APOIO JUDICIÁRIO
DESPESAS
PATROCÍNIO OFICIOSO
Sumário

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:



I –

INTRODUÇÃO

1. "A", com o patrocínio do advogado escolhido "B", com escritório na Rua ..., Póvoa de Varzim, intentou execução com processo ordinário contra "C", em ordem a ser pago da quantia de 7.380,69 €€.

2. Frustrada diligência para penhora, por desconhecimento do paradeiro do executado, e tendo o exequente declarado o seu desinteresse na penhora de 1/3 do vencimento do executado, veio aquele patrono relacionar despesas em registos postais, deslocações em viatura própria e estacionamento, para efeitos de ser pago da quantia de 123,16 pelo Cofre Geral dos Tribunais.

3. Da decisão que, tendo-lhe fixado honorários no valor de 222,50 € a adiantar pelo CGT, lhe recusou o pagamento daquelas despesas, interpôs recurso o dito patrono, tendo elencado súmula conclusiva no sentido da revogação do mesmo.

8. O Ministério Público nada fez escrever em resposta.

9. Sustentado o agravo, cumpre decidir.


II –

FUNDAMENTAÇÃO

1.
As censuras trazidas pelo agravante consubstanciam-se no seguinte:
· por estarem individualizadas e reportadas a documentos ou a critérios legais quanto ao valor das deslocações em carro próprio, para além de não caberem no conceito de honorários, tais despesas devem ser mandadas pagar.

2.
a)
Na decisão sindicada, todas essas despesas foram tidas por computadas no valor arbitrado para os honorários; aduziu-se ainda que, entendendo o patrono oficioso que as deslocações o oneravam desmesuradamente, por praticadas em área afastada do seu domicílio profissional, podia ter requerido a sua substituição – o que não fez.
Invoca a 1ª instância, em abono da sua tese apoios doutrinais (Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, pág. 209) e jurisprudenciais (Ac. STJ, de 1996.09.26, CJ-III/141).
Por seu lado, o agravante contradita tal entendimento desse aresto, até fundamentada noutros da lavra do Tribunal da Relação do Porto.

b)
O acesso ao Direito e aos Tribunais está garantido no art. 20º da Constituição da República:”A todos é assegurado o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a Justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Esse normativo visa promover a todos os cidadãos o acesso à Justiça, especialmente por parte daqueles que, por via da sua condição económica e sócio-cultural, mais dificuldades enfrentarão para poderem estar em juízo a conhecer, fazer valer ou defender os seus legítimos direitos.
A lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, dá conteúdo a essa exigência fundamental, estabelecendo um sistema de protecção jurídica que envolve, para além da dispensa, total ou parcial, da taxa de justiça e demais encargos do processo, a nomeação de patrono e o pagamento de honorários – art. 15º.
Anote-se, a propósito, que o pedido de apoio judiciário, mesmo que deferido, não obsta à condenação em custas, mas tão somente à possível não exigência do seu pagamento, se retirado (arts. 37º e 54º).
A decisão sobre a atribuição de tal vantagem processual está actualmente cometida (excepto quanto aos pedidos deduzidos em processo penal – cfr. Ac. R. Porto, de 2002.04.17, CJ II/240), ao dirigente máximo dos serviços de Segurança Social da área da residência do requerente (art. 21º da dita Lei), ainda que se preveja (e se mostre conveniente a sua breve alteração).
A questão incidental será, pois, deferida a quem nisso mostrar interesse, formalize devidamente a sua pretensão, preencha os respectivos requisitos e comprove no processo que tal benefício lhe foi legalmente atribuído.
O patrono deve ser nomeado de entre os que constem do quadro de advogados da comarca (cfr. arts. 60º-nº1 EOA e 30º-nºs 1 e 2 Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, em consonância com o disposto nos arts. 52º-nº1-a) EOA e 50º Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro). A aceitação, por parte de advogado, com escritório fora da comarca em que as funções cometidas a título de patrocínio ocorrerão, como escolhido pelo impetrante – quando lhe é deferido obter escusa ou fazer-se substituir por outro que a AO indique, dentre os sedeados nessa área - implica e faz presumir a renúncia do escolhido a ser reembolsado das despesas de transporte correspondentes à área da circunscrição onde ele tem escritório. A não se entender assim, estar-se-á a fomentar, a pretexto de beneficiar o requerente do apoio – único responsável, por regra, pelo pagamento dos serviços que lhe aproveitam - a excessiva transferência de encargos para os Cofres, com as implicações ao nível do desperdício e do malbaratamento dos consabidamente escassos meios orçamentais da comunidade.
De qualquer das maneiras, mesmo com relação às despesas com transporte reportadas à área da comarca em que as funções cometidas hão-de executar-se, não podem elas ser abonadas. É que os diplomas que anualmente fixam as tabelas de ajudas de custo para uso de automóvel próprio se reportam apenas a funcionários públicos, excepcionalmente autorizados em função de circunstâncias muito específicas e perante documento comprovativo (cfr. art. 1º DL nº 106/98, de 24 de Abril), não consentindo as regras de interpretação da lei a sua aplicação analógica.
Já quanto às simples despesas com o registo postal do envio dos requerimentos ao tribunal, não pode deixar de assentir-se, sem necessidade de repisar os argumentos lançados no questionado despacho, em que elas cabem de todo no exercício normal e diligente do patrocínio; por isso, hão-de ser cobertas pelo justo montante dos honorários.

