PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Sumário

1º- O procedimento cautelar de restituição provisória de posse compõe-se de duas fases: Uma, de natureza declarativa, na qual o tribunal aprecia os elementos de que depende a tomada de uma medida antecipatória dos efeitos a que tende o processo principal; outra, de cariz executivo, em que o tribunal, no uso dos poderes de soberania, impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o statu quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada.

2º- Todavia, o facto de o requerente ter conseguido obter, no âmbito da providência cautelar decretada, a efectiva restituição da coisa de que fora esbulhado, não significa que a medida cautelar tenha atingido a sua finalidade e o procedimento tenha chegado ao seu fim, pois que a isso obsta a natureza provisória da decisão cautelar e a sua consequente dependência da causa principal, tal como resulta do disposto no art. 383º do C. P. Civil.

3º- Significa isto que não tendo ainda sido proferida decisão definitiva numa acção de reivindicação com vista a obter a condenação dos requeridos a restituírem ao requerente o gozo de uma e a reintegrá-lo na posse dela, a decisão de restituição provisória de posse proferida autos de providência cautelar mantém-se em vigor, não podendo ser instaurado novo procedimento cautelar de restituição provisória de posse para se reagir contra novo esbulho praticado após a realização da entrega da coisa.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

"I.G.A.P.H.E - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado" instaurou contra José F... e Virgínia M... procedimento cautelar de restituição provisória de posse da fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano constituído em propriedade horizontal situada no Bairro da E... T..., Rua da Escola I... e C... n° 116, R/Ch.,Dto., freguesia de M..., concelho de Viana do Castelo.
Alegou, para tanto e em síntese, que os requeridos procederam à ocupação da dita fracção no dia 04.10.07, aí fixando residência.
Na sequência dessa actuação o requerente interpôs a providência cautelar que entretanto veio a ser junta como apenso B), tendo aí sido decretada a restituição provisória da posse.
Atenta a decisão proferida o instituto mudou a fechadura, tendo contudo os requeridos, posteriormente, ocupado novamente a dita fracção.

Foi proferido despacho que, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 234°-A, n° l e 234°, n° 4, al. b), ambos do Código de Processo Civil, indefiriu liminarmente o requerimento inicial apresentado.
Condenou ainda o requerente no pagamento das custas.

Inconformados com esta decisão, dela agravou o requerente, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. A providência cautelar de restituição provisória de posse decretada nos autos de processo, n° 4329/06.6TBVCT, que correu termos pelo 2° Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo, além da fase declarativa, realizou a executiva com a investidura da posse real e efectiva do imóvel;
2. Com a investidura do requerente/recorrente na posse do imóvel, em 14/12/2006, pelas 9.30, a providência atingiu a sua finalidade e o processo chegou ao seu termo;
3. A segunda providência cautelar de restituição provisória de posse, em lide (Apenso A), foi intentada, como incidente da acção de reivindicação distribuída ao 4° Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo, com o n°29/07.8 TBVCT - na qual se requererá a apensação da outra providência decretada, sob pena de caducidade - e é fundada em actos de esbulho violento praticados posteriormente à investidura da posse realizada pelo Tribunal e já quando a restituição (do actual Apenso B) atingira o seu termo e finalidade;
4. A providência cautelar "sub-judice" obedece apenas aos requisitos do art. 393° do C.P.C., e como tal, deveria ter sido ordenado o seu prosseguimento normal;
5. A reacção ao (novo) esbulho pela via da execução para a prestação de facto positivo ou negativo - defendida na douta decisão recorrida - não é possível por se tratar de decisão que ordenou a restituição de um despacho provisório, que representa um julgamento preliminar e não ter, por isso, a virtualidade e função especifica dos títulos executivos em que assenta a acção executiva;
6. O recurso às normas, que regulam a execução para prestação de facto, só se justificaria, no âmbito de procedimento cautelar de embargo de obra nova, aí sim adequado e expressamente previsto no n° 2 do art.4200 do C.P.C.;
7. Como no caso em apreço, se trata de uma restituição provisória da posse de imóvel, já não será adequado o recurso à execução para prestação de facto;
8. Reunidas que estavam as condições do art. 393° do C.P.C., independentes de elementos subjectivos, não era lícito indeferir o requerimento de restituição provisória de posse ao aqui agravante;
9. O douto despacho recorrido violou, pois, o disposto nos arts. 393° e 394° do C.P.C..
10. Pelo exposto, deve dar-se provimento ao presente recurso, decidindo-se em conformidade com as conclusões”.

