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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
CADUCIDADE
LEVANTAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário
O levantamento da providência cautelar tem lugar, nos termos do nº 4 do artº 389º do CPC, quando se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo. II – É nos autos de procedimento cautelar que deve ser reconhecida e declarada a caducidade da providência e ordenado o seu levantamento, mas isso depende de haver demonstração prévia nesses autos da ocorrência do facto extintivo. III - O procedimento cautelar não é a sede própria para se formar o facto extintivo quando este está dependente de ocorrências que só na acção possessória podem ter lugar e aí sopesadas. III - Só na acção possessória, e não na procedimento cautelar, é que cabe decidir se a caducidade a que se refere o artº 1282º do CC se verifica.
Texto Integral
Acordam em conferência na Relação de Guimarães:
Aoutros requereram oportunamente nos presentes autos de providência cautelar, ao abrigo do artº 393º do CPC, a restituição provisória da posse do leito do caminho de servidão a que aludiram. Invocaram como sustentáculo da sua pretensão a posse emergente do seu direito de servidão de passagem e o esbulho (que qualificaram de violento) por parte dos requeridos B e mulher. O tribunal entendeu que à pretendida defesa provisória da posse cabia o procedimento cautelar comum (artº 395º do CPC), assim seguindo o processo.
A final foi proferida decisão que julgou procedente a providência, determinando que os requeridos repusessem o local no seu estado anterior. O assim decidido foi confirmado por acórdão desta Relação de Guimarães, conforme cópia que o relator mandou juntar aos presentes autos.
Acontece que a fls 283 e sgts vieram os requeridos atravessar requerimento onde, ao abrigo do disposto na alínea e) do nº 1 do artº 387º do CPC, pediram que se declarasse a caducidade da providência decretada. Como fundamento deste pedido alegaram, em síntese, que, conforme indiciariamente provado nos autos, os actos de esbulho ocorreram em Agosto de 2005, mas a acção de que o procedimento cautelar é dependência só foi intentada em 23 de Fevereiro de 2007. Sucede que a acção possessória tinha que ser intentada no prazo de um ano, sob pena de caducidade (artº 1282º do CC), e, portanto, não foi. Como assim, extinguiu-se o direito que se pretendia acautelar, o que determina a declaração de caducidade da providência.
Ouvidos os requerentes da providência, veio a ser proferido despacho a indeferir o pedido de declaração de caducidade da providência.
Inconformados com o assim decidido, agravam os requeridos.
Da sua alegação extraem as seguintes conclusões:
1ª. Propuseram os autores, em consequência de terem sido esbulhados na sua posse, uma acção possessória, à qual este procedimento cautelar foi apenso;
2ª. Tal acção, em bom rigor, deve ser qualificada como acção restitutiva da posse;
3ª. Atendendo ao que resulta do podido e da causa de pedir, apenas essa qualificação será admissível;
4ª. Os autores foram esbulhados na sua posse em finais de Agosto de 2005, como está assente por acordo;
5ª. Refere o artº 1282º do CC que poderia ser proposta a referida acção dentro de um ano subsequente ao facto da turbação ou esbulho;
6ª. Sucede que apenas em 23 de Fevereiro de 2007 é que aquela acção foi proposta, passados 17 meses e 23 dias;
7ª. Tinha, por isso, nessa data caducado o direito dos autores a proporem aquela acção;
8ª. Pese embora ter sido intentado um procedimento cautelar, verifica-se não ser este de molde a impedir a verificação da referida caducidade;
9ª. Verificando-se a caducidade do direito de acção de restituição de posse, por maioria de razão, caducará o procedimento cautelar que é dependente daquela.
10ª. Diz o despacho recorrido que os requerentes deveriam requerer a caducidade do direito de acção intentada pelos recorridos nas alegações do recurso da decisão do procedimento cautelar. Ora, quando foram apresentadas as alegações de recurso (26 de Março de 2007) os recorrentes não tinham conhecimento da acção intentada pelos recorridos, muito menos o seu mandatário;
11ª. “É nos próprios autos do procedimento cautelar que deve ser requerida e declarada a caducidade da providência e ordenado o seu levantamento” – Ac da RP de 14.4.1994;
12ª. O tribunal a quo deveria ter conhecido e considerado procedente a invocação da caducidade . Os agravantes escreveram “nulidade”, por manifesto lapso, que corrigimos. alegada pelos réus.
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A parte contrária não contra-alegou.
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Foi proferida decisão a manter o despacho recorrido . Tal decisão alude a “despachos agravados”. Trata-se por certo de lapso, na medida em que está em causa apenas