3.
a)
O recorrente tomou aquele valor de 10 UR’s (222,50 €) como adequado custo dos honorários, com tudo o que neles cabe necessária e razoavelmente.
Daí que lhe não seja deferido chegar à desmedida vantagem de ser pago duas vezes pela mesma tarefa – 10,61 €, no caso, com relação às despesas de registo postal do requerimento inicial e requerimentos.

b)
Já quanto ao reclamado valor residual de 112,55 € – 316 km alegadamente percorridos em viatura própria, duas delas para intervenção em diligência de penhora e a restante para intervenção em inquirição de testemunhas, sempre à razão de 0,35 €/km, acrescidos de custo de aparcamento no parque desse tribunal (!....) – carece tal pretensão de fundamento legal, como atrás se expôs.
Decerto que não sendo ele avesso ao rigor e adequada contenção das despesas, bem teve como certo que não seria pago dessas despesas que só assumiu porque assim quis. Nem se percebe bem o que pretende ele inculcar como de maior valia argumentativa, ao aludir a dinheiro efectivamente gasto em actos; é que o normal exercício do patrocínio (por advogado escolhido ou nomeado oficiosamente), como do comum mandato, implica obviamente a assunção de um conjunto de obrigações, algumas das quais logo necessariamente solvidas (como os portes de correio, o custo do papel, etc.) e só reembolsadas mais tarde pela via da fixação de honorários.

4.
Em conclusão:
1. A aceitação, por parte de advogado escolhido, com escritório fora da comarca em que as funções cometidas a título de patrocínio ocorrerão, não tendo ele deduzido escusa nem solicitado substituição por outro que a AO indique, dentre os sedeados nessa área, implica a sua renúncia ao reembolsado das despesas de transporte correspondentes à área da circunscrição onde ele tem escritório.
2. As despesas com transporte reportadas à área da comarca em que as funções cometidas hão-de executar-se também não podem ser abonadas; é que os diplomas que anualmente fixam as tabelas de ajudas de custo para uso de automóvel próprio se reportam apenas a funcionários públicos, excepcionalmente autorizados em função de circunstâncias muito específicas e perante documento comprovativo, situação essa não passível de interpretação da lei a sua aplicação analógica. Ao contrário, inserem-se no conceito lato de gastos reembolsados a título de honorários.


III –

DECISÃO

É por isso que, em nome do Povo, julgamos:

1. improvido o agravo e

2. confirmada a decisão sindicada.


Custas pelo sucumbente.


Guimarães, 2005.11.09.