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EXPROPRIAÇÃO
Sumário
I) A susceptibilidade de em processo de expropriação ser ressarcido o dano ambiental sofrido pela parcela sobrante do prédio, não envolve qualquer desigualdade relativamente a quem, não sendo também expropriado, sofra dano igual ou equivalente. Todavia, inexistindo no prédio qualquer construção e situando-se a parcela expropriada na estrema mais distante da zona com melhor aptidão edificativa, o ruído e gases resultantes da circulação em viaduto implantado naquela estrema não se revestem de gravidade bastante que justifique o arbitramento de indemnização.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
EUROSCUT NORTE, Sociedade Concessionária da SCUT do Norte Litoral, SA, com sede na Avenida João Crisóstomo, nº 38-C, 1º, escritório 3, 1050-127 em Lisboa requereu a declaração de utilidade pública com carácter de urgência da expropriação de uma parcela de terreno com a área de 156 m2, a destacar de um prédio rústico pertencente a G. C. C. e esposa residentes no concelho de Viana do Castelo, para construção da obra “A28/IC1 – Viana do Castelo/ Riba de Âncora”.
Deferida tal pretensão por despacho do Senhor Secretário das Obras Públicas de 18/8/03, publicado no DR, II série, nº 220 de 23 de Setembro de 2003, procedeu-se em 12/1/04 à realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam cujo relatório constitui fls 38 a 43 dos autos, na sequência do que a expropriante, no dia 9/2/2004, tomou posse administrativa da parcela em questão.
Procedeu-se oportunamente a arbitragem cujo acórdão, tirado por unanimidade, fixou a indemnização no montante de €11.746,93 (onze mil setecentos e quarenta e seis euros e noventa e três cêntimos).
Remetidos os autos a juízo nos termos legais e adjudicada a parcela, veio a expropriante interpor recurso da decisão arbitral, sustentando em síntese que a indemnização não deve exceder o montante de €1.716,00.
Por seu turno os expropriados interpuseram também recurso subordinado, pugnando pela fixação da indemnização no montante de €75.721,62 (setenta e cinco mil, setecentos e vinte e um euros e sessenta e dois cêntimos).
Realizada a necessária avaliação e demais diligências probatórias, foram produzidas alegações, após o que foi proferida sentença que fixou a indemnização em €5.767,62 (cinco mil setecentos e sessenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos).
Inconformados com o decidido, recorrem a expropriante e os expropriados, pugnando pela sua modificação, rematando as alegações respectivas pela forma seguinte: Da expropriante: “1ª) Nos termos e para os efeitos previstos no art. 690°-A do CPC consideram incorrectamente julgados os factos vertidos nos pontos 9 e 18, pelas razões que infra se expõem. 2ª) A decisão de considerar que o coeficiente de ocupação do solo, previsto no PDM de Viana do Castelo para o tipo de espaço em que a parcela se insere, é de 30%, resultou de um manifesto erro de julgamento, que assentou numa errada análise constante da arbitragem, retomada pelo perito dos apelados no seu laudo; 3ª) O coeficiente máximo, abstractamente previsto nesse Regulamento do PDM para a categoria de “Espaço Urbanizável – Habitat Disperso” é de 0,20, tal como resulta do artº 43°, al. d) – apesar de na versão inicial desse Regulamento se prever um coeficiente máximo de 0,15 ele passou a ser de 0,20 com a publicação da alteração a essa norma operada pela Declaração n° 91/98 (Diário da República nº66, II Série, de 19 de Março de 1998). 4ª) Aliás, os Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário, deixaram claro que esse índice que fixaram, constituía o máximo permitido pelo PDM, no 1º parágrafo da página 6 do respectivo laudo, quando afirmaram que: «O coeficiente de ocupação do solo (cos) de 0,20 m2 de construção/m2 de solo, julga-se adequado às características do prédio e da envolvência próxima deste, no que concerne a volumetrias de edifícios existente, sendo inclusive o máximo permitido para este tipo de espaços urbanizáveis» - sublinhado nosso. 5ª) A adopção do coeficiente de ocupação do solo de 0,30 m2 de construção/m2 viola frontalmente o n° 1 do art. 26° do CE/99, na medida em que não respeita «os regulamentos em vigor». 