RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS
FALTA DE MOTIVAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário

I – No que se refere à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, verifica-se que o recorrente não deu cumprimento do disposto no art. 412.°, nºs 3, al. b) e 4, do CPP.
II – Ora, como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 140/2004, de 10 de Março de 2004, publicado no Diário da República, II Série, n.° 91, de 17 de Abril de 2004, destacando as contra-alegações do Exm.° PGA, naquele Tribunal, «as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.° 3 e o n.° 4 do artigo 412.° do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexíonando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não, pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto».
III – No presente recurso, recorrente buscou uma reapreciação da prova, sem especificação das provas concretas que impõem decisão diversa, o que não se compadece com o regime legal de recurso em matéria de facto traçado no referido artigo 412.° do CPP, sendo que a possibilidade de formular convite ao recorrente para correcção das deficiências apontadas não tem, no caso, cabimento. .
IV – Na verdade, está em causa uma deficiência substancial da própria motivação que necessariamente se reflecte em deficiência substancial das conclusões, pois que a motivação não expressa os motivos da impugnação através da especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
V – Estando-se perante deficiências relativas não apenas à formulação das conclusões mas substanciais da própria motivação, os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso em matéria penal – este último, aliás, enfocado na figura do arguido e já não na do assistente – não implicam que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de tacto
VI - Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, o qual não pode assim ser admitido, devendo ser rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos do disposto no art° 420.°, n.° 1, do CPP.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I.

1. Por sentença proferida, em 2005/04/19, no processo comum n.º 10237/02.2TABRG do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foi decidido, além do mais:

a) absolver o arguido J... António do crime de abuso de confiança de cuja prática vinha acusado;

b) absolver o arguido J... António do pedido cível contra si formulado.

2. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o assistente e demandante civil, J... Pereira.

Rematou a motivação do recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:

« 1. O recurso interposto desenvolve-se em duas vertentes de abordagem:
« 2. A primeira refere-se a erro apreciação da prova e da responsabilização criminal do recorrido como legal representante da identificada sociedade.
« 3. Entende o recorrente, que em face dos factos apurados durante a audiência de julgamento, e da motivação da decisão relativa à matéria de facto, que os factos não provados como pontos 1, 2, 3 e 4, deveriam ser dados como provados.
« 4. Não há dúvida de que o dinheiro do recorrente entrou no património da empresa e qual a sua proveniência.
« 5. O recorrido ao ser representante legal da sociedade, incorre em responsabilidade criminal pelos actos desenvolvidos no seu âmbito, não podendo invocar o desconhecimento dos fartos ou não terem sido por si praticados.
« 6. Mesmo que se entendesse que a sua actuação era meramente negligente, a partir do momento em que foi notificado para prestar declarações e foi acusado, passou a sua conduta ser culposa e grave, tendo perfeita consciência da sua ilicitude e censurabilidade penal:
« 7. A segunda diz respeito a erro na apreciação da prova e da verificação do tipo objectivo do ilícito – título não translativo da propriedade.
« 8. lnexistem nos autos prova, designadamente documental, que permita dar como provadas as expressões acima referidas e constantes das alíneas F), H), K), daí que devam ser tais expressões eliminadas da matéria dada como assente.
« 9. Com efeito, não foram juntos quaisquer documentos assinados pelo recorrente, pelo que, é impossível fazer a sua classificação ou caracterização jurídica.
« 10. Por isso, nunca o julgador "a quo" poderia concluir tratarem-se de títulos translativos de propriedade.
« 11. Por tais motivos deverá o recorrido ser condenado por ter praticado o crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205º nº1 do Código Penal, bem como também devendo proceder o pedido de indemnização civil que contra este foi deduzido pelo recorrente.»
Terminou pelo pedido de alteração da matéria de factos provados e não provados, dando-se como provados os pontos1, 2, 3 e 4 dos factos dados como não provados e eliminando-se da matéria dada como provada os pontos acima referidos constantes das alíneas F), H) e K) de tal matéria e que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene o recorrido no crime de abuso de confiança p e p. pelo art.º 205.º, n.º 1, do Código Penal (CP)

3. Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento.

