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CLÁUSULA PENAL
Sumário
1. A cláusula penal pode ser reduzida de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário e, tendo a obrigação sido parcialmente cumprida, admitida é a redução nas mesmas circunstâncias (n.º 1 e 2 do artigo 812º do Código Civil). 2. Tratando-se de uma circunstância modificativa do direito invocado, ao devedor incumbe o ónus de alegar e provar as directivas factuais capazes de levar à redução da cláusula penal ("reus excipiendo fit actor") - artigos 342º, n.º 1, do Código Civil e 264º, n.º 1, do Código de Processo Civil). 3. Tomando a consciência de que o Juiz não pode, por iniciativa própria, suprir a negligência ou inépcia da parte, quer na alegação dos factos que interessam à fundamentação da sua pretensão, quer na prova dos factos alegados, a redução da cláusula penal não pode consentir-se se no articulado em que o demandado deduz a sua oposição nenhuma atitude se detecta dirigida a esta necessária anotação.
Texto Integral
“C...-IndústriaTorrefactora do Café, SA”, com local para notificação na rua Ló Ferreira, n.º 281, andar 3.º, sala 31, Matosinhos, apresentou contra António B..., com local para notificação no lugar de Q..., T..., Póvoa de Lanhoso, o requerimento de injunção de fls. 2 e 2/verso, na qual pediu a condenação do réu no pagamento da quantia global de € 8.310,20, sendo € 7.823,78, a título de capital, e € 486,42, a título de juros.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
Celebrou com o réu um contrato de comodato e fornecimento com o n.º 2000/08, em 08/01/2000, o qual não foi cumprido, designadamente as cláusulas 2ª, 5ª e 6ª, dado que aquele não adquiriu o consumo máximo e mensal a que se obrigou;
Em consequência, resolveu o mencionado contrato, exigindo a indemnização prevista na cláusula 8.ª, acrescida dos respectivos juros de mora.
O réu deduziu oposição invocado, em primeiro lugar a excepção de erro na forma do processo, e, em segundo lugar, a nulidade do contrato, com o fundamento em que a estipulação dum encargo num contrato de comodato contraria a sua natureza gratuita.
Subsidiariamente, alegou que o contrato apenas foi concluído com a autora pela intervenção de “José F..., L.da”, a qual exercia as funções de distribuidor exclusivo daquela na área onde o seu estabelecimento comercial se localizava;
A autora tentou impor a aquisição directa dos produtos contratados, ao que se opôs, tendo passado a adquirir produtos de marcas diversas daquela à “José F..., L.da”, já que deixou de fornecer à sociedade distribuidora quaisquer produtos.
A autora respondeu à excepção de nulidade do contrato suscitada na oposição, pugnando pela sua improcedência, nos termos que constam de fls. 29 e 30.
Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância e desatendida a excepção de erro da forma do processo invocada pelo réu (cfr. fls. 35 a 37).
Nesse despacho relegou-se para a sentença final o conhecimento da questão relativa à nulidade do negócio celebrado entre as partes.
Foi dispensada a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se a julgamento e, a final, a Ex.ma Juíza proferiu sentença em que, julgando a acção parcialmente procedente, em consequência: a) Condenou o réu António B... a restituir à autora C... – Indústria Torrefactora do Café, SA, o equipamento identificado na Cláusula I), do contrato a que se alude na alínea a), da fundamentação de facto; b) Condenou o réu António B... a pagar à autora C... – Indústria Torrefactora do Café, SA, o montante de € 3.889,62 (três mil oitocentos e oitenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), sobre o qual acrescem juros moratórios vencidos desde 26/09/2004 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal prevista para as obrigações comerciais; c)Absolveu o réu António B... do restante peticionado.
Inconformados com esta sentença dela recorreram a autora “C...-Indústria Torrefactora do Café, SA” e o réu António B....
A autora “C...-Indústria Torrefactora do Café, SA”alegou e concluiu do modo seguinte: 1. A M. Juiz «a quo» fez, salvo melhor opinião, errada interpretação do acordo constante do contrato de exclusividade ajuizado no que ao fornecimento do equipamento aí previsto na cl.ª II, para a qual se remete, diz respeito, ao considerar tais declarações de vontade como configuradoras de um contrato de comodato/empréstimo de coisa móvel - máquina de café, 2. Quando, conforme se alcança do teor dessa cláusula, aí se estipulou que "Como contrapartida...do equipamento supramencionado na cláusula anterior, o 2.° OUTORGANTE [Manuel V...] obriga-se, durante a vigência do contrato, a: " (o sublinhado é nosso). 3. Dessas obrigações não consta, só, a restituição do equipamento fornecido que, diga-se, é a obrigação principal do comodatário - cf. art. 1129° do CC. 4. E entre comerciantes, como o são a A. e o R., o comodato ou empréstimo de coisa(s) não é gratuito - cf. art.º s 394° e 395° do C. Comercial. 5. Partindo, assim, deste errado pressuposto de direito, decidiu a M. Juiz não atribuir à A., ora recorrente, a indemnização que o contrato previa e lhe outorgava para o caso do seu incumprimento, mediante cláusula penal, a um tempo compulsória e indemnizatória. 6. Além de errada interpretação daquela cláusula contratual, a M. Juiz ao, «de officio», suprimir o direito da A. à indemnização prevista naquele contrato, para o incumprimento, designadamente na cl.ª VIII/l, ao abrigo do art. 812°/1 do CC, violou não só esta norma, como o princípio processual civil do dispositivo acomodado no art. 264° do CPC, 7. sendo que, outrossim, tal acto decisório padece de nulidade, por excesso de pronúncia, sancionada pelo art.º 668°/1- d ) do CPC, 8. nulidade essa que aqui se invoca para os devidos efeitos.
