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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
OPOSIÇÃO
PRAZO
PRAZO DE DEFESA
Sumário
I – Na providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, como nas demais providências cautelares, quando deva ser previamente ouvido o requerido, este goza do prazo de 10 dias para deduzir a sua oposição. II – Deste modo, o requerido tem que ser citado para a audiência a que alude o artº 400º do CPC, onde apresentará a sua oposição, com a antecedência de pelo menos 10 dias. III - O advérbio “logo” que se surpreende no nº 1 do artº 400º significa que a audiência (julgamento) é de imediato marcada, e não que a audiência pode ser de imediato realizada.
Texto Integral
Acordam em conferência na secção cível da Relação de Guimarães:
A requereu, pelas Varas Mistas de Guimarães, procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, contra Companhia de Seguros B.
Foi proferido despacho a designar o dia 12 de Novembro de 2004 para a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente. O despacho terminou com um “Notifique”.
No dia marcado para o efeito constatou-se que a requerida não fora notificada para comparecer à diligência agendada. Foi então proferido despacho a transferir a diligência para o dia 24 de Novembro de 2004. O despacho terminou também com um “Notifique”. Nesse dia foi levada a cabo a inquirição das testemunhas e proferida sentença que deferiu parcialmente a providência solicitada. A requerida não esteve presente nem representada.
No dia 18 de Novembro de 2004 a secretaria expedira para a sede da requerida, que é nos Açores, uma carta donde consta: “Assunto: Data da Inquirição de Testemunhas” e “Fica notificado (…) de que se encontra designado o dia 24-11-2004 (…) para a inquirição de testemunhas”, e ainda “Junto se remete os duplicados do requerimento inicial”.
Tal carta foi recebida pela requerida em 23 de Novembro de 2004.
No dia 25 de Novembro de 2004, a requerida fez juntar ao processo fax onde diz que apenas em 23 de Novembro de 2004 foi notificada da marcação da data da inquirição das testemunhas, não tendo podido em tempo útil (pois que fora notificada com menos de 24 horas de antecedência sobre a data da diligência) constituir mandatário para estar presente no acto da inquirição. Requereu então que fosse ordenada nova marcação da inquirição, para que lhe fosse possível estar presente.
Sobre este requerimento recaiu despacho onde se disse que a diligência já fora realizada na data aprazada – 24/11/2004 – tendo sido proferida decisão, mostrando-se por isso esgotado o poder jurisdicional do juiz.
Notificada deste despacho, atravessou a requerida requerimento, onde disse vir agravar da decisão de realizar a audiência de discussão e julgamento e da decisão que julgou parcialmente procedente a presente providência cautelar”
Admitido o recurso, foi o mesmo devidamente alegado.
Da alegação extrai a agravante as seguintes conclusões:
1.No dia 27 de Outubro de 2004 deu entrada em juízo a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória ora em causa;
2.No dia 18 de Novembro de 2004, pelas 16 horas e 52 minutos, foi enviada para a sede da ora Recorrente, em Ponta Delgada, carta de notificação;
3. Por razões não imputáveis à ora Recorrente, a referida notificação apenas foi recebida no dia 23/11, pelas 9 horas e 9 minutos, devendo considerar-se apenas nesta data notificada;
4. Dispõe o art. 400º do C.P.C., aplicável ex vi art. 404.° do C.P.C. que "recebida em juízo a petição de alimentos provisórios, é logo designado o dia para o julgamento, sendo as partes advertidas de que devem comparecer pessoalmente na audiência ou nela se fazer representar por procurador com poderes especiais para transigir", mais dispõe que a contestação é apresentada na própria audiência;
5. O Tribunal a quo, não forneceu à Recorrente os elementos mínimos para que esta pudesse exercer o seu direito à defesa, nomeadamente a necessidade de comparecer pessoalmente na audiência ou nela se fazer representar por procurador com poderes especiais para transigir e que a contestação e meios de prova – designadamente, testemunhas - deveriam ser apresentados na audiência;
6. No caso dos autos, atenta a ausência dos elementos essenciais da notificação, não pode deixar de se considerar a mesma nula.