4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto (PGA) foi de parecer de que o recurso deve ser rejeitado.

5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente não respondeu.

6. Efectuado o exame preliminar, foi suscitada pelo relator a questão prévia da rejeição do recurso por manifesta improcedência, remetendo os autos à conferência, a fim de ser apreciada e decidida.


II.

1. São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, assim como a correspondente motivação:

« a) Factos Provados
« A) O arguido exerce funções de legal representante da empresa “I... – Comercialização de Cartões Turísticos, Lda.”, com várias filiais espalhadas pelo país, designadamente a filial sita na loja n.º 56 do Centro Comercial “C.”, nesta cidade de Braga;
« B) A sede social da sociedade “I... – Comercialização de Cartões Turísticos, Lda.” situa-se na Rua da Misericórdia, n.º 61, sobre loja, freguesia da Encarnação, em Lisboa;
« C) A aludida empresa dedica-se à comercialização de cartões turísticos, nomeadamente do “Cartão Vip Travel Prestige”, o qual, alegadamente, concede ao seu titular descontos no acto de pagamento de bens e serviços em empresas, organizações e prestadores de serviços aderentes ao sistema “Vip Travel Prestige”;
« D) Para angariação de clientes deste tipo de serviços existe um corpo de funcionários em cada filial que publicitam as vantagens na aquisição do referido cartão, tentando, desta forma, obter a adesão do maior número de pessoas;
« E) Ora no dia 07/11/2001, J... Pereira deslocou-se ao referido Centro Comercial, vindo a ser abordado por indivíduos que trabalhavam na filial da empresa gerida pelo arguido, os quais o convenceram, após cerca de três horas de conversações, a aderir ao referido cartão;
« F) Para tal, J... Pereira assinou vários documentos que consubstanciavam a aludida adesão contratual e emitiu um cheque, sacado sobre a conta que possuía na C.G.D., no valor de 680.000$00 (actualmente 3.391,83€), com data desse dia, mês e ano, que entregou ao funcionário que o atendeu;
« G) Foi-lhe entregue um recibo comprovativo desse mesmo pagamento, assinado pelo referido funcionário;
« H) Sucede que, no dia seguinte a estes factos, J... Pereira arrependeu-se de ter celebrado tal contrato e decidiu desistir do mesmo tendo sido informado, na loja onde o celebrara que, para tanto e porque o cheque já havia sido descontado, deveria informar a sede da empresa da intenção de rescindir o contrato, devendo fazê-lo no prazo de dez dias;
« I) J... Pereira enviou então para a Avenida dos Combatentes, n.º 43A e 43B, Edifício Green Park, 1600 Lisboa, em 09/11/2001, uma carta registada com a/r a comunicar a rescisão do contrato, carta essa que foi recebida em 14/11/2001;
« J) Sucede que até à data não foi devolvido o dinheiro entregue por J... Pereira, apesar de, dos vários contactos telefónicos tidos com funcionários da empresa em Lisboa, lhe ter sido assegurada a devolução de tal quantia, uma vez que havia rescindido o contrato pela forma e no prazo estipulados no contrato;
« K) Acresce que, para além de não ter sido contactado por qualquer forma, também não lhe foi enviado, por via da rescisão, o duplicado dos contratos por si assinados;
« L) O assistente aufere uma pequena pensão de reforma e é pessoa de parcos recursos económicos;
« M) O dinheiro constante do cheque que emitiu constituía a maior parte da poupança feita pelo demandante para atender a qualquer necessidade premente;
« N) Ao ter tomado todas as providências legalmente prescritas para que lhe fosse devolvido o seu dinheiro e ao constatar que tal não sucedia, acabou o assistente por se convencer de que caíra num logro e que nunca mais conseguiria reaver o seu dinheiro, o que lhe trouxe grande tristeza e desgosto;
« O) Por acórdão de 07/05/2003, proferido no âmbito do processo n.º 185/93.0TACTX, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, transitado em julgado em 26/05/2003, o arguido foi condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob a condição de proceder à reparação integral à assistente dos prejuízos causados, no valor global de 21.632,22, no prazo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da decisão, pela prática em 01/07/1984 de um crime de abuso de confiança, p. e p. no art.º 300.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na redacção de 1982.
*
« b) Factos Não Provados
« Com relevância para a decisão da causa, resultou não provado:
« 1. que o assistente se encontre lesado na quantia referida mercê da actuação do arguido, que agia em nome e representação da empresa por si gerida;
« 2. que o arguido bem soubesse que a importância que foi entregue pelo ofendido não lhe pertencia e que estava obrigado a devolvê-la a partir do momento em que a rescisão operasse nos termos e forma legalmente acordados;
« 3. que não obstante isso, o arguido tenha retido para si tal quantia e, invertendo o título de posse, tenha integrado a mesma no património da empresa que geria, agindo, relativamente a tal dinheiro e a partir da rescisão do contrato, como se ele lhe pertencesse ainda que reconhecendo, tempestivamente e nos vários contactos havidos entre a empresa e o ofendido, que esta quantia devia ser devolvida ao ofendido;
« 4. que o arguido tenha agido voluntária e conscientemente e com perfeito conhecimento da censurabilidade da sua conduta;