Foi proferido despacho de sustentação da decisão.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Das certidões juntas a fls. 71 a 93 resulta que:
1º- O I.G.A.P.H.E. - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado" intentou contra José Francês da Silva e Virgínia Manuela Vieira providência cautelar de restituição provisória da posse, pedindo que lhe seja restituída provisoriamente a posse da fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano constituído em propriedade horizontal situada no Bairro da E... T..., Rua da Escola I.. e C... n° 116, R/Ch., Dto., freguesia de M..., concelho de Viana do Castelo, com o fundamento de que os requeridos procederam à ocupação da dita fracção no dia 04.10.07, aí fixando residência.
2º- Tais autos correram termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o nº4329/06.9 TBVCT
3º- Foi proferida decisão que decretou a requerida providência cautelar, na sequência do que a secretaria, no dia 14 de Dezembro de 2006, procedeu à execução da ordenada restituição, mediante entrega ao requerente da dita fracção, com substituição das respectivas fechaduras.
4º-Através de requerimento dirigido aos referidos autos nº. 4329/06.6 e que deu entrada em 15 de Dezembro de 2006 naquele Tribunal, o I.G.A.P.H.E., alegando ter tomado conhecimento de que os requeridos mantêm a ocupação do referido prédio, requereram que se procedesse urgentemente à desocupação do referido R/C dtº e, consequentemente, à sua entrega ao requerente e se diligenciasse junto do Comando da PSP de Viana do Castelo no sentido de impedir, através das necessárias medidas preventivas, que os requeridos ou outros ocupem o prédio em questão.
5º- Foi proferido despacho judicial que indeferiu o requerido.
6º- O I.G.A.P.H.E apresentou, junto do Ministério Público, denúncia contra os ora requeridos com fundamento no não acatamento da providência cautelar decretada no âmbito do processo nº 4329/06.9 TBVCT.
7º- O I.G.A.P.H.E instaurou, contra os ora requeridos, acção de reivindicação sob a forma sumária, pedindo que os mesmos sejam condenados a:
a) reconhecer que o A. é o único dono e possuidor da fracção identificada sob o nº. 2 da petição e que o respectivo direito real de propriedade lhe pertence exclusivamente.
b) restituir ao A. a mesma fracção livre de pessoas e coisas;
c) a pagar ao A. a indemnização pelos danos sofridos pela ocupação até
à restituição efectiva da fracção, em montante a liquidar nos termos do nº.2 do art. 661º do C. P. Civil;
7º- Esta acção corre termos pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo sob o nº.29/07.8TBVCT e a ela foram apensados os referidos autos de providência cautelar nº 4329/06.9 TBVCT

FUNDAMENTAÇÃO :

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.

Assim, a única questão a decidir é a de saber se existe fundamento para indeferir liminarmente o requerimento inicial com fundamento na manifesta improcedência do pedido.

E a este respeito, diremos, desde logo, que tal questão foi devidamente analisada e decidida na douta decisão recorrida, com cujos fundamentos de facto e de direito concordamos e para os quais remetemos, nos termos do artigo 713º, n.º5, ex vi art. 749º, ambos do C. P. Civil.

Importa, porém, realçar alguns desses fundamentos e rebater os agora invocados pelo requerente/apelante.

