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REPÚDIO DA HERANÇA
CREDOR
Sumário
1º- Os credores do repudiante podem fazer valer contra este, por meio da acção subrogatória a que alude o art. 1469º do C. P. Civil e em que se faz a aceitação da herança repudiada e se pede a condenação dos réus no pagamento da dívida.
2º- Tal acção deve ser instaurada, nos termos do nº1 do citado art. 1469º, apenas contra o repudiante “e contra aqueles para quem os bens passariam por virtude do repúdio”, e não, também, contra os demais herdeiros da herança em causa.
3º- A ilegitimidade derivada da existência, no caso, de litisconsórcio necessário é sanada nos termos do art. 269º do C. P. Civil, chamando a intervir as pessoas que faltam.
4º- Uma vez operada a tal intervenção, por imperativo do disposto no nº2 do art. 269º do C. P. Civil, há que considerar renovada a instância, aproveitando-se, por isso, todos os autos e termos processados até à intervenção do chamados, nos termos do nº4 do art. 327º do C. P. Civil.
5º- E nestes actos já realizados incluem-se, seguramente, a propositura da acção na data em que foi apresentada a petição inicial, mantendo-se os efeitos civis dessa propositura, nomeadamente em matéria de caducidade.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
1 Apelação nº2365/2005 - 1ª secção.
Processo ordinário nº. 240/2002
1º Juízo da Comarca de Felgueiras.
Relatora - Maria Rosa Tching ( nº420)
Adjuntos – Des. Espinheira Baltar
- Des. Silva Rato
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Artur L... & Irmão, Lda.”, intentou a presente acção ordinária contra Joaquim F... (por si e na qualidade de herdeiro de Laura C...) e mulher, Maria J..., Joaquim de F..., Maria M..., Maria M... e marido, Fernando R..., Manuel F... e mulher, Maria A..., Vítor F... e mulher, Elisa S..., Fernando F... e mulher, Maria S..., pedindo a condenação dos Réus:
a) a verem reconhecido o crédito da Autora sobre os Réus Joaquim F... e mulher Maria J..., no montante de € 40.582,33, acrescido dos juros legais vencidos, na quantia de € 4.878,06 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento;
b) reconhecerem os direito da Autora a aceitar a herança repudiada pelo Réu, Joaquim F..., ficando sub-rogada na posição deste, com as legais consequências.
A Autora declarou expressamente aceitar a herança repudiada pelo Réu Joaquim F..., com consentimento da Ré Maria J... e com o conhecimento dos demais Réus, beneficiários do repúdio.
Alegou, para o efeito, ser titular de um crédito sobre o Réu Joaquim F... e mulher, no montante que consta do pedido, e que o primeiro Réu marido, por escritura publica de habilitação de herdeiros e repúdio de herança celebrada a 19 de Julho de 2000 no Cartório Notarial de Felgueiras, com o consentimento da sua mulher e o conhecimento dos demais Réus, declarou repudiar a herança de Laura C..., falecida a 21 de Março de 1999.
Contestou o Réu Joaquim de F..., defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção invocou a sua ilegitimidade passiva, e dos 3ºs., 4ºs., 5ºs. e 6ºs. Réus, para os termos da presente acção, sustentando que deveriam ter sido demandados os filhos menores do repudiante: Tânia F... e Victor H.... Alegou ainda que o 1º Réu marido exerce actividade remunerada e possui património que lhe permitem satisfazer o alegado crédito da Autora.
Replicou a Autora, sustentado a legitimidade passiva dos 2º a 6ºs. Réus. Deduziu incidente de intervenção processual provocada dos menores Tânia e Victor H..., filhos dos 1ºs. Réus.
O Réu/contestante, Joaquim de F..., juntou articulado que denominou de tréplica, para sustentar a prescrição do direito de demandar na presente acção os menores Tânia e Victor H..., por ter decorrido o prazo de seis meses contado desde o conhecimento do repúdio.