6ª) Face às justificações dadas no laudo maioritário (de que o coeficiente de 0,20 seria “adequado às características do prédio e da envolvência próxima deste, no que concerne a volumetrias de edifícios existente”), a adopção desse coeficiente de ocupação do solo, violaria também a mesma norma, ainda que o índice máximo abstractamente previsto fosse de 0,30, na medida em que esse aproveitamento não constituiria o «aproveitamento económico normal» - no mesmo sentido militam, ainda, as respostas dadas pelos Srs. Peritos do laudo maioritário aos quesitos nos 16, 37, 33 e 34 formulados pelos apelados. 7ª) Assim, sem prescindir, ainda que o índice máximo abstractamente previsto fosse de 0,30, sempre o valor do solo deveria ser calculado por referência ao coeficiente de 0,20, por constituir o seu «aproveitamento económico normal». 8ª) Na arbitragem, os Srs. Árbitros referem expressamente que a parcela já se encontrava ocupada pela obra mas, apesar disso, afirmam (no ponto 5) que “a vistoria é omissa quanto às benfeitorias, no entanto existe um muro de vedação com as seguintes medições…”. 9ª) Ora, nem a vistoria é omissa porque diz claramente que não foram detectadas benfeitorias, nem é possível considerar indemnizável um muro que existe, logo não foi expropriado, porque entretanto a obra foi concluída sem o afectar (o próprio perito do laudo minoritário refere-se expressamente, no ponto 7. do seu laudo, ao “muro existente”). 10ª) Assim, uma vez que o muro não foi afectado pela obra e continua a ser propriedade dos expropriados, não deve ser incluído na justa indemnização o respectivo valor, sob pena de enriquecimento sem causa. 11ª). Ao contrário do que se decidiu, a execução da obra que justificou a expropriação, não determinou que a parcela sobrante sofra uma depreciação não inferior a 40% do respectivo valor de mercado: os factos dados como assentes no ponto 17 da matéria assente não conduzem, automaticamente, à conclusão segundo a qual existem prejuízos indemnizáveis (mesmo que noutra sede, como se considerou). 12ª) O ruído e fumos emitidos pelos veículos, desde que não exista norma violada quanto a essas emissões e estas não atinjam níveis de insuportabilidade, não conferem direito a indemnização. 13ª) No que concerne quer ao ruído, quer à emissão de gases, apenas se provou que, com a construção da auto-estrada, o trânsito que nela circula causa «poluição sob a forma de ruídos, poeiras e gazes», o que é inevitável e próprio do estado civilizacional em que vivemos – não se demonstrou a violação de qualquer norma relativa quer à emissão de fumos quer ao nível dos ruídos produzidos. 14ª) Por outro lado, dos autos não constam elementos que permitam concluir que e barulho atingirá níveis de insuportabilidade, que ponham em causa a saúde física/psíquica dos apelados, ou dito de outro modo, que fosse ofendido o núcleo fundamental do seu direito ao repouso e/ou a um ambiente sadio nem que, no que concerne à emissão de gases, ela venha a ser para além do que é normal no trânsito de veículos. 15ª) O direito consagrado no art. 66°, n° 1 da Constituição da República é o “direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado” – não é (nem poderia ser pela natureza das coisas), um direito a um ambiente absolutamente puro, pela simples razão que esse não existe. 16ª) O interesse público subjacente à construção da auto-estrada (e não se olvide que tem igualmente consagração constitucional como direito fundamental, o direito à deslocação – art. 44°) sobrepõe-se, naturalmente, aos interesses individuais desde que estes não sejam (como não se provou que venham a ser) intoleravelmente ofendidos, já que a poluição a que os apelados ficarão sujeitos é inerente à actividade humana. 17ª) Não se encontram razões que justifiquem que, em matéria de natureza marcadamente técnica, se tenha a douta sentença afastado da opinião maioritária dos peritos, incluindo aqueles que o próprio Tribunal nomeou (e que, por isso, oferecem maiores garantias de isenção e de competência técnica) – opinião que consta, sobretudo, das respostas aos quesitos 41º a 44°, 52° e 56° a 60°. 18ª) Não existem, assim, razões que justifiquem que se tenha dado como assente e facto constante no ponto 18. da matéria assente. 19ª) Apesar das críticas que alguns autores teceram ao n° 4 do art. 23° do CE, o certo é que o Tribunal Constitucional tem decidido, em sucessivos arestos, que ela não é inconstitucional – cfr., por todos, o Acórdão n.° 422/2004 (disponível na internet em www.tribunalconstitucional.pt), tirado em Plenário no processo n.° 462/03, pelo que deve proceder-se à dedução imposta por aquela norma. 