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INVENTÁRIO
Sumário
Tendo um herdeiro da inventariada legado bens à herança, antes de efectuada a partilha, deve entender-se que quis dispor do direito ao quinhão que, em abstracto, lhe cabe sobre tais bens, em analogia com a norma do nº2 do art.º 1685º do Código Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal de Guimarães:
E.A.M.C e outros interessados nos autos de inventário a que se procede por óbito de M.D.C.M.C requereram em 7/3/06, dia anterior à data designada para a conferência de interessados e eventuais licitações, que fosse declarado pelo Sr. juiz que têm direito a receber tornas, enquanto legatários da deixa testamentária feita pela filha da inventariada, no caso de o seu quinhão não vir a ser preenchido, total ou parcialmente, em espécie.
Por despacho exarado em 6/4/06 e que constitui fls.1040 a 1043 foi considerado, em síntese, que “não faz sentido (…) falar em qualquer direito dos interessados (ora recorrentes), enquanto legatários, a serem pagos em tornas, uma vez que, ou a condição suspensiva a que a testadora sujeitou a sucessão nos seus bens se verifica e lhes são adjudicados os bens que lhes foram legados, ou a condição suspensiva não se verifica e tudo se passa como se não tivesse sido instituído qualquer legado.”
Inconformados com o decidido, agravaram os requerentes, sintetizando as pertinentes alegações nas seguintes conclusões:
“1ª Tendo a filha da inventariada Dona D.C.M.C. falecido em data anterior à da propositura do presente inventário e tendo feito a favor dos Recorrentes legado de bens ainda indivisos (os bens do Alvito), a questão que se coloca nestes autos, agora que já está decidido com trânsito em julgado que o legado é válido, é a de saber se, podendo os legatários licitar nos bens legados na busca de os fazerem seus em espécie, têm direito a receber em tornas o valor correspondente ao quinhão da testadora se, em resultado das licitações, os bens legados vierem a ser adjudicados a outros interessados que não a eles.
2ª Conhecendo desta questão, o despacho recorrido, apesar de partir do pressuposto da validade do legado, negou ainda assim aos recorrentes direito a receberem tornas no caso de não triunfarem nas licitações: é deste despacho que se recorre. 3ª Para tanto, o despacho recorrido fundou-se em duas razões: primeiro, considerou que a impossibilidade de os recorrentes serem pagos em tornas decorria da qualificação jurídica dada pela Relação de Guimarães no seu acórdão de 15 de Janeiro de 2003 à deixa testamentária em análise (sujeição da deixa à condição suspensiva da adjudicação dos bens, por meio da partilha, à sua pessoa) —o que envolveria uma interpretação do testamento coberta pelo caso julgado e, por isso, vinculativa para os interessados (cfr. segundo parágrafo de fls 1041); depois, quanto ao fundo, considerou que a subordinação do legado à condição suspensiva de estes serem adjudicados, por meio da partilha, à sua pessoa, excluía o direito de os recorrentes serem pagos em tornas pois, se a condição se não verifica, a declaração, isto é, a deixa, não produz os seus efeitos (cfr. último parágrafo de fls. 1041)
4ª Nenhuma destas razões procede. De facto,
5ª Enquanto ao caso julgado, porque a questão está dele expressamente excluída: o despacho de não recebimento do recurso que os Recorrentes quiseram interpor do Acórdão de 15 de Janeiro de 2003 para o Supremo Tribunal de Justiça refere expressamente que a questão do pagamento em tornas, como sucedâneo da hipotética não adjudicação nas licitações, estava fora do âmbito do agravo, tanto a nível da decisão principal como no plano dos seus pressupostos (cfr. fls…);
6ª Enquanto à questão de fundo, porque não é juridicamente correcto qualificar o legado de bens indivisos como instituído sob condição suspensiva de os bens serem adjudicados, por meio da partilha, à pessoa do testador;
7ª O que pode dizer-se é que o legado de bens indivisos, no que ao seu concreto objecto diz respeito, deve entender-se como sujeito à condição suspensiva do resultado da partilha;
8ª Isto é, sujeito à condição suspensiva de ser a partilha a dizer quais os bens que compõem o legado: os precisos bens legados se vier a haver coincidência material entre o legado e o resultado da partilha, ou o seu valor em tornas, total ou parcialmente, se as licitações conduzirem a que todos os bens ou parte deles não sejam adjudicados aos legatários instituídos. 9ª Dogmaticamente é esta e só esta a construção que a este respeito se pode fazer, tanto por imperativo de boa hermenêutica como por ser este o sentido que forçosamente corresponde à vontade hipotética ou conjectural do testador.
