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SERVIDÃO DE VISTAS
Sumário
1.As frestas são aberturas estreitas, que têm apenas a função de permitir a entrada de ar e luz; 2.As frestas que, pelas suas dimensões ou pela altura a que se situem, não obedeçam aos requisitos legais, mas que, apesar disso, não proporcionem aquelas comodidades, não devem qualificar-se como janelas. Continuam a ser frestas, embora frestas irregulares; a construção e uso de uma abertura que se situa a um metro e oitenta centímetros do sobrado, com 44 cm de largura e 20 cm de altura, não dá origem à constituição de uma servidão de vistas, pois, tratando-se de uma abertura ou fresta irregular, não cabe no âmbito dos casos previstos no citado artigo 1362º, nº 1, do C. Civil; 3.Se o vizinho afectado pelas frestas irregulares não reagir contra o abuso cometido, a situação possessória que delas resulta dará origem, logo que decorra o prazo da usucapião, a uma servidão predial; constituída a servidão, o proprietário vizinho deixa de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei; e o proprietário que abriu as frestas adquire, por seu turno, o direito, que não tinha até esse momento, de manter tais aberturas em condições irregulares; mas da constituição da servidão nenhum outro efeito resulta. Concretamente, o proprietário vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape as frestas.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
M... Soares e P... Soares intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra F... Moreira e mulher G... Ferreira, pedindo a condenação destes a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial; a reconhecerem que sobre o seu prédio se encontra constituída, por usucapião, a favor dos autores, uma servidão de vistas com as características descritas nos artigos 15º a 20º da petição inicial; a respeitarem aquela servidão de vistas, demolindo o telhado do prédio descrito no artigo 12º, repondo-o no estado em que se encontrava antes da obra referida nos artigos 23º e 24º da petição inicial; a fixar-se o prazo de 15 dias para a execução dos trabalhos referidos no pedido anterior.
A fundamentar os seus pedidos, alegam que Autores e Réus são proprietários de prédios que confrontam entre si. Indicam como título de aquisição, a usucapião e o registo; que o prédio dos Réus confronta a sul e poente com o prédio dos Autores; que no alçado norte do prédio dos Autores, ao nível do primeiro andar existe uma janela com as dimensões de 50 cm de largura por 22 cm de altura, mostrando-se constituída a favor do prédio dos Autores uma servidão de vistas, que onera o prédio dos Réus; a referida janela mostra-se construída, há mais de 30 anos e é utilizada pelos Autores, para arejamento e entrada de luz; em 2000, os Réus procederam à realização de obras no seu prédio e elevaram o primeiro andar e o telhado, sem respeitar a distância mínima prevista na lei, prejudicando a entrada de ar e luz, através da janela.
Os réus contestaram, alegando, além do mais, que a referida abertura constitui um mero óculo para entrada de luz e ar, que se situa a 1,80 m do sobrado pelo lado interior do prédio, permitindo que o proprietário confinante possa a todo o momento erguer construção ou muro ainda que vede a abertura; na sequência das obras que realizaram no seu prédio, construíram um saguão com 1m por 60 cm, que continua a garantir a entrada de ar e luz pelo óculo situado no prédio dos Autores.
Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual se considerou que, não se tendo provado os factos que configuram a aquisição do direito de servidão de vistas, não podem os autores ver reconhecido tal direito, nem lhes assiste a faculdade de requerer a demolição da construção executada no prédio dos réus, pois, a abertura existente não cria, nem constitui qualquer limitação para o prédio confinante. Nesta parte, julgou o pedido improcedente. Mas, condenou os réus a reconhecerem os autores como donos do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial.
Inconformada com a referida decisão, a autora P... Soares recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.A sentença não fez uma correcta ponderação do direito aplicável aos factos e situação subjúdice, em duas vertentes/questões fundamentais – a classificação jurídica da abertura de 44 cmx20 cm, base da discussão dos presentes autos e na apreciação e decisão dos factos dados como não provados constantes dos artigos 16º, 19º da petição inicial.
2.No caso em mérito, temos uma abertura com 44 cmsx20 cms, que se situa a 1,80 m do sobrado pelo lado interior que, há mais de 30 anos, os autores utilizam para receber luz e arejar o quarto.
3.A Mmª Juiz a quo não considerou provado que a referida abertura/janela permitia que os autores desfrutassem das vistas que da mesma possam alcançar – artigo 16º da petição inicial.