20ª) A apelante não pode ser condenada ao pagamento de juros desde a data da prolação da douta sentença: atendendo a que só após o trânsito em julgado da decisão que fixar o valor da indemnização, tem lugar a notificação para, no prazo de dez dias, efectuar o respectivo depósito (n° 1 do art. 71° do CE), só haverá mora após o decurso de tal prazo. 21ª) A douta sentença em crise, salvo melhor opinião, violou os arts. 13° e 62° da CRP, bem como os arts. 1°, 23°, 26° e 71° do CE/99. *** Dos expropriados: 1ª) Os índices, os coeficientes e demais parâmetros de actuação nada mais são do que pontos referência ideia/força que apenas podem ajudar o Magistrado a decidir com mais segurança e uniformidade de critério. 2ª) E, em consequência, os mesmos parâmetros referenciais só podem ser usados quando não deturpem ou deformem a finalidade para que tais parâmetros foram criados. 3ª) Ou, por outras palavras, tais critérios de actuação só são válidos enquanto atinjam ou sirvam para atingir a justa indemnização, isto é, ajudar a encontrar o valor real e corrente dos bens a expropriar. 4ª) Não nos indicando a lei Fundamental um conceito certo (e determinado) mas antes conceitos vazios a preencher em cada caso concreto, impôs a Constituição à Lei Ordinária certas normas pelas quais é possível objectivar e concretizar aqueles conceitos vazios ou indeterminados em que se traduziu o conceito da justa indemnização. 5ª) Tais normas estão previstas no Código das Expropriações, nomeadamente através dos seus art.°s23°, n.º5 e 26º, nº4. 6ª) De entre a vária Jurisprudência, criada no sentido de que o justo preço para a indemnização das expropriações só nos pode ser dado pelas leis do mercado da imobiliária e a lei da oferta e da procura, contam-se os abaixo prevenidos: 7ª)a) Assim, de entre os vários arestos dos nossos Tribunais Superiores, podem citar-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.” 210/93, de 16 de Março de 1993, publicado in DR,II Série nº 24, págs. 5610. b) Ac. de 12.2.2001 da Relação do Porto, publicado in CJ., Tomo I, págs. 210 e seguintes e Ac. da Relação de Lisboa de 30.11.2006, publicado in CJ, Tomo V, págs. 132. 8ª) A prova testemunhal, contrariamente à prova pericial é o único meio aliás reconhecido pela própria Lei Ordinária para nos alcançar o justo preço nas Expropriações. 10ª) E isto porque os Sr. Árbitros (ou Peritos), já porque havendo chegado a um grande estatuto social, já porque, por vezes, a sua debilitada saúde não lhes permite um+a aturada análise dos imóveis a peritar, não estão à altura de responder ao que se lhes pede, em termos de eficácia probatória. 11ª) Em contrapartida, só os agentes imobiliários, nomeadamente quando depõem como testemunhas nos estão à altura de prestar essa óptima colaboração, em termos de eficácia e verdade material. 12ª) Os ora Expropriados fazem a junção aos autos dos depoimentos das testemunhas ouvidas no processo nº 2726/05.3TBVCT do 4º Juízo Cível, em virtude de, tratando-se de um caso realmente similar ao sub júdice, poder através destes depoimentos serem prestados sérios contributos, para a escolha da uma justa indemnização. 13ª) Só pelo confronto dos valores do prédio sub júdice, do que tinha antes das obras e o que mantém actualmente, é que pode ser alcançado o justo preço indemnizatório para a presente expropriação. 14ª) Porém, pelos valores achados pelo Sr. Perito dos Expropriados, fixado em 51.888,73€, não é possível atingir o equilíbrio entre esse real valor do imóvel de antes, de 203.500,00€ e o actual. 15ª) Só aumentando a percentagem de 40% para 80% da depreciação das parcelas sobrantes, pese embora a diferença entre aqueles valores possa ser acentuada, configura-se apenas uma indemnização a favor dos Expropriados no montante global de 108.423,31€, francamente inferior ao valor dos 203.500,00€ que o prédio sub júdice anteriormente detinha. 16ª) Quanto ao último segmento a ser tratado nas presentes alegações ou seja, a fixação da indemnização correspondente às parcelas sobrantes, escusado será dizer-se que tal depreciação deve ser tratada no presente processo expropriativo. 17ª) Porém, vária jurisprudência tem sido criada no sentido de serem precisamente tratados esses casos da depreciação das parcelas sobrantes, no próprio processo expropriativo. 18ª) Nos apontados termos, foram violados os artos 1º, 28ºe 29º do CE, bem como o artº 62º, nº1 da C. R. P., ao não ser decretada uma justa indemnização aos ora Expropriados.
