I -Tendo a mãe e sogra dos RR, na ausência destes e enquanto acompanhava os trabalhos de ampliação da casa deles, produzido declaração em que refere ter pedido autorização aos vizinhos para nela abrir janela que deite directamente sobre o seu prédio, referindo que a mesma lhe foi concedida, mas a título precário, e nela reconhecendo que a todo o tempo, tais vizinhos, ou seus sucessores, podiam levantar construção do seu lado, tapando a referida janela, renunciou, nessa declaração, à constituição, por via dessa janela, de uma servidão de vistas por usucapião.
II- Ao produzir a declaração em causa, a mãe da R actuou no interesse da filha e por conta dela, como gestora de negócios.
III- Terá agido, senão de acordo com a vontade efectiva da filha, pelo menos, de acordo com a sua vontade presumida, pois que, esta, conhecendo a referida declaração e deslocando-se a Monção desde 1976, ao invés de mandar fechar a janela, a vem utilizando.
IV- Por outro lado, os RR, porque ao longo desse período, nunca se afirmaram como donos do direito a manterem aberta a janela em causa, limitando-se a agir a coberto daquela declaração, não inverteram o título da posse.
V- Assim, porque não agiram com “animus possidendi”, não podem pretender terem usucapido servidão de vistas.
I - "A" e marido, vieram propor a presente acção declarativa, com processo sumário, contra "B" e outro, pedindo a condenação dos réus a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre imóvel que identificaram, o seu direito a uma servidão de vistas em favor do mesmo imóvel, onerando um prédio propriedade dos réus, que também identificaram, a não taparem a janela que corporiza tal servidão com a edificação que pretendem erigir, a absterem-se de praticar actos lesivos do direito de propriedade dos autores sobre a parede meeira da sua habitação, e a reporem a parede meeira na situação anterior às obras embargadas em providência cautelar que correu termos por apenso aos presentes autos.
Sustentando os pedidos, alegaram os autores títulos de aquisição derivada, por venda, e originária do prédio cuja propriedade reivindicam e ainda a inscrição no registo a seu favor. Alegaram ainda que há mais de 24 anos que abriram na parede norte de sua casa uma janela que deita para o prédio dos réus, tendo, desde aí, vindo a exercer actos de posse relativos ao direito de servidão de vistas que invocam. Os réus iniciaram entretanto a construção de um edifício de dois pisos, cuja conclusão implicará o tapamento da mesma janela. Por último, na execução da mesma obra, abriram buracos na parede meeira entre o edifício dos autores e o anterior edifício dos réus e aí colocaram ferros e cofrages e colocaram pilares.
Contestaram os réus impugnando diversa factualidade e excepcionaram o facto da mãe da ré ter expressamente renunciado à servidão de vistas aquando da abertura da janela. Concluíram pela improcedência dos pedidos formulados, com excepção do reconhecimento de propriedade.
Foi ordenada a apensação dos presentes autos aos de procedimento cautelar, pendentes neste tribunal sob o nº 372/00.
Foi proferido despacho saneador, e foi seleccionada a matéria de facto.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando e condenando os réus a reconhecerem que os autores são proprietários do prédio descrito em a) e c) e absolvendo os réus dos restantes pedidos formulados.
II - Os AA recorreram do assim decidido, tendo terminado as alegações com as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso da sentença proferida nos autos, de fls.. que decide julgar a acção parcialmente procedente e, por via dela, declara e condena os RR a reconheceram que ao Autores são proprietários do prédio descrito em a) e c) e absolve os RR dos restantes pedidos formulados.
b) Com interesse para o presente recurso, deu a sentença como provados os factos acima referidos.
c) Os AA haviam vindo a juízo peticionar: o reconhecimento do seu direito de propriedade por parte dos RR, sobre o imóvel descrito em 1º da p i, e o seu direito a uma servidão de vistas a favor do seu referido imóvel onerando a propriedade dos RR; requerem a condenação dos RR a tal reconhecimento e a não taparem a janela aberta na parede do seu imóvel, janela que corporiza a referida servidão, com a construção que os RR pretendem levar a cabo e a absterem-se de praticar actos lesivos do seu direito de propriedade sobre a parede meeira da sua habitação anterior às obras embargadas.
d) Os AA alegaram, e provaram a aquisição derivada e a aquisição originária do seu direito de propriedade sobre o imóvel descrito em a) e c) da p i Alegaram e provaram que há mais de 24 anos haviam aberto na parede norte da sua casa de morada uma janela que deita por sobre o prédio dos RR. Alegaram e provaram que desde tão remota data exercem os actos de posse relativos ao direito de servidão de vistas que invocam e que onera o prédio dos RR.