7. No caso dos autos, o Tribunal a quo impôs um prazo manifestamente exíguo e inadequado (23 horas e 51 minutos) para a Recorrente preparar a sua defesa e a para comparecer na audiência, o que deu origem a manifestas e efectivas limitações do direito tutelado.
8. Na falta de prazo legal para o efeito, deve considerar-se como prazo mínimo o prazo de 10 dias estabelecido no artº 153º do C.P.C. (prazo que, atento o facto de a Recorrente ter sido notificada em Ponta Delgada, ainda assim poderia ser considerado irrazoável).
9. O Tribunal a quodeveria ter verificado que a Recorrente não estava devidamente notificada e que não estava garantido o seu direito de defesa, devendo, em consequência, dar sem efeito a data designada para a "inquirição de testemunhas", porquanto não estavam reunidos os pressupostos impostos pela lei processual civil para a sua realização, sob pena de violação do princípio do contraditório.
10. As nulidades da notificação e do julgamento, por terem impedido a Recorrente de apresentar a sua defesa, influíram directa e necessariamente no exame ou decisão da causa (art. 201° do C.P.C.);
11. O prazo de arguição da nulidade conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, podendo o juiz delas conhecer até à sentença final (art. 205° e 206º, n° 2).
12. Ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa no dia 24/11, data em que foi proferida a sentença ora em causa (art. 666º, nº 1, do C.P.C.), pelo que não teve a Recorrente oportunidade de arguir as nulidades em causa, senão por via do presente recurso.
13. O Tribunal a quoviolou o princípio do contraditório e da igualdade das partes plasmados nos art. 3º e 3°-A do C.P.C., e fez uma interpretação inconstitucional dos artºs. 400° e 403° do C.P.C., por violar materialmente o disposto nos artºs 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa;
14. Deve, por isso, o Tribunal ad quem dar sem efeito a decisão proferida nestes autos, ordenando a repetição da notificação da data da audiência de discussão e julgamento à recorrente, com os elementos constantes da lei e com prazo razoável para esta se poder defender da lei e com prazo.
Termina dizendo que deve ser anulada a notificação, o julgamento e a decisão ora em crise, ordenando-se a repetição da mesma notificação nos termos acima preconizados.
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A parte contrária contra-alegou, concluindo por dizer que é de decidir como for de direito.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Plano Factual:
Damos aqui por reproduzidas as ocorrências facto-processuais supra descritas.
Plano Jurídico-conclusivo Recursivo:
Estamos perante uma providência cautelar especificada de arbitramento de reparação provisória.
Desde logo é de salientar que o tribunal recorrido andou mal ao ter proferido um simples despacho a designar dia para a inquirição das testemunhas, e ao mandar notificar (subentende-se que também à requerida) tal despacho.
Na realidade, por força do disposto nos artºs 404º, nº 1 e 400º, nº 1 do CPC, o que estava indicado era designar dia para julgamento, isto é, para a audiência final (o que obviamente não se confunde com o acto de inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente V. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2º, pág 31.). E o chamamento da requerida para tanto havia de ser feito mediante citação (v. nº 2 do artº385º do CPC) V. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2º, pág 103)., precedendo aliás ordem expressa do juiz nesse sentido (v. artº 234º, nº 4 b) do CPC).
Por outro lado, a citação teria que ser feita com a advertência a que alude o nº 1 do artº 400º do CPC, o que de todo foi omitido. De igual forma, por aplicação do nº 2 do artº 235º do CPC, teria que ser indicado o prazo dentro do qual podia ser apresentada a defesa, ou seja, até à data da audiência. Ainda, tinha que ser indicada a necessidade de patrocínio judiciário (v. nº 2 do artº 235º do CPC). Nada disto foi observado, o que conduz à nulidade da notificação feita (v. nº 1 do artº 198º do CPC).
Portanto, tem razão a agravante quando sustenta que não foi validamente chamada ao processo para se defender da providência contra ela apresentada.
Mas independentemente deste conjunto de ineficiências de ordem meramente formal, terá que se reconhecer toda a razão à agravante quando afirma que lhe foi cerceado o direito de defesa e que a decisão final foi tomada sem uma efectiva actuação do princípio do contraditório.