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Com as alegações oferecidas, juntaram os expropriados o Parecer que constitui fls 531 a 547 dos autos.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*** FACTOS DADOS POR PROVADOS:
Na sentença impugnada relevaram-se os seguintes factos como provados:
a) A parcela expropriada confronta do norte, sul e nascente com domínio público e do poente com restante parte do prédio;
b) Situa-se em zona de aglomerado habitacional disperso onde existem moradias de rés-do-chão e andar, com áreas agrícolas anexas;
c) Tem configuração irregular, de topografia plana, e mostra-se inserida no PDM de Viana do Castelo em “Espaço Urbanizável – Habitat Disperso”;
d) O acesso ao prédio onde se insere a parcela expropriada é feito por caminho público pavimentado em calçada de granito com a largura média de 2,30 metros que cruza com outros caminhos e entronca na E.N. 302, a cerca de 320 metros;
e) A parcela dispõe de rede de distribuição de energia eléctrica, rede de abastecimento domiciliário de água e rede telefónica;
f) No solo da parcela expropriada encontra-se implantado um muro de vedação com 36m3 de volume (40mx1,80x0,50), com o valor de € 2.288,00;
g) De acordo com o PDM de Viana do Castelo, a parcela incluída na parte de “Aglomerados Urbanos” tem um índice de construção de 30%;
h) É adequada às características da parcela a aplicação do índice de 85% de conversão de áreas úteis em áreas brutas ao custo da construção;
i) A parcela encontra-se próxima do centro da freguesia onde existem vários equipamentos, a cerca de 5 Kms da cidade de Viana do Castelo;
j) A expropriação gera a criação de uma servidão “non aedificandi” da parcela sobrante com uma área de 450,00 m2;
l) O prédio do qual a parcela expropriada foi destacada tinha, antes da expropriação, a área de 4.070 m2, tendo resultado da expropriação uma parcela sobrante de 3.914 m2;
m) A parcela goza de elevada qualidade ambiental, não havendo focos de poluição próximos;
n) A parcela sobrante do prédio que sofreu o destaque da parcela expropriada manteve proporcionalmente a mesma capacidade construtiva à data da DUP;
o) No prédio onde se situava a parcela expropriada é permitida a implantação de 4 moradias;
p) A construção e a presença da auto-estrada no local passou a projectar sombras e reduziu a exposição solar ao longo do dia na parcela restante do prédio dos expropriados, cortando a perspectiva visual que antes se tinha no local, causando com o trânsito que nela circula poluição sob a forma de ruídos, poeiras e gases;
q) O facto descrito no número anterior reduz o valor de mercado da parcela sobrante do prédio de onde foi destacada a parcela expropriada em não menos de 40%.
**** FUNDAMENTAÇÃO:
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações oferecidas, cumpre-nos então decidir sobre os seguintes itens:
I) Índice de construção da parcela expropriada (conc. 1 a 7 da expropriante);
II) Indemnização por benfeitorias (conc. 8, 9 e 10 da expropriante);
III) Indemnização por depreciação da parte restante (conc. 11 a 18 da expropriante e 15ª dos expropriados);
IV) Dedução da contribuição autárquica (conc. 19);
V) Juros de mora (conc. 20).
