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ARMA BRANCA
Sumário
I - Considerando o elenco de armas rotuladas de proibidas, parece dever concluir-se que a alínea f) do artº 3º do D.L. nº 207-A/75, de 17 de Abril trata apenas de objectos que pelas suas características representam maior perigosidade e, assim sendo, o atributo de disfarce abrange as armas brancas e as de fogo. II - A redacção, sem a aposição de vírgula a separar o atributo - com disfarce - dos objectos, inculca a leitura de que o mesmo se refere apenas às armas de fogo, mas a verdade é que a inserção sistemática e a intenção normativa não permitem outra interpretação que não seja a de abranger ambos os objectos, isto é, as armas brancas ou de fogo, que sejam apetrechadas com mecanismos de dissimulação, parecendo o que não são ou sendo o que não parecem. III - Com efeito, depois de, no artº 1º, se elencarem as únicas armas que podem ser consideradas de defesa, o legislador classifica como proibidas todas aquelas que, por variadas razões, não devem circular por qualquer mão. IV - Assim acontece, em primeiro lugar, com as pistolas de calibre superior a 6,35 mm, devido ao seu maior potencial mortífero. Sucede o mesmo com os revólveres de calibre superior a 7,65 mm (0,32"), cuja potencialidade letal, devido aos seus mecanismos de disparo específicos (câmaras de explosão mais abertas e mais curtas do que as das pistolas), são comparáveis às pistolas de calibre inferior a 6,35 mm. Também assim é o caso das espingardas ou carabinas de cano estriado ou de alma estriada de calibre superior a 6 mm e de percussão circular, exactamente pelo maior efeito das estrias do cano ou da alma, relativamente às de cano simples ou alma lisa. Também as armas de fogo cujo cano haja sido cortado potenciam os seus efeitos destruidores, representando o seu uso um perigo especialmente elevado. Por seu lado, as espingardas ou carabinas de precisão, facilmente desmontáveis em peças ou mecanismos principais de reduzida dimensão, traduzem maior perigo na sua utilização, pela facilidade de transporte e de montagem. Quanto às granadas de mão ou outros artifícios explosivos ou incendiários providos de dispositivo de inflamação próprio, bem como quanto aos aparelhos ou instrumentos que possam servir para o emprego de substâncias químicas usadas na guerra, também é fácil compreender-se a sua proibição para uso pelo comum das pessoas, pelo perigo especial que encerram, nomeadamente por grupos marginais. V - Deste modo se atinge melhor o alcance da proibição das armas brancas ou de fogo, disfarçadas de outros objectos, bem como dos demais instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse. VI - O citado Decreto-Lei nº 37.313, no seu artº 9º, esclarece que não se consideram armas proibidas ou de uso reservado os utensílios destinados ao uso doméstico, venatório ou de outros desportos, indústria, agricultura, ofícios ou profissões, salvo quando os seus portadores sejam com eles encontrados fora dos locais onde é normal o seu emprego e que não são também consideradas armas proibidas os canivetes com mola fixadora quando a lâmina não exceda 15 centímetros medidos do rebordo ao cabo, o que, como é fácil de ver, abrange todas as situações possíveis de uso não passível de incriminação. VII - E, assim sendo, para além das situações excepcionadas na primeira parte do citado artº 9º e daquelas em que um canivete com mola fixadora tenha mais de 15 cm de lâmina, só os utensílios cortantes ou perfurantes (armas brancas) disfarçados e os que não tenham aplicação definida mas possam ser usados como arma letal de agressão, sem justificação concreta da sua posse, é que preenchem a previsão da citada al. f) do artº 3º do Decreto-Lei nº 207-A/75. VIII - No caso em apreço, o arguido trazia consigo uma designada navalha de ponta-e-mola, que mais não é do que um canivete de abertura por acção de uma mola e que, tal como os demais, também dispõe de uma mola de fixação da lâmina, o que os distingue das facas por estas terem a lâmina fixa num cabo. IX – Este entendimento sai mais reforçado com o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-04-04 (tirado com dois votos de vencido e cinco declarações de voto), o qual, ao que parece, vem pôr termo à polémica actual sobre a questão em apreço. X - Segundo aquele aresto, com apelo