e) O Tribunal reconhece e dá como provada a aquisição do direito de propriedade dos AA sobre o seu imóvel.
f) No que respeita à janela e à constituição da servidão de vistas, o Tribunal dá como provada a construção de uma janela, pelos AA, na sua parede, deitando sobre o prédio dos RR, há mais de 24 anos e sobre ela exercendo os actos de posse correspondentes ao direito de servidão de vistas
g) Nos termos do disposto no artº 1362º n° 1 do C.C., a existência de janelas, pode importar, nos termos gerias, a constituição de servidão de vistas por usucapião. A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama a usucapião, art° 1287º do C.C.
h) Os AA têm vindo a exercer os actos de posse correspondentes ao direito de servidão e fazem-no há mais de 24 anos. Logo, o reconhecimento da prática dos actos de posse importa o reconhecimento do direito invocado.
i) A sentença, recorrida, propende para a orientação/concepção subjectiva da posse, considerando o elemento “animus” como fundamental à qualificação de uma situação possessória. E busca a sentença a justificação de que os AA não actuaram com o “animus possidendi” pelo facto de terem conhecimento do documento de fls 39 dos autos apensos n° 372/00.
j) No documento de fls 39 dos autos n° 372/00, apensos, é uma declaração de Leandra G..., divorciada, residente em Lisboa, mãe da Autora, datado de 6 de Setembro de 1975.
l) O prédio estava já inscrito e descrito a favor da A. desde 24 de Abril de 1954, como a declarante e as declaratárias sabiam perfeitamente.
m) Em tal documento, a mãe da Autora, declara falsamente que é a proprietária do prédio referido; em tal documento a mãe da A. assume compromissos e obrigações para futuro nulos e de nenhum efeito. Em verdade, carecia a mãe da A. de legitimidade para assumir encargos de carácter obrigacional sobre um imóvel que não era sua propriedade- artº 892º e 939º do Código Civil. E sabiam-no quer a declarante mãe da autora, quer as declaratárias a quem supostamente a mãe da Autora havia pedido autorização para a abertura da janela.
n) Não pode tal documento servir de base para se declarar a actuação dos AA como sem a verificação do - animus possidendi " .
o) Tal documento é nulo e portanto de nenhum efeito, uma vez que não pode um contraente num contrato assumir encargos obrigacionais sobre bens cuja propriedade não detém, impondo obrigações futuras para terceiros que não contrataram.
p) E mesmo sabendo-o a A., tais obrigações não se lhe impunham porque por si não foram assumidas.
q) Dispõe o art° 939º do CC que, “As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles” e, por força de tal disposição legal, é nula a assumpção de encargos se o declarante não tem legitimidade para tal. - É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, art° 892º do C.C.
r) Intitulando-se a mãe da A, como resulta do texto do documento, proprietária do imóvel e assumindo em nome de outrem encargos sobre o imóvel, tal documento é nulo e nula a declaração.
s) Nesse sentido já o Tribunal o decidira na sentença proferida nos autos de Providência Cautelar n° 372/00, apensos, a fls 88 e seguintes.
t) Mesmo conhecendo o teor do documento, os AA sempre exerceram efectivamente a posse sobre a janela que abriram como verdadeiros detentores do direito respectivo.
u) Aberta a janela, em contravenção do disposto no art° 1360º n° 1 do Código Civil, tal importa, ou pode importar a constituição da servidão de vistas por usucapião - art° 1362º n° 1 do C.C.
v) Parece aos AA que se verificaram os requisitos para a usucapião.
x) De um lado, o registo da propriedade a favor dos AA, casados no regime da comunhão geral, desde 1954;
z) De outro lado a verificação dos actos de posse: utilização da janela, para nela se debruçarem, verem a Vila de Monção e as vistas que se lhes deparam em frente, para por ela receberem a luz e o ar na sua habitação, de forma pacífica, pública, sem oposição de ninguém e à vista de todos.
aa) Estes factos foram praticados pelos AA ao longo de mais de 24 anos.
bb) A posse implica a verificação de dois elementos: o elemento material, “corpus" que se identifica com os actos materiais praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre a coisa; o elemento psicológico, “animus", que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
cc) A prova do elemento espiritual, psicológico “animus” - resulta, porém, de uma presunção, isto é, o exercício dos poderes de facto, dos actos materiais, faz presumir a existência do “animus”.