4.Concluindo no sentido que sobre a referida abertura não é possível que qualquer pessoa se debruce, nem mesmo possibilite a passagem de uma cabeça humana em estado adulta, o que justifica a impossibilidade de desfrute de vistas sobre a mesma abertura.
5.Aquela abertura, ainda que com as dimensões de 44 cmx20 cm e situada a cerca de 1,80 m do sobrado interior, existe há mais de trinta anos, deita directamente para o prédio dos réus e permite a qualquer pessoa alcançar de frente as vistas do exterior, sem necessidade de se debruçar, para além de ser, por seu intermédio, que sempre os autores fizeram o arejamento e a iluminação solar da sua casa de habitação.
6.O desfrute das vistas que aquela abertura ou qualquer outra garante não tem de ser efectuado necessariamente por alguém que se encontre debruçado na mesma, pois, da definição de janela resulta que esta poderá ter somente 15 cm de largura – critério legal – dimensão que, por certo e por si só, nega peremptoriamente a possibilidade de que alguém se debruce na mesma, quanto mais não seja, por falta de apoio.
7.A abertura em causa não pode configurar um óculo de entrada de ar e luz, já que as respectivas dimensões, quer na altura, quer na largura, são superiores a 15 cm, para além de que, no que se refere à sua distância interior ao sobrado ser de cerca de 1,80 m, ao não ser precisada com clareza, poderá ser de 1,7º cm ou qualquer outra dimensão.
8.Assim, e no nosso modesto entender, a não ser classificada como janela pela Mmª Juiz aquo, deveria, no mínimo, ser classificada como uma abertura irregular.
9.E, uma vez decorrido o prazo necessário para se verificar a usucapião, o proprietário de tal abertura que, denominada ou não de vistas, está sujeita ao regime geral das servidões.
10.Em tal caso, os réus não poderiam executar a obra descrita nos autos, impondo-se a observância do disposto no artigo 1362º, nº 2, do C. Civil.
11.Os autores, há mais de 20 anos, utilizam a referida abertura para receber luz e arejar o quarto, de forma pacífica, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e por tal dos próprios réus, por maioria de razão, tal posse deveria, igualmente, ser julgada como pacifica e de boa-fé.
12.Contrariammente, foram dados como não provados os factos constantes do artigo 19º da petição inicial – boa fé e a continuidade da posse – , resultando, salvo melhor opinião, em contradição manifesta na resposta à matéria de facto, dado ter sido igualmente dado que os autores, há mais de 30 anos sempre utilizaram a referida abertura e mostrando-se igualmente satisfeitos, durante aquele período, os demais elementos objectivos da posse.
13.Foi dado como não provado o elemento subjectivo da posse o animus – , pelo facto e em consequência, de não se apurar que os autores tenham utilizado a referida abertura como janela, no sentido de ali se debruçarem, olhando para o prédio vizinho, gozando a paisagem, não resulta a constituição de uma servidão de vistas e, consequentemente, também não se provou o animus ao exercício do direito.
14.Tal facto deveria ter sido considerado provado, uma vez que, embora atípica, tal servidão de vistas foi exercida pelos autores, com a convicção de que exerciam um direito próprio, o qual não pode ser limitado taxativamente à classificação de janela, podendo igualmente abranger aberturas irregulares, o que acarreta a sua atipicidade, mas nunca a sua sonegação.
15.Tal abertura sempre se manteve com as dimensões e localizações mencionadas, permitindo a entrada de ar e luz e as respectivas vistas, pelo que, é de presumir que os autores são titulares do direito de servidão – artigo 1268º, do C. Civil.
16.Assim, estando perante uma presunção legal, nos termos do disposto no artigo 350º, nº 2, do C. Civil, não eram os autores que tinham de provar o animus, mas sim os réus que teriam de provar o contrário para, assim, ilidirem a presunção, o que não sucedeu.
17.Pelo que, desta forma, igualmente deveria ter sido dado como provado o facto alegado no artigo 19º da petição.
18.Entendemos ser possível, no caso em apreço, a constituição por usucapião de uma servidão de vistas, muito embora atípica, nos termos do disposto nos artigos 1260º, nº 1, 1261º, 1262º 1296º, 1547º e 1548, todos do C. Civil.