« 5. que os serviços prestados pela sociedade “Intervip” obriguem esta última a dar a relação de aderentes a entidades com quem tem contratos e a pagar taxas para obter esses descontos, sempre que um cliente adere de forma a que os allotments sejam compensados;
« 6. que em consequência da assinatura do contrato por parte do assistente, a sociedade “Intervip” tenha tido despesas e tenha encomendado serviços, alguns gratuitos, como estadias, pois os seus serviços actuam de imediato, inserindo o nome dos clientes no computador;
« 7. que a carta enviada pelo assistente o tenha sido para a central de reservas de uma das firmas, a “Omnivip, Lda.”
« 8 que a sede da sociedade “I... – Comercialização de Cartões Turísticos, Lda.” se situe na Avenida dos Combatentes, em Lisboa.
*
« c) Motivação
« Para a formação da convicção quanto aos factos provados, o tribunal baseou-se nas declarações do assistente e nos depoimentos das testemunhas produzidos em sede de audiência de julgamento, bem como nos documentos juntos aos autos, da forma que a seguir se descreve.
« A existência, sede e objecto social da sociedade referida, bem como o facto de o arguido ser legal representante da mesma provaram-se com base na certidão de registo comercial junta aos autos a fls. 169 e ss..
« A existência de uma filial em Braga provou-se com base nas declarações do assistente e nos depoimentos das testemunhas Maria de Lurdes Correia (esposa do assistente que com ele se deslocou à referida filial) e D... Pires (funcionária da empresa “I...” que contactou com o assistente na altura dos factos).
« A abordagem do assistente pelos funcionários da empresa, a sua deslocação às instalações desta, as tentativas de o convencer durante três horas e a subscrição por si dos documentos relativos ao contrato e do cheque provaram-se com base nas declarações do assistente e no depoimento da sua esposa, que quanto aos pontos em causa pareceram totalmente credíveis e coerentes.
« A emissão do cheque, o seu valor e a entidade bancária sobre a qual o mesmo foi sacado provaram-se com base na conjugação das declarações do assistente com os documentos de fls. 7 e 127.
« A entrega do recibo e o envio da carta provaram-se com base nos documentos juntos a fls. 7, 9, 10 e 11.
« A deslocação do assistente à filial de Braga da sociedade “I...” no dia seguinte à emissão do cheque e as informações aí prestadas quanto aos procedimentos a seguir provaram-se com base nas declarações do assistente, que também aqui pareceram sérias e credíveis.
« Os contactos telefónicos havidos entre o assistente e a sociedade e as garantias que lhe foram dadas de devolução do dinheiro provaram-se com base nas suas declarações e, essencialmente, com base no depoimento da testemunha D... Pires, funcionária da empresa que efectuou tais contactos, que confirmou os telefonemas e o facto de, por a rescisão operada pelo assistente ter sido tempestiva, ter dito ao assistente que lhe iria ser devolvida a quantia anteriormente entregue.
« O não envio dos duplicados dos contratos, os factos relativos à condição económica do assistente e a tristeza provocada pelo convencimento de que não reaveria a quantia entregue provaram-se com base nas suas declarações e no depoimento da sua esposa.
« Os antecedentes criminais do arguido provaram-se com base no C.R.C. junto aos autos a fls. 130.
« Quanto aos factos não provados, em nenhum momento foi referido qualquer envolvimento do arguido nos factos descritos na acusação. O assistente e a testemunha sua esposa foram peremptórios ao afirmar nada lhes dizer o nome do arguido, nunca com ele terem contactado e não saberem sequer quem seja. A testemunha D... Pires também foi clara ao afirmar que apesar de o arguido ser o gerente “nos papéis” (utilizando a sua própria expressão), não era ele quem lhe dava instruções e não era ao arguido a quem se reportava ou prestava contas do exercício das suas funções. Não foi feita qualquer prova quanto a ter o arguido tido conhecimento da entrega por parte do assistente das quantias em causa, nem de terem as mesmas passado pela sua mão em qualquer altura. Provaram-se apenas os contactos negociais entabulados entre o assistente e a sociedade da qual o arguido é gerente, através de funcionários desta, mas em momento algum se fez referência a qualquer intervenção do arguido nesses contactos ou no que se lhes seguiu.
« Nenhuma prova foi feita quanto aos procedimentos que se alegava terem de ser seguidos pela empresa aquando da assinatura de um contrato por parte de um novo cliente.
« Do mesmo modo, apesar de se ter provado que a morada para a qual o assistente enviou a carta registada não é a da sede social da sociedade (como se comprova pela certidão do registo comercial e que esteve na base do facto que se deu como não provado em 8.), também não foi feita qualquer prova quanto a ser tal morada, como alegado, a da central de reservas de uma outra empresa. »
2. O recorrente afirma que deviam ter sido dados como provados os pontos 1, 2 3 e 4 dos factos não provados e que não deveriam constar da matéria dada como provada as seguintes expressões: Na alínea F) - “... que consubstanciam a aludida adesão contratual ...”); Na alínea H) - “... de ter celebrado tal contrato e decidiu desistir do mesmo ...”; Na alínea K) - “... o duplicado dos contratos por si assinados”.