9. A doutrina na palavra autorizada, seguramente, dos Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9.ª edição, Prof. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1995, p.275, nota 502, e Prof. Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, p.724, e a jurisprudência do Supremo tribunal de Justiça, convergem no sentido de que a redução equitativa de cláusulas penais contratuais só poderão ser apreciadas pelo tribunal se, pelos interessados, devedores, for pedida tal redução e, ainda, que por eles seja alegada e provada a excessiva onerosidade dessa(s) cláusula(s) penal(ais), sendo exemplo dessa corrente o Ac. STJ, de 27.01.2004, (dgsi.pt/proc.03A4080 ), o Ac. STJ, 12.01.2006 (dgsi.pt/proc.05B3664 ) onde aí se referem aquele Acórdão e o Acórdão de 20.11.2003, revista n°3514/03, e muito recentemente, publicado na C.J., Acórdãos do STJ, n°189, ano XIV, Tomo 1/2006, o Ac. STJ, de 7.03.2006, p.101, donde se respiga do seu sumário o seguinte excerto - « II - A primeira condição para que o tribunal possa ajuizar sobre o montante excessivo da pena é que o devedor solicite a sua redução; o tribunal não o pode fazer oficiosamente sob pena de julgar ultra petitum.»; e o Ac. do STJ, de 14/03/2006, p.135 e segs., donde igualmente se respiga do seu sumário o seguinte excerto - « VII - À redução, como excepção invocável pelo devedor, deverá decidir-se se é, ou não, de aplicar oficiosamente o disposto no art. 812° do CC .» 10. Finalmente, haverá erro de julgamento quando, tendo sido dado por provado que o R. recebeu a carta que continha a declaração de resolução do contrato ajuizado, em 16/09/2004, da sentença consta a condenação daquele a pagar juros de mora somente a partir de 26/09/2004, 10 dias depois daquele recebimento. 11. Foram violadas as seguintes normas substantivas:
Artigos 1129° do C.Civil e 394° e 395° do C. Comercial, quanto à interpretação formulada pela M. Juiz do acordo estabelecido entre A. e R., como se de um contrato de comodato/empréstimo se tratasse;
- Artigo 812°/1 do mesmo código ao ser pela M. Juiz suprimida a cláusula penal contratual sem que o interessado na sua redução manifestasse tal pedido;
- Artigos 436°/1 e 224°/1 do C.Civil quanto à data a partir da qual o R. deveria ter sido condenado no pagamento de juros moratórios. 12. Foram violadas as seguintes normas adjectivas:
Artigos 264° e 668°/1 - d) do CPC ainda por via da supressão oficiosa de cláusula penal contratual sem que tivesse havido pedido do interessado nessa supressão.
Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida na parte ora impugnada, e, em consequência, seja a acção declarada totalmente procedente, condenando-se o réu a pagar à A. a quantia de € 7.823,78, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos desde a resolução do contrato - 16.09.2004 até integral pagamento da dívida, à taxa legal prevista para as obrigações comerciais.
Contra-alegou a recorrida pedindo a improcedência do recurso.