Foi proferido despacho que admitiu a intervenção processual provocada dos menores Tânia e Victor H....
Citados para a acção, os intervenientes Tânia e Victor H... vieram, por excepção, invocar também a caducidade do direito da Autora aceitar a herança, com fundamento no decurso do prazo de seis meses previsto pelo artigo 2067º n.º 2 do Cód. Civil.
Replicou a Autora, contrariando a ocorrência da caducidade do direito subjacente à propositura da presente acção e negou a existência de bens na pessoa do devedor suficientes para garantir ou satisfazer o seu crédito.
Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva dos 2º, 3º, 4º 5º e 6º Réus e da alegada prescrição/caducidade do direito do Autor.
Elaboraram-se os factos assentes e a base instrutória.
Inconformado com este despacho, na parte em que julgou improcedente a referida excepção de ilegitimidade, dele agravou o réu, Joaquim de F..., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A presente acção deveria ter sido intentada contra o repudiante 1.° R., Joaquim F... e mulher e seus filhos menores, Tânia e Vítor, a favor de quem se deu o direito de representação, por virtude do repúdio daquele, nos termos dos art°s 1469° n° l do C.P.C, 2067° e 606°do C C
O 2°, 3°, 4°, 5° e 6°s RR, não têm interesse directo em contradizer, sendo excessivo o raciocínio de que para estes RR possa advir alguma utilidade ou algum prejuízo da procedência ou improcedência da presente acção, não se vislumbrando, sequer, em que termos estes poderiam ser aqui condenados.
A dúvida invocada pelo meritíssimo não chega para fundamentar a legitimidade do ora agravante e dos restantes 3°s, 4°s 5°s e 6°s RR, pois carece de fundamento, uma vez que se baseia em meras suposições, que a fazerem-se podem não ter fim. A excepção da ilegitimidade deve ser considerada procedente, absolvendo-se da instância o 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° RR.”.
A final pede seja revogado o despacho recorrido e julgada verificada a invocada excepção dilatória da ilegitimidade.
Inconformados com este despacho, na parte em que julgou improcedente a invocada excepção de caducidade, dele agravaram os réus intervenientes, Tânia F... e Victor H... Silva Freitas, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1- A presente acção deveria ter sido intentada contra o repudiante Joaquim F... e mulher, por si e na qualidade de herdeiro da falecida Laura C... e contra estes na qualidade de representantes dos seus filhos menores, ora agravantes, a favor de quem se deu o direito de representação, por virtude do repúdio daquele, nos termos dos artigos 1469° n.°l do C.P.C. 2067° e 606° do C.C., no prazo de seis meses após o conhecimento do repúdio.
2- A Autora apenas intentou a acção dentro do referido prazo de seis meses contra o repudiante e mulher, por si e na qualidade de herdeiro e contra o viúvo da falecida e seus filhos.
3- Aquando do chamamento à acção dos ora agravantes, em 10 de Outubro de 2002, já há muito se tinha extinguido o direito de a Autora, ora agravada, agir contra os agravantes.
4- Conforme consta da petição inicial a Autora tomou conhecimento do repúdio da herança no dia 09 de Novembro de 2001 e os ora agravantes apenas foram chamados à acção naquela data de 10 de Outubro de 2002.
5- Não restando, assim, dúvidas de que o prazo de seis meses previsto no artigo 2067 n.°2 do C.C. para a Autora agir contra os agravantes já tinha caducado.
6- Caducidade essa que, com a propositura da acção, em 04 de Abril de 2002, contra o repudiante e mulher, por si e na qualidade de herdeiro e contra o viúvo e restantes filhos da falecida não se suspendeu nem interrompeu, uma vez que nos termos do disposto no artigo 328° do C.C. o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine.
7- Caducou, assim, o direito da Autora, ora agravada, de agir contra os agravantes, excepção peremptória que expressamente se invocou e deveria ter sido considerada procedente, absolvendo-se os Chamados/ Agravantes do presente pedido”.