10ª Se a lei consente ao herdeiro de bens ainda indivisos fazer legados que versem sobre esses próprios bens — e consente, pois assim o decidiu nestes autos o Tribunal da Relação de Guimarães – não faz sentido que a atribuição patrimonial em que os legados se analisam fique congenitamente marcada pela “capitis diminutio” de só valer no caso de os legatários, no confronto com os demais interessados triunfarem nas licitações pela atribuição dos bens em espécie e não produzirem quaisquer efeitos na hipótese inversa.
11ª O despacho recorrido só conclui pela não produção de efeitos do legado quando os bens não fiquem, pelas licitações, em espécie para o legatário porque leva ao absurdo as consequências lógicas da comunhão hereditária: pensar que ela veda ao herdeiro dispor de bens concretos da herança comum até mesmo quando ele se limita a fazer legado dos bens, ou seja, a conferir ao legatário a faculdade de, por sua morte e consoante o resultado da partilha, ficar com os bens do legado ou com o seu valor em tornas.
12ª Apesar de os patrimónios colectivos, que equivalem, na terminologia corrente, à figura da comunhão na doutrina portuguesa, se definirem “por a fruição (…) pertencer indivisamente aos membros da colectividade, que a exercem na medida das suas responsabilidades “ (cfr. Manuel Andrade, citado em texto), não é seguro que a vulgarmente designada comunhão hereditária corresponda, na lei portuguesa, à consagração de uma figura de património colectivo;
13ª E se não corresponde, falta de todo ao despacho recorrido o suporte dogmático em que se louvou para efeito de decidir como decidiu;
14ª Como quer que seja, ainda quando de património colectivo se tratasse, a verdade é que a fruição indivisa não pode fazer esquecer a realidade prática das coisas, ou seja, que cada um dos titulares é dono da coisa tal como é o seu co-titular, seja ele o cônjuge, na comunhão conjugal, seja ele o co - herdeiro;
15ª Insistindo: a hipotética dogmatização da herança como património colectivo não exclui que o herdeiro não tenha direito (partilhado, embora, com os demais co-herdeiros) a cada um dos bens que a compõem.
16ª E se o tem, o legado que deles seja feito enquanto bens indivisos tem de entender-se como envolvendo a plenitude patrimonial da deixa a qual comporta tanto o direito de licitar para ficar com os bens em espécie, como o direito de receber o correspondente valor em tornas se os bens legados vierem, pelas licitações, a ser adjudicados a interessado não legatário;
17ª A decisão sob censura, negando aos recorrentes o direito a serem pagos em tornas se não triunfarem nas licitações sobre os bens legados, violando o seu direito ao legado e, consequentemente o seu direito a serem compostos em tornas, violou o disposto no art. 2179° do Código Civil e no art. 1377C do Cód. Proc. Civil.
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Em contra alegações diz, em síntese o interessado E.F.B.M.C.:
“1ª) As seis primeiras conclusões das doutas alegações de recurso constituem a equacionação do problema.
2ª) As conclusões 7ª e 8ª representam a tese defendida pelos Recorrentes.
3ª) As restantes conclusões 9ª a 17ª representam, com o devido respeito, uma mera dissertação jurídica abstracta para tentar sustentar o insustentável.
4ª) A tese defendida pelos recorrentes nas conclusões 7ª e 8ª equivale a dizer que o legado em causa foi feito sem subordinação a qualquer condição.
5ª) Segundo tal tese, os legatários receberiam os bens da testadora D., ou o respectivo valor em tornas, independentemente de tais bens terem ou não entrado na esfera jurídica da testadora.