O réu António B... alegou e concluiu do modo seguinte: 1. Ao comercializar produtos (cafés, etc.) diferentes ou de proveniência ou marcas diversas, o Rec.te não infringiu as obrigações do contrato a) de fls. ... dos autos, celebrado entre ele e a Rec.da, com a "intervenção" de José F..., Ld.ª, desde logo nomeada "Distribuidora", sem a intervenção da qual não se teria "concluído" o mesmo contrato nas circunstâncias concretas em que o foi (factos assentes e provados das alíneas a), b), d), e) g,), h) e i) da "fundamentação de facto" da douta sentença recorrida dos autos com particular relevo para os que, para melhor facilidade de raciocínio, se relevou na parte expositiva das presentes alegações (fls. 2), pois, 2. A referida comercialização de outros produtos, conforme a referido em 1 das presentes conclusões, só ocorreu quando e porque a Rec.da, por motivos a que o Rec.te é alheio, deixou de fornecer ao "distribuidor" nomeado - e por alguma boa razão e logo no próprio contrato, dele fazendo expressamente parte, os produtos da marca C..., obrigando o mesmo Rec.te a denunciar (“resolver”) o contrato ora em causa, pois o celebrou na convicção exclusiva de que o dito "distribuidor" com que haveria de comercializar o produto era aquela firma que bem conhecia (nos seus princípios éticos, por que se rege e na melhor organização de meios para o adequado e correcto cumprimento daquelas funções) e de cuja "assistência" pretendia beneficiar durante todo período de vigência do contrato - como sempre e bem sucedeu não tendo isso sido posto em causa pela Rec.da: alíneas e), f), g), h) e i) da mesma `fundamentação". Sendo certo que, 3.1 - O Rec.te não conhecia, nem tinha qualquer interesse em conhecer, nem pretendia ou admitia ter de comercializar com a A. Nem admitiu ou pressupôs nem razoavelmente era de se lhe impor, admitisse ou pressupusesse nas circunstâncias do caso, e fosse a que pretexto fosse, eliminasse pura e simplesmente o "Distribuidor" indicado no contrato e passasse ela mesma (a Rec. da) a acumular funções e lucros correspondentes das categorias de produtor e distribuidor, com os conhecidos inconvenientes da prepotência, da intolerância ou das exigências que se assinalam à concentração de poderes e funções em todas as circunstâncias, salvo raríssimas excepções que ao caso não vem, como é público e notório, impossibilitando aquele distribuidor nomeado e conhecido de fornecer ao Ap.te os produtos em causa (art.° s 514.°, 264.° n.° 2 e 664.° do CPC). 3.2 -E sabia, por tal constar expressamente do contratado, que quando em última instância se hipotizasse a substituição (que não a eliminação) do "Distribuidor" tal só poderia ocorrer, não a bel prazer puramente discricionário da Rec.da, mas apenas quando "necessário" e tal se fundamentasse ou justificasse, o que, em verdade e rigor, a Rec.da não fundamentou nem justificou, pois que, além do mais decorreram com total normalidade as relações comerciais entre todos os interessados, incluindo a Rec.da.
Sendo, ainda, sempre certo que 3.3 - Cabia á Rec.da e não aos Rec.tes fazer a prova - que não fez - de que a clausula da "substituição" (e jamais "eliminação", em todo o caso) do "distribuidor", na conformidade em que se sustenta ou fundamenta aliás, cumpria, conforme o dispositivo legal dos n.°s 2 e 3 do artigo 1° do Dec.Lei n.° 446/ 85, de 25 de Outubro, na redacção do Dec.Lei n.° 249/ 99, de 7 de Julho. 4. Aliás, beneficiando da boa "intervenção" e "assistência" da dita José F..., Ld.ª, e enquanto ela perdurou (pelo menos até á época indicada em e) id. ib.), o Rec.te cumpriu sempre as suas obrigações, excedendo até os objectivos contratualmente estabelecidos para as compras e vendas (cf. alíneas a), b), d), e), g), h) e i) dos factos provados a fls. ... dos autos e fls. 2 das presentes alegações).
De modo que, 5. Ao eliminar do circuito estabelecido no contrato o "Distribuidor", contra o que nele se estabelece expressamente e não podendo, por nenhuma razão, considerar-se que a eliminação da figura corresponda à mesma realidade que a sua substituição, impedindo, assim, o cumprimento por parte do Rec.te das suas obrigações contratuais (aquisição exclusiva de cafés da marca e a compra da quantidade indicada para o período de vigência), infringindo normas elementares da boa fé (art.º 762.° e 227.° do CC.), a Rec.te não tem direito, nem ao que reclamou na junção e nem sequer mesmo ao que, reduzindo-se, como se fez por imposição das disposições conjugadas dos art.°s 812.° e 813.° do CC., se lhe reconheceu como direito seu na douta sentença recorrida. Aliás,
E se isto se pode afoitamente concluir na base apenas em factos dados por assentos e "provados" na referida "fundamentação». 6. Com muito maior desassombro será de concluir pela irresponsabilidade do Rec.te quando se considerar que o adequado recurso ao disposto no invocado art.° 712.° do CPC, se terá que eliminar dos factos provados o da alínea f) da "fundamentação" ou se fixar, ao menos, a referida alínea na devida redacção, conforme o constante das conclusões 1 e 2, por ausência de prova e muito menos a existência de prova em contrário ao alegado nos art.°s 18.°, 19°, 20.° e 21° que, atentos os docs. juntos aos autos, os demais factos a considerar (art.°s 659.°, n.°s 2 e 3 e 664.°, 2.° parte do CPC) e o depoimento das testemunhas inquiridas (cf. ponto 14 da parte expositiva das presentes alegações) terão que dar-se por provados e assentes na precisa compreensão dos exactos termos em que se acham redigidos, como se requereu.
De modo que, 7. Ao actuar como actuou a Rec.da, incumprindo manifestamente e de má fé o contrato (obstando ao fornecimento dos bens pelo distribuidor que ainda que pudesse substituir não poderia eliminar), constituiu-se, ela sim, em responsabilidade pelo prejuízo causado às partes, mais não representando a sua pretensão e o valor em que o Rec.tes. se acham condenados, a violação dos disposto nos art.°s 406.° n.° 1 e 334.° e 483.° e seg.tes do CC.