A final pedem seja revogado o despacho recorrido e, em consequência, seja julgada verificada a invocada excepção peremptória da caducidade, absolvendo os agravantes do pedido.
A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Foi proferido despacho de sustentação da decisão.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 308 a 309, que não mereceu qualquer censura.
A final foi proferida sentença que julgou procedente a presente acção, condenando os Réus e Intervenientes a:
a) verem reconhecido o crédito da Autora sobre os Réus Joaquim Carvalho de Freitas e mulher Maria J..., no montante de € 40.582,33, acrescido dos juros legais vencidos, na quantia de € 4.878,06 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento;
b) reconhecerem os direito da Autora a aceitar a herança repudiada pelo Réu, Joaquim F..., ficando sub-rogada na posição deste, com as legais consequências.
Condenou os Réus e Intervenientes no pagamento das custas.
Não se conformando com esta decisão, dela apelou o réu, Joaquim de F..., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A presente acção deveria ter sido intentada contra o repudiante l.s R., Joaquim Fernando Carvalho Freitas e mulher e seus filhos menores, Tânia e Vítor, a favor de quem se deu o direito de representação, por virtude do repúdio daquele, nos termos dos arºs 1469º n° l do C.P.C, 2067° e 606° do C.C.
O 2º, 3º, 4°, 5º e 6° RR, não têm interesse directo em contradizer, sendo excessivo o raciocínio de que para estes RR possa advir alguma utilidade ou algum prejuízo da procedência ou improcedência da presente acção, não se vislumbrando, sequer, em que termos estes poderiam ser aqui condenados.
A dúvida invocada pelo meritíssimo não chega para fundamentar a legitimidade do ora agravante e dos restantes 3ºs, 4ºs, 5°s e 6°s RR, pois carece de fundamento, uma vez que se baseia em meras suposições, que a fazerem-se podem não ter fim.
Não devem os 2º, 3.°, 4º, 5º e 6.º RR.. serem obrigados a verem reconhecido o direito do A. sobre os RR, Joaquim Carvalho de Freitas e mulher, Maria J....
Não devem os 2°, 3º, 4°, 5°, 6° RR serem condenados a reconhecer o direito da A. a aceitar a herança repudiada pelo Réu Joaquim F..., ficando sub-rogada na posição deste.
Viola, assim, a sentença recorrida o disposto nos arts 26º , 1469º n° l, ambos do C.P.C, e os art°s 2067º e 606º do C.C.”
A final pede seja dada revogada a sentença recorrida.
Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os réus intervenientes, Tânia F... e Victor H... Silva Freitas, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1- A presente acção deveria ter sido intentada contra o repudiante Joaquim Carvalho de Freitas e mulher, por si e na qualidade de herdeiro da falecida Laura C... e contra estes na qualidade de representantes dos seus filhos menores, ora agravantes, a favor de quem se deu o direito de representação, por virtude do repúdio daquele, nos termos dos artigos 1469° n.°l do C.P.C. 2067° e 606° do C.C., no prazo de seis meses após o conhecimento do repúdio.
2- A Autora apenas intentou a acção dentro do referido prazo de seis meses contra o repudiante e mulher, por si e na qualidade de herdeiro e contra o viúvo da falecida e seus filhos.
3- Aquando do chamamento à acção dos ora agravantes, em 10 de Outubro de 2002, já há muito se tinha extinguido o direito de a Autora, ora agravada, agir contra os agravantes.
4- Conforme consta da petição inicial a Autora tomou conhecimento do repúdio da herança no dia 09 de Novembro de 2001 e os ora agravantes apenas foram chamados à acção naquela data de 10 de Outubro de 2002.
5- Não restando, assim, dúvidas de que o prazo de seis meses previsto no artigo 2067 n.°2 do C:C. para a Autora agir contra os agravantes já tinha caducado.