6ª) Todavia está decidido pela Relação de Guimarães e transitado em julgado, que tal legado ficou sujeito à condição de esses bens virem, no futuro, a integrar a esfera jurídica da própria testadora e por meio de partilha.
7ª) Resulta dos autos que a testadora faleceu sem que, entretanto, isto é, desde a feitura do testamento até à sua morte, tais bens tivessem, por alguma forma, entrado na sua esfera jurídica própria.
8ª) Do falecimento da testadora sem que os bens objecto do legado tivessem ingressado na sua esfera jurídica resulta que acabou por não se verificar, nem poder mais verificar-se, a condição a que a testadora sujeitou a eficácia do legado em causa, visto que com a sua morte se extinguiu a sua esfera jurídica.
9ª) A única interpretação lógica, plausível e de acordo com a normalidade da vida é que a condição definida pelo referido Acórdão do Tribunal de Guimarães fosse a da subordinação da eficácia do legado à realização da partilha dos bens em causa durante a vida da testadora e de, por ela, tais bens lhe serem adjudicados.
10ª) Tal legado, conquanto válido, deve ser, por isso, considerado absolutamente ineficaz, mesmo que tais bens venham a ser licitados pelos legatários.
11ª) Pelo que, deve ser revogado o douto despacho recorrido, sim, mas no sentido de ser considerado absolutamente ineficaz o legado em causa, por não ocorrência da condição a que ficou sujeito.
12ª) O presente recurso e o requerimento que lhe está na origem não passam de um expediente com má-fé com o objectivo de levar o Tribunal em entrar com contradição com o Acórdão da Relação de Guimarães de 15/01/2003 sobre a mesma questão de fundo.
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Em despacho tabelar exarado a fls 1113 o Senhor juiz manteve a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO: O presente recurso é fruto de artificialismo processual e está manifestamente desfasado da tramitação do processo em que foi inserido.
O próprio enunciado das posições dos interessados que acima se fez constar evidencia o carácter virtual do litígio subjacente: a sua dilucidação só tem interesse na eventualidade de os interessados na conferência não acordarem sobre as verbas e valores que cada um recebe ou, frustrada tal possibilidade, se os bens imóveis não vierem a ser licitados pelos legatários instituídos pela filha da inventariada, D.C.M.C..
Pretendem as recorrentes que se declare que, ocorrendo tal situação (ou seja, no caso de o acordo não ser obtido, nem os legatários instituídos pela referida testadora lograrem licitar com êxito os imóveis relacionados) lhes assiste o direito a receber tornas, atinentes aos legados feitos pela testadora.
A questão, com o devido respeito, foi suscitada antes de tempo e a sua resolução caberia sempre no âmbito do despacho determinativo da partilha, previsto no artigo 1373º do CPC, o qual, nos termos legais, é precedido da audição dos interessados.
E muito embora tal despacho não possa ser directamente sindicado por via de recurso (nº3 da disposição referida) pode sê- lo indirectamente, no âmbito da apelação interposta da sentença da partilha (e nesse caso até por via de revista).
Sem embargo deste reparo, pensamos todavia não haver razões formais decisivas que, sem invocação das “ partes”, deva obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Diga-se ainda, neste contexto, que a declaração intencionada – qualquer que seja o seu sentido – não conflitua com nenhuma das decisões anteriores desta Relação, que nem expressa nem implicitamente se pronunciaram sobre o tema, como se colhe sem margem para dúvidas, do ac. de fls 145 do apenso A (agravo em separado).
Ressalva-se a hipótese de ser acolhida nesta sede a tese sustentada pelo agravado nas conclusões 7ª, 8ª, 9ª, 10ª e 11ª das alegações por ele produzidas, pois conflitua flagrantemente com tal construção o sentido do Acórdão desta Relação de 15/1/2003 que aponta necessariamente – e inequivocamente – a plena eficácia da deixa testamentária da filha da inventariada.