à lógica matemática, o “ou” que liga a descrição dos dois objectos - armas brancas ou de fogo - “é um operador lógico ou boleano, que significa disjunção de condições a que corresponde a reunião de conjuntos, ou seja, aplicado ao caso vertente, as condições são arma branca e arma de fogo, sendo o operador lógico o ou e resultando no conjunto final único que agrega ambos os tipos de armas (brancas e de fogo) a que se aplicará o disfarce”. XI - Contudo, e por enquanto, a questão não fica pacificamente resolvida, pois, como acima se dizia, o atributo tanto pode referir-se apenas a um dos termos como aos dois, já que, utilizando a lógica proposicional, tanto se pode traduzir a questão nas seguintes proposições, sendo p as armas brancas; q as armas de fogo e r o disfarce: pV(qr) ou (pVq)r. XII - Entretanto, e conforme se dá notícia no referido Assento, a questão virá a breve prazo a ficar definitivamente resolvida se vier a vingar o projecto ali anunciado, que reunirá toda a matéria referente às armas e que começa por definir arma branca (simples) “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de lâmina cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 centímetros ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões” e, depois, na classificação das armas de acordo com o grau de perigosidade, incluem-se, na al. d) – As armas brancas ou de fogo dissimuladas sob a forma de outro objecto; na al. e) – As facas de abertura automática, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar e boxers; e na al. f) – Outras armas brancas e as penalidades distinguem claramente a das armas de fogo dissimuladas - prisão até 5 anos ou multa até 600 dias - da das armas brancas dissimuladas - prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
Texto Integral
Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
TRIBUNAL RECORRIDO
Tribunal Judicial de Braga – Pº nº 1.489/03.1PBBRG
ARGUIDO/RECORRENTE
Pedro ……….
RECORRIDO
O Ministério Público
OBJECTO DO RECURSO
No Tribunal recorrido, o arguido foi acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 3, do Código Penal, com referência ao artigo 3.º, n.º 1, alínea f), do Dec.-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.
A final, foi proferida a seguinte decisão: a) Condenar o arguido PEDRO, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275.º, n.º 2, do C.P ., na pena de 06 (SEIS) meses de prisão, a qual é suspensa pelo período de 02 (DOIS) anos, sujeita a regime de prova e condicionada aos seguintes deveres: .- Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; .- Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; .- Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; .- Obter autorização do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
É desta decisão que vem interposto recurso, vindo o recorrente dizer que a navalha por ele detida, cujo uso, aliás, explicou aquando da apreensão, não é arma proibida por não ter disfarce e que, a não se entender assim, sempre a pena aplicada é excessiva, bastando a aplicação da simples pena de multa.
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FACTOS PROVADOS a) No dia 28 de Maio de 2003, cerca das 23 horas e 40 minutos, na Praça Conde de Agrolongo, desta cidade de Braga, o arguido detinha uma navalha, vulgarmente conhecida por ponta-e-mola, em aço inoxidável, com o comprimento total de 23 centímetros, medindo a lâmina 10,5 centímetros e o cabo 12,5 centímetros; -b) O arguido trazia a navalha no bolso, deixando-a cair ao procurar os seus documentos para exibir a um agente da Polícia de Segurança Pública - adiante designado pela sigla P.S.P . - que solicitou a sua identificação; c) Tal navalha, com dispositivo para abrir e fechar automaticamente, traduz-se num instrumento de disfarce, podendo ser usada como arma letal de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse; -d) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, tendo conhecimento de que a detenção de tal instrumento, atentas as suas características, era proibida; -e) O arguido é solteiro; -f) Encontra-se desempregado; -g) Completou a 4ª classe; -h) Vive com os pais, os quais provêm ao seu sustento; -i) Nada consta do certificado de registo criminal do arguido. 2.2. Matéria de facto não provada Não resultaram não provados quaisquer factos constantes da acusação.