19.Facto que permitia, igualmente, resposta positiva e integral aos factos constantes do artigo 16º da petição inicial.
Os recorridos apresentaram contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1.Na Conservatória do Registo Predial de Braga mostra-se inscrita a aquisição a partir de 09 de Agosto de 1983, sob o nº 62 971, a favor dos Autores, um prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar, sito no lugar da Estrada, freguesia de Adaúfe, Braga inscrito na matriz sob o art. 703º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 49 383;
2.Por Escritura Pública lavrada no Cartório Notarial de Amares em 5 de Março de 1973 José Gonçalves Leite e mulher declararam vender e os Autores declararam comprar um prédio urbano destinado a habitação, de rés-do-chão com três lojas para arrumos e primeiro andar com seis divisões com a área coberta de 100 m2 e logradouro com a área de 4 800 m2 sito no lugar da Estrada, freguesia de Adaúfe, que confronta do norte com António Vieira da Rocha e com os vendedores, de sul e poente com vendedores e do nascente com caminho, pelo preço de setenta mil escudos;
3.Há mais de 20 e 30 anos que os Autores por si e seus antecessores usam o prédio pagando os encargos fiscais, procedem à execução de obras de conservação, beneficiação e transformação;
4.De forma contínua, sem interrupção, à vista e com o consentimento de toda a gente.
5.Na convicção de agirem como donos do prédio.
6.Na Conservatória do Registo Predial de Braga mostra-se inscrita a aquisição a partir de 01 de Outubro de 1999, sob o nº 890, a favor dos Réus, um prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e logradouro, sito no lugar da Estrada, freguesia de Adaúfe, Braga inscrito na matriz sob o art. 696º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 890.
7.Por Escritura Pública lavrada no Cartório Notarial de Amares em 5 de Março de 1973 José Gonçalves Leite e mulher declararam vender e os Réus declararam comprar um prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e logradouro, sito no lugar da Estrada, freguesia de Adaúfe, Braga.
8.O prédio descrito no artigo 12º confronta directamente pelos seus lados sul e poente com o prédio descrito no art. 1º da petição.
9.A habitação dos Autores é composta por rés-do-chão e um andar, sendo que no 1º andar, no alçado norte e voltada ao prédio dos Réus, existe uma abertura com as dimensões de 44 cm de largura por 20 cm de altura.
10.A qual permite a ventilação de um dos quartos existentes naquele andar e a única entrada de luz ali existente.
11.O que ocorre há mais de 30 anos, de forma pública e pacífica, á vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
12.A habitação dos Réus era composta apenas por rés-do-chão, situando-se o seu telhado no nível imediatamente abaixo da referida abertura.
13.No decurso do ano 2000 os Réus procederam a obras de transformação no seu prédio, alteando todo o alçado Nascente e Poente.
14.Com edificação do telhado a um nível superior ao da mencionada abertura, em 57 cm, criando um saguão com 50 cm de profundidade e largura de 87 cm.
15.O quarto onde se situa a abertura sofreu uma redução na entrada de luz e arejamento.
16.O Réu faleceu sucedendo-lhe a mulher e os filhos.
17.Pela parte exterior a abertura situa-a se cerca de 50 cm abaixo do nível do telhado.
18.A abertura situa-se a cerca de 1,80 m do sobrado pelo lado interior do prédio.
19.A abertura não permite que qualquer pessoa se debruce sobre a mesma abertura, nem mesmo possibilitando a passagem de uma cabeça humana em estado adulto.
20.Os prédios descritos no art. 1º e 12º da petição são e sempre foram contíguos e encostados entre si, situando-se o telhado destes a um nível inferior ao da abertura, mais exactamente ao nível da até inferior desta abertura.
21.A Ré e os restantes herdeiros de F... Moreira realizaram no seu prédio obras de reparação e reconstrução, tendo elevado o seu telhado em poucos centímetros, para o que requereram e lhes foi concedida a licença camarária.
22.Com edificação do telhado a um nível superior ao da mencionada abertura em 57 cm, criando um saguão com 50 cm de profundidade e largura de 87 cm.
23.A abertura tem 44cm de largura por 20 cm de altura, situando-se a 1,80 m do piso, a contar do lado interior do prédio.
