EXECUÇÃO
Sumário

Perante a notificação duma sentença ainda não transitada em julgado, que declarou a executada insolvente, como a tribunal onde pende a acção executiva não pode declarar a execução não pode declarar extinta a execução por inutilidade superveniente da lide e ordenar a remessa dos autos para o tribunal ou mesmo suspender a instância, nos termos do artigo 88 do mesmo diploma.

Texto Integral

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A, propôs acção executiva comum contra B, alegando, em síntese, que é dona e legítima portadora duma letra de câmbio no valor de 23.800 €, aceite pela executada, que a não pagou no prazo de vencimento, 10/09/2004, nem posteriormente. E já se venceram juros no montante de 219.09 €. Entretanto foi penhorado uma viatura automóvel, que se encontrava registada em nome da executada.

A 14 de Fevereiro de 2007 deu entrada em juízo uma declaração enviada por e.mail, vinda do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, que referencia o processo 35.07.2TBPNF, em que é credor C e Insolvente B, que diz o seguinte: “ Para os devidos efeitos, cumpre-me informar, que nos presentes autos de insolvência em que é Insolvente B, ... foi declarada insolvente por sentença proferida à 17 horas do dia 13/02/2007, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência D...”.

Em face desta informação, o juiz, a fls. 67 e no dia 16/02/2007, prolatou um despacho a declarar extinta a execução por inutilidade superveniente da lide, ordenando a remessa dos autos para serem apensados ao processo de insolvência, por se encontrarem bens penhorados, invocando, como fundamento, o trânsito em julgado da decisão que declarou a executada insolvente e o artigo 88 e 85 n.º 2 do CIRE.

A exequente requereu a reforma do despacho no sentido de apenas ser declarada suspensa a instância executiva, ao abrigo do disposto no artigo 669 n.º 2 al. a) do CPC. porque se estava em presença duma decisão de insolvência de efeitos limitados, nos termos do artigo 191 do CIRE, e, além disso, não foi requerida a remessa dos autos pelo administrador, o único competente para o caso. E, subsidiariamente interpôs recurso de agravo. E juntou o documento de fls. 72, correspondente a um anúncio a dar publicidade da decisão de insolvência aos interessados, subscrita pelo respectivo magistrado, em que destacamos o seguinte: “ ... Conforme sentença proferida nos autos, verifica-se que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, não estando essa satisfação por outra forma garantida. Ficam notificados todos os interessados que podem, no prazo de 5 dias, requerer que a sentença seja complementada com as restantes menções do artigo 36º do CIRE ... Ficam ainda notificados que se declara aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado, previsto no artigo 191 do CIRE....”.

O juiz não reformou o despacho e admitiu o recurso interposto.

A recorrente apresentou as suas alegações, formulando conclusões.

O juiz sustentou o despacho recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Damos como assente a matéria fáctica acima relatada.

Das conclusões de recurso ressalta a questão de saber se perante a notificação duma sentença ainda não transitada em julgado, que declarou a executada insolvente, com fins limitados nos termos do artigo 39 n.º 1 e 191 do CIRE, o tribunal onde pende a acção executiva pode declarar extinta a execução por inutilidade superveniente da lide e ordenar a remessa dos autos para o tribunal onde corre o processo de insolvência, para aí ser apenso, ou mesmo suspender a instância, nos termos do artigo 88 do mesmo diploma.

Daí há a destacar quatro sub-questões: 1 – necessidade do trânsito em julgado da sentença em discussão; 2 – extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide; 3 – remessa dos autos para apensação aos de insolvência; suspensão da instância executiva, tudo ao abrigo do disposto no artigo 88 do CIRE.

O trânsito em julgado da sentença que declarou insolvente a executada torna a decisão estável e definitiva. Só a partir daí é que se sabe se a executada é insolvente com todas as consequências que daí advêm. Porém, estamos perante um processo de natureza urgente, em que a decisão que declara a insolvência pode ser impugnada por dois meios – oposição por embargos e recurso ( artigo 40 e 42 do CIRE). E qualquer um dos meios da impugnação apenas suspende a liquidação e partilha do activo ( artigo 40 n.º 3 e 42 n.º 3 do CIRE). O que quer dizer que, uma vez declarada a insolvência, produzem-se imediatamente os efeitos consignados no artigo 81 e seguintes do CIRE, em que destacamos, essencialmente, a privação dos poderes de administração e disposição do insolvente e seus administradores dos bens integrantes da massa insolvente, apensação de acções por iniciativa do administrador em que estejam envolvidos bens da massa insolvente e haja interesse nesse sentido ( artigo 85 do CIRE), a suspensão de diligências executivas ou outras que atinjam bens da massa insolvente, e impedimento de instauração de acções executivas e prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência ( artigo 88) e outros que não vamos aqui elencar. Por outro lado, a revogação da sentença de declaração de insolvência não afecta os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência – artigo 43 do CIRE.

De tudo isto, podemos concluir que não é necessário o trânsito em julgado da decisão que declara a insolvência para a realização de determinados actos, que não são afectados, sequer, pela revogação da sentença que os legitimou. Um deles, é a suspensão das diligências executivas ou a extinção da instância executiva, caso se entenda que a impossibilidade de prosseguimento de qualquer acção executiva gera a sua extinção por inutilidade superveniente da lide. O que quer dizer que a decisão agora impugnada não pode ser revogada só porque a sentença de insolvência não transitou em julgado, como decorre da matéria fáctica assente.

