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RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO VIOLENTO
ESBULHO
PERTURBAÇÃO DA POSSE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
PERIGO DE LESÃO GRAVE E IRREVERSSÍVEL OU DE DIFICIL RVERSIBILIDADE
PERICULUM IN MORA
Sumário
“I- A restituição provisória de posse, nos casos em que o esbulho não envolva violência, depende da verificação de uma situação possessória, de esbulho ou turbação dessa posse e dos requisitos gerais próprios das providências cautelares comuns; II- Nestas situações exige-se, assim, a verificação de uma situação de sério perigo de lesão iminente, previsivelmente causadora de efeitos prejudiciais, irreversíveis pela sua natureza ou dimensão, ou de difícil reversibilidade, que não poderão ser debelados mediante recurso aos meios comuns (“periculum in mora”), mas que ainda possam ser evitados através da providência. III- Incumbindo ao Requerente o ónus de alegação dos factos concretos reveladores da existência do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação da sua posse, e não tendo aquele logrado cumprir esse ónus, a pretensão cautelar deduzida deverá ser indeferida liminarmente, em virtude de o pedido formulado ser manifestamente improcedente.”
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - J. C.;
Recorrida(s):- F. C.;
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J. C. intentou o presente procedimento cautelar não especificado contra F. C., requerendo que se ordene a restituição da posse do terreno que identifica, e se determine a reposição da vedação no seu devido lugar, alegando que é proprietário e possuidor (em termos conclusivos) do prédio que identifica, sendo o Requerido proprietário de um prédio confinante; que o Requerido iniciou obras no teu terreno e procedeu à remoção parcial da rede que servia de fronteira entre os dois terrenos, deslocando-a para dentro do prédio do requerente, diminuindo a sua área em 150 m2, estimando um prejuízo de 10.000,00 €.
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Em sede de despacho liminar, o Tribunal Recorrido, após fundamentar a sua posição, proferiu a decisão:
“(…) In casu, o requerente apesar de ter concretizado o prejuízo sofrido com a alegada conduta do requerido, não alega factos que permitam concluir que o prejuízo sério, a existir, dificilmente será reparável pelo requerido, pois nada referiu sobre a capacidade deste de reparar o mesmo.
Em suma, os factos que alega não configuram lesões graves e dificilmente reparáveis, nos termos supra expostos (sendo merecedores de tutela jurídica, não justificam, porém, uma antecipação da mesma, em sede de procedimento cautelar).
Pelas razões referidas, o Tribunal entende que o pedido formulado pela requerente é manifestamente improcedente e, como tal, indefere liminarmente o requerimento apresentado, nos termos dos arts. 226º, n.º 4, al. b), e 590º, n.º 1, ambos do CPC.“
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É na sequência desta decisão que o Recorrenteveio interpor Recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES: A. No despacho de indeferimento liminar proferido no âmbito de qualquer procedimento cautelar compete ao juiz avaliar se o requerimento inicial padece de vícios, de natureza formal ou substancial, que desde logo, e em termos definitivos, possam determinar a inviabilidade da pretensão.
Não tendo sido alegado qualquer vício formal ou substancial no pedido do Recorrente, não existe qualquer fundamento legal ao indeferimento liminar do pedido do Recorrente. B. O artº 368º n.1 do CPC diz-nos que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. Tudo isto foi provado pelo Requerente.
Só com o recurso ao procedimento cautelar em crise, poderá o Recorrente esconjurar o perigo de lesão dos seus direitos, já que só desta forma se permite que sejam rapidamente tomadas medidas que assegurem a eficácia de uma acção subsequente, destinada à actuação do direito material.
Sendo que o procedimento cautelar funciona numa lógica de prevenção da eficácia da acção definitiva, o argumento de que não foi provada a incapacidade do Requerido de reparar o dano, conflitua com esta lógica, induzindo a ideia de que apesar da possibilidade de dano, podendo ser reparado, não faz mal permiti-lo. O que por si só, é fundamento para a revogação do despacho recorrido, e o prosseguimento dos autos
NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente, determinando-se a revogação do despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos. “
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O Requerido não apresentou contra-alegações (apenas deduziu oposição ao procedimento cautelar).
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- Errou o Tribunal Recorrido na interpretação e aplicação das normas legais que deveria considerar, ao indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar comum, por o Requerente não ter alegado factos suficientes para preencherem os pressupostos do seu decretamento, nomeadamente o requisito “do fundado receio de que o seu direito sofra lesão grave e de difícil reparação”?