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
As questões a decidir são as seguintes: saber se a abertura existente no alçado norte do prédio dos autores se pode considerar uma janela ou, como se decidiu na sentença recorrida, reveste a natureza de um óculo de entrada de ar e luz; e se tal abertura permitiria aos autores adquirir, por usucapião, servidão de vistas sobre o prédio dos réus.
A sentença recorrida considerou que os autores não podiam ver reconhecido o direito de servidão de vistas, pois, pela própria natureza da abertura, a mesma não permite a sua utilização para tal efeito.
O artigo 1543º, do C. Civil, define servidão predial como um encargo imposto num prédio – prédio serviente – em benefício exclusivo de outro prédio – prédio dominante – , pertencente a dono diferente.
O direito de servidão é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades de prédio alheio em benefício do aproveitamento das utilidades do primeiro.
«Quer isto dizer que as utilidades, cujo gozo o direito de servidão propicia, devem ser utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio de outro prédio – o dominante». Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 305.
O conteúdo das servidões pode não ser uma vantagem económica, mas uma mera comodidade, como o próprio exemplo da servidão de vistas.
Entre as limitações ao direito de propriedade, surgem as emergentes de relações de vizinhança, respeitantes a construções e edificações.
Daí que o Código Civil pretendesse regular os aspectos que respeitam à harmonização de interesses em confronto, emergentes da natureza da relação real de vizinhança, contiguidade ou proximidade dos prédios.
A este propósito, nos artigos 1360º a 1364º, do C. Civil, estabelecem-se os seguintes critérios:
O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio – artigo 1360º, nº 1.
A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião – artigo 1362º, nº 1.
Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio, desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras em que a servidão se materializa, o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão das obras – artigo 1362º, nº 2.
Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas – artigo 1363º, nº 1.
As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros.
Da matéria provada resulta que no alçado norte do prédio dos autores existe uma abertura com 44 cm de largura por 20cm de altura. Esta abertura permite a ventilação de um dos quartos, ao nível do primeiro andar, e a única entrada de luz.
Na parte interior do prédio, a abertura situa-se a um metro e oitenta centímetros do sobrado, permitindo só a entrada de luz e ar, de tal forma que não permite que alguém se debruce sobre a mesma, nem possibilita a passagem de uma cabeça humana em estado adulto.
O C. Civil, como resulta dos citados preceitos, estabelece que um proprietário só pode abrir frestas, seteiras ou óculos para luz e ar a distância inferior a metro e meio do prédio vizinho, se tais aberturas não tiverem, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros e ficarem situadas pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado.
Como refere Henrique Mesquita, são juridicamente possíveis, relativamente às aberturas qualificáveis como janelas ou frestas, três categorias distintas: janelas; frestas que não excedam as dimensões legais e situadas à altura fixada na lei (frestas regulares); e frestas com dimensões superiores às legais ou situadas a uma altura inferior à fixada na lei (frestas irregulares). RLJ, nº 128, pág. 149.
E o problema que se suscita é o de saber se a abertura de frestas em condições diferentes das estabelecidas na lei e a sua permanência durante o tempo necessário à usucapião conferem algum direito que os proprietários vizinhos tenham de respeitar, ou se, pelo contrário, poderão estes, quando lhes aprouver, exigir que as frestas sejam modificadas e postas em conformidade com o regime legal, ou levantar qualquer construção que as vede e não permita que a luz e o ar continuem a entrar por elas.
As janelas e as frestas são aberturas feitas nas paredes dos edifícios, mas que se distinguem pelas respectivas dimensões e pelo fim a que se destinam.
As frestas são aberturas estreitas, que têm apenas a função de permitir a entrada de ar e luz.
As janelas, além de serem mais amplas do que as frestas, têm por destinação objectiva e função normal, para além de fornecer luz e assegurar a entrada de ar, a de permitir ver-se através delas, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo.
As frestas que, pelas suas dimensões ou pela altura a que se situem, não obedeçam aos requisitos legais, mas que, apesar disso, não proporcionem estas comodidades, não devem qualificar-se como janelas. Continuam a ser frestas, embora frestas irregulares.
«O proprietário que abra frestas irregulares excede o âmbito dos poderes contidos no seu direito de propriedade e sujeita o vizinho a um encargo que não lhe pode ser imposto unilateralmente.