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MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES
Com utilidade, são as seguintes as conclusões do recurso:
1ª - Como parece ser da jurisprudência dominante, a arma branca só pode ser considerada proibida se tiver disfarce, isto de acordo com a interpretação da al. f) do n.° 1 do art. 3° do Dec. Lei n.° 207-A/75 de 17 de Abril
2ª - Ora, arma com disfarce é aquela que encobre ou dissimula o seu real poder vulnerante ou seja, que apresenta artificio que a dissimule de modo a não se mostrar como tal.
3ª - De facto, não parece subsistirem quaisquer dúvidas em qualificar o instrumento em causa como uma arma branca.
4ª – Só será arma branca com disfarce aquela que se apresentar aos olhos do homem médio como sendo qualquer outra coisa que não uma navalha (como por exemplo, um guarda-chuva em miniatura que contém dissimuladamente uma lâmina).
5ª - Todavia, entendemos que, tal arma branca não reúne as características de arma proibida, desde logo, por não se apresentar com disfarce, independentemente do ou não justificado a sua posse.
6ª – Além do mais, o arguido explicou a utilização que dava à dita navalha.
7ª – Nada constando do registo criminal do arguido, parece excessiva a pena aplicada, bastando uma pena de multa.
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RESPOSTA
No Tribunal recorrido, o Ministério Público não respondeu.
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PARECER
Nesta instância, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual defende que o recurso deve proceder.
Para o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, não se poderá considerar como disfarce, quer a mola que permite a rápida colocação da lâmina em posição, quer o dispositivo destinado à fixação da mesma lâmina, uma vez que a expressão disfarce não poderá deixar de ser entendida como alguma coisa que parece o que não é ou, o que é a mesma coisa, não é o que parece.
Cita jurisprudência a propósito.
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PODERES DE COGNIÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.
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QUESTÕES A DECIDIR
As questões a decidir são, afinal, as de se saber:
1 – Se a navalha detida pelo arguido é uma arma proibida; e
2 – Se, no caso afirmativo, se deveria ter optado pela simples pena de multa.
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FUNDAMENTAÇÃO
O Mmº Juiz traduziu assim a sua fundamentação de direito: O arguido encontra-se acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo disposto no artigo 275.º, n.º 3, do C.P,. Dispõe o artigo 275.º, n.º 3, do C.P. que "se as condutas referidas no n.º 1 disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias". Refere o n.º 1 do artigo 275.º do C.P. que "quem importar, fabricar ou obtiver por transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substancias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substancia explosiva, radioactiva ou própria para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos". São elementos do crime de detenção de arma proibida: - a detenção de arma; - que essa arma seja considerada proibida; - e o carácter doloso dessa conduta. Da factualidade apurada resulta que o arguido detinha uma navalha, vulgarmente conhecida por ponta-e-mola, em aço inoxidável, com o comprimento total de 23 centimetros, medindo a lâmina 10,5 centimetros e o cabo 12, 5 centimetros. Mais resultou apurado que tal navalha, com dispositivo para abrir e fechar automaticamente, traduz-se num instrumento de disfarce, podendo ser usada como arma letal de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse. Finalmente, resultou ainda apurado que o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, tendo conhecimento de que a detenção de tal instrumento, atentas as suas caracteristicas, era proibida. Tal objecto apreendido nos autos e que o arguido detinha é qualificado legalmente como arma proibida, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alinea f), do Dec.-lei n.º 207 -A/75, de 17 de Abril, podendo ser utilizada como arma letal de agressão e não tendo o arguido sequer apresentado justificação plausivel para a sua posse. Por outro lado, ficou apurado que o arguido conhecia as caracteristicas da arma e o carácter ilícito do seu comportamento, agindo de forma livre, pelo que se afirma o carácter doloso da sua conduta, como demonstrativo de uma atitude contrária ou indiferente ao direito e ao dever-ser juridico-penal. Assim, e uma vez que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal, o arguido deve ser condenado pelo crime detenção de arma proibida, nos termos do artigo 275.º, n.º 3, do C.P.
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Como se vê, o Mmº Juiz, considerando que a qualidade de disfarce abrange as armas brancas e de fogo, partiu do pressuposto de que o mecanismo próprio das navalhas de ponta-e-mola constitui um disfarce.