*** I) Sobre o índice de construção:
No âmbito do processo de expropriação é entendimento (quase) pacífico o de que a actividade jurisdicional deve confinar-se a sindicar os critérios usados pelos peritos e a sua conformação com os que resultam da lei, dizendo-se a propósito que “muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador (peritus peritorum) o certo é que a força deste princípio esgota-se no poder conferido ao juiz de controlar os critérios utilizados pelos peritos e moldá-los aos legalmente estatuídos.” Ac. desta Relação de 25/9/02.
Importará, porém, ter presente que no laudo dos peritos, além de aspectos eminentemente técnicos, se contêm juízos de carácter jurídico-normativo sobre os quais o tribunal deve fazer incidir aturada análise, sob pena de vir a sufragar flagrantes ilegalidades.
Assim, por exemplo, não cabe aos peritos decidir se determinado terreno tem ou não aptidão construtiva, pois tal envolve a valoração normativa de factos vários que os peritos devem carrear para os autos, em ordem a tornar possível tal valoração.
Do mesmo modo, o índice de construção previsto num determinado instrumento de ordenamento do território é um dado de facto que há-de ser usado pelos peritos como basede cálculo e nunca como objecto da prova pericial.
Só a habitual displicência (crítica que não se dirige ao laudo pericial neste processo elaborado, que temos por modelar) que envolve este meio de prova justifica que nesta sede esteja em discussão este elemento.
No acórdão arbitral consta que a parcela expropriada, de acordo com o PDM, está classificada como “Espaço urbanizável – Habitat disperso”, dizendo-se que o índice urbanístico previsto no PDM é de 0,3, nos termos do artigo 17º, nível 3.”
Diversamente o laudo pericial, confirmando que a parcela está classificada pelo PDM como se refere, adoptou como base dos cálculos a que nele se procedeu, o índice 0,2.
É óbvio o acerto da opção dos Senhores Peritos: o artigo 17º a que os árbitros se referem reporta-se a “espaços urbanos”, a primeira (nº1) das classes elencadas no artº11, não se integrando nela o terreno do qual foi desanexada a parcela.
Por conseguinte, tratando-se de uma parcela integrada em “área de habitat disperso”, pertence à classe “espaços urbanizáveis”, subsumível portanto à alínea b) do nº2 do referido artigo 11º.
E, assim sendo, a disciplina legal atinente a tais espaços urbanizáveis é a constante dos artigos 37ºa 53º do PDM (DR, II série, 7º Suplemento, de 31/12/91 com as alterações introduzidas em 1998 e publicadas do DR, II série, de 19/3/98).
Ora, por força destas alterações, o índice de construção nas áreas habitat disperso que até então era de 0,15, passou a ser de 0,20 (alínea d) do artigo 43º).
Neste contexto, vicioso se torna qualquer mais qualquer justificação para se acolher o índice usado no laudo pericial e, consequentemente, para se sufragar a pretensão da expropriante no que a tal item concerne.
*** II) Indemnização por benfeitorias:
Na vistoria ad perpetuam rei memoriam (fls 38 a 40) é referido não terem sido detectadas benfeitorias dignas de registo, mas assinalando tal menção, diz-se no acórdão arbitral (fls 50) que “existe um muro de vedação” com 40mx1,80mx0,50m, a que em tal decisão foi atribuídoo valor de €2.880,00, sendo objecto de impugnação por parte da expropriante no âmbito do recurso oportunamente interposto.
No laudo pericial é retomada a indicação de que a V.P.R.M. não referencia a existência de qualquer benfeitoria e por isso não contempla nenhuma indemnização para tal estrutura.
Todavia a sentença desatendeu nessa parte o recurso da expropriante e confirmou a indemnização fixada no acórdão arbitral por tal benfeitoria.
Nesta sede não é de fácil apreensão a razão de ser da controvérsia: se o muro em questão está implantado sobre solo da parcela expropriada ele passou a ser propriedade da expropriante por força da adjudicação que nestes autos teve lugar, em harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 1344º do CC.
A mera circunstância de o muro permanecer intacto, seja porque a plataforma da estrada não chegou até ele, seja porque apenas ocupou o espaço aéreo da parcela (como as fotografias de fls 216 a 221 sugerem), não tem a virtualidade de cindir a propriedade de modo a que subsista o direito do expropriado sobre o muro, quando o terreno sobre que está implantado deixou de pertencer-lhe.