6- Caducidade essa que, com a propositura da acção, em 04 de Abril de 2002, contra o repudiante e mulher, por si e na qualidade de herdeiro e contra o viúvo e restantes filhos da falecida não se suspendeu nem interrompeu, uma vez que nos termos do disposto no artigo 328° do C.C. o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine.
7°- Não devem, assim, os RR. ser condenados a verem reconhecido o crédito da A. sobre os RR, Joaquim Fernando e mulher Maria José.
8° Não devem os RR. serem condenados a reconhecer os direitos da A. a aceitar a herança repudiada pelo Réu, Joaquim Fernando, ficando sub rogada na posição deste.
9º Viola, a sentença recorrida o disposto nos art°s 328º, 329º, 2067º e 606º todos do Código Civil e 1469º do C. P. C..
10° Esta a matéria do recurso de agravo interpostos pelos ora apelantes (que se encontra retido nos autos), e no qual estes mantêm interesse, uma vez que, concedendo-se provimento ao mesmo, devem os apelantes ser absolvidos do pedido, e por consequência, ficar sem efeito a sentença”.
A final pedem seja revogada a sentença recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e os correspondentes números da base instrutória ) são os seguintes:
1º- Por escritura pública de habilitação de herdeiros e repúdio de herança de 19 de Julho de 2000, os Réus, Joaquim de F..., Joaquim F..., Maria M..., Manuel, Vítor e Fernando, habilitaram-se como únicos herdeiros de Laura C..., falecida em 21 de Março de 1999 (cfr. alínea A) dos factos assentes);
2º- Por essa mesma escritura, o habilitado Joaquim F... repudiou a herança com consentimento da mulher, Maria J... (cfr. alínea B) dos factos assentes);
3º- Os menores Tânia, nascida a 1986.08.22 e Victor H..., nascido a 1989.12.01, são filhos dos Réus Joaquim F... e Maria J... (cfr. alínea C) dos factos assentes);
4º- A A. é portadora de 12 letras de câmbio assinadas pelos RR. Joaquim F... e Maria J..., no verso e atravessadamente, logo após a expressão manuscrita “dou o meu aval” (cfr. resposta ao artigo 1º da base instrutória);
5º- Tais letras titulam os seguintes valores e têm as seguintes datas de vencimento:
a) letra de esc.: 670.108$00, de 15 de Março de 2000;
b) letra de esc.: 670.108$00, de 15 de Abril de 2000;
c) letra de esc.: 1.383.401$00, de 30 de Abril de 2000;
d) letra de esc.: 670.108$00, de 15 de Maio de 2000;
e) letra de esc.: 1.383.401$00, de 30 de Maio de 2000;
f) letra de esc.: 518.939$00, de 30 de Maio de 2000;
g) letra de esc.: 487.173$00, de 30 de Maio de 2000;
h) letra de esc.: 459.482$00, de 15 de Junho de 2000;
i) letra de esc.: 459.482$00, de 15 de Junho de 2000;
j) letra de esc.: 459.482$00, de 30 de Junho de 2000;
l) letra de esc.: 487.173$00, de 15 de Julho de 2000;
m) letra de esc.: 487.173$00, de 15 de Julho de 2000
(cfr. resposta ao artigo 2º da base instrutória);
6º- Tais letras de câmbio dizem respeito a transacções comerciais, consubstanciadas em fornecimentos de peles que a A. fez à sociedade “Freitas & F..., Lda.”, da qual o Réu Joaquim F... é sócio-gerente, e que não foram pagos (cfr. resposta ao artigo 3º da base instrutória);
7º- Com base naquelas letras de câmbio, a A. instaurou contra os RR., Joaquim F... e Maria J..., três execuções para cobrança da quantia titulada nas mesmas, nas quais a Autora não logrou ainda cobrar o seu crédito junto dos Réus Joaquim e Maria (cfr. respostas aos artigos 4º e 5º da base instrutória);
8º- O quinhão hereditário de Joaquim F... na herança indivisa por óbito da sua mãe vale quantia não inferior a € 25.000,00, porquanto daquela fazem parte vários prédios urbanos e um rústico (cfr. resposta ao artigo 6º da base instrutória);
9º- O Réu Joaquim F... não possui outros bens livres de ónus ou encargos susceptíveis de permitirem o pagamento das quantias tituladas pelas letras referidas supra (cfr. resposta ao artigo 7º da base instrutória).
FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.
Por outro lado, cumpre referir que a apelação e o agravo que com ela subiu são julgados pela ordem da sua interposição (art. 710º, n.º1 do C. P. Civil).
*
I- Assim, conhecendo do AGRAVO interposto pelo réu, Joaquim Freitas, diremos que a única questão a decidir traduz-se em saber se os 2°, 3°, 4°, 5° e 6°s RR, são partes legítimas na presente acção.
A legitimidade traduz-se no interesse directo da parte em demandar ou contradizer e resulta, concretamente para o autor, da utilidade derivada da procedência da acção e, para o réu, do prejuízo que dessa procedência advenha ( nsº. 1 e 2 do art. 26º do C. P. C.) .
Mas, o interesse que assenta, em princípio, na titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor ( nº 3 do citado art. 26º ), pode dizer respeito a várias pessoas.
Nesta situação, se for permitido que só uma delas intervenha, embora possam participar as restantes, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário (art. 27º do C. P. C.).
Se for exigida a intervenção de todas em conjunto, o litisconsórcio será necessário ( art. 28º do c. P. C.), sendo que este tem carácter excepcional dados os graves embaraços que para a parte representa a sua imposição e assim existirá apenas nos contados casos em que a lei pôs acima dos interesse das partes e dos respectivos custos, a unidade da decisão. Vide, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, 1982, II, pág. 199.
A regra é a do litisconsórcio voluntário em que os sujeitos da relação podem intervir ou não em conjunto, mas neste último caso, o tribunal apenas pode e deve conhecer da quota-parte que o sujeito tenha na relação em litígio, a menos que a este seja permitido exigir tudo.
No caso dos autos, a autora invocando a sua qualidade de credora do réu, Joaquim F..., que repudiou a herança aberta por óbito de sua mãe, Laura C..., e pretendendo fazer valer contra ele tal crédito, instaurou acção subrogatória e de aceitação de herança contra aquele repudiante e respectivo cônjuge e todos os demais herdeiros legitimários da referida Laura, tendo, posteriormente, requerido a intervenção principal dos filhos daqueles primeiros réus.
Todavia e não obstante considerar que, na presente acção, a legitimidade processual passiva afere-se pela titularidade de uma das posições materiais pressupostas pela previsão do artigo 1469º, n.º1, do C. P. Civil (a de repudiante e a daqueles para quem os bens passaram por via do repúdio, ou seja, a dos respectivos filhos), entendeu o Exmº Juiz a quo que, tendo a autora invocado “a dúvida quanto à actual situação, designadamente desconhecendo se os ditos menores repudiaram ou repudiarão a aludida herança, assim, tornando os restantes RR. não repudiantes beneficiários do quinhão hereditário originariamente destinado ao R. Joaquim Fernando” e “não sendo cabalmente possível sanar a dúvida da A.” impunha-se decidir pela manutenção dos 2º, 3º, 4º, 5º e 6º réus na acção, nos termos do art. 31º-B do C. P. Civil.
Contrariamente, sustenta o agravante que “A dúvida invocada pelo meritíssimo não chega para fundamentar a legitimidade do ora agravante e dos restantes 3°s, 4°s 5°s e 6°s RR, pois carece de fundamento, uma vez que se baseia em meras suposições, que a fazerem-se podem não ter fim. A excepção da ilegitimidade deve ser considerada procedente, absolvendo-se da instância o 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° RR.”.
Quanto a nós, julgamos estar a razão do lado do agravante.