Diz o artº 3º, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 207-A/75: É proibida, salvo nos casos previstos neste diploma, a detenção, uso e porte das seguintes armas, engenhos ou matérias explosivas: a) Pistolas de calibre superior a 6,35 mm; b) Revólveres de calibre superior a 7,65 mm (0,32"); c) Espingardas ou carabinas de cano estriado ou de alma estriada de calibre superior a 6 mm e de percussão circular; d) Armas de fogo cujo cano haja sido cortado; e) Espingardas ou carabinas de precisão, facilmente desmontáveis em peças ou mecanismos principais de reduzida dimensão, bem como estojos portáteis para seu transporte; f) Armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse; g) Granadas de mão ou outros artifícios explosivos ou incendiários providos de dispositivo de inflamação próprio; h) Aparelhos ou instrumentos que possam servir para o emprego de substâncias químicas usadas na guerra.
A redacção da al. f) vem do artº 10º do Decreto-Lei nº 37.313, de 21 de Fevereiro de 1949, que dizia o seguinte: Consideram-se proibidas: (…) c) As armas brancas ou de fogo com disfarce, boxes, choupas ou instrumentos sem aplicação definida, mas que possam ser usadas como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse.
Considerando o elenco de armas rotuladas de proibidas, parece dever concluir-se que a alínea f) trata apenas de objectos que pelas suas características representam maior perigosidade e, assim sendo, o atributo de disfarce abrange as armas brancas e as de fogo.
Tem que se reconhecer que a redacção de ambas as alíneas, sem a aposição de vírgula a separar o atributo - com disfarce - dos objectos, inculca a leitura de que o mesmo se refere apenas às armas de fogo, mas a verdade é que a inserção sistemática e a intenção normativa não permitem outra interpretação que não seja a de abranger ambos os objectos, isto é, as armas brancas ou de fogo, que sejam apetrechadas com mecanismos de dissimulação, parecendo o que não são ou sendo o que não parecem, como diz o Ilustre Procurador da República-Adjunto.
Com efeito, depois de, no artº 1º, se elencarem as únicas armas que podem ser consideradas de defesa, o legislador classifica como proibidas todas aquelas que, por variadas razões, não devem circular por qualquer mão.
Assim acontece, em primeiro lugar, com as pistolas de calibre superior a 6,35 mm, devido ao seu maior potencial mortífero.
Sucede o mesmo com os revólveres de calibre superior a 7,65 mm (0,32"), cuja potencialidade letal, devido aos seus mecanismos de disparo específicos (câmaras de explosão mais abertas e mais curtas do que as das pistolas), são comparáveis às pistolas de calibre inferior a 6,35 mm.
Também assim é o caso das espingardas ou carabinas de cano estriado ou de alma estriada de calibre superior a 6 mm e de percussão circular, exactamente pelo maior efeito das estrias do cano ou da alma, relativamente às de cano simples ou alma lisa.
Também as armas de fogo cujo cano haja sido cortado potenciam os seus efeitos destruidores, representando o seu uso um perigo especialmente elevado.
Por seu lado, as espingardas ou carabinas de precisão, facilmente desmontáveis em peças ou mecanismos principais de reduzida dimensão, traduzem maior perigo na sua utilização, pela facilidade de transporte e de montagem.
Quanto às granadas de mão ou outros artifícios explosivos ou incendiários providos de dispositivo de inflamação próprio, bem como quanto aos aparelhos ou instrumentos que possam servir para o emprego de substâncias químicas usadas na guerra, também é fácil compreender-se a sua proibição para uso pelo comum das pessoas, pelo perigo especial que encerram, nomeadamente por grupos marginais.
Deste modo se atinge melhor o alcance da proibição das armas brancas ou de fogo, disfarçadas de outros objectos, bem como dos demais instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse.