Sem prejuízo, é certo, do reconhecido direito da A. aos bens indicados na referida douta sentença em execução do disposto no art.° 1129.° e seg.tes do CC. Sendo certo que, aliás, o Ap.te já havia posto à disposição da A. aqueles bens que reconheceu pertencer-lhe, (h) e i) da fundamentação e fls. 2 das presentes alegações). E por isso é que, 8. Ao decidir-se como se decidiu, foram violadas, por erro de interpretação e aplicação, as disposições dos art.°s 334.°, 349.°, 406.° n.° 1, 483.° e seg.tes, 812.° e 813.° do CC e as dos art.°s 264.° n.° 2, 514.°, 653.° n.° 2, 659.° n.°s 2 e 3 e 664.° do CPC, e art.° 1.° n.°s 1, 2 e 3 do regime jurídico das "clausulas contratuais gerais", na redacção que lhe foi dada pelo Dec.Lei n.° 249/ 99, de 7 de Julho. Pelo que deve a douta sentença ser substituída por outra que, vistos os factos e o direito, absolva os Rec.tes, com as demais consequências legais.
Contra-alegou a recorrida pedindo a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
A sentença recorrida considerou assentes os factos seguintes:
- Em 08/01/2000, a autora e o réu subscreveram o acordo, denominado «Empréstimo de Equipamento – Contrato de Comodato (Empréstimo)», que consta de fls. 3 a 5, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
a) Durante o período do acordo referido em a), o réu adquiriu 1286 kg de café;
b) Em 13/09/2004, a autora enviou, mediante correio registado com aviso de recepção, ao réu a carta que consta de fls. 8, recebida a 16/09/2004, cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido;
c) O acordo a que se alude em a) foi concluído pela intervenção da sociedade José F..., L.da, do que a autora tinha conhecimento;
d) A partir do final do ano de 2003, a autora deixou de fornecer quaisquer produtos à José F..., L.da, tendo aquela contactado o réu, através dos seus funcionários, no sentido de passar a proceder à comercialização directa dos produtos a que se alude no acordo referido em a);
e) O réu passou a comprar a José F..., L.da, produtos de café da marca concorrente à da autora.
f) Na data em que os funcionários da autora se deslocaram ao estabelecimento do réu, na sequência da cessação das relações comerciais entre a autora e a José F..., L.da, aquele comunicou-lhe que não estava interessado em continuar a adquirir produtos C...;
g) O réu deixou de utilizar o equipamento que havia sido colocado no estabelecimento pela autora;
h) O réu enviou à autora a carta que consta de fls. 21, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
Passemos agora à análise das censuras feitas à sentença recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).
As questões postas em ambos os recursos são as de saber:
- Se existe erro na apreciação da matéria de facto no que respeita aos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da oposição e se deve especificar-se ainda o preciso circunstancialismo em que ocorreu a factualidade descrita na alínea f) da fundamentação de facto;
- Se ao contrato celebrado entre as partes, analisando as declarações de vontade descritas na sua cláusula II, pode aplicar-se a este convénio a disciplina legal acomodada a um contrato de comodato/empréstimo de coisa móvel - máquina de café;
- Se, ao denegar o direito da autora à indemnização prevista no contrato para o incumprimento (cl.ª VIII/l), se operou a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia - art.º 668°/1- d ) do CPC;
- Se, tendo sido dado por provado que o R. recebeu em 16/09/2004 a carta que continha a declaração de resolução do contrato, são devidos juros de mora somente a partir de 26/09/2004.
- Se o réu António B... infringiu as obrigações assumidas no contrato celebrado com a autora “C...-IndústriaTorrefactora do Café, SA”;
- Se cabia à autora fazer a prova de que a cláusula da "substituição" (e jamais "eliminação") do "distribuidor" está em conformidade com o dispositivo legal dos n.°s 2 e 3 do artigo 1° do Dec.Lei n.° 446/ 85, de 25 de Outubro, na redacção do Dec.Lei n.° 249/ 99, de 7 de Julho;
- Se a autora, obstando ao fornecimento dos bens pelo distribuidor que ainda que pudesse substituir não poderia eliminar, agiu de má-fé, deste modo incorrendo em responsabilidade pelo prejuízo causado às partes.
I.Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento nos termos do disposto nos artigos 522.º -B e 522.º -C, do C.P.C., pode alterar-se a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 690.º -A, do C.P.C., como o permite o disposto no art.º 712.º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal. Igualmente, nos termos do disposto no art.º 712.º, nº 1, al. b), do C.P.Civil, a decisão do tribunal da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
O registo dos depoimentos prestados em audiência final, feito a requerimento de uma das partes ou determinado ex officio pelo Tribunal, tem como objectivo facilitar a reparação de um eventual erro de julgamento.
Esta tarefa - a apreciação da prova - está cometida, em primeira linha e como regra geral, à primeira instância e em execução do princípio da imediação que a reforma processual trazida pelo Dec. Lei n.º 329-A/75, de 12/12, veio reforçar quanto à prova testemunhal (de registar ainda, neste domínio, e em reforço do princípio da imediação, que se pretendeu introduzir justificadas limitações à expedição de cartas precatórias... lê-se no relatório do citado Dec. Lei n.º 329-A/75, de 12/12).
