BUSCA
APREENSÃO
NULIDADE
NULIDADE SANÁVEL
IRREGULARIDADE
Sumário

I – A al.) do artº 251º, do C. P. P., em face da verificação dos pressupostos que ela mesma estabelece, permite a realização de buscas, mesmo antes da abertura oficiosa do inquérito, como acto de natureza cautelar, sem serem autorizadas ou ordenadas pela autoridade competente, desde que haja fundada razão para crer que em determinado lugar reservado ou não livremente acessível ao público e onde se encontrem suspeitos, se ocultam objectos relacionados com o crime ou susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se.
II – Para além destes pressupostos, exige a lei ainda um outro, de natureza formal, que é o de que a busca realizada nestas circunstâncias seja imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada com vista à sua validação (n°5 do art°174°, aplicável por força do n°2 do art°251°) III – Ao usar a expressão “imediatamente” pretende o legislador significar que a busca tem que ser levada ao conhecimento do juiz no mais curto espaço de tempo, sendo tal falta de comunicação imediata da busca ao juiz cominada pela lei com a sua nulidade, o que já não acontece com a respectiva falta de apreciação ou validação pelo juiz.
IV – Mas, mesmo que se considere ser a falta de apreciação e validação da busca constitui nulidade, entendemos que, no presente caso, tal apreciação e validação foram feitas.
V – É que, embora não tenha havido uma validação expressa, houve uma validação tácita, bastando atentar no despacho que determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção de permanência na habitação para tal se concluir.
V – Desse despacho na verdade resulta que o tribunal a quo apreciou a prova obtida através da busca – a droga apreendida – e se baseou nessa prova e na confissão do arguido para o indiciar pelo crime de tráfico, sendo de resto arriscado basear-se apenas na confissão, pois, como é sabido, posteriormente, poderia negar tudo ou remeter-se ao silêncio.
VI – Ora, ao basear-se na quantidade de droga apreendida, o Juiz de Instrução está, implicitamente, a julgar válido o meio de prova utilizado na sua obtenção: – a busca, bastando também atentar na promoção do M°P°, que o MM° Juiz dá “por reproduzida” para tal se concluir, pois aí se escreve: “A quantidade de estupefaciente envolvida e a forma de actuação indiciam que se trata de uma actividade reiterada e com algum grau de organização, que vai muito além do habitual tráfico para consumo”.
VII – Mas mesmo admitindo cominar a lei com nulidade a falta de apreciação e validação expressa da busca, não estamos perante uma nulidade insanável mas antes perante nulidade dependente de arguição, pois não foi utilizado qualquer método absolutamente proibido de obtenção de prova que caiba na previsão do art°126° do C.P.P., designadamente, no seu n°3.
VIII - Com efeito, trata-se, como é unanimemente aceite, de busca não domiciliária e, por isso, não se pode falar em intromissão no domicílio do arguido nem mesmo na sua vida privada, e sendo pois uma nulidade dependente de arguição, teria que ser arguida, nos termos da al. c) do n°3 do art°120° do C.P.P., até ao encerramento do debate instrutório, o que não aconteceu, pois no requerimento de abertura da instrução, o recorrente arguiu a nulidade, não da busca, mas a da apreensão, por falta de validação pela autoridade judiciária no prazo de 72 horas, pelo que a eventual nulidade da busca mostra-se, por isso, sanada. .
IX – No que diz respeito à apreensão, tal como acima se referiu relativamente à validação da busca, houve também, no caso, validação tácita da apreensão, pois a droga apreendida foi considerada pelo juiz para na imputação ao arguido do crime de tráfico.
X – Mas, mesmo que assim se não entendesse e se considerasse não ter havido validação, nunca as consequências seriam as retiradas pelo recorrente, pois que, a falta de validação da apreensão teria, nos termos do artigo 118°, n°2 do CPP, de ser considerada mera irregularidade, a qual se encontra sanada por, como se refere no despacho recorrido, não ter sido arguida no próprio acto ou nos três dias subsequentes à primeira notificação ou intervenção processual que se lhe seguir, a qual, in casu, ocorreu no primeiro interrogatório judicial de arguido detido (cfr. artigo 123°, n°1 do CPP).
XI – Aliás não se diga, como pretende o recorrente, que a não poderia ter arguido aquando do primeiro interrogatório por ele ter sido realizado dentro de 48 horas e “a validação da apreensão poderá ocorrer até às 72 horas”, pois o que a norma impõe é que a validação tenha lugar num prazo máximo de 72 horas, pelo que, constando a prova obtida através da busca e apreensão, do expediente que acompanhou o arguido no primeiro interrogatório, era nesta acto que o arguido deveria tê-la arguido.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

O arguido "A" veio interpor recurso da decisão instrutória de fls499 a 511, que o pronunciou pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº21º nº1 do Dec-lei nº15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa.