Tendo sido dado como assente que “no solo da parcela expropriada (se) encontra implantado um muro de vedação com 36m3” (escreveu-se, por lapso, 36m2) e não vindo posto em crise tal facto, não acompanhamos a expropriante quando refere (fls 431) que o muro “continua a ser propriedade dos expropriados.”
Evidentemente que o que acaba de dizer-se nada tem a ver com a razão esgrimida pelos expropriados sob o ponto B) 1. das suas contra-alegações, pois se fosse exacto que o muro apenas ficou integrado em zona non aedificandi, teria então de dar-se razão à expropriante, porquanto a propriedade sobre ele permanecia intocada.
Assim e em resumo, improcedem as conclusões 8ª, 9ª e 10ª.
*** III) Depreciação da parte restante:
Preliminarmente cumpre referir que, não obstante na sentença se referir ter a parte restante do prédio sofrido uma depreciação de 40% decorrente da “presença aérea da infra-estrutura da auto-estrada” não arbitrou qualquer indemnização a esse título, ancorada em entendimento jurisprudencial que em seguida enuncia.
Assim sendo, são injustificadas as considerações feitas a propósito pela expropriante e sintetizadas nas conclusões 11ª a 18ª.
Cingir-nos-emos então à pretensão dos expropriados de ver aumentado de 40% para 80% o valor da depreciação (depois de no recurso do acórdão arbitral apenas terem reclamado o aumento da percentagem para 50% e, tal como agora, relativamente a toda a área sobrante), assinalando que a percentagem de 40% cujo aumento pretendem é a que surge referenciada pelo perito por eles indigitado e não foi acolhida pelos restantes nem pela sentença (ainda que neste caso por razões de índole processual).
Impõe-se assim e antes de mais conferir se, nesta sede, pode ser arbitrada indemnização em contrapartida do ónus em questão, ou se tal direito há-de fazer-se valer em acção autónoma, sob pena de se ser postergado o princípio da igualdade.
Cumpre fazer um reparo: na sentença foi invocado, em apoio da tese adoptada, um acórdão desta Relação proferido em 16/3/05 que desatendeu idêntica pretensão do expropriado. Simplesmente, tal acórdão não ancora o indeferimento desse segmento da indemnização em qualquer razão processual, mas antes numa razão substantiva óbvia: “a constituição de servidão non aedificandi, num solo sem aptidão construtiva, como é o da parte sobrante, não pode configurar um prejuízo enquadrável em qualquer das alíneas do nº 2 do artº 8º do CE.”
A questão foi objecto do Assento nº 16/94 (DR, I série-A, de 19/10/94) tirado por maioria e reportado ao Código das Expropriações de 76 (DL nº 845/76) mas cuja doutrina não contende com o regime legal actualmente em vigor.
Aceitando-se então que tal questão possa aqui ser afrontada, importa então sopesar se, nas circunstâncias concretas dos autos, há prejuízo relevante decorrente da expropriação da parcela em apreço.
A parcela expropriada tem a área de 156m2 e foi destacada de um prédio rústico com 4070m2 de configuração irregular como se colhe da planta de fls 233, bem como das de fls 43 e 66.
De tais elementos resulta evidente que a parcela expropriada se situa na estrema nascente do terreno, tem configuração triangular e está distante do caminho que, pelo norte, margina o prédio-mãe.
O impacto da desanexação nas capacidades produtivas do prédio é absolutamente irrelevante, tal como é inexpressivo quanto à capacidade edificativa: o canto que a parcela constitui é o mais distante das habitações já implantadas na zona envolvente e, por isso mesmo, a sua aptidão edificativa é apenas virtual.
No acórdão arbitral considerou-se que “a parcela sofre uma desvalorização pela criação de uma zona “non aedificandi” com a construção da auto-estrada”, fixando a favor dos expropriados a compensação de €5.235,75.
Todavia, no laudo pericial entendeu-se que a parcela restante “mantém proporcionalmente a mesma capacidade construtiva que possuía à data da DUP”, considerando em conformidade que não se justifica a fixação de qualquer compensação a esse título.