Sustenta este que, com a investidura do requerente/recorrente na posse do imóvel, em 14/12/2006, a providência cautelar de restituição provisória de posse decretada nos autos de processo n° 4329/06.6TBVCT e que correu termos pelo 2° Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo atingiu a sua finalidade e o processo chegou ao seu termo, pelo que nenhum obstáculo existe a que, verificados novos actos de esbulho violento sobre a mesma fracção, seja instaurado novo procedimento cautelar de restituição provisória da posse, como incidente da acção de reivindicação já proposta.

A nosso ver, a solução a dar ao presente litígio prende-se com a questão de saber se a providência cautelar de restituição provisória de posse extingue-se com a execução da decisão que a decretou, ou seja, com a entrega efectiva da coisa esbulhada ao requerente.
E, quanto a nós, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Senão vejamos.
Dispõe o art. 394º do C. P. Civil, que “Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição (…)”.
Significa isto, no dizer de António Geraldes In, “Temas da Reforma Do Processo Civil” ,vol. IV. Procedimentos cautelares especificados, pág. 55. que o procedimento cautelar de restituição provisória de posse se compõe de duas fases: “Uma, de natureza declarativa, na qual o tribunal aprecia os elementos de que depende a tomada de uma medida antecipatória dos efeitos a que tende o processo principal; outra, de cariz executivo, em que o tribunal, no uso dos poderes de soberania, impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o statu quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada.
Assim, imediatamente após o decretamento da restituição, a secretaria procederá à execução da decisão, sem qualquer outra promoção por parte do requerente, nem necessidade de integração num apenso executivo.
Passar-se-á mandado para cumprimento da decisão (arts.176º, nº. 2 e 189º), o qual será prontamente executado (art. 162º,nº.2), procedendo-se coercivamente à entrega da coisa móvel ou imóvel que tenha sido esbulhada, do que se lavrará o correspondente auto (art. 163º, nº.1).
Na falta de outra disposição especificamente reguladora da entrega judicial inserida no procedimento de restituição provisória da posse, é adequado o recurso às normas que regulam a entrega de coisa certa (art.930º)”.
Daí que, estando em causa um imóvel, o funcionário investe o requerente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver, podendo ainda, se necessário, proceder ao arrombamento e recorrer ao auxílio das autoridades policiais.
Como refere Amâncio Ferreira In,”Curso de Processo Civil”, 2ª ed., págs. 340 e341., “trata-se de uma providência ”perfeita”, na medida em que a sua activação é consequência imediata da adopção da medida cautelar”.
E tudo isto independentemente do recurso à aplicação do disposto no art.394º que faz incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada o requerido que, após a realização da entrega da coisa, pratique actos que, de novo, possam qualificar-se como de esbulho.
Todavia, o facto de o requerente ter conseguido obter, no âmbito da providência cautelar decretada, a efectiva restituição da coisa de que fora esbulhado, não significa que a medida cautelar tenha atingido a sua finalidade e o procedimento tenha chegado ao seu fim, pois que a isso obsta a natureza provisória da decisão cautelar e a sua consequente dependência da causa principal, tal como resulta do disposto no art. 383º do C. P. Civil.
Na verdade, a providência cautelar não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substantivo, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente (a acção final), esta destinada à actuação do direito material.
A providência cautelar é posta ao serviço da acção principal que, há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa.
Por isso, enquanto não transitar em julgado a decisão que julgue a acção de que a mesma é dependência, a medida cautelar deferida mantém a sua eficácia.
Se a decisão definitiva da acção principal for desvaforável ao requerente, extinguir-se-ão os efeitos provisórios da restituição de posse.
Se esta decisão se mostrar favorável ao requerente, os efeitos provisórios da medida cautelar converter-se-ão em definitivos e, como ensina, Carla Amado Gomes In, “Contributo….” 1999,pág. 441,nota 1220., manter-se-ão até este obter, se necessário através de processo executivo, a concretização prática do direito em risco, a certeza do seu exercício pleno e sem mais obstruções por parte do requerido/réu”.
Significa isto, no caso dos autos, que não tendo ainda sido proferida decisão definitiva na acção de reivindicação que o ora requerente instaurou contra os ora requeridos - acção sumária nº.29/07.8TBVCT - com vista a obter a condenação destes a restituirem-lhe o gozo da identificada fracção e a reintegrá-lo nas faculdades que compõem o direito de propriedade, designadamente na posse dela, a decisão de restituição provisória de posse proferida autos de providência cautelar nº nº4329/06.9 TBVCT mantém-se em vigor.
Mas se assim é, então, legítimo se torna concluir, como o fez a Mmª Juíza a quo, que por via desta decisão cautelar ficou decidida a questão que ora se pretende ver novamente julgada e que não é através da sucessiva apresentação de providências cautelares que se logrará obter o cumprimento de uma decisão judicial que os condenados não acatam sob pena de se chegar ao absurdo de ver apresentadas tantas providências cautelares quantos os actos violadores praticados, o que, para além de impraticável, é juridicamente insustentável.
De resto, a dificuldade de fazer respeitar uma decisão judicial verifica-se não só num plano meramente cautelar, mas também ao nível das decisões proferidas em processos de cariz definitivo, havendo que reconhecer, em muitos dos casos ( que não parece ser o dos presentes autos), que a tutela penal constitui o único instrumento dotado de alguma eficácia para fazer cumprir o decretado em decisão judicial.
Por fim sempre se dirá que, contrariamente ao afirmado pelo requerente nas suas alegações de recurso, a decisão cautelar que ordena a restituição provisória cautela goza da coercibilidade e da executoriedade nos termos gerais, como decorre dos arts. 46º, al.a) e 48º,nº. 1 do C. P. Civil.
Por tudo isto e porque não cabe no objecto do presente recurso ajuizar do acerto do despacho judicial que indeferiu o requerido pelo ora agravante através do requerimento dirigido aos referidos autos nº. 4329/06.6 em 15 de Dezembro de 2006, inquestionável se torna concluir pela manifesta improcedência do procedimento cautelar deduzido.
Daí nenhuma censura merecer a decisão recorrida ao indeferir liminarmente o procedimento cautelar requerido nos termos das disposições conjugadas dos arts. 234º-A,nº.1 e 234º,nº. 4,al.b) do C. P. Civil, que será, por isso, de manter.