Termina a motivação do recurso da decisão de fls.874 com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. O douto despacho recorrido indeferiu a arguição pelo arguido de nulidade na obtenção de prova, referente à falta de validação em setenta e duas horas da apreensão feita pelo O.P.C. (artgs. 118° nº 3 e 178°. ns. 3 e 5 do C.P.P.), ou, subsidiariamente, a consideração de tal vício como acto irregular (artg. 123°. do C.P.P.), tendo por efeito a não utilização da prova assim obtida nos autos.
2. Sustentou o despacho recorrido que a omissão assinalada, e verificada, configura irregularidade, não arguida em tempo, sendo este aquando da realização do primeiro interrogatório judicial do arguido então sob detenção.
3. Recorre o arguido de tal despacho por entender que a falta de validação da apreensão realizada no prazo de setenta e duas horas interfere com direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, como sejam a reserva de intimidade da vida privada (cfr. artg. 26°. da C.R.P.), só susceptíveis de compressão por decisão da autoridade judiciária, ou, por esta convalidados, o que não aconteceu in casu
4. E, do exposto, ter-se-á de considerar proibida a prova obtida tal como a mesma e configurada pelos artgs. 125°., 126°. ns. 1 e 3, e, 118°. no 3 do C.P.P., e, artgs. 18°. nº 2 e 32°. Nº 8 da C.R.P ..
5. Deverá o douto despacho recorrido ser revogado por um outro que declare a nulidade de prova relativamente à apreensão efectuada, com todas as consequências legais.
6. Ainda que se tenha por acto irregular, a arguição de tal invalidade foi tempestiva.
7. A irregularidade não poderia ser arguida em sede de 1° interrogatório judicial pois este foi realizado dentro do prazo consentido pela lei de 48 horas, sendo que a validação da apreensão poderá ocorrer ate às 72 horas.
8. De igual sorte, o processo é secreto na fase de inquérito (cfr. artg. 86°. do C.P.P.), motivo pelo qual o arguido desconhece, nem tinha de conhecer, se a apreensão foi ulteriormente validada pela autoridade judiciária.
9. Só com a dedução da acusação o arguido aferiu da irregularidade cometida, sendo-lhe de todo impossível aperceber em momento anterior.
10. Foi a irregularidade arguida no requerimento de abertura de instrução, sendo este o momento próprio e consentâneo com as garantias de defesa atribuídas ao arguido em sede constitucional (artg. 32°. no 1 da C.R..P.).
11. A interpretação extraída do douto despacho recorrido de que a arguição da irregularidade assinalada se deveria ter efectuado aquando do primeiro interrogatório judicial, ou, nos três dias subsequentes a notificação para acto processual e violadora dos direitos de defesa do arguido.
12. Violou o douto despacho recorrido, nesta matéria, os artgs. 178°. nº 5, 123°. ns. 1 e 2 do C.P.P. e 32°. ns 1 da C.R.P..
13. Em consequência deverá o douto despacho recorrido ser revogado, e, substituído por outro que declare a irregularidade do acto praticado e referente à falta de validação da apreensão no prazo legalmente consentido, por ser conforme à lei e ser arguida em tempo, tudo com as legais consequências, nomeadamente, a invalidade do próprio acto e todos os que dele dependem ou estão em relação directa.
14. A busca efectuada pelo O.P.C. é nula, sendo tal nulidade suscitada ex officio.
15. Entende o tribunal a quo que a busca efectuada sem dependência de autorização legal, se enquadra no regime excepcional previsto no disposto no artg. 174°. Nº 4 al. a), afastando as demais alíneas do mesmo preceito, bastando a sua validação para ser legal mente aceite.
16. E se é certo o afastamento das alíneas b) e C) da norma em apreço, mal andou o tribunal a quo em imiscuir tal busca na alínea a).
17. Para que seja legalmente admissível a aplicação deste regime excepcional, necessário é que se preencham dois pressupostos: Existência de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, e, indiciação segura da prática de crime que ponha em risco grave a vida ou a integridade física de qualquer pessoa.
18. Quanto ao primeiro pressuposto não restam dúvidas quanto ao seu preenchimento, sendo o mesmo devidamente fundamentado no despacho recorrido, ressaltando-se a equiparação feita pelo artg. 51°. do Dec Lei 15/93, de 22/01;
19. No que tange ao segundo pressuposto, nada é referido no despacho recorrido.
20. A indiciação do risco grave para a vida ou a integridade física não foram avançadas pelo despacho recorrido, configurando tal omissão irregularidade por violação do artg. 97. nº I al. b) e 123°. do C.P.P. e artg. 205°. nº 1 da C.R.P., que ora se suscita, sendo que o circunstancialismo dos presentes autos não o permite concluir sem mais.
21. A necessidade de se encontrar a coberto de autorização para proceder a revistas e buscas constitui o regime regra nesta matéria de compressão do direito fundamental de reserva da vida privada (artgs. 26°. da C.R.P.).
22. Inexistindo qualquer situação de excepção, e, não sendo a mesma alegada no despacho recorrido, violaram-se os artgs. 125°. 126°. nsº I e 3, e, artg. 118°. Nº 3, com decorrência constitucional no artg. 32°. nº 8, pelo que a busca realizada pelos O.P.C. constitui prova proibida, insusceptível de ser valorada nos presentes autos.
23. A nulidade da busca efectuada, tal como a mesma foi configurada ex officio pelo tribunal é errónea, devendo ser tida por matéria sujeita a regime de prova proibida com todas as consequências legais.
24. Deverão os autos serem remetidas ao tribunal a quo para reforma da decisão instrutória de acordo com a declaração de nulidade de busca e apreensão suscitados.