Acompanhamos, evidentemente, o laudo pericial pois, como já se assinalou, a plataforma da auto-estrada está implantada na estrema nascente do prédio, que é precisamente a mais distante das construções existentes na envolvente e do caminho que ladeia o prédio mãe.
Neste contexto, as regras da experiência comum sugerem que “de acordo com o destino possível do prédio numa utilização económica normal”, qualquer construção a implantar no terreno sê-lo-ia junto do caminho e das demais construções existentes na envolvente e não na zona mais distante.
Não obstante a sua configuração irregular, entenderam os Srs. Peritos ser exequível levar a efeito no terreno sobrante um loteamento com 4 lotes de 700m2 cada, onde poderia ser implantada uma moradia tipo com 203,5m2.
Sem prejuízo de se reiterar que o prédio em questão se insere em zona de habitat disperso linear ou nucleado, o que tem como pressuposto uma densidade populacional máxima de 70 habitantes por hectare, mesmo a simples consideração da área das moradias (área bruta distribuída por dois pisos) deixa antever a exiguidade do mercado imobiliário com interesse em tal tipo de urbanização.
Com efeito, será difícil conceber que alguém vá adquirir moradia num espaço rural, ficando acantonado num lote de escassos 700m2 e espartilhado num espaço pouco superior a um T2…
De todo o modo, a aptidão construtiva permaneceu incólume: a zona com capacidade de receber construção é exactamente a mesma, antes ou depois da desanexação da parcela expropriada, não tendo a servidão legal, no caso concreto, a menor incidência sobre ela.
Mas ainda assim, a implantação de uma tal estrutura rodoviária num espaço rural, acarreta significativa depreciação ambiental que pode, ela própria, legitimar o ressarcimento.
Será este processo a sede adequada para fazer valer esse direito?
Escreveu-se no Ac. da R.C. de 8/3/06 (CJ, II/06, pág. 14) o seguinte:
“Pretendem os expropriados uma indemnização pela depreciação da qualidade ambiental do prédio (…). Contudo, importa considerar que a depreciação ambiental ou o ruído (…) para merecerem expressão indemnizatória ou obterem a concessão de tutela judiciária, têm de resultar do acto de declaração pública de expropriação, porquanto se aquelas situações derivam, causalmente, da abertura da via de trânsito e da obra realizada (…) não são susceptíveis de fazer parte do conteúdo da obrigação de indemnização por expropriação. A não ser assim, violar-se-ia o princípio constitucional da igualdade, uma vez que os vizinhos não expropriados não teriam direito ao mesmo ressarcimento ou a idêntica tutela judiciária.”
Com o devido respeito, não nos parece que a concretização do princípio constitucional da igualdade não se baste com a mera possibilidade de, em abstracto, qualquer dos lesados reclamar em juízo o ressarcimento, seja em processo de expropriação seja em acção autónoma, sendo certo que o primeiro só não termina com a adjudicação do bem se os interessados interpuserem recurso da decisão arbitral.
Parece por isso mais ajustado o entendimento expresso no douto parecer que acompanha as alegações dos expropriados.
Mas, em face dos elementos do processo, configura-se como evidente o direito dos expropriados à indemnização que reclamam?
Deixando agora de parte a eficácia da decisão arbitral e os termos do recurso dela interposto pelos expropriados (que impediria sempre que este tribunal excedesse o valor nele reclamado), dúvidas não restam de que a realização da infraestrutura viária se inscreveu no exercício de uma actividade lícita e norteada pelo desígnio de prosseguir o interesse público ao possibilitar a todos uma mais fácil e mais segura deslocação, assim cumprindo também a Constituição.
No caso vertente, não existe nenhum direito fundamental dos expropriados que seja sacrificado pela implantação da auto-estrada, nomeadamente o seu direito ao repouso ou a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado: os expropriados simplesmente reclamam um valor compensatório para a alegada diminuição do valor de mercado do seu prédio, emergente da construção da auto-estrada.
A aptidão construtiva não é uma qualidade inerente ao solo, mas antes traduz, como acima se disse, uma valoração normativa de determinada realidade fáctica em função do interesse público no correcto ordenamento do espaço territorial.