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Já se referiu qual a questão que o Recorrente enuncia.
No fundo, a única questão que se coloca é a de saber se se deve manter a decisão do Tribunal Recorrido que considerou que o Requerente/Recorrente não alegou a factualidade subjacente aos requisitos da providência cautelar comum que pretendia ver decretada.
Conforme resulta do que se acaba de dizer, o Requerente optou, e bem, por interpor a presente providência cautelar, enquadrando a mesma no âmbito do procedimento cautelar comum.
Na verdade, não estando reunidos, na perspectiva dos factos alegados, os pressupostos da providência cautelar específica de restituição provisória da posse, o Requerente optou por recorrer ao procedimento cautelar comum (art. 362º do CPC, Cfr. também o art. 379º do CPC).
Ao fazê-lo, no entanto, tornou a sua posição mais difícil, já que, como diz Abrantes Geraldes (1), “… ao invés do que decorre do regime da restituição provisória da posse torna-se necessária a prova do perigo de lesão grave e dificilmente reparável para o requerente, não bastando por isso a prova da qualidade de possuidor aliada à prova de actos de esbulho ou de turbação … “ (2).
Nos termos do art. 362º do CPC "...sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado... ".
No caso concreto, como se disse, o Requerente optou, assim, por intentar o procedimento cautelar comum, e não o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse previsto nos arts. 377º e ss. do CPC, considerando que o esbulho efectuado pelo Requerido foi sem violência nos termos do art. 1261º do CC… (art. 20 do requerimento inicial).
Nessa sequência, decidiu instaurar “um procedimento cautelar comum para a defesa da posse”, apelando, certamente, ao disposto no art. 379º do CPC.
Ora, como iremos ver à frente, compulsadas as alegações fácticas do Requerente, constata-se que ao requerer a providência cautelar aquele desconsidera completamente, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, a necessidade de alegar os factos que permitiriam configurar as alegadas lesões da sua posse como graves e/ou dificilmente reparáveis- sendo este o fundamento da decisão de indeferimento liminar.
Como é sabido, mesmo quando o possuidor pretende exercer a sua pretensão no âmbito de um procedimento cautelar comum- por entender que não se encontram verificados os requisitos previstos no procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse- a factualidade que tem que alegar, correspondente “ … ao juízo de probabilidade ou verosimilhança forte sobre a titularidade do direito previsto no art. 368º, nº1 do CPC”, é a factualidade respeitante à situação de posse do prédio que pretende ver restituído.
Na verdade, conforme refere o ac. da RP de 16.1.2003 (3) “ … A restituição provisória de posse, nos casos em que o esbulho não envolva violência, depende da verificação de uma situação possessória, de esbulho ou turbação dessa posse e dos requisitos gerais próprios das providências cautelares comuns… “.
Assim, nos termos do art. 379º do CPC, o Requerente, enquanto possuidor, malgrado a inexistência de violência, pode ser restituído ou mantido na sua posse, se acaso se verificarem as circunstâncias de que a lei faz depender o decretamento de uma providência cautelar comum.
Nesta conformidade, da conjugação de tal normativo com os arts. 362º e ss. do CPC, decorre que a concessão da tutela cautelar depende, nestes casos, da verificação das seguintes circunstâncias:
- Probabilidade da existência de uma situação de posse (“fumus boni júris”);
- Verificação de actos de esbulho não violento ou de turbação (lesão ou perigo de lesão);
- Perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) (4).
Ora, tendo-se em consideração que são estes os requisitos que o Requerente teria que ter alegado, pode-se facilmente constatar que bem andou o Tribunal Recorrido em considerar que não se verificam as condições de que dependeria a concessão da tutela cautelar por falta de alegação dos referidos requisitos (nomeadamente, do 3º requisito acima referido).
Na verdade, se o Requerente pretendia, como parece pretender, socorrer-se do estabelecido no art. 379° do CPC, tinha que ter percebido que o que aí se visa continua a ser a tutela daquele que se encontra numa situação de posse de determinada coisa, posse essa alegadamente perturbada no seu exercício ou esbulhada, sem violência.
Ora, nestas situações, o legislador ao remeter para o regime geral dos procedimentos cautelares comuns não prescindiu dos pressupostos gerais dessas providências.