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Nos termos expostos deverá a douta decisão recorrida ser revogada, e, substituída por outra que:
1) declara nula a obtenção de prova referente à falta de validação da apreensão, ou, subsidiariamente, declare irregular tal omissão, com a consequência legal de impedir a valoração do resultado da busca nos presentes autos e a invalidade de todos os actos dela dependentes;
2) Declare nula a busca efectuada pelo O.P.C. por inexistência de autorização judiciária, sendo a mesma configurada como prova proibida e insusceptível de valoração.
3) Como consequência directa da referida declaração de nulidade, sejam os autos remetidos ao tribunal a quo para reformular a decisão instrutória de acordo com a reforma efectuada (art. 403°. no 3 do C.P.P.).
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Normas jurídicas violadas, ou, incorrectamente interpretadas:
Ponto A. 1.
1.1) da fundamentação: artgs. 125°., 126°. ns. 1 e 3, e, 118°. Nº 3 do C.P.P., e, artgs. 18°. Nº 2 e 32°. Nº 8 da C.R.P.;
1.2) da fundamentação: artgs. 86°.. 178°. Nº 5. 123°. ns. 1 e 2 do C.P.P. e 32°. Nº 1 da C.R.P .;
Ponto 2) da fundamentação: art97º. nº I al. b) e 123°. do C.P .P .e artg. 205°. Nº 1 da C.R.P., e, artºs. 125°. 126°. nsº 1 e 3. e. artº. 118°. nº 3, com decorrência constitucional no artg. 32°. nº 8.
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O recurso foi admitido por despacho de fls.560.

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A ele respondeu o MºPº, concluindo que deverá ser improcedente.

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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual conclui também pela improcedência do recurso.