dd) Na noção de posse definida no art° 1251º do C.C. contém-se uma orientação objectivista, porque se não discrne, no seu dispositivo, qualquer referência à vontade, ao “animus”, ou a qualquer ideia semelhante .
ee) O “animus” infere-se da prática reiterada e continuada dos actos materiais.
ff) No caso vertente, os AA exerceram poderes de facto sobre o bem, poderes manifestos, públicos, notórios à vista de todos, de boa-fé ,e agiram e actuaram pela forma correspondente ao exercício do direito real correspondente.
gg) Actuaram,assim, com a intenção de exercer sobre a coisa, sobre o bem, o direito de servidão de vistas. Logo, adquiriram tal direito por usucapião.
hh) Porque usaram a janela, debruçaram-se sobre ela, usufruíram das vistas, receberam ar e luz por ela, praticaram actos semelhantes ao direito que se arrogavam e arrogam. Fizeram-no na convicção de exercerem um direito próprio ao longo de mais de 24 anos.
ii) A tal não obsta o conhecimento do teor do documento de fls 39 dos autos apensos, uma vez que tal encargo, tal obrigação não foi assumida pelos AA ( que estavam nos Estados Unidos). Tal obrigação foi assumida por quem não tinha legitimidade para o fazer, sabendo-o quer a mãe da A. quer as declaratárias.
jj) Ao julgar improcedente a pretensão da aquisição do direito por usucapião, viola a sentença o disposto no art 1251°, 939° e 892° do C.C.
II) Deve assim, a sentença recorrida ser julgada nula e em consequência, ser proferida sentença que declare verificada a aquisição pelos AA do direito de servidão de vistas por usucapião, condenando-se os RR a não levantarem a parede que tape a referida janela.
Os RR contra-alegaram sustentando a manutenção do decidido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
III - Resultaram provados os seguintes factos:
a) Encontra-se inscrita a favor da A. na Conservatória do Registo Predial de Monção, a última aquisição de uma casa térrea sita na Rua de ...desta vila, a confrontar do nascente com José M..., poente com José F..., norte com herdeiros de Daniel F... e a sul com a Rua de S..., e descrita, em 1925, na referida Conservatória, sob o nº 44280; ( A).
b) Tal inscrição reporta-se a uma escritura de compra de 30 de Janeiro de 1954 (B).
c) Encontra-se inscrita na Repartição de Finanças do Concelho de Monção, à data de 19 de Junho de 2001, e sob o art. 1205. O urbano da freguesia de Monção, uma casa de morada, construída de pedra e tijolo, composta de cave, rés-do-chão e 1º andar, com área coberta de 35 m 2, a confrontar a norte com Rua dos Q..., a nascente com Rua da B..., a sul com Rua de S... e a poente com Avenida da E..., tendo como titular do rendimento inscrita a autora, e sendo correspondente à descrição de a) C)
d) Os autores contraíram casamento em 25 de Março de 1963, sem precedência de convenção antenupcial (D)
e) Encontra-se inscrita a favor da ré na Conservatória do Registo Predial de Monção, a última aquisição, por compra, em 2/9/1997, de um prédio urbano, constituído por casa com um pavimento, sito na Rua de S... desta vila, a confrontar do nascente com José do S..., poente com Joaquim F..., norte com Rua de S... e a sul com Ana R..., com área coberta de 64 m2, descrito na referida Conservatória, sob o nº ..(E)
f) Os edifícios correspondentes aos prédios descritos em a) e e) estão separados por uma parede, a norte do prédio descrito em a), a toda a altura do rés-do.chão (F).
g) Tal parede continua, delimitando apenas a fachada norte do edifício correspondente ao prédio descrito em a), a toda a altura do 1.° andar (G)
e) Nessa parede do 1.° andar, encontra-se aberta uma janela com 1 metro de altura e 80 cm de largura, desde 1976 ( H).
i) Após demolição do primitivo edifício do prédio descrito em e), os réus iniciaram há algum tempo a construção de um edifício novo no seu imóvel, encostado à parede descrita em f) e g) (I)
j) E pretendem levantar o mesmo até à cércea do primeiro andar, por forma a tapar a janela descrita em h), estando tal construção aprovada junto da Câmara Municipal (J)
k) A mãe da autora subscreveu a declaração de fls 39 dos autos apensos, com o nº 372/00, cujo teor aqui se dá por reproduzido (K)
l) Desde 1976, sempre que se deslocam a Monção dos Estados Unidos, os autores usam a janela descrita em h) para verem para a rua e receberem luz e ar na sua habitação (1º)
m) Fazem-no com conhecimento da declaração referida em k) (2°)
n) À vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (3º).
o) Os réus fizeram buracos na parede descrita em f) (4º).
p) E neles colocaram ferros, cofrages e construíram pilares de betão armado (5º) .
q) Foi a mãe da autora que acompanhou os trabalhos de ampliação do prédio descrito em a), e que culminaram na abertura da janela (6º).