Com efeito, é irrecusável que nas providências cautelares, quando deva ser previamente ouvido o requerido (o mesmo sucedendo aliás quando o contraditório seja subsequente ao deferimento da providência), a lei assinala o prazo de 10 dias para que este se possa defender. É o que resulta dos artºs 303º, nº 2, 384º, nº 3 e 392º, nº 1 do CPC.
Esta regra não é obviamente afastada no caso de se tratar de providência de arbitramento de reparação provisória. Aqui, a única especialidade reside na circunstância da oposição (contestação) dever ser apresentada na própria audiência (o que pode na prática implicar a dilatação daquele prazo mínimo de 10 dias) e não, como em geral sucede, em momento anterior ao da marcação da audiência. Bem se compreende que a intenção da lei é imprimir a máxima celeridade ao processo, atentos os interesses sensíveis em jogo, de modo que a marcação de dia para a audiência não aguarda o esgotamento do prazo da oposição. Não suscitará decerto dúvidas a ninguém que o advérbio “logo” que se surpreende no nº 1 do artº 400º significa que a audiência (julgamento) é de imediato marcada, e não que a audiência pode ser de imediato realizada.
Isto significa que entre o momento em que o requerido é citado ou notificado para a audiência e o momento em que esta deve ter lugar, têm que decorrer pelo menos 10 dias completos, pois que é este o prazo que o requerido dispõe legalmente para organizar a sua defesa.
Agora veja-se o que sucedeu no caso vertente: a requerida foi chamada ao processo (e ainda por cima de forma deficiente) mediante carta expedida a 18 de Novembro, estando a inquirição agendada para 24 de Novembro. Se descontarmos a presumida demora inerente à transmissão do correspondente acto postal (nº 3 do artº 254º do CPC), veremos que a requerida não se poderia ter por notificada antes de 22 de Novembro, ou seja, dois dias antes da data da diligência. E, ainda assim, sabe-se que apenas a 23 de Novembro é que foi afinal recebedora na notificação.
Portanto, convir-se-á que à requerida foi cerceado o direito que tem de se defender e de tornar efectivo o contraditório que a lei lhe garante (v. artºs 3º e 3º-A do CPC), violando-se assim a supra citada norma que garante um prazo de 10 dias para o demandado se poder defender. De igual forma, mostra-se violado o artº 20º da CRP, na medida em que o prazo que na prática foi facultado à requerida (1 dia) para se defender não assegura minimamente o direito de defesa aí postulado, antes conduz a uma autêntica “indefesa” (privação ou limitação do direito de defesa perante o órgão judicial).
Afigura-se assim que a agravante tem razão quando sustenta que não foi devidamente chamada ao processo, e quando sustenta que o tribunal a quo não podia ter decidido realizar a audiência como fez. Na realidade, perante os elementos patentes no processo (sendo certo que a requerida não estava presente nem estava representada), o que estava indicado era decidir não realizar o acto, mas sim marcar novo dia para a audiência de julgamento de modo a que entre a data da citação e a da audiência mediassem pelo menos 10 dias, e mandar citar a requerida na devida forma.
Em consequência, impõe-se a anulação do processado, ficando sem efeito a decisão condenatória proferida.
Procede pois o agravo.
Diz todavia o agravado que a procedência do agravo apenas serve para causar algum atraso processual, querendo com tal significar que sempre irá ser deferida a sua pretensão indemnizatória.
Pode ser que tenha razão.
Simplesmente, o agravado saberá muito bem que não é assim que devem ser vistas as coisas. Não podemos dar por adquirido aquilo que justamente só depois da actuação do contraditório se poderá eventualmente adquirir. Pela tese do agravado o direito de defesa seria uma simples e inútil figura de estilo. Faz sentido?
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Decisão:
Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao agravo e em consequência anulam a decisão que deferiu parcialmente a providência e determinam que seja proferido despacho que marque dia para a audiência de julgamento a que alude o nº 1 do artº 400º do CPC, de modo a que entre a notificação e a data da realização da audiência decorram pelo menos 10 dias, sendo a requerida citada (ou notificada se, como parece, já tiver sido citada para a causa principal, ut nº 2 do artº 385º do CPC) nos termos indicados na referida norma.