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É questão a decidir é a de saber se é nula a prova obtidas através de apreensão por falta de validação desta, nos termos dos artºs118º nº3 e 178º nºs3 e 5:


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As revistas e as buscas são dois dos meios de obtenção de prova admitidos pelo nosso sistema jurídico (artºs174º a 177º do C.P.P.).
Como resulta do “Auto de Detenção” de fls.4 e verso, agentes da PSP de Viana do Castelo, após terem recebido informação de que por volta das 22 horas do dia 30/01/04 se iria realizar uma “transacção de estupefacientes” junto à farmácia da freguesia da Meadela, na qual interviria um indivíduo que se faria transportar num veículo de marca Renault, modelo Megane, de cor cinzenta e que traria consigo a droga do Porto, iniciaram a vigilância ao local, tendo-se apercebido do referido veículo estacionado. Apesar de não se terem presenciado qualquer transacção, embora tenham estacionado o veículo em que se deslocavam na traseira do Megane, quando o condutor deste pôs o motor em funcionamento e se preparava para abandonar o local, os agentes da PSP abordaram-no e, na sequência dessa abordagem, foi feita, ainda no local, uma busca ao veículo, tendo sido encontrados e apreendidos dois “sabonetes” de haxixe, na porta direita do veículo, com o peso de 498,5 g, e uma pedra de haxixe, com o peso de 2,31 g, no cinzeiro. Já no Comando da PSP foi “efectuada uma revista pormenorizada” aos ocupantes do veículo “e à viatura”
Assim, foram efectuadas, sem ordem ou autorização de qualquer autoridade judiciária e sem que o arguido tenha dado o seu consentimento, duas buscas ao veículo – uma no local, no decurso da qual foi apreendido o haxixe, e uma outra “pormenorizada”, já no Comando da PSP, onde foi apreendido um taco de basebol e um telemóvel - e uma revista ao seu condutor.

Aquando do primeiro interrogatório do arguido, no dia 31/01/04, o MMº Juiz de Instrução validou a detenção mas nada disse quanto à busca efectuada ao veículo (fls.22) nem quanto ao produto apreendido.
Posteriormente, também não há qualquer despacho a validar expressamente quer a busca quer a apreensão.
Em 17/02/04, o arguido interpôs recurso do despacho de fls.22 que lhe aplicou a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.
Em 21/07/04 foi deduzida acusação contra o arguido e outros, sendo imputado àquele a prática de um crime continuado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artºs21º nº1 e 24º, als.b) e c), ambos do Dec-lei nº15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B, a ele anexas.
Por requerimento entrado em juízo em 19/08/04, o arguido veio requerer a abertura da instrução no qual, para além do mais, vem arguir a “nulidade da apreensão”.

Comecemos por apreciar a actuação dos agentes da PSP:
Dispõe o artº249º do C.P.P.:
1. Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade pública judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2. Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
a. (…)
b. (…)
c. Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos.
3. (…)
Os agentes da PSP actuaram, no caso, no desenvolvimento de uma actividade de fiscalização que a lei comete, genericamente, aos órgãos de polícia criminal e para a qual careciam da intervenção das autoridades judiciárias.
Quanto à busca e revista realizadas, as quais visaram comprovar a suspeita de crime, bem como à apreensão de droga efectuada na sequência das mesmas, regem os artºs174º a 177º e 178º e seg., respectivamente.

Relativamente à revista e busca dispõe o artº174º do C.P.P.:
1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada a revista.
2. Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3. As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo estas, sempre que possível, presidir à diligência.
4. Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
a. De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
b. Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
c. Aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão.
5. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.

Por seu lado, o artº 251º do mesmo diploma, sob o título “Revistas e Buscas”, prescreve:
1. Para além dos casos previstos no artigo 174.º, n.º4, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:
a. Á revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se
b. (…)
2. É correspondentemente aplicável o disposto no artº174º, nº5.