Referindo-se na al K), declaração para cujo conteúdo se remete, cabe referir que se trata de escrito, datado de 6/12/75, assinado por Leandra G..., cuja assinatura foi reconhecida notarialmente em 6/12/75, e de que consta : “Pelo presente declaro, eu, Leandra G... (…) que me pertence uma casa na R de S..., desta vila de Monção, que confronta do lado norte com o prédio pertencente a D. Maria da C... e a D. Laurentina F...; que a referida minha casa não tem qualquer janela voltada para aquele prédio do lado norte; que para tornar melhores as condições de entrada de ar e luz da casa que me pertence, pedi autorização às ditas Srs para abrir na minha casa uma janela para o lado do seu prédio; que a autorização me foi concedida mas a título meramente precário; e por isso reconheço que a todo o tempo em que as ditas Srs, ou seus sucessores, careçam de levantar construção do seu lado, o poderão fazer sem deixar qualquer intervalo entre a construção e a janela, que assim poderá ser completamente obturada pela construção, sem direito a qualquer reclamação da minha parte. Para garantia das ditas Srs e seus sucessores, faço a presente declaração, que assino”.
IV - O recurso interposto incide apenas relativamente à improcedência na 1ª instância do pedido de condenação dos RR no reconhecimento do direito dos apelantes à constituição de servidão de vistas a favor da sua casa onerando a dos RR. Relativamente aos demais pedidos julgados improcedentes naquela sentença, esta, transitou.
Ora, todas as muitas conclusões das alegações dos apelantes, desembocam num único tema: a declaração datada de 6/12/75 e assinada por Leandra G..., mãe da A, é nula e não pode produzir quaisquer efeitos, porque aquela sua subscritora, ao contrário do que nela refere, não era dona do prédio a favor do qual os AA pretendem o reconhecimento da servidão de vistas, pelo que a mesma assumiu um encargo obrigacional para o qual não tinha legitimidade, impondo obrigações futuras para terceiros que não contrataram.
De facto, em 1975, quem era proprietária da casa em questão era a A que a comprou por escritura de 30/1/54, por intermédio de seu pai, já que então era menor - cfr certidão de fls 17.
Foi, porém, a mãe da A, que acompanhou os trabalhos de ampliação do prédio a que se tem vindo a fazer referência e que culminaram na abertura da janela (resposta ao art 6ºda base instrutória), janela à qual se refere a al h) dos factos assentes, da qual se conclui que a mesma resultou aberta em 1976, consequentemente, em data perfeitamente compatível com a da referida declaração.
Insistem os apelantes ao longo das suas alegações no facto dos destinatários daquela declaração - Laurentina B..., então registralmente ainda proprietária da casa que hoje pertence à R, e esta – bem saberem que a sua subscritora, já não era dona do prédio em questão.
Ora, nos autos não foi alegado tal facto, e nem sequer a sua existência resulta referida instrumentalmente no processo.
Aliás, o natural seria precisamente o contrário: isto é, se, as referidas Laurentina e R, soubessem então, que Leandra G... já não era dona do prédio, exigiriam a assinatura nessa declaração da verdadeira dona. Mas esta, ao que tudo indica (resposta ao art 1º da base isntrutória), estaria nos EUA.
A actuação da mãe da R, pese embora a escassez de elementos fornecidos no processo a esse respeito, é de se enquadrar na gestão de negócios, como melhor se referirá adiante.
Não se vê é que, ao contrário do sustentado pelos AA apelantes, as normas da compra e venda de bens alheios, ainda que por via do disposto no art 934º do CC, tenham qualquer aplicação à situação em causa nos autos.
A declaração sob análise não conduziu a qualquer contrato oneroso como o pressupõe a previsão do art 934º.
Nem sequer contém uma declaração negocial, mas uma mera declaração de ciência (declaração voluntária e consciente, mas em que os efeitos são produzidos porque a lei o determina, quer o sujeito os queira ou não - cfr Oliveira Ascensão “Teoria Geral do Direito Civil”, 1992, p 9).