O citado Decreto-Lei nº 37.313, no seu artº 9º, esclarece que não se consideram armas proibidas ou de uso reservado os utensílios destinados ao uso doméstico, venatório ou de outros desportos, indústria, agricultura, ofícios ou profissões, salvo quando os seus portadores sejam com eles encontrados fora dos locais onde é normal o seu emprego e que não são também consideradas armas proibidas os canivetes com mola fixadora quando a lâmina não exceda 15 centímetros medidos do rebordo ao cabo, o que, como é fácil de ver, abrange todas as situações possíveis de uso não passível de incriminação.
E, assim sendo, para além das situações excepcionadas na primeira parte do citado artº 9º e daquelas em que um canivete com mola fixadora tenha mais de 15 cm de lâmina, só os utensílios cortantes ou perfurantes (armas brancas) disfarçados e os que não tenham aplicação definida mas possam ser usados como arma letal de agressão, sem justificação concreta da sua posse, é que preenchem a previsão da citada al. f) do artº 3º do Decreto-Lei nº 207-A/75.
Como sendo os mais representativos dos arestos a este propósito produzidos, citem-se os seguintes, todos da Base Magistra:
Pº nº 3.159/01, 3ª Secção do S.T.J., relator, Consº Lourenço Martins I - Não constitui arma proibida, nos termos do n.º 3 do art. 275.º (na anterior como na actual redacção da Lei 98/01, de 25-08) e da al. f) do n.º 1 do art. 3.º do DL 207-A/75, de 17-04, um cutelo com lâmina de cerca de 10,5 cm de comprimento e 3,5 cm de largura, exibido na altura dos factos sem a protecção de cabedal. II - De acordo com a jurisprudência dominante, entende-se que a arma branca só pode ser considerada proibida se tiver disfarce. III - Tal arma branca também não reúne as características de arma proibida, porque não entra na categoria de "outro instrumento sem aplicação definida", que pudesse ser usado como arma letal de agressão, se bem que o portador não justificasse a sua posse.
Pº nº 376/01, 3ª Secção, relator, Consº Armando Leandro I - Para que uma arma branca seja arma proibida é necessário, atento o disposto no art. 3.º do DL 207-A/75, de 17-04, que a perigosidade da detenção, que a proibição pressupõe, se manifeste em duas circunstâncias: - que se trate de arma com disfarce; - que o detentor não justifique a sua posse. II - Assim, se a descrição da navalha (com 20,5 cm de comprimento e 8,5 cm de lâmina), constante do elenco dos factos provados, não revela a existência de disfarce, excluída se encontra a possibilidade de integração do crime p. p. pelo art. 275.º, n.ºs 1 e 2 do CP, com referência ao art. 3.º, n.º 1, al. f) do citado DL 207-A/75.
1.469/97, 3ª Secção, relator, Consº Nunes da Cruz I - A expressão "arma branca" abrange todo um conjunto de instrumentos cortantes ou perfurantes, normalmente de aço, a maioria deles utilizados habitualmente nos usos diários da vida, mas também podendo sê-lo para ferir ou matar. II - Arma com disfarce é aquela que encobre ou dissimula o seu real poder vulnerante. III- Por não ser arma com disfarce, não integra o crime de arma proibida uma navalha, com mola fixadora, com lâmina de 9 cm e cabo de 12,5 cm.
Pº nº 3.501/00, 5ª Secção, relator, Consº Abranches Martins I - Para ser proibida, a arma branca precisa de ter disfarce, pois a expressão "com disfarce" utilizada pela al. f) do n.º 1 do art. 3.º do DL 207-A/75, de 17-04, reporta-se, sem dúvida, quer às armas brancas quer às armas de fogo. II - Assim, uma faca, com 27 cm de comprimento de lâmina e dois gumes, geralmente usada para a matança de porcos, é uma simples arma branca, sem disfarce (porquanto não encobre a sua verdadeira natureza ou dissimula o seu real poder vulnerante), pelo que não cabe na previsão da citada al. f) do n.º 1 do art. 3.º do DL 207-A/75.
