JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário

1 – A parte que enviar a peça processual e os documentos por via electrónica para o tribunal, fica ainda obrigado a remeter os documentos em formato de papel no prazo de 5 dias.
2 – Se a parte apresentar os documentos fora dos articulados, e até ao final da audiência d discussão e julgamento, está sujeita à multa nos termos do artigo 523 do CPC.
3 – No caso de incidente de intervenção provocada inicial, demonstrado o pagamento da taxa de justiça relativamente à petição inicial, esta não pode deixar de ser recebida, porque a intervenção principal provocada é autónoma, relativamente à petição inicial. A falta de prova de pagamento da taxa de justiça inicial relativamente ao incidente de intervenção principal provocada tem como consequência a desvalorização jurídica do incidente, condenando o requerente nas custas.

Texto Integral


Texto Integral
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A e marido B; C e mulher D; E e F e mulher G, propuseram acção comum com forma ordinária contra H, pedindo que seja condenado a reconhecer que o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial é propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de I e J e que se abstenha de aceder ao seu terreno através da Bouça do Canastro, bem como a depositar quaisquer objectos.

Fundamentam tais pedidos, alegando que são herdeiros legítimos de I e J, e como tal, encabeçaram a sua posição jurídica na herança, cujo bem lhes pertence porque adquirido por usucapião e encontra-se registado em seu nome, na respectiva Conservatória do Registo Predial.

E deduzem na petição inicial o incidente de intervenção principal provocada de L, para intervir na acção como autora, porque também é herdeira da herança em causa.

Os autores enviaram a 16 de Maio de 2006 a petição inicial ao tribunal por correio electrónico, com anexo de documentos, demonstraram ter pago a taxa de justiça inicial relativamente à petição inicial correspondente à acção e remeteram os documentos em forma de papel, por correio normal, que deram entrada no tribunal a 29/05/2006.

Em face da informação prestada pelo funcionário nos autos, a fls. 94, o juiz proferiu despacho a fls. 95, ordenando o desentranhamento da petição inicial, com o fundamento de que os documentos foram apresentados fora de prazo, violando o disposto no artigo 150 n.º 3 do CPC, não sendo de lhe aplicar o disposto no artigo 145 do mesmo diploma, porque a sua entrada em juízo ultrapassou o terceiro dia útil, e, além disso, a falta de prova de pagamento da taxa de justiça relativa ao incidente de intervenção principal provocada, levaria também a esta solução, nos termos do artigo 150-A n.º 3 do CPC.

Os autores requereram a reforma da decisão com base nos artigos 666 n.º 2 e 669 n.º 2 do CPC, alegando, em síntese, que com a apresentação dos documentos via electrónica ficaram dispensados de os remeter em formato de papel; além disso, os documentos podem ser apresentados até à audiência de discussão e julgamento, com multa, pelo que não há fundamento para o desentranhamento da petição inicial; por outro lado, o incidente de intervenção principal, incorporado na petição inicial é autónomo, pelo que, não tendo sido pago a respectiva taxa de justiça, apenas poderia ser desatendido, e nunca fundamento de desentranhamento da petição inicial, sendo interposto recurso, no caso de desatendimento..

Foi proferido despacho, a fls. 114, a manter a decisão, e recebido o respectivo recurso.

Foram apresentadas as respectivas alegações em que foram formuladas conclusões.

Houve despacho de sustentação.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Damos como assente a matéria fáctica acima relatada.

Das conclusões de recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:

1 – Se a parte enviar a peça processual e os documentos por via electrónica para o tribunal, fica ainda obrigada a remeter os documentos em formato de papel, no prazo de 5 dias.
2 – A falta de apresentação dos respectivos documentos no prazo de 5 dias, no caso de a peça processual ser uma petição inicial, implica a extinção da instância, com o consequente desentranhamento da respectiva peça processual.
3 – A falta de prova de pagamento da taxa de justiça inicial relativa ao incidente de intervenção principal provocada, inserto na petição inicial, tem como consequência o desentranhamento da referida peça processual.

Iremos decidir as questões enunciadas.

1 – Esta questão está relacionada com o disposto no artigo 150 n.º 1 al. d), 2 e 3 do CPC. e ainda com artigo 5 da Portaria 624/2004 de 16 de Junho.

As partes podem entregar as peças processuais no tribunal pelo correio electrónico, como o refere o artigo 150 n.º 1 al. d) do CPC, com aposição de assinatura electrónica avançada. Esta forma de remessa está hoje regulada, de acordo com o disposto no artigo 150 n.º 2 do mesmo diploma, na Portaria 642/2004, de 16 de Junho. Este diploma, no artigo 5º n.º 1, refere: “ Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 150 do Código Processo Civil, as partes podem ainda anexar à mensagem e correio electrónico quaisquer documentos que acompanhem a peça processual”. E o artigo 150 n.º 3 do CPC diz o seguinte: “ A parte que proceda à apresentação de acto processual através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 remete a tribunal, no prazo de 5 dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual”.