Porém, como bem referiu o Ex.mo PGA, no seu douto parecer “ainda que o recorrente pretenda impugnar a matéria de facto dada como provada, a verdade é que para além de especificar os pontos de facto que entende indevidamente julgados, teria de indicar as bases de facto que impõem decisão diversa, ou seja teria que ter dado cumprimento, o que manifestamente não fez, ao iter processual definido no art.º 412.º, n.os 3 e 4, do CPP”.

Na realidade, dispõem os referidos números e artigo que;

« Artigo 412.º
« (Motivação do recurso e conclusões)
« (...)
« 3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto o recorrente deve especificar:
« a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
« b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida;
« c) As provas que devem ser renovadas.
« 4.Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.»
Ora o recorrente limitou-se a alegar, relativamente às expressões que pretende ver retiradas das alíneas supra referidas da matéria que se provou, que «(...) nem durante o inquérito, nem na contestação, foi junta pelo recorrido, cópia de qualquer documento assinado pelo recorrente, o que desde logo inviabiliza qualquer classificação ou caracterização jurídica, dos documentos que foram assinados pelo recorrente (contratos ? confissões de dívida ? Documentos sem qualquer nexo ou validade jurídica ?)».

No mais, produziu alegações de carácter argumentativo, sem expressa referência à relação entre os factos e a prova dos mesmos.

Assim, temos por seguro que o recorrente não deu, efectivamente, cumprimento á exigências ínsitas nas disposições do art.º 412.º, do CPP, nomeadamente dos seus números 3, al. b) e 4.