O exame da prova gravada em audiência final, porque deixa de fora todo o contexto em que ela foi produzida, necessariamente tem de ficar aquém da real dimensão de justiça que o legislador quer consagrar.A resposta à pergunta que o julgador sempre terá de fazer a si próprio no termo de cada depoimento prestado - "a testemunha falou verdade?" - só poderá ter lugar depois da análise de todo o circunstancialismo envolvente do posicionamento de quem o presta; e este desiderato não poderá concretizar-se recorrendo apenas à leitura ou à audição da declaração prestada e gravada, (por favor não acredite nas palavras de ninguém, porque se arriscaria a cometer muitos erros; mas, dê sempre uma importância primordial às expressões do rosto, que não enganam, nem podem enganar - George Borrow). Tudo o que se diz num Tribunal, é transcrito; e, se o juiz ou um dos advogados comete um erro, a defesa pode apelar para um tribunal superior. Porém, os advogados e juizes perceberam - já há muito tempo - que se podem servir de várias formas de comunicações não verbais, para exprimir os seus verdadeiros sentimentos e que, estas não podem ser transcritas - Gerard I. Nierenberg e Henry H. Calero; inComo Observar as Pessoas; pág. 190.
Por isso é que os casos em que, pela via do recurso, se há-de reapreciar a prova produzida em 1.ª instância, terão de ser concretamente evidenciados pelo recorrente, destacando-os dos demais (não é de crer que haja erro de julgamento a abarcar toda a factualidade objecto do julgamento), indicando os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522.º -C (art.º 690.º -A, n.º 3 do C.P.Civil).
O recorrente, apresentando a transcrição dos depoimentos das testemunhas que depuseram em audiência de julgamento, preenche no essencial estes requisitos legalmente impostos para que se possa apreciar o alegado erro na apreciação da matéria de facto.
Pretende o recorrenteAntónio B... demonstrar que, do exame dos documentos juntos aos autos a fls. 86 a 93 e do depoimento de cada uma das testemunhas José S... (integralmente transcrito - cfr. fls. 212 a 231) e Lucília O... (integralmente transcrito desde fls. 256 a 259), devem ser dados como provados, e no seu todo, os factos constantes dos artigos 18.º (a requerente, sem qualquer motivo que o justificasse, passou a negociar directamente com os clientes do seu “agente distribuidor exclusivo” tentando impor ao primeiro requerido a compra directa, contra todo o referido e que havia sido estabelecido e contratado entre os requeridos, a requerente e a dita José F..., L.da), 19.º (no entanto, e para concretizar o objectivo de eliminar aquela intervenção), 20.º (a requerente, a partir de finais de Outubro de 2003, cessou os fornecimentos à dita Francisco L.da, o que impossibilitou esta firma de fornecer ao primeiro requerido os produtos C...) e 21.º (e, consequentemente, este não dispunha de café para satisfazer as necessidades dos clientes habituais, frequentadores do seu estabelecimento comercial) da oposição que deduziu no processo e, ainda devem ser reduzidos aos seus adequados limites os factos constantes da alínea f) da mesma fundamentação.
Neste contexto quer o apelante demonstrar que a prova que se retira destes testemunhos é no sentido de que a “C...”, ao passar a negociar os seus produtos directamente com os clientes,quis eliminar a intervenção da “José F..., L.da” da sua distribuição, deste modo impossibilitando esta sociedade de fornecer ao recorrente os produtos a que se havia comprometido assegurar.
Da análise daqueles depoimentos não resulta como certo que, ao proceder directamente ao fornecimento dos seus produtos, o objectivo da autora teve o intuito que o recorrente lhe imputa.
Do depoimento da testemunha José F... (na altura agente distribuidor da autora) dimana a ideia de que a autora, inicialmente precisando da colaboração da “José F..., L.da” para a comercialização dos seus produtos, deixou posteriormente de ter interesse nessa cooperação e, em consequência, não pôde esta sociedade continuar a fornecer aos seus clientes os produtos C..., designadamente ao comprador António B....
A testemunha Lucília O... (funcionária da autora) esclareceu de forma convincente que, por lhe ser mais proveitoso é que a C... passou a fazer directamente as entregas dos seus produtos aos interessados seus clientes (…não fizeram a entrega…pronto…com o intuito de eliminarem essa área, para a fazerem directamente; e passaram eles próprios…a distribuir directamente o produto…perante os clientes que anteriormente eram da José F...; o único objectivo era a C... obter mais lucro com a negociação directa - disse).
Os documentos juntos aos autos a fls. 86 a 93 não desmentem o que se infere do depoimento das testemunhas que sobre este assunto depuseram em audiência; e relembrando o depoimento prestado pelas testemunhas António F.... e Ricardo C... (incumbidas de assumirem a execução do contrato celebrado com o demandado e de comunicar a alteração havida do distribuído), não pode pôr-se em dúvida o juízo posto na apreciação da matéria de facto no que respeita aos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da oposição.