Improcedem, pois, todas as conclusões do agravante.

CONCLUSÃO:

Do exposto poderá extrair-se que:

1º- O procedimento cautelar de restituição provisória de posse compõe-se de duas fases: Uma, de natureza declarativa, na qual o tribunal aprecia os elementos de que depende a tomada de uma medida antecipatória dos efeitos a que tende o processo principal; outra, de cariz executivo, em que o tribunal, no uso dos poderes de soberania, impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o statu quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada.

2º- Todavia, o facto de o requerente ter conseguido obter, no âmbito da providência cautelar decretada, a efectiva restituição da coisa de que fora esbulhado, não significa que a medida cautelar tenha atingido a sua finalidade e o procedimento tenha chegado ao seu fim, pois que a isso obsta a natureza provisória da decisão cautelar e a sua consequente dependência da causa principal, tal como resulta do disposto no art. 383º do C. P. Civil.

3º- Significa isto que não tendo ainda sido proferida decisão definitiva numa acção de reivindicação com vista a obter a condenação dos requeridos a restituírem ao requerente o gozo de uma e a reintegrá-lo na posse dela, a decisão de restituição provisória de posse proferida autos de providência cautelar mantém-se em vigor, não podendo ser instaurado novo procedimento cautelar de restituição provisória de posse para se reagir contra novo esbulho praticado após a realização da entrega da coisa.

DECISÃO:

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido.

Custas pelo agravante.


Guimarães, 17 de Maio de 2007