Com a entrada em vigor deste normativo com a Portaria 337-A/2004 de 31 de Março, não estava previsto a anexação dos documentos, como hoje é permitido pela Portaria 624/2004 de 16 de Junho. Daí que os autores advoguem que quem enviar os documentos através do correio electrónico está dispensado de os remeter nos termos do artigo 150 n.º 3 do CPC. O artigo 5º da Portaria 624/2004, deve ser interpretado com este sentido, pois não seria curial duplicar actos, ou realizar actos inúteis, uma vez que os documentos digitalizados foram enviados e transformam-se em papel como as peças processuais.

O certo é que o artigo 5º n.º 1 da respectiva Portaria faz a ressalva do artigo 150 n.º 3 do CPC., expressa na seguinte expressão “ Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 150 do Código Processo Civil...”. A expressão “ Sem prejuízo do...” só pode ser interpretada no sentido de “independentemente, ou sem detrimento...”. O que quer dizer que, se a parte optar pelo envio dos documentos via electrónica, não está dispensada de os remeter no prazo de 5 dias em formato de papel. Se assim não fosse, o legislador não teria feito a respectiva ressalva, com a expressão “ Sem prejuízo do...”. E está em consonância com a necessidade de segurança com o manuseamento dos documentos. Na verdade, com a sua digitalização, é possível um conjunto de fraudes que seriam muito difíceis de controlar. Como é sabido, é possível fazer-se montagens, retirar ou aditar conteúdos ou eliminar elementos fundamentais, específicos, que dariam a credibilidade ao documento.

Em face disto, o legislador, nesta fase experimental, ainda não quis abolir a entrega dos documentos em formato de papel, enquanto não encontrar uma solução informática segura para controlar a autenticidade dos documentos. Daí que julgamos que o artigo 150 n.º 3 do CPC seja obrigatório para qualquer parte que utilize o correio electrónico para remeter a tribunal os documentos que devam acompanhar as peças processuais.

2 – Os documentos devem acompanhar as peças processuais a que digam respeito. Porém, é permitida a sua entrega até ao final da audiência de discussão e julgamento, com pagamento de multa, se a parte não provar que os não pôde apresentar com o articulado respectivo – artigo 523 do CPC.

Daqui se pode concluir que uma petição inicial nunca pode ser desentranhada por falta de entrega de documentos que a devessem acompanhar. Nem o prazo indicado no artigo 150 n.º 3 do CPC é aqui aplicado, e muito menos o do artigo 145 do mesmo diploma. O artigo 523 é uma excepção, impondo uma sanção ao faltoso. E é essa sanção que o julgador considerou adequada para a falta, tendo em conta que estão em causa meios de prova muito importantes, cujo valor da descoberta da verdade material se impõe à celeridade processual.

Assim, no caso, o atraso na entrega ou envio dos documentos em causa apenas pode implicar a aplicação duma multa nos termos do artigo 523 do CPC, por falta de prova justificativa do retardamento.

3 – No que tange à falta de prova do pagamento da taxa de justiça inicial relativa ao incidente de intervenção principal provocada, enxertado na petição inicial, também não pode atingir a petição inicial da acção, que é autónoma da petição inicial do incidente. E, como foi provado o pagamento da taxa de justiça inicial relativa à petição da acção, não se pode aplicar o disposto no artigo 150-A n.º 2 do CPC. isto é, recusa do recebimento da petição inicial. Esta terá de ser recebida, porque foi provado o pagamento da respectiva taxa da justiça.

Porém, como estamos perante um requerimento inicial de intervenção principal provocada, enxertado numa petição inicial, julgamos que aqui se devem aplicar, analogicamente, as regras da petição inicial quanto à prova do pagamento da taxa de justiça inicial, cujo documento deve acompanhar o requerimento inicial. Como não foi apresentado, e a sua falta não pode atingir directamente a petição inicial da acção, a única consequência análoga ao desentranhamento do requerimento inicial do incidente é o seu desatendimento, isto é, a sua desvalorização jurídica, como incidente. O tribunal não deve considerar interposto tal incidente, prolatando um despacho nesse sentido, e condenando a parte nas custas respectivas.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em conceder parcialmente provimento ao recurso, e, consequentemente, revogam o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, que admita a petição inicial da acção com os documentos em formato de papel, com a aplicação da respectiva multa, pela sua junção retardada e não justificada, e desatenda ao incidente de intervenção principal provocada por falta de prova de pagamento de taxa de justiça inicial, condenando a parte nas custas devidas.

Custas a cargo dos agravantes, na proporção de ½.

GuimarãeS, 11 de Janeiro de 2007