O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las; e será através da valoração que delas faça que vai proferir a decisão, ponderadamente tomada e de acordo com a convicção que sobre cada facto tenha livremente firmado, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 655.º, n.º 1, do C.P.Civil.
Deste modo, considerando bem tomada a decisão que corporiza a apreciação sobre a matéria de facto quanto aos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da oposição, ajustamos em que nos não merece censura a decisão tomada sobre o julgamento assim proferido: A partir do final do ano de 2003, a autora deixou de fornecer quaisquer produtos à José F..., L.da, tendo aquela contactado o réu, através dos seus funcionários, no sentido de passar a proceder à comercialização directa dos produtos a que se alude no acordo referido em a) - cfr. documento de fls.3).
A factualidade transcrita em f) - na data em que os funcionários da autora se deslocaram ao estabelecimento do réu, na sequência da cessação das relações comerciais entre a autora e a José F..., L.da, aquele comunicou-lhe que não estava interessado em continuar a adquirir produtos C... - decorrendo da circunstância de ter sido aceite pelo demandado nos articulados, pois que, como diz, foi a recorrente que na oposição admitiu aquele facto, tem de ser considerado como um facto admitido por acordo.
A sua eventual apreciação e confrontação com outras circunstâncias, tendo em vista outros factos considerados provados, não faz com que possa ser afastada a sua força de factualidade assente.
II - O princípio da liberdade contratual, consignado no art.º 405.º do Cód. Civil, dá lugar em muitos casos à existência dos denominados contratos mistos.
"Diz-se misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados) as partes, porque os seus interesses assim o imponham, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.Prof. Antunes Varela; Das Obrigações em Geral; I Volume; pág. 274.
E qual o regime legal que tem de aplicar-se a esta complexa particularidade factual, ou seja, no caso de haver num único contrato elementos de vários outros?
- O primeiro passo a dar consiste em saber se na lei há qualquer disposição que especialmente se lhe refira. Quando não existe disposição especial a contemplar o caso e se verifique uma simples justaposição ou contraposição de elementos pertencentes a contratos distintos, deve aplicar-se a cada um dos elementos integrantes da espécie a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato. Caso contrário, ou seja, quando o contrato misto corporiza diversos elementos contratuais que estão entre si numa relação de subordinação, o regime dos elementos acessórios ou secundários só será de observar na medida em que não colida com o regime da parte principal, fundamental ou preponderante do contrato. Quando há uma verdadeira fusão desses elementos num todo orgânico ou uma real assimilação de um dos contratos pelo outro, só o regime do contrato essencial, principal, se deve aplicar. Prof. Antunes Varela; obra citada; pág. 288).
O contrato realizado pelas partes patenteia um contrato misto, no qual se pode distinguir, essencialmente, uma parte que avança os elementos próprios do contrato inominado de fornecimento de produtos (café, descafeinado e açúcar) e outra parte que descreve os tópicos próprios do denominado contrato de comodato (art.º 1129º, do C.Civil) na parte relativa à cedência gratuita do equipamento e de material publicitário.
Foi neste enquadramento legal que se moveu o entendimento professado na sentença recorrida e, salientando que tendo sido acordado entre a autora e o réu o empréstimo gratuito de uma máquina de café ao demandado no valor é 537.770$00 e com reserva da propriedade da C..., porque o regime legal a aplicar a este circunstancialismo do contrato não pode ser diferente daquele que está devotado ao contrato de comodato, aprovamos este posicionamento jurídico-substantivo.
III. A cláusula penal é a convenção através da qual as partes fixam previamente o montante da indemnização a pagar pelo faltoso no caso de eventual inexecução do contrato (art. 810º, n.º1 do C. Civil).
Através dela a parte assume pessoalmente determinada responsabilidade, mesmo nos casos em que a lei lhe não impõe esta obrigação, Castro Mendes; Teoria Geral, tomo 3, pág. 345. inserindo-se, assim, no plano da liberdade contratual e a sua validade e eficácia não dependem da comprovação da existência de danos - a cláusula penal constitui uma estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação, ou não cumprir nos termos devidos será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária; Calvão da Silva; Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória; págs. 247 e 248. e a sua redução não visa circunscrever a cláusula penal ao montante do dano real sofrido pelo credor em razão do incumprimento contratual ou do atraso de cumprimento, mas corrigi-la em função do seu manifesto exagero no quadro e juízos de equidade.INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações; pág. 442.
A cláusula penal pode ser reduzida de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário e, tendo a obrigação sido parcialmente cumprida, admitida é a redução nas mesmas circunstâncias (n.º 1 e 2 do artigo 812º do Código Civil).
Deste modo, se a cláusula penal vier a revelar-se manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, poderá ela ser reduzida após ponderação da situação de incumprimento do devedor, da gravidade da sua culpa e dos prejuízos patrimoniais advindos ao lesado, salientando-se que os interesses em confronto a ajuizar no seio deste circunstancialismo há-de ter em consideração a sua manifesta excessividade ea pena só deverá ser julgada manifestamente excessiva quando, ponderado o interesse do credor, esteja em evidente contradição com as exigências da justiça e da equidade.Ac. do STJ de 8.3.77; BMJ; 265.º; pág. 210.