Enunciemos então os pressupostos do diferendo trazido ao nosso conhecimento por via do presente recurso:
a) Em 20 de Dezembro de 1933 faleceu no estado civil de viúva e sem testamento a inventariada M.das D.;
Sucederam-lhe quatro filhos, E.C.M.C., M.A.C.M.C., D.C.M.C. e N.C.M.C.
b) A inventariada deixou bens nos concelhos de Arcos de Valdevez, Ponte da
Barca e Alvito;
c) Em 29/12/1934 faleceu o filho da inventariada, N.C.M.C , no estado de solteiro, sem descendentes e intestado;
d) Por escritura de 3/2/1936 (certificada a fls 93 do processo) os três filhos sobrevivos da inventariada partilharam entre si os bens sitos nos concelhos de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca (com excepção dos livros relacionados neste inventário);
e) O filho da inventariada, E.C.M.C.,, faleceu em 14/4/64 e a filha M.A faleceu em 14 de Novembro do mesmo ano.
f) No dia 11 de Dezembro de 1981 a filha da inventariada, D.C.M.C outorgou o testamento que se encontra junto a fls 52 a 57 dos autos;
g) Não obstante o teor do testamento, todos os bens da testadora nele referidos integram o acervo hereditário de sua mãe, ora inventariada;
h) A testadora faleceu em 19/12/83, no estado de viúva, sem descendentes (e, naturalmente, também sem ascendentes vivos).
Assim, nestes autos de inventário, pretende-se partilhar o remanescente dos bens da inventariada, ou seja, os livros e os prédios sitos no concelho do Alvito que permaneceram indivisos.
Nenhuma dúvida relevante pode suscitar-se quanto à extensão do quinhão hereditário dos vários herdeiros da inventariada, todos eles filhos ou netos do filho E.C.M.C ao qual caberia, se vivo fosse, um terço do referido remanescente, proporção exactamente igual à que caberia a suas irmãs M.A e D.C.M.C (artº 2136º do CC).
É a partilha do quinhão desta última a fonte do desentendimento que está na origem dos sucessivos recursos que vêm protelando, para além do razoável, o termo do processo.
No testamento da referida Dª D.C.M.C (mencionado na anterior alínea g) foi consignado, quanto ao que agora interessa considerar, que: “Deixa os bens que possui no concelho de Alvito aos seguintes seus sobrinhos:
- metade indivisa em usufruto a sua sobrinha Maria do Rosário SeverinoMorais e em raiz aos seus filhos, E., A. e A.. - uma quarta parte a seu sobrinho – neto N.B.M.Cruz.; - uma oitava parte a cada uma de suas sobrinhas M.do C. e E.M.C..
Simplesmente, como se referiu, a testadora não era dona de qualquer bem próprio no concelho de Alvito, pois os bens a que se reportava permaneciam indivisos.
Chamado a conferir a validade da deixa testamentária acima transcrita, proferiu este tribunal o acórdão de 15/1/03, considerando-a válida e alinhando para tal as seguintes razões:
-- o testamento reporta-se a todo o acervo hereditário, pelo que, quando a testadora especificou os bens sitos no Alvito, é indubitável que bem sabia que não existiam outros assim localizados; -- a testadora, reunindo a capacidade intelectual de discernimento para outorgar o testamento, também teria forçosamente, a necessária capacidade para se aperceber da proveniência dos bens, acervo da sua herança ; -- e ainda para ter consciência de que não tinha havido qualquer partilha (…)
Concluía então que a testadora teria subordinado a sucessão dos bens determinados a um acontecimento futuro e incerto, ou seja, a adjudicação desses bens, por meio de partilha, à sua pessoa (…). Não subscrevemos tal interpretação que, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, não partilha da força vinculativa do caso julgado da decisão que sobre ela se ancorou.
Com efeito não existe no testamento em análise o menor vestígio de que a sua autora tivesse querido subordinar tal deixa testamentária a qualquer acaso ainda não verificado ou de hipotética verificação. Bem pelo contrário, tal disposição surge em primeiro lugar e revela o inequívoco propósito de privilegiar com bens já existentes os mencionados sobrinhos.
Aliás a análise do testamento necessariamente leva a concluir que o acaso não teve nele assento, de tão minucioso se revela na identificação dos demais bens legados bem como dos beneficiários (v.g. quando refere o seu sobrinho N.M.C. não se basta com essa indicação, pois especifica tratar-se do filho de seu irmão E., assim o distinguindo do sobrinho-neto que antes contemplara, seu filho e homónimo.