A busca é, como se disse, um meio de obtenção de prova que se concretiza numa “operação desenvolvida pela autoridade judiciária ou por órgão de polícia criminal (OPC) no intuito de obter indícios probatórios [provas materiais – objectos da prática do crime, móbil do crime, elementos materiais que indiciam a consciência da ilicitude dos actos que o(s) agentes(s) praticou(aram) (…)]” Manuel Monteiro Guedes Valente – Revistas e buscas – Almedina – pág.45. .
De acordo com o nº2 do transcrito artº174º do C.P.P., a busca tem lugar quando houver indícios de que objectos relacionados com um crime, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
Em regra, as buscas não domiciliárias têm que ser autorizadas ou ordenadas por despacho, pela autoridade competente (nº3 do artº174º do C.P.P.). Excepcionalmente, podem realizar-se sem precedência desse despacho. Essas excepções, encontram-se previstas no nº4 do artº174º do C.P.P. e no artº251º desse mesmo diploma.
Pelas razões já claramente explicitadas no despacho recorrido, a busca realizada pela PSP ao veículo do arguido "A" não se integra nem na al.c) nem na al.b) do nº4 do artº174º.
Também não se integra na previsão da sua al.a), aplicável por força do artº51º do Dec-Lei nº15/93, de 22/01, pois não se verifica, em concreto, o segundo dos requisitos impostos naquela norma – fundado indício da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa.
Resta-nos a al.a) do artº251º, que permite a realização de buscas, mesmo antes da abertura oficiosa do inquérito, como acto de natureza cautelar, sem serem autorizadas ou ordenadas pela autoridade competente, desde que haja fundada razão para crer que em determinado lugar reservado ou não livremente acessível ao público e onde se encontrem suspeitos, se ocultam objectos relacionados com o crime ou susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se.
Para que se possa efectivar a busca, nos termos da citada disposição legal, é, assim, necessário Manuel Monteiro Guedes Valente – Obra citada, pág.67.:
a) que a busca se não enquadre no âmbito das buscas domiciliárias;
b) que recaia sobre suspeito em caso de fuga iminente ou sobre o detido;
c) que exista fundada razão de que naquele local se ocultam objectos relacionados com o crime;
d) que esses objectos sejam susceptíveis de servirem de prova;
e) que se a busca se não efectivasse esses objectos se poderiam perder e, dessa forma, desaparecesse a utilidade da diligência.
Para além destes pressupostos, exige a lei ainda um outro, de natureza formal – que a busca realizada nestas circunstâncias seja imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada com vista à sua validação (nº5 do artº174º, aplicável por força do nº2 do artº251º)
Ao usar a expressão “imediatamente” pretende o legislador significar que a busca tem que ser levada ao conhecimento do juiz no mais curto espaço de tempo.
A falta de comunicação imediata da busca ao juiz é cominada pela lei com a sua nulidade.
Assim, o que constitui nulidade é tão só a falta de comunicação imediata da busca e não também a falta de apreciação ou validação pelo juiz.

Isto posto, apreciemos o caso concreto:
Estamos perante uma busca a veículo, sobre a qual há unanimidade quanto à sua classificação como não domiciliária. De acordo com informação recebida pelos agentes da PSP, o condutor desse veículo deslocar-se-ia àquele local a fim de realizar uma transacção de estupefacientes, que traria consigo, o que, necessariamente, levou a que houvesse fundadas razões para crer que ou nesse veículo era transportado e ocultado produto estupefaciente, susceptível de servir de prova do crime. Por outro lado, se a busca se não tivesse realizado naquelas circunstâncias de tempo e lugar, a droga muito provavelmente já não seria encontrada.
Verificam-se, pois, todos os apontados pressupostos materiais.
Quanto ao pressuposto formal, entende o MMº Juiz a quo (cfr. fls.500), que não houve validação – nem expressa nem tácita - da busca.
Quanto a nós e como já acima fizemos referência, o que importa é que tenha havido imediata comunicação da busca ao juiz de instrução, o que efectivamente aconteceu – no expediente que acompanhou o arguido aquando da apresentação para primeiro interrogatório, embora não exista um auto de busca autónomo, consta de fls.4/5 a sua realização e é junto também um “Auto de Apreensão”, no qual são indicados os bens apreendidos.

Mas, mesmo que se considere, tal como nos parece ser defendido pelo MMº Juiz a quo, ser a falta de apreciação e validação da busca que constitui nulidade, entendemos que tal apreciação e validação foram feitas. É que embora não tenha havido uma validação expressa, houve uma validação tácita. Basta atentar no despacho que determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção de permanência na habitação - fls.21/22 - para tal se concluir. Dele resulta que o tribunal a quo apreciou a prova obtida através da busca – a droga apreendida – e se baseou nessa prova e na confissão do arguido para o indiciar pelo crime de tráfico. De resto, seria arriscado basear-se apenas na confissão sendo sabido que, posteriormente, poderia negar tudo ou remeter-se ao silêncio. Ora, ao basear-se na quantidade de droga apreendida, o Juiz de Instrução está, implicitamente, a julgar válido o meio de prova utilizado na sua obtenção – a busca. Basta atentar na promoção do MºPº, que o MMº Juiz dá “por reproduzida”, para tal se concluir. Aí se escreve: “A quantidade de estupefaciente envolvida e a forma de actuação indiciam que se trata de uma actividade reiterada e com algum grau de organização, que vai muito além do habitual tráfico para consumo” (sublinhado nosso).