Isto porque, em nosso entender, a alegada dúvida não só é insuficiente para legitimar a intervenção dos ditos réus na presente acção, como nem sequer têm razão de ser.
Senão vejamos.
Dispõe o art. 2.067º do C. Civil que:
“1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos arts. 606º e seguintes.
(...)
3.Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos”.
E estabelece o art. 2039º do mesmo Código que:
“ Dá-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro (...) a ocupar a posição daquele que (...) não quis aceitar a herança (...)”.
Por sua vez, estabelece o 1469º do C. P. Civil que.
“1. A aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio.
2. Obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança”.
Resulta, assim, da conjugação destes preceitos legais, que desde que o repúdio da herança prejudique um credor ou credores, ou seja, desde que não existam , no património do devedor/repudiante, bens suficientes para o pagamento dos seus débitos, podem os credores deduzir o pedido dos seus créditos, através de uma acção em que farão a aceitação da herança que fora anteriormente repudiada e que constituirá título executivo.
E embora, conforme refere, Jacinto Bastos In, “Direito das Sucessões”, Vol. I, 1981, pág. 14., o art. 2067º se refira à aceitação em nome do repudiante, a verdade é que se trata de uma ficção legal, por virtude da qual os credores se encontram na mesma situação jurídica em que estariam se o devedor tivesse realmente aceitado; para este, porém, o repúdio foi válido, razão por que ele fica completamente estranho à herança, nada lhe cabendo ainda que depois de pagos os credores exista algum remanescente”.
No fundo, como ensina Oliveira Ascenção In, “Direito das Sucessões”, Faculdade de Direito de Lisboa, 1979, pág. 521., “tudo se resume a uma nova dívida que adere à herança, na sua vida institucional, sem prejuízo das regras normais sobre a hierarquia dos sucessíveis e sobre a aceitação e repúdio. Estes novos credores estão colocados após os credores da herança e os credores de despesas provocadas pelo funeral ou sufrágios do autor da sucessão, mas antes dos credores próprios do herdeiro”.
E conclui.
“Por isso, o art. 1469º/1 do Código de Processo Civil manda que estes credores deduzam os seus créditos contra o repudiante “e contra aqueles para quem os bens passariam por virtude do repúdio”. Isto corrige o desenho do art. 2067º, mostrando que os sucessíveis imediatos estão directamente implicados, não intervindo só ex post, para receber um remanescente. E nenhuma dificuldade traz o facto de se dever chamar também o repudiante, pois a sua legitimidade é imposta pelo facto de a dívida ter sido constituída com ele, e ficar liberto em consequência desta actuação sobre os bens da herança”.
Significa tudo isto ocorrer, no caso da presente acção, uma situação de litisconsórcio necessário passivo apenas e tão só entre o devedor/repudiante e os seus sucessíveis imediatos, inexistindo, por isso, fundamento legal para a intervenção de todos os demais herdeiros da herança em causa.
Com efeito, se a sentença favorável aos credores serve de título executivo contra a herança, nos termos do nº2 do citado art. 1469º, não se vê qual o interesse deles em contradizer a presente acção nem que algum prejuízo possa advir para eles da procedência da presente acção.
Impõe-se, por isso, julgar procedente a invocada excepção de ilegitimidade e, consequentemente, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 493º, nº1 e 2, art. 494º, al. e), 495º, 288º, nº1, al. d), todos do C. P. Civil, absolver os 2º, 3º, 4º, 5º e 6º RR da instância.
Daí procederem as conclusões do réu/agravante Joaquim de F...
II- Quanto ao AGRAVO interposto pelos intervenientes, Tânia F... e Victor H..., diremos que a única questão a decidir traduz-se em saber se caducou o direito de a autora instaurar a presente acção contra eles.
Nesta matéria, estabelece o art. 2067º, n.º2 do C. Civil, que a aceitação da herança pelos credores do repudiante “deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio”.