Mas é precisamente esse interesse público subjacente à classificação do solo o grande factor de desequilíbrio entre os titulares do direito de propriedade ao conceder a uns o que nega a outros nos pertinentes instrumentos de gestão territorial.
Mal se compreenderia então que, não representando a lesão patrimonial invocada sacrifício desajustado ou desproporcionado para a consecução das potencialidades prodigalizadas pelo referido instrumento (PDM), não devesse levar-se à conta do ónus social que sobre todos impende de contribuir para o desenvolvimento das regiões e promover a qualidade de vida das suas populações.
E, decisivamente, a auto-estrada implantada até mesmo pela configuração que a planta de fls 66 patenteia (com a proximidade do nó da Meadela), conferiu ao terreno uma visibilidade e potencialidade edificativas acrescidas.
Em todo o caso, considerando que a plataforma da auto estrada se situa na estrema oposta ao caminho e às construções envolventes, a pretensa lesão não se reveste de intensidade bastante que justifique a fixação de qualquer indemnização.
*** IV) Dedução da contribuição autárquica:
Na sentença não foi sufragada a dedução da contribuição autárquica sugerida no laudo pericial complementar de fls 303, alegadamente em cumprimento do nº 4 do artigo 23º do CE.
Compulsado o elenco infinito das questões e esclarecimentos suscitados pelos expropriados sobre o laudo pericial (indo ao ponto de inquirir os peritos sobre entendimentos do Tribunal Constitucional quanto à caracterização do direito à indemnização!), não será de descartar relevante aptidão no domínio da ciência jurídica, a par da comprovada competência na área técnica que presidiu à sua nomeação.
Não é isenta de dificuldades a interpretação daquele número 4 do artigo 23º, parecendo-nos ajustada a restrição proposta no Ac. da Relação de Évora de 21/9/06 (Pedro Antunes), com o conforto da doutrina nele invocada (CJ, IV/06, pág. 230).
Mas ainda que assim não devesse ser, não podia em qualquer circunstância o tribunal a quo operar tal dedução, pois exorbita do thema decidendum que é objecto do recurso e envolve indagação de matéria de facto – não sendo pois mera aplicação da lei – estando por isso sujeita aos limites decorrentes do nº 4 do artigo 684º do CPC.
Improcede pois a conclusão 19ª.
*** V) Juros de mora:
Insurge-se por fim a expropriante pelo facto de ter sido condenado a pagar juros desde a sentença até efectivo e integral pagamento, alegando que só existe mora depois de esgotado o prazo previsto no artigo 71, nº1 do CE.
Também neste particular aspecto lhe assiste razão.
Com efeito, o processo de expropriação foi finalisticamente orientado para a determinação da justa indemnização correspondente ao bem expropriado e não para a condenação do expropriante ao pagamento de qualquer quantia.
Tal indemnização é obrigatoriamente actualizada desde a declaração de utilidade pública (e não da respectiva publicação) até à decisão final do processo.
Para obviar a eventual demora na satisfação ao expropriado do valor arbitrado, o próprio processo chama a si a responsabilidade de tornar efectivo o direito, instituindo eficazes providências coercivas (nº4 do artº71º), caso a entidade expropriante não proceda ao depósito no prazo que, de acordo com a lei, lhe foi fixado.
Ora, só depois de decorrido este prazo sem que o depósito se mostre efectuado, fica a entidade expropriante constituído na obrigação de pagar juros.
*** Em resumo, fixa-se a indemnização a favor dos expropriados no montante de €4.587,44 (quatro mil, quinhentos e oitenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), a actualizar nos termos legais, dando-se assim parcial provimento ao recurso interposto pela expropriante.
*** DECISÃO: Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriante e improcedente o dos expropriados, fixando-se a indemnização a favor destes no montante de €4.587,44, actualizado desde a DUP (18/8/03) de acordo com a evolução do IPC sem habitação e relevando o pagamento por conta autorizado a fls 92, em consonância com o Acórdão Uniformizador nº7/01.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento, fixando-se nesta instância a sucumbência da expropriante em €2.871,44 e a dos expropriados em €103.835,87.
Guimarães, 18 de Outubro de 2007
J. A. Gouveia Barros
Antero D.R. Veiga
Teresa J.R. de S. Henriques