Pº nº 89/00 5ª Secção, relator, Consº Guimarães Dias I - São três as situações em que pode aplicar-se o qualificativo de proibida à arma. A saber: - armas brancas; - armas de fogo com disfarce; - outros instrumentos sem aplicação definida. Mas, desde que qualquer delas possa ser usada como arma letal de agressão e o portador não justifique a sua posse. II - Uma faca e uma navalha, respectivamente com 9 cm e 8,5 cm de lâmina, são manifestamente "armas brancas", por cortantes e metálicas, capazes de provocar a morte de outra pessoa. A circunstância de tais armas não apresentarem qualquer disfarce é irrelevante para a sua qualificação como "armas proibidas", uma vez que o disfarce exigido pelo art.º 3, n.º 1, alínea f) do DL 207-A/75, de 14 de Abril, respeita somente às armas de fogo.
A polémica irá, por certo, continuar, sobretudo enquanto, de modo esclarecido e actualizado, esta matéria não for concentrada num único diploma.
No caso em apreço, o arguido trazia consigo uma designada navalha de ponta-e-mola, que mais não é do que um canivete de abertura por acção de uma mola e que, tal como os demais, também dispõe de uma mola de fixação da lâmina, o que os distingue das facas por estas terem a lâmina fixa num cabo.
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Já depois de elaborado projecto de acórdão, chegou-nos às mãos o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-04-04 (tirado com dois votos de vencido e cinco declarações de voto), o qual, ao que parece, vem pôr termo à polémica actual sobre a questão em apreço.
De maior relevo, e para além da pertinente interpretação gramatical da proposição, salienta-se o apelo à lógica matemática, de acordo com a qual o “ou” que liga a descrição dos dois objectos - armas brancas ou de fogo - “é um operador lógico ou boleano, que significa disjunção de condições a que corresponde a reunião de conjuntos, ou seja, aplicado ao caso vertente, as condições são arma branca e arma de fogo, sendo o operador lógico o ou e resultando no conjunto final único que agrega ambos os tipos de armas (brancas e de fogo) a que se aplicará o disfarce”.
Porém, como observa o Venerando Juiz Conselheiro, Dr. Simas Santos, na sua declaração de voto, “a invocação do operador lógico ou boleano «ou» não surge, salvo o devido respeito, como um argumento diferencial que resolva a divergência interpretativa”, pois, “basta lembrar a dificuldade do uso desse operador, designadamente na interrogação de bases de dados quando se lida, como é o caso, com termos complexos”.
Com efeito, utilizando a lógica proposicional, tanto se pode traduzir a questão nas seguintes proposições, sendo p as armas brancas; q as armas de fogo e r o disfarce: pV(qr) ou
(pVq)r.
Assim, como se vê, não fica a questão pacificamente resolvida, pois, como acima se dizia, o atributo tanto pode referir-se apenas a um dos termos como aos dois.
Mais convincente se nos afigura a possível interpretação que no Assento se faz da função gramatical (sintáctica) da conjunção “ou”, não com o sentido de afastar ou repelir mas com o sentido de substituição, ligação ou subordinação de várias coisas ou elementos à mesma ideia ou ao mesmo grupo, lendo-se a frase assim: são proibidas … as armas: - brancas ou de fogo – com disfarce.
E em abono desta interpretação vão também as interpretações histórica e teleológica.
Entretanto, e conforme se dá notícia no referido Assento, a questão virá a breve prazo a ficar definitivamente resolvida se vier a vingar o projecto ali anunciado, que reunirá toda a matéria referente às armas e que começa por definir arma branca (simples) “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de lâmina cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 centímetros ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões”.
Depois, na classificação das armas de acordo com o grau de perigosidade, incluem-se:
Na al. d) – As armas brancas ou de fogo dissimuladas sob a forma de outro objecto;
Na al. e) – As facas de abertura automática, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar e boxers; e
Na al. f) – Outras armas brancas.
Deste modo, tudo indica, como se disse, que acabe a vexata quaestio, para o que também contribui o facto de nas penalidades se distinguir claramente a das armas de fogo dissimuladas - prisão até 5 anos ou multa até 600 dias - da das armas brancas dissimuladas - prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
Deste modo, e com este reforço interpretativo, mais uma vez se conclui que a conduta do arguido não constitui crime.
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ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se em se julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o arguido do crime que lhe vinha imputado.
Sem custas.