade de acesso obrigatório a uma categoria superior, a cláusula 22.ª dispõe que à retribuição mínima fixa estabelecida acresce uma diuturnidade de € 3 por cada três anos de permanência na mesma categoria, até ao limite de 4.
Efetivamente, estas trabalhadoras colocadas nos níveis remuneratórios XI - € 603 (Caixa de balcão c/ mais de 3 anos), XII - € 616 (1.ª Caixeira), XIII - € 622 (1.ª Escriturária e Decoradora) e XIV - € 656 (Chefe de Secção) auferem todas a retribuição mínima prevista para a sua categoria na tabela salarial, tendo, por isso, direito as diuturnidades em conformidade com a cl.ª 22, depois de permanecerem mais de 3 anos na mesma categoria sem acesso a uma categoria superior. (doc. 4)
A empresa foi notificada para proceder ao apuramento das quantias devidas s trabalhadoras, a título de diuturnidades, em 2014-09-16. (doc. 5).
Em ausência de uma resposta, a signatária, por E-mail, solicitou uma resposta a notificação. (doc. 6)
E ainda efetuou nova insistência em 2015-03-05. (doc. 7)
Contudo, sem qualquer resposta pelo que elaborou os mapas de apuramento das quantias em dívida as trabalhadoras, os quais fazem parte Integrante do presente auto de noticia. (doc. 8)
Anexam-se 8 documentos por mim rubricados e que fazem parte integrante do presente auto de notícia.
Por isso, e em cumprimento da obrigação que me impõe a lei, levantei este auto, que afirmo por minha honra ser verdadeiro como nele se contem e vai assinado por mim.» 

[3]Aprovado pelo D.L. 433/82, de 27/10, e alterado pelos DL 256/89, de 17/10, 244/95, de 14/09 e 323/2001, de 17/12, e pela Lei 109/2001, de 24/12, e adiante designado pela sigla “RGCC”.

[4]«VIII. Motivação
A factualidade apurada fundou-se no conjunto da prova produzida, analisada e ponderada criticamente de acordo com as regras da experiência comum. Assim, foi essencialmente tido em conta o auto de notícia e seus anexos, o teor do auto de inquirição da testemunha apresentada pela arguida, bem como a resposta escrita por esta apresentada.
Constata-se que a arguida, apesar de ter procedido ao exercício do direito de defesa, não apresenta qualquer facto integrativo com a virtualidade de pôr em causa a veracidade da matéria controvertida constante do mesmo.
De facto limita-se a arguir que esta autoridade administrativa apurou valores em dívida às trabalhadoras e à segurança social, sem assento em qualquer documentação facultada pela (…), o que, desde já se diga, não corresponde minimamente à realidade.
Vejamos,
Notificada para apresentação de documentos, veio a arguida apresentar o registo pessoal atualizado, relativamente as retribuições e diuturnidades, cfr. fls. 28 a dos autos, pelo que, certamente por lapso, veio esta invocar nos artigos 9.º e 10.º do articulado de resposta escrita, que os apuramentos realizados de dívida às trabalhadoras e segurança social, não tem assento em documentação facultada pela mesma, quando do acervo documental resulta exatamente o contrário.
Ou seja, do registo de pessoal atualizado, fornecido pela arguida, foi possível apurar tendo em conta a data de admissão de cada trabalhadora e a data da última promoção, o escalão de diuturnidade em que cada uma deveria estar posicionada, calculando-se o novo posicionamento salarial e consequentemente os valores remuneratórios em dívida, desde a 1.ª diuturnidade devida, fls. 32 a 38 dos autos.
Vem ainda a arguida invocar que a ACT não faz prova de que os pagamentos tenham sido efetuados aos trabalhadores, querendo fazer recair sobre a autoridade administrativa a realização de uma autêntica prova negativa ou diabólica o que, salvo melhor opinião, não deve proceder.
A ACT fez prova, de acordo com a própria documentação fornecida pela arguida onde consta informação sobre a data de admissão das trabalhadoras, data da sua promoção e o valor do vencimento, de que as mesmas não estavam posicionadas salarialmente de forma correta, atento o disposto nas cláusulas insertas no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT).
Ora, cabia a arguida contrariar o invocado pela autoridade autuante e em última análise a própria documentação que aquela junta aos autos, fazendo assim prova do posicionamento salarial correto com o consequente pagamento das diuturnidade devidas, procedimento que, apesar de reiteradamente notificada para o efeito, não logrou efetuar, cfr. fls. 28, 30, 31 e 59 dos autos.
Considera-se assim provada a culpa, não resultando que a conduta da arguida tenha sido cometida a título de dolo, imputando-se a mesma sob a forma de negligência enquanto elemento subjetivo das infrações e de responsabilização social do infrator. Resultando esta da análise dos factos dados como provados e concluindo-se que a arguida podia e devia ter agido de forma diferente, logrando comportamentos que impedissem, nomeadamente a ausência de promoção na categoria com o correspondente acréscimo salarial, procedimento que não logrou efetuar.
Como refere Eduardo Correia in Direito Criminal, Vol. I, 1974, pág. 421, “... o juízo de censura em que se traduz a imputação dos factos a título de negligência consubstancia-se na omissão por parte do agente daqueles deveres de diligência a que, segundo as circunstâncias e os seus conhecimentos e capacidades pessoais, era obrigado, e que em consequência disso, não previu, como podia, aquela realização ou, tendo-a previsto, confiou em que ela não teria lugar”.
A negligência é sempre punível nas contraordenações laborais, de acordo co disposto no artigo 550.º do Código do Trabalho».

[5]Cfr. os artigos 548.º a 566.º do Código do Trabalho de 2009, tendo o seu artigo 560.º sido alterado pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, com entrada em vigor em 1 de Agosto de 2012, convindo realçar que, de acordo com o artigo 12.º, número 3, alínea e) da Lei n.º 7/2009, de 12/02, que aprovou o atual Código do Trabalho, os artigos 630.º a 640.º do Código do Trabalho de 2003 (procedimento de contraordenações laborais) mantiveram-se em vigor até ao dia 30/09/2009, ou seja, até à entrada em vigor da
mencionada Lei n.º 107/2009, de 14/09.