Na declaração em causa, exprime-se a renúncia à constituição por via daquela construção ilícita ( ilícita, porque o art 1360º/1 do CC proíbe ao proprietário que proceda ao levantamento de construção que abra nela janela que deite directamente sobre o prédio vizinho sem que deixe entre este e as obras o intervalo de metro e meio) de uma servidão de vistas por usucapião, como o prevê o disposto no art 1362º/1. E, só por via dessa renúncia, terão as referidas Laurentina e R anuído à construção em causa.
Na declaração que se tem vindo a referir, a mãe da A actuou no interesse da filha e por conta dela (art 464ºCC), isto é, pretendeu interferir na esfera jurídica da filha de acordo com a vontade e o interesse que, no mínimo, presumiu serem os dela, agindo, no entanto, sem procuração. Deste modo, pretendeu comprometer a filha, enquanto verdadeira dona da casa, a não tirar partido da construção em causa, de que entretanto iria usufruindo, para vir invocar - como afinal o está a fazer indiferente àquela declaração – servidão de vistas por usucapião.
É verdade que os efeitos dos actos praticados pelo gestor de negócios só se repercutem imediatamente na esfera jurídica do dono do negócio, se o gestor agiu efectivamente de acordo com o interesse e a vontade, real ou presumida, deste (art 468º do CC); pois, caso contrário, sempre será necessário a aprovação da gestão por parte deste (art 469º do CC) e ainda a sua ratificação para que a actuação do gestor seja eficaz relativamente ao gestido.
Na situação dos autos não se têm elementos para se conhecer se a mãe da R, agiu ou não, efectivamente de acordo com a vontade e o interesse desta, isto é, se seria vontade da R, para poder usufruir, ainda que transitoriamente, no lado norte da sua casa, agora alteada, de janela que lhe permitisse o inerente arejamento e vistas, produzir declaração com o conteúdo da que sua mãe produziu, ou, preferiria, eventualmente, ficar sem janela.
Mas sabe-se que os RR, desde 1976, sempre que se deslocam dos Estados Unidos a Monção, usam a janela em causa para verem a rua e receberem luz e ar na sua habitação (resposta ao art 1º), fazendo-o com conhecimento da declaração acima referida (resposta ao art 2º da base instrutória).
Ora, se pretendessem ficar sem janela, muito facilmente a tapariam.
Não o fizeram.
Tão pouco - porque o não alegam - se terão, ao longo dos 24 anos que passaram sobre aquela data, afirmado como donos do direito a manterem a abertura da janela em causa, isto é, terão substituído o motivo ou razão porque possuíam a janela em causa aberta – motivo ou razão essa, que se consubstancia na declaração da mãe e sogra - por uma condução da relação possessória, no plano factual e empírico, susceptível de exprimir oposição explicita ou implícita, relativamente àquela Laurentina e R, de que pretendiam passar a actuar como sendo verdadeiros titulares do direito a virem a usucapir a servidão de vistas por via dela.
Quer dizer, os AA não invocaram qualquer inversão do título da posse (art 1265º do CC) que, constituindo modo originário da aquisição desta (art 1263º/al d)) pudesse conduzir a uma sua verdadeira afirmação, por conjugar “corpus” com “animus”.
Têm agido, afinal, a coberto daquela declaração da mãe e sogra, de que têm conhecimento.
Por isso, e como bem se concluiu na sentença recorrida, não podem, por definição, agir com “animus possidendi”, quer dizer, com vontade de se comportarem como titulares do direito a virem a usucapir a servidão de vistas. A situação que têm mantido apenas permite falar de “corpus” - exercício de poder de facto correspondente a servidão de vistas sobre a janela.
E se é certo que a nossa lei, sensível à dificuldade da prova do “animus”, o presume da existência do “corpus” – art 1252º/2 do CC- o facto é que os RR lograram elidir a presunção em causa, provando que os AA possuíam a janela sem “animus possidendi” porque o faziam ao abrigo da referida declaração.
Por outro lado é muito claro na nossa lei a adesão à concepção subjectivista da posse, que apenas a concebe com a reunião do “corpus” e “animus”, bastando para tanto atentar nos arts 1251º e 1253º do CC ( Mota Pinto, “Direitos Reais”, 1970/71, 189; Assento do STJ de 14/5/96 in DR II- Série de 24/6/96).
Pelos motivos expostos, porque durante os invocados 24 anos, os AA têm agido como meros detentores da abertura em que se consubstancia a janela, sabendo que a mantêm aberta por mera tolerância dos vizinhos, não podem pretender terem usucapido servidão de vistas por via dela, impondo-se a improcedência do pedido referente a tal servidão
IV - Deste modo, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.