Daqui decorre, por um lado, que a acção subrogatória prevista no citado art. 1469º do C. P. Civil, há-de ser proposta em igual prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio.
E, por outro lado, que trata-se de um prazo de caducidade, para cujo início, releva a data da entrada da petição inicial em juízo (cfr. art. 332º, n.º1 do C. Civil), que não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (cfr. art. 328º do C. Civil) e cujo decurso faz extinguir o correspondente direito subjectivo.
A este respeito, sustentam os agravantes Tânia e Victor H... que, apesar de a autor ter tido conhecimento do repúdio da herança no dia 9 de Novembro de 2001 e de ter instaurado a presente acção em 4 de Abril de 2002 contra o réu repudiante e respectiva mulher, a verdade é que em 10 de Outubro de 2002, quando foram chamados a intervir nos presentes autos, na qualidade de sucessíveis imediatos do réu repudiante, já havia decorrido o referido prazo de seis meses, pelo que caducou o direito que a autora, através da intentar da presente acção, pretendia fazer valer contra eles.
Cremos, porém, não lhes assistir qualquer razão.
Conforme já se deixou dito a acção subrogatória a que alude o art. 1469º do C. P. Civil tem de ser instaurada contra o repudiante e “contra aqueles para quem os bens passariam por virtude do repúdio”, sob pena de ilegitimidade, pois que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Ora, decidida a questão da ilegitimidade dos,. 2º, 3º, 4º, 5º e 6º Réus, é bom de ver ter a Autora intentado a acção dentro do referido prazo de seis meses contra o réu/repudiante, Joaquim F..., e respectiva mulher, Maria J....
Também é certo ter a autora deduzido incidente de intervenção processual provocada dos menores Tânia e Victor H..., filhos daqueles réus e por eles representados, o qual foi admitido.
Significa isto que, por meio do incidente de intervenção provocada, ficou sanada a ilegitimidade daqueles primeiros réus, por não estarem acompanhados dos respectivos sucessíveis imediatos em juízo.
Com efeito, é consabido que a ilegitimidade derivada da existência, no caso, de litisconsórcio necessário é sanada nos termos do art. 269º do C. P. Civil, chamando-se a intervir as pessoas que faltam Neste sentido, vide, entre outros, Ac. da Relação de Lisboa, de 18.2.1988, in, CJ, 1988, tomo I, pág. 135 e Ac. da Relação de Coimbra, de 24.4.1968, in, JR, 14º , pág. 524..
Ora, se é verdade que o chamamento daqueles intervenientes e ora agravantes ocorreu em 10 de Outubro de 2002, e, portanto, já depois de ultrapassado o dito prazo de 6 meses, também não é menos verdade que, no caso dos autos e por imperativo do disposto no nº2 do art. 269º do C. P. Civil, há que considerar renovada a instância, aproveitando-se, por isso, todos os autos e termos processados até à intervenção do chamados, nos termos do nº4 do art. 327º do C. P. Civil.
E nestes actos já realizados incluem-se, seguramente, tal como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra, de 4.2.1992 In, BMJ, n.º 414, pág. 640., a propositura da acção na data em que foi apresentada a petição inicial, mantendo-se os efeitos civis dessa propositura, nomeadamente, em matéria de caducidade.
Mas sendo assim, como é de facto, manifesto se torna concluir pela improcedência da invocada excepção de caducidade.
Daí improcedem as conclusões dos agravantes, impondo-se a manutenção do despacho recorrido ainda que com base em fundamento diverso.
III- Relativamente à APELAÇÃO interposta pelo réu, Joaquim Freitas, diremos que a única questão a decidir traduz-se em saber se existe fundamento legal para a condenação dos 2°, 3º, 4°, 5°, 6° RR a reconhecer o direito da A. a aceitar a herança repudiada pelo Réu Joaquim F..., ficando sub-rogada na posição deste.