Pelo contrário, remetendo o legislador para aquelas normas, pretendeu que a tutela cautelar, em tais situações, apenas fosse conferida quando se torne verosímil a existência dos requisitos de que dependem as providências cautelares comuns, isto é, a séria probabilidade de existência da posse e o suficiente fundamento do receio de lesão grave e dificilmente reparável.
Ora, como já se referiu, no caso concreto, compulsado o requerimento inicial, constata-se, efectivamente, a ausência da alegação dos factos correspondentes a este último requisito.
Na verdade, conforme já ficou dito em cima, um dos requisitos principais do procedimento cautelar Comum seria “o fundado receio de que esse direito (do Requerente) sofra lesão grave e de difícil reparação (art. 362º do CPC).
Quanto a este requisito, a Jurisprudência vem entendendo que este fundado receio pressupõe que o titular do direito (o possuidor) se encontra perante ameaças certas e realistas. Por outro lado, a lesão não pode estar já consumada, porque não há que acautelar um prejuízo se este já se produziu.
Exige-se, assim, a verificação de uma situação de sério perigo delesão iminente, previsivelmente causadora de efeitos prejudiciais, irreversíveis pela sua natureza ou dimensão, ou de difícil reversibilidade, que não poderão ser debelados mediante recurso aos meios comuns (“periculum in mora”), mas que ainda possam ser evitados através da providência.
Como refere Abrantes Geraldes “…não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade…”; “…não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar” (5).
O julgamento a efectuar deve, assim, balancear os interesses de requerente e requerido na composição provisória do conflito dado o seu carácter sumário, medir a necessidade de tutela em contraponto com os danos previsíveis e seu grau de ressarcibilidade.
Estando em causa prejuízos patrimoniais, “… o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva”. Não estando, ainda assim, de todo excluído o recurso a tal providência para protecção de interesses de tal espécie, “devem ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados.” (6).
Ainda a propósito da expressão legal “lesão grave e dificilmente reparável”, acrescenta o mesmo autor que “…não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil. Apenas merecem a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamenteirreparáveis ou de difícil reparação” (7).
A situação de perigo deve apresentar-se como de ocorrência iminente ou em curso (desde que possam prevenir-se ainda novos danos ou o agravamento dos entretanto já ocorridos). “Estão, pois, fora da protecção concedida ao abrigo do procedimento cautelar comum as lesões de direitos já inteiramente consumadas, ainda que se trate de lesões graves. Porém, já nada obsta a que, relativamente a lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos, v. g. em casos de lesões no direito de personalidade…” (8).
A condição é que, trate-se de lesão iminente e que ainda não produziu danos ou de lesão consumada mas cuja persistência, continuação ou repetição se apresenta como susceptível de gerar novos danos ainda preveníveis, sempre, além das demais características, o receio daqueles ou destes devendo apresentar-se como fundado, “com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade…”.
Deve evitar-se “que a concessão indiscriminada da protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas.”
E “as circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objectivamente, tendo em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido que com ela é afectado, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores” (9).
Como se diz no Acórdão do STJ, de 28-09-1999, o fundado receio tem de ser actual em relação ao decretamento da providência, se a lesão já está consumada a providência não tem razão de ser, ele refere-se a matéria de facto e “pressupõe a ocorrência de um fundado receio de prejuízos reais e certos, relevando de uma avaliação ponderada da realidade e não de uma apreciação subjectiva, emocional e, eventualmente, precipitada dos factos, tantas vezes determinada por razões distintas do receio de lesão grave e dificilmente reparável” (10).
Nesta conformidade, para ser fundado, o receio, como já se referiu, deve ser apoiado na alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo (grave e irreparável ou de difícil reparação).
Por outras palavras: o receio de lesão só será suficientemente fundado se for justificado e justo, ou seja, se assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação, e em dados objectivos (11).
A gravidade da previsível lesão deve ser aferida, assim, à luz da sua repercussão na esfera jurídica do Requerente, tendo em conta que, no concernente aos prejuízos materiais, eles são, em regra, ressarcíveis, através da reconstituição natural ou da indemnização substitutiva (12).
Em suma: o fundado receio de lesão grave dificilmente reparável tem de provir de factos que atestem perigos reais e certos, relevando tudo de uma apreciação ponderada, regida por critérios de objectividade e de normalidade.
Importa, por outro lado, ter em atenção que a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito (13).
Assim, “… para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um acto qualquer, mas sim aquele que é capaz de gerar uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito…” (14).