Ao proprietário vizinho assiste, por conseguinte, o direito de exigir que as frestas sejam modificadas e postas em conformidade com a lei, através, conforme os casos, da redução das respectivas medidas ou da sua colocação a uma altura superior a um metro e oitenta centímetros. Trata-se de um direito compreendido na chamada esfera da soberania negativa – isto é, na soberania que permite a um proprietário fazer cessar as situações materiais que violam o seu domínio, tal como a lei o delimita, designadamente quando regula as relações de vizinhança.
Se o vizinho afectado pelas frestas irregulares, porém, não reagir contra o abuso cometido, a situação possessória que delas resulta dará origem, logo que decorra o prazo da usucapião, a uma servidão predial.
Constituída a servidão, o proprietário vizinho deixa de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei.
E o proprietário que abriu as frestas adquire, por seu turno, o direito, que não tinha até esse momento, de manter tais aberturas em condições irregulares.
Mas da constituição da servidão nenhum outro efeito resulta. Concretamente, o proprietário vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape as frestas, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, não permitindo edificar no metro e meio, medido a partir dos limites do prédio, só é estabelecida pela lei em relação à servidão de vistas regulada no artigo 1362º, em cujo campo de aplicação se não incluem as frestas.
Diremos, em síntese, que o proprietário que abre frestas em desconformidade com a lei fica, após o decurso do prazo da usucapião, exactamente na mesma situação jurídica que resulta da abertura das frestas regulares: o vizinho não pode reagir contra a violação cometida, exigindo que as frestas sejam tapadas ou modificadas; mas mantém o direito de, a todo o tempo, construir no seu prédio, ainda que vede ou inutilize tais aberturas». Henrique Mesquita, ob. cit. Pág. 153.
A abertura em causa situa-se a um metro e oitenta centímetros do sobrado, conforme se refere no ponto 23 da matéria de facto provada, tem 44 cm de largura e 20 cm de altura e, portanto, a sua construção e o seu uso não dão origem à constituição de uma servidão de vistas, pois, tratando-se de uma abertura ou fresta irregular, não cabe no âmbito dos casos previstos no citado artigo 1362º, nº 1, do C. Civil.
As frestas irregulares, como acima se referiu, dão origem, decorrido o prazo da usucapião a uma servidão predial atípica, que confere ao respectivo titular o direito de manter aquelas aberturas em condições irregulares, impedindo o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei, mas não lhe retirando o direito de construir mesmo junto à divisória, ainda que as tape. E, por isso, também a questão levantada de não ter sido dada como provada a matéria do artigo 19º da petição inicial, no caso, é absolutamente irrelevante, dado que, inexistindo servidão de vistas, o eventual preenchimento de todos os requisitos da usucapião nunca faria perder aos réus o direito de construir mesmo junto à linha divisória.
Embora considerando que a abertura em causa não é um mero óculo, mas uma fresta irregular, a sentença recorrida deve manter-se, visto que, não se configura a constituição de uma servidão de vistas, nos termos do citado artigo 1362º, do C. Civil.
Deste modo, e em conclusão, dir-se-á o seguinte: as frestas são aberturas estreitas, que têm apenas a função de permitir a entrada de ar e luz; as janelas, além de serem mais amplas do que as frestas, têm por destinação objectiva e função normal, para além de fornecer luz e assegurar a entrada de ar, a de permitir ver-se através delas, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo; as frestas que, pelas suas dimensões ou pela altura a que se situem, não obedeçam aos requisitos legais, mas que, apesar disso, não proporcionem aquelas comodidades, não devem qualificar-se como janelas. Continuam a ser frestas, embora frestas irregulares; a construção e uso de uma abertura que se situa a um metro e oitenta centímetros do sobrado, com 44 cm de largura e 20 cm de altura, não dá origem à constituição de uma servidão de vistas, pois, tratando-se de uma abertura ou fresta irregular, não cabe no âmbito dos casos previstos no citado artigo 1362º, nº 1, do C. Civil; se o vizinho afectado pelas frestas irregulares não reagir contra o abuso cometido, a situação possessória que delas resulta dará origem, logo que decorra o prazo da usucapião, a uma servidão predial; constituída a servidão, o proprietário vizinho deixa de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei; e o proprietário que abriu as frestas adquire, por seu turno, o direito, que não tinha até esse momento, de manter tais aberturas em condições irregulares; mas da constituição da servidão nenhum outro efeito resulta. Concretamente, o proprietário vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape as frestas.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.