Tratando-se de uma circunstância modificativa do direito invocado, ao devedor incumbe o ónus de alegar e provar as directivas factuais capazes de levar à redução da cláusula penal ("reus excipiendo fit actor") - artigos 342º, n.º 1, do Código Civil e 264º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Ora, percorrendo o articulado em que o demandado deduz a sua oposição nenhuma atitude se detecta dirigida a esta necessária anotação.
Tomando a consciência de que o Juiz não pode, por iniciativa própria, suprir a negligência ou inépcia da parte, quer na alegação dos factos que interessam à fundamentação da sua pretensão, quer na prova dos factos alegados, Antunes Varela; Manual de Processo Civil, pág. 448. a proclamada redução da cláusula penal não pode, pois, consentir-se.
Assim, fazendo funcionar a cláusula penal referida na cláusula VIII do contrato, o réu terá de proceder ao pagamento à autora do montante de € 2 682,39, ou seja, o valor atribuído à máquina de café (537.770$00) marca Grimac, 2gr (cláusula I), valor pelo qual a demandante optou nos termos contratuais e, ainda, terá de lhe satisfazer a quantia de € 3.889,62 (3,49 -700$00 x1.114 kg), isto é o correspondente ao montante de 700$00 multiplicado por cada kg de produtos não adquirida com referência ao montante constante da Cláusula V).
IV. A determinação do conteúdo das declarações de vontade exaradas no contrato de fls. 3 a 5 terá de obedecer ao critério legal de interpretação referentes aos negócios jurídicos adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º1, do Cód. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, avisados que temos de estar também de para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele (art.º 236.º , n.º1, in fine, do C.C.).
Em cumprimento desta imposição legal tem o julgador de ter em conta que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição de real declaratário, lhe atribuiria; considera-se real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável; Prof. Mota Pinto; Teoria Geral do Direito Civil; pág. 419.e a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.Prof. Pires de Lima e Antunes Varela; Cód. Civil Anotado; Vol. I; pág. 153.
O que o intérprete assim identificado retira das declarações expressas no contrato acima referenciado é que os seus pactuantes, com a sua subscrição, quiseram alcançar este objectivo:
A “C...”, ainda pouco ou nada implantada no giro comercial que alvejava conseguir, abriu mão de um esquema frequentemente usado para conseguir tal desiderato, ou seja, a troco da oferta gratuita de uma vistosa máquina de café (cuja reserva de propriedade reservava para si), deste modo almejaria assegurar o exclusivo da compra do seu café e açúcar por esses ditos beneficiários.
Para tanto valeu-se do apoio de terceira pessoa - distribuidor dos seus produtos - que exigiu não ser uma situação definitiva (2.º, § único da cláusula II) e, mediante outros condicionamentos especificados no contrato, regulou o modo de garantir a execução deste seu desígnio de gestão comercial.
Não vemos nenhuma ilicitude a tolher este pacto assim celebrado e dele depreendemos que a distribuidora “José F..., Ld.ª ” acabaria por ser uma solução passageira neste pacto pois que a todo o momento poderia ser posta fora do circuito comercial, bastando para tanto, que atentos os interesses da vendedora, tal interferência fosse dispensável.
Tal modificação - fosse a nova distribuição conferida a outra entidade ou fosse cometida à própria vendedora - nenhum prejuízo causaria aos agentes compradores de tais produtos, porquanto o que era essencial neste acordo era que os produtos fornecidos lhes fossem encaminhados sem novos encargos.
A sociedade “José F..., Ld.ª ” aparece neste contexto contratual como mero ponto de apoio, acidental, na concretização das vendas da “C...” e a retirada dela do circuito comercial dos produtos transaccionados não é susceptível de fundamentar o incumprimento da prestação a que o demandado se havia obrigado para com a demandante (“pacta tertiis nec nocent nec prossunt”).
O apoio evidenciado pelo demandado em benefício da “José F..., Ld.ª ”, que continuou a comprar a esta sociedade os produtos de café da marca concorrente à da autora depois de ser contactado, através dos seus funcionários, no sentido de que o procedimento a observar era a comercialização directa desses produtos pela “C...”, não o torna, só por isso, isento das responsabilidades que havia tomado no contrato.
A relação comercial existente entre a “C...” e a sociedade “José F..., Ld.ª ” é estranha ao negócio acordado entre as parte no contrato e, a não ser que este demonstrasse que a modificação assim operada estava fora dos termos contratuais assumidos e que essa alteração lhe causava prejuízos, a reserva que se pode pôr acerca da falta de lisura no relacionamento entre aquelas entidades nunca servirá para justificar o incumprimento do contrato livremente celebrado ora em exame.
E nem pode aproveitar ao demandado a circunstância de, diversamente do estipulado (por carta registada com a/r e com a antecedência de 10 dias), ter tido conhecimento da substituição da distribuidora através do contactado pessoal feito através dos funcionários da autora.