Mesmo admitindo cominar a lei com nulidade a falta de apreciação e validação expressa da busca, não estamos perante uma nulidade insanável mas antes perante nulidade dependente de arguição, pois não foi utilizado qualquer método absolutamente proibido de obtenção de prova que caiba na previsão do artº126º do C.P.P., designadamente, no seu nº3. Com efeito, trata-se, como é unanimemente aceite, de busca não domiciliária e, por isso, não se pode falar em intromissão no domicílio do arguido nem mesmo na sua vida privada Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional – 1ª Secção - nº192/01 – Processo nº517/00, in www.tribunalconstitucional.pt/jurisoprudencia.htm .
A prova assim obtida não viola o nº8 do artº32º da CRP nem mesmo o seu nº2 – não conseguimos descortinar de que forma é que a falta de apreciação e validação da busca pode violar as garantias de defesa que, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada – 3ª Ed. Revista – Coimbra Editora 1993, pág.202, também citados no Ac. do TC acima referido. “engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”.
Sendo uma nulidade dependente de arguição, teria que ser arguida, nos termos da al.c) do nº3 do artº120º do C.P.P., até ao encerramento do debate instrutório, o que, como muito bem se refere no despacho recorrido, não aconteceu.
Com efeito, no requerimento de abertura da instrução, o recorrente arguiu a nulidade da apreensão (sobre esta pronunciar-nos-emos de seguida), por falta de validação pela autoridade judiciária no prazo de 72 horas (fls.444). A eventual nulidade mostra-se, por isso, sanada.

Passemos agora à arguida nulidade por falta de validação da apreensão:
O nº4 do artº178º do C.P.P. permite aos órgãos de polícia criminal “efectuar apreensões no decurso de revistas ou de buscas”, impondo o seu nº5 que essas apreensões sejam sujeitas a “validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas”.
Ora, a apreensão da droga foi efectuada no decurso da busca que, como se disse, é válida. Tal como acima se escreveu relativamente à validação da busca, houve também, no caso, validação tácita da apreensão, pois a droga apreendida foi considerada pelo juiz para na imputação ao arguido do crime de tráfico.
Mas, mesmo que assim se não entendesse e se considerasse não ter havido validação, nunca as consequências seriam as retiradas pelo recorrente.
Aqui acompanhamos na íntegra o despacho recorrido. É que, como nele se escreve, “o artigo 178º não estabelece qualquer cominação para a falta de validação (ao contrário, por exemplo, do artigo 179º, relativo à apreensão de correspondência, que comina com nulidade as circunstâncias aí previstas), nem essa falta consta do elenco dos artigos 119º e 120º do CPP.
Por tal motivo, a falta de validação da apreensão terá, nos termos do artigo 118º, nº2 do CPP, de ser considerada mera irregularidade, a qual se encontra sanada por não ter sido arguida no próprio acto ou nos três dias subsequentes à primeira notificação ou intervenção processual que se lhe seguir, a qual, in casu, ocorreu no primeiro interrogatório judicial de arguido detido (cfr. artigo 123º, nº1 do CPP)”.
E não se diga, como o recorrente, que a não poderia ter arguido aquando do primeiro interrogatório por ele ter sido realizado dentro de 48 horas e “a validação da apreensão poderá ocorrer até às 72 horas”, pois o que a norma impõe é que a validação tenha lugar num prazo máximo de 72 horas. Ora, constando a prova obtida através da busca e apreensão, do expediente que acompanhou o arguido no primeiro interrogatório, era nesta acto que o arguido deveria tê-la arguido.

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DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido "A".
Fixa-se em 8 UCs a taxa de justiça a suportar pelo arguido/recorrente.

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Guimarães, 10/01/05