Questiona-se a extinção da instância executiva, ao abrigo do disposto no artigo 88 do CIRE, porque a sentença de insolvência tem efeitos limitados. Apenas tem como finalidade a qualificação da insolvência, se foi culposa ou meramente fortuita, como resulta do disposto no artigo 39 n.º 1 e 191 ambos do CIRE.

Da matéria de facto assente, resulta que estamos perante uma sentença de insolvência com efeitos limitados, e fundamentada na presunção de que, no momento em que é prolatada, não existem bens ou os conhecidos são insuficientes para suportar as custas ou as despesas inerentes à gestão do processo. Daí que seja transferido para os interessados o encargo das despesas conexas com a continuação do processo de insolvência, com vista à apreensão de bens do insolvente para uma futura liquidação e repartição do produto obtido pelos credores reclamantes, que vejam verificados os seus créditos. Na verdade, qualquer interessado pode pedir, no prazo de 5 dias, que a sentença seja complementada de acordo com o disposto no artigo 36 do CIRE, depositando ou caucionando, para o efeito, um montante que o juiz especificar, encontrado segundo um juízo de prognose das despesas e custas prováveis, como garantia do seu pagamento ( artigo 39 n.º 2 , 3 e 4 do CIRE).

E, não tendo havido o complemento da sentença, que não se encontra provado nos autos, esta apenas produz alguns dos efeitos inerentes à insolvência, que se traduzem em criar as condições para a qualificar como culposa ou fortuita, para a partir daí serem aplicadas as sanções respectivas e previstas na lei . Não afecta a administração ou disposição dos bens que fazem parte do património do devedor, não há reclamação de créditos. Tudo se passa, no que respeita ao património do devedor, como se não tivesse havido sentença de insolvência. Não se faz a apreensão dos bens, dos documentos que levem ao apuramento do património do insolvente, do chamamento dos credores ao processo para reclamarem os seus créditos. Tudo permanecerá como antes da sentença ( artigo 39 n.º 7 al. a) do CIRE).

E, transitada em julgado a respectiva sentença, o processo é declarado findo, continuando apenas o incidente para efeitos da qualificação da insolvência ( artigo 39 n.º 7 al. b) do CIRE). E, se porventura algum interessado quiser investigar, posteriormente, o património do insolvente, terá de propor uma nova acção, e depositar ou caucionar o montante que o juiz considerar necessário para custear as despesas com o mesmo e as custas.

O que quer dizer que a sentença de insolvência, com efeitos limitados, apenas visa atingir as pessoas responsáveis pela insolvência e nada mais. Tudo o que se relacione com o património do insolvente, o tribunal parte do princípio que não se justifica o investimento num processo que não garante as despesas com a sua gestão e custas. Daí que os efeitos previstos no artigo 88 do CIRE não se desencadeiam, porque o decidido vai no sentido de não apreender o património do devedor insolvente. O que quer dizer que a suspensão da instância executiva não se impõe, perante uma sentença com estas características, muito menos a sua extinção por inutilidade superveniente da lide. É que neste caso, não havendo necessidade de apreender o património do insolvente, para futuro pagamento de todos os credores, não se justifica a suspensão da acção executiva, nem a sua extinção, porque o credor executivo não pode exercer o seu direito no processo de insolvência, que, conforme foi decidido, irá apenas atender à situação da responsabilidade pela insolvência. Extinguir a instância implica, para o credor executivo, negar-lhe o direito de realizar o seu crédito, ou onerá-lo com custos que não se justificam, porque teria de pedir o complemento da sentença, com todos os encargos que a lei lhe impõe, correndo, ainda o risco, de não ver o seu crédito satisfeito, através da acção de insolvência, sendo mais seguro o meio executivo singular. Neste caso, não está em causa a protecção de todos os credores, através da acção universal executiva, para que vigore o princípio da igualdade de oportunidade na distribuição do património do insolvente, por todos os credores reclamantes, com reconhecimento dos seus créditos, segundo os critérios traduzidos na sentença de graduação de créditos. Assim sendo, e dando-se primazia à responsabilidade pela insolvência, transferindo-se o impulso do processo para qualquer interessado, com os encargos que a lei lhe impõe, enquanto esse impulso não se concretizar, os efeitos da sentença não afectam o património do insolvente, pelo que julgamos que não é de aplicar ao caso o disposto no artigo 88 do CIRE.

No que respeita à remessa do processo para o tribunal que decretou a insolvência, para aí ser apensado, não compete ao juiz da execução, oficiosamente, tomar essa iniciativa. Isso é da competência do juiz do processo, como resulta da conjugação do disposto no artigo 85 n.º 2 e 88 do CIRE. Apenas deve, após conhecimento da sentença de insolvência, suspender os actos executivos, quando esteja em causa uma sentença com efeitos plenos e não limitados como o já referimos. Daí que no caso, e depois do juiz ter conhecimento de que estava perante uma sentença com efeitos limitados, deveria ter reformado o despacho e comunicado o facto ao tribunal onde se encontra o processo de insolvência. Só o enviaria no caso do tribunal o solicitar, para apensação.

Em face disto, o despacho recorrido terá de ser alterado.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em conceder provimento ao recurso, e, consequentemente, revogam o despacho recorrido.

Sem custas, porque não houve oposição.

Guimarães, 13 de Setembro de 2007