Na verdade, destinando-se esta cláusula contratual a garantir que ao 2.º outorganteAntónio B... fosse garantido o efectivo conhecimento da mudança do distribuidor (uma formalidade ad probationem, meramente probatória), a prova desta ocorrência ficou devidamente validada pelo testemunho dos funcionários da autora António F... e Ricardo C....
Pressupondo uma estrutura negocial perfeita (existente e válida), a resolução, mormente a legal, surge motivada por factores supervenientes e exteriores ao próprio «corpo» negocial, que geram situações violadoras da disciplina contratual originária; como diz K. Otto Scherner a resolução é uma frustração do fim contratual.José Carlos Brandão Proença; A Resolução do Contrato no Direito Civil; pág. 64.
A resolução do contrato operada após a contestação de uma factualidade que anormalmente se desenvolveu na vida da relação jurídica e que fez com que a “C...” aproveitasse a possibilidade de extinguir a obrigação, está assim legitimada pelo incumprimento da obrigação a cargo do réu.
IV. A nossa lei consagra - art.º 227.º do C.Civil - o princípio da boa-fé na formação dos contratos, deste modo impondo que as partes contratantes procedam lealmente na fase pré-contratual e cominando o dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos por ele sofridos àquele que, culposamente, a eles deu causa, em virtude de ter agido com desonestidade e indignidade nos preliminares do contrato e com vista à sua concretização.
No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé (art.º 762.º, n.º 2, do C.Civil), ou seja, deverão "agir lealmente, correctamente, honestamente, quer no cumprimento do dever que a lei impõe ou sufraga, quer no desfrute dos poderes que o Direito confere"A. Varela; R.L.J.; 122.º; pág. 148., devendo a sua actuação ser presidida pelos "ditames da lealdade e probidade." Prof. Mário Júlio de Almeida Costa; Obrigações; pág. 715.
Não pode, assim, uma das partes contratantes, sabendo de um facto que a outra ignora e exigindo as regras da lealdade negocial que o dê a conhecer ao outro contratante, esconder à outra esse acontecimento.Ac. do S.T.J. de 14.08.1986; B.M.J.; 360.º; pág. 583.
Exige-se também que essa deslealdade, detectada no comportamento desta omissão de fidelidade, tenha a suportá-la culpa sua, isto é, que se lhe possa imputar um juízo de reprobabilidade pessoal da sua conduta, podendo requerer-se-lhe um outro comportamento, culpa que se presume, se o contraente violou esse dever, nos termos do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do C.Civil.
A "culpa in contrahendo" portuguesa constitui um campo normativo muito vasto que permite aos Tribunais a prossecução dos fins jurídicos, com uma latitude grande de movimentos, cobrindo as três áreas por que, em termos históricos, se expraiou a figura, antes de recebida pelo legislador de 1966: a dos deveres de protecção (obriga a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à outra parte), a dos deveres de informação (adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato) e a dos deveres de lealdade (vinculam os negociadores a não assumirem comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta, onde se incluem os deveres de sigilo - terão de guardar segredo quanto à matéria de que tomaram conhecimento, de cuidado - deve ser preservado o escopo da formação válida do contrato e de actuação subsequente - não se deve injustificadamente interromper uma negociação em curso).Menezes Cordeiro; Da Boa-Fé em Direito Civil; pág. 582.
Não detectamos peculiar comportamento que possa consubstanciar alguma vincada incorrecção capaz de se subsumir ao conceito de má fé definido pelo nosso ordenamento jurídico e a determinar responsabilidade da autora no modo como concretizou a mudança do distribuidor.
Constituindo a sociedade “José F..., Ld.ª ” um elemento de apoio, meramente acessório, indiferente, no contexto da relação contratual estabelecida e tendo sido dado o conveniente conhecimento daquela decisão tomada ao seu cliente/réu, está por comprovar que a boa fé da “C...” esteja arredada do relacionamento entre as partes.
V. Nos termos do estatuído no n.º 1 do art.º 805.º do C.Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
Considerando que a data da resolução do contrato é a que deveria ser fixada pela “C...” na carta registada com a/r remetida ao António B..., e tendo ficado provado que foi em 13/09/2004 que a autora enviou ao réu a carta registada com a/r onde participava a resolução do contrato com efeitos imediatos a contar do recebimento da notificação (cfr. fls. 6), tendo ela sido recebida pelo réu em 16/09/2004, é a partir deste momento que o demandado ficou em mora e, em consequência, a ser responsável pelo pagamento dos respectivos juros.
Pelo exposto: 1. Julga-se improcedente o recurso do réu António B.... Custas pelo recorrente. 2. Julgando parcialmente procedente o recurso da autora “C...-IndústriaTorrefactora do Café, SA”, revoga-se em parte a sentença recorrida e, em consequência, condena-se o réu António B... a pagar à autora C... - Indústria Torrefactora do Café, SA o montante de € 6 572.01 (€2.682,39 + € 3.889,62 sobre o qual acrescem juros moratórios vencidos desde 16/09/2004 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal prevista para as obrigações comerciais; As custas nesta relação são suportadas por recorrente e recorrido na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente. Na primeira instância mantém-se a repartição de custas aí fixada.