A providência cautelar (comum), por força deste requisito, só pode ser decretada “…quando não seja viável a reintegração do direito de forma específica ou por equivalente no decurso de um juízo de mérito…” (15).
No fundo, o que se exige é que se possa perspectivar dos factos concretos alegados pelo Requerente que o prejuízo alegado, a não ser acautelado previamente, criará uma situação de impossibilidade futura de reintegração específica da sua esfera jurídica, mesmo no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente (16).
Assim, para alcançar tal desiderato, o Requerente tinha o ónus de alegar estes factos concretos – tendo em vista a futura prova, ainda que sumária – dos acima referidos requisitos, designadamente, do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito (da sua posse), tendo em conta o exposto.
Simplesmente, a este respeito, o Requerente limitou-se a alegar o que consta dos itens 14 a 16 do requerimento inicial, ou seja, que estima que o valor do seu prejuízo “corresponde a cerca de 10.000 €” decorrente do “esbulho da sua propriedade em cerca de 150 m2” e que “receia que que o Requerido venha a construir no terreno que que lhe foi esbulhado…”.
Ora, como se disse, para que a presente providência pudesse proceder era necessário que o Requerente tivesse alegado factos concretos reveladores de que a demora da acção principal lhe provocaria justo receio de não conseguir a restituição do prédio (critério objectivo) ou a satisfação da indemnização subjacente ao alegado prejuízo (critério subjectivo), tal como exige o art. 362º, nº 1 do CPC.
Porém, o Requerente não cumpriu esse ónus, limitando-se a enunciar meras conclusões, desacompanhadas do necessário substrato fáctico integrador do apontado requisito.
Na verdade, independentemente do critério que se possa defender, o Requerente, no caso concreto, não densificou suficientemente o efectivo dano decorrente do alegado direito violado (a sua posse), por forma a aferir da gravidade da lesão, e, muito menos, a dificuldade de reparação dessa invocada lesão.
E isto sucede fazendo apelo a um critério subjectivo, já que nada se mostra alegado quanto às possibilidades concretas do Requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do alegado direito violado (a posse do Requerente).
E à mesma conclusão se chega- quanto à insuficiência da matéria alegada- quando se opta por um critério objectivo, já que o Requerente nada alega quanto à dificuldade da reconstituição da situação anterior ao alegado prejuízo (até porque não concretiza a eventual projectada construção vagamente alegada).
Ou seja, o Requerente não articulou, seja em que perspectiva for, os factos essenciais, instrumentais ou complementares reveladores do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do seu direito (da sua posse) no sentido exposto.
Deste modo, não tendo sido alegado o pressuposto fáctico do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação da sua posse sobre o terreno, nunca o Requerente o poderia vir a demonstrar em sede de audiência final.
Cumpre, aliás, referir que, mesmo que aqui estivessem em causa os meros invocados prejuízos, de ordem patrimonial, decorrentes para o Requerente da turbação da sua posse sobre o terreno, não se descortina da alegação deste último que se esteja diante de lesão grave e de difícil reparação, na medida em que não foram alegados nenhuns factos reais e concretos relativamente à situação económica do Requerido, indiciadores da impossibilidade de arcar com a eventual indemnização que àquele fosse devida.
Simplesmente, o Requerente não articulou qualquer substrato fáctico concreto, determinado, capaz e suficiente de demonstrar a incapacidade económica da Requerido, ou a sua impossibilidade ou dificuldade de vir a satisfazer a eventual indemnização decorrente da demora da restituição do terreno de que diz ser possuidor.
Por outras palavras: mesmo a entender-se que está em causa lesão de natureza essencialmente patrimonial, a verdade é que o Requerente não alegou quaisquer factos reais e concretos que, a comprovarem-se, permitissem concluir pela ausência de capacidade económica do Requerido para solver os encargos que pudessem reflectir-se no seu património.
Logo, jamais, e também, por esta via, poderia vir a dar-se como verificado o pressuposto essencial do “periculum in mora”.
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que as alegações do Requerente, mesmo a comprovarem-se, são manifestamente insuficientes para preencher um dos requisitos de que dependeria a procedência deste procedimento cautelar: o perigo de lesão grave e de difícil reparação do direito invocado.