E a este respeito, diremos, desde logo, que julgados tais réus partes ilegítimas na presente acção, evidente se torna inexistir fundamento para a sua condenação no pedido formulado pela autora.
Daí procederem as alegações do réu/apelante.
IV- Quanto à APELAÇÃO interposta pelos intervenientes, Tânia F... e Victor H..., a única questão a decidir traduz-se em saber se existe fundamento legal para a sua condenação a reconhecer os direitos da A. a aceitar a herança repudiada pelo Réu, Joaquim Fernando, ficando subrogada na posição deste.
Posto que os recorrentes centraram a presente apelação na questão da caducidade do direito da autora instaurar contra eles a presente acção e uma vez que tal excepção foi julgada improcedente, mantém-se, nesta parte, a sentença recorrida, com cujos fundamentos de facto e de direito concordamos e para os quais remetemos, nos termos do art. 713º, n.º5 do C. P. Civil.
Improcedem, pois, todas as conclusões dos apelantes.
CONCLUSÃO:
Do exposto poderá extrair-se que:
1º- Os credores do repudiante podem fazer valer contra este, por meio da acção subrogatória a que alude o art. 1469º do C. P. Civil e em que se faz a aceitação da herança repudiada e se pede a condenação dos réus no pagamento da dívida.
2º- Tal acção deve ser instaurada, nos termos do nº1 do citado art. 1469º, apenas contra o repudiante “e contra aqueles para quem os bens passariam por virtude do repúdio”, e não, também, contra os demais herdeiros da herança em causa.
3º- A ilegitimidade derivada da existência, no caso, de litisconsórcio necessário é sanada nos termos do art. 269º do C. P. Civil, chamando a intervir as pessoas que faltam.
4º- Uma vez operada a tal intervenção, por imperativo do disposto no nº2 do art. 269º do C. P. Civil, há que considerar renovada a instância, aproveitando-se, por isso, todos os autos e termos processados até à intervenção do chamados, nos termos do nº4 do art. 327º do C. P. Civil.
5º- E nestes actos já realizados incluem-se, seguramente, a propositura da acção na data em que foi apresentada a petição inicial, mantendo-se os efeitos civis dessa propositura, nomeadamente em matéria de caducidade.
DECISÃO:
Pelo exposto:
I- Concede-se provimento ao agravo interposto pelo réu, Joaquim de F... e, revogando-se, nesta parte, o despacho recorrido, julga-se procedente a invocada excepção de ilegitimidade, absolvendo-se da instância os réus Joaquim de F..., Maria M..., Maria M... e marido, Fernando R..., Manuel F... e mulher, Maria A..., Vítor F... e mulher, Elisa S..., Fernando F... e mulher, Maria S....
II- Nega-se provimento ao agravo interposto pelos chamados, Tânia F... e Victor H..., mantendo-se, nesta parte, o despacho recorrido;
III- Julga-se procedente a apelação interposta pelo réu, Joaquim de F..., e consequentemente revoga-se a decisão recorrida, na parte em que em condenou os réus, Joaquim de F..., Maria M..., Maria M... e marido, Fernando R..., Manuel F... e mulher, Maria A..., Vítor F... e mulher, Elisa S..., Fernando F... e mulher, Maria S..., a verem reconhecido o crédito da Autora sobre os Réus Joaquim de F... e mulher Maria J..., no montante de € 40.582,33, acrescido dos juros legais vencidos, na quantia de € 4.878,06 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento e a reconhecerem os direito da Autora a aceitar a herança repudiada pelo Réu, Joaquim F..., ficando sub-rogada na posição deste, com as legais consequências.
IV- Julga-se improcedente a apelação interposta pelos intervenientes, Tânia F... e Victor H... e, em consequência, confirma-se, quanto a eles, a sentença recorrida.
V- Em tudo o mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas do agravo e da apelação interpostos pelos chamados, a cargo dos mesmos, ficando as custas do agravo e apelação interpostos pelo réu, Joaquim de F..., a cargo da autora.