São aliás tantos os detalhes que custaria a entender que a primeira deixa acima transcrita fosse apenas uma pia intenção de contemplar os visados com uma mera expectativa cuja concretização ficava dependente de um feliz acaso.
É verdade que não se provou que a testadora à data fosse dona de qualquer bem no concelho do Alvito, mas isso não exclui que, por qualquer razão que se desconhece (v.g. partilha verbal) tivesse fundada convicção de que assim era.
O próprio recorrido veio a fls 87 dos autos dizer que, desde o falecimento de seu pai (neto da inventariada), tem possuído os imóveis cuja partilha se pretende e já antes dele assim o faziam os seus antecessores, desde há dezenas de anos, convencidos que a sua composse corresponde ao exercício do direito de compropriedade sobre tais bens.
Ou seja, se erro houve da testadora, o recorrido também o subscreve.
Mas a tarefa interpretativa do aplicador do direito não pode estender-se a uma tal investigação: não se apurando a exactidão dos pressupostos da deixa testamentária, importa interpretá-la de acordo com “o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento” (nº1 do artigo 2187º do CC).
Assim devendo ser, terá então de “convolar-se”a intenção da testadora para o direito que detinha sobre os bens imóveis relacionados e não para o direito de propriedade exclusivo sobre tais bens.
Ou seja, o intérprete em face da desconformidade que constata no que tange à extensão da deixa testamentária, deve formular um juízo de prognose sobre qual seria a deixa caso a testadora tivesse tido conhecimento de que os bens de que dispunha permaneciam indivisos, à data da sua morte.
E, com o devido respeito, parece-nos fora de dúvida que em tal contexto a deixa testamentária se reportaria ao direito sobre os bens indivisos que enuncia. Claro que o direito assim configurado não incide sobre os bens concretos que integram a herança da inventariada mas apenas sobre a própria universalidade qua tale.
Isso, porém não obsta à validade da deixa testamentária, nem a sua eficácia fica dependente do sucesso ou insucesso das licitações.
No caso em análise todos os herdeiros e legatários instituídos pela testadora são também herdeiros da inventariada e nessa qualidade foram chamados à partilha e podem licitar os bens relacionados. Mas se a testadora tivesse contemplado outros beneficiários a que não assistisse essa qualidade, como haviam eles de, no processo, fazer valer o direito concedido?
Seria porventura sustentável que em tal hipótese a deixa testamentária ficaria pura e simplesmente sem efeito, postergando-se a vontade da testadora? Ou chamavam-se os legatários apenas para licitar sobre os bens legados em flagrante desigualdade com os herdeiros, beneficiários das tornas que viessem a apurar-se?
A solução a adoptar terá assim de ser a consagrada no nº2 do artigo 1685º do Código Civil: “a disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro”, norma que apesar da sua colocação sistemática, tem âmbito geral como se refere no Acórdão de 14/4/99 da 1ª secção do STJ (agravo nº 152/99) onde se escreve:
“Persistindo à data da abertura da sucessão a incerteza do direito do disponente sobre o objecto da disposição, a lei enveredou pelo caminho de salvaguardar, no essencial, o benefício contemplado: a transformação sistemática da disposição em substância no legado pecuniário correspondente.”
Significa então o que acaba de dizer-se que, não logrando os legatários a licitação dos bens imóveis relacionados, o seu direito será preenchido em numerário em harmonia e na proporção fixada no testamento, em função do quinhão da testadora (um terço).
Tal significa que não se sufraga o entendimento acolhido no despacho sob recurso, dando-se assim provimento ao recurso.
DECISÃO: Nos termos expostos, concede-se provimento ao agravo e declara-se terem os agravantes direito a receber o valor correspondente aos respectivos legados, calculado de acordo com o atrás referido, se os bens imóveis relacionados não lhes forem adjudicados na partilha e na medida em que tal se verifique.
Custas pelo recorrido.
Guimarães, 14 de Dezembro de 2006
José A. Gouveia Barros
Teresa J. R. de Sousa Henriques
Antero D. Ramos Veiga