Nesta conformidade, bem andou o Tribunal Recorrido em considerar que:
“(…) In casu, o requerente apesar de ter concretizado o prejuízo sofrido com a alegada conduta do requerido, não alega factos que permitam concluir que o prejuízo sério, a existir, dificilmente será reparável pelo requerido, pois nada referiu sobre a capacidade deste de reparar o mesmo.
Em suma, os factos que alega não configuram lesões graves e dificilmente reparáveis, nos termos supra expostos (sendo merecedores de tutela jurídica, não justificam, porém, uma antecipação da mesma, em sede de procedimento cautelar).”
Donde importa concluir que se impunha, como bem intuiu o Tribunal Recorrido, o indeferimento liminar da providência cautelar solicitada, em virtude de o pedido formulado pelo Requerente ser manifestamente improcedente, por falta de alegação (e consequentemente impossibilidade de prova) do requisito de perigo de lesão grave e dificilmente reparável da posse invocada (art. 226º, nº4, al. b) e 590º, nº1 do CPC).
Tanto basta para concluir pela improcedência do Recurso, porque não se mostram preenchidos os requisitos de procedência do procedimento cautelar comum (art. 362º do CPC), pois que o Requerente não alegou os factos necessários a preencher os requisitos que permitiriam acolher a pretensão de restituição da posse deduzida no requerimento inicial.
Na verdade, tal como entendeu o Tribunal Recorrido, não podia, a nosso ver, providência cautelar comum requerida ser decretada, por falta de alegação dos seus pressupostos legais, nomeadamente, por falta de alegação da verificação da existência de lesão actual e grave e de difícil reparação do direito do Requerente.
Improcede o Recurso, e confirma-se a decisão recorrida.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o Recurso.
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Custas pelo Recorrente (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 21 de Setembro de 2017
(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)
1. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol. Pág. 63, nota 79. 2. V., no mesmo sentido, os acs. da RL de 24.6.99, in Cj t. III, pág. 129; de 6.4.00, in Cj , t. II, pág 130; e da RC de 23.5.00, in Cj t. III, pág. 23. 3. (relator: Moreira Alves), in Dgsi. pt. 4. V. por exemplo, o ac. da RL de 4.8.2004 (relator: Abrantes Geraldes), in Dgsi.pt; no mesmo sentido, v Abrantes Geraldes, in “Temas da reforma do Processo civil”, Vol. IV, pág. 64; 5. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., pág. 101. 6. Idem, pág. 102. V. o que mais à frente se referirá na nota 17. 7. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. III, página 103. No mesmo sentido, v. Rita Lynce Faria, in “A função instrumental da tutela cautelar não especificada”, pág. 57 quando refere: “Note-se que estes requisitos, relativos às características da lesão, são cumulativos. O que significa que não basta uma lesão grave, se facilmente reparável, nem uma lesão sem gravidade, embora dificilmente reparável. Ou seja, o legislador pretendeu dificultar o acesso às providências cautelares, não sendo suficiente o mero risco de lesão para o direito do requerente…”. 8. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. III, página 106. 9. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. III, págs. 108 e 109. 10. (Relator: Garcia Marques), onde se concluiu que: “O requisito do justo receio de lesão grave e de difícil reparação do direito é matéria de facto.” 11. Cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III vol., págs. 87, 88 e 89. 12. V. o Ac. da RC de 23/05/2000, CJ, t. III, pág. 22 13. Lebre de Freitas/Rui Pinto/João Redinha, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 6. 14. Como se refere no ac. do STJ de 28-09-1999 já citado. 15. Marco Gonçalves, In “Providências Cautelares”, nota 579. 16. Como refere Rita Lynce de Faria, in “, “A função instrumental da tutela cautelar não especificada”, pág. 61, essa situação nunca ocorrerá “…quando a reparação da lesão possa verificar-se em forma específica ou in natura…”, pois que, nestes casos, “…não existem dúvidas de que não é possível o recurso à medida cautelar para afastar o risco da sua verificação. Este tipo de lesão não se subsume no conceito de lesão dificilmente reparável. Se assim fosse, toda e qualquer lesão teria de ser considerada como tal…”. Esta autora esclarece que, para a concretização do que se deve entender por lesão dificilmente reparável, podem ser apontados dois critérios. Um critério subjectivo que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente. E, um critério objectivo, que reporta a dificuldade da reparação ao tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente. Aquela será dificilmente reparável – ou não- consoante o tipo de reparação de que seja susceptível, necessariamente dependente da natureza do direito lesado – v. págs. 58 a 64.