Refere, ainda o recorrente, por duas vezes, a existência de “erro na apreciação da prova”.

Dados os termos em que no recurso tais erros são referidos, concluímos que nos encontramos perante uma formulação equívoca e que o recorrente se quer referir a erros de julgamento da matéria de facto, sendo sua pretensão impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, impugnação essa que deveria ter tido lugar nos termos, já referidos, do art. 412.º do CPP.

Nada aponta para que o recorrente tenha querido invocar no seu recurso a existência de erro notório na apreciação da prova, vício da sentença a que se refere o art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP. Tendo tal vício de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência – n..º 2, do art.º 410.º do CPP – em nenhum lugar do recurso é identificado erro dessa natureza, por referência ao indicado texto

De todo o modo, dado que os vícios do art.º 410.º, do CPP são de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, sempre se dirá que eles não ocorrem na decisão recorrida. Assim, nomeadamente, quanto à existência de erro notório na apreciação da prova.

«O erro notório previsto na alínea c) do n,º 2 do art.º 410.º do CPP é aquele que, usando de um processo racional e lógico de análise sobre um facto provado na decisão em crise, dele se colha uma conclusão ilógica arbitrária e contraditória, ou violadora das regras da experiência comum, tudo por forma notória, ou susceptível de ser alcançada pelo cidadão comum minimamente prevenido» (() Ac. do STJ de 96/10/24 , proc. n.º 680/96, apud M. Simas Santos/ M. Leal-Henriques, Código De Processo Penal Anotado, 2.ª Edição, II volume, Editora Rei dos Livros 2000, pág. 776. ).

Manifestamente, a sentença recorrida está isenta deste erro e dos demais vícios do referido art. 410º, n.º 2, do CPP.

Temos assim, que não se verificam os vícios da sentença contemplados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP e que, no que se refere à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto o recorrente não deu cumprimento do disposto no art. 412.º, n.os 3, al. b) e 4, do CPP.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004 (() De 10 de Março de 2004, publicado no Diário da República, II Série, n.º 91, de 17 de Abril de 2004.), destacando as contra-alegações do Exm.º PGA, naquele Tribunal, «as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto».

O recorrente buscou uma reapreciação da prova, sem especificação das provas concretas que impõem decisão diversa, o que não se compadece com o regime legal de recurso em matéria de facto traçado no artigo 412.º do CPP.

A possibilidade de formular convite ao recorrente para correcção das deficiências apontadas não tem, no caso, cabimento.

Está em causa uma deficiência substancial da própria motivação que necessariamente se reflecte em deficiência substancial das conclusões. A motivação não expressa os motivos da impugnação através da especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Estando-se perante deficiências relativas não apenas à formulação das conclusões mas substanciais da própria motivação, os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso em matéria penal – este último, aliás, enfocado na figura do arguido e já não na do assistente – não implicam que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto. Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso ( Idem.).

Face ao exposto, entendemos que o recurso, enquanto impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, não pode ser conhecido.

Assim sendo e por na decisão não se detectarem, repete-se, quaisquer vícios de que este tribunal possa e deva oficiosamente conhecer (os vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP), deve ter-se por definitivamente assente a matéria de facto fixada na decisão recorrida.

O que acarreta, necessariamente, a improcedência do recurso.

Como se escreveu no Ac. do STJ de 1999/10/26, judiciosamente citado pelo Ex.mo PGA no seu parecer, «um recurso é manifestamente improcedente quando, através da sua avaliação sumária, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que, por serem os seus fundamentos inatendíveis, está votado ao insucesso».

Termos em que o recurso deve ser rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos do disposto no art.º 420.º, n.º 1, do CPP.


III.

Nos termos expostos:

Acordamos em rejeitar o recurso por ser manifesta a sua improcedência.

Condenamos o recorrente no pagamento de 2 UC de taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 3 UC nos termos do disposto no art.º 420.º, n.º 4, do CPP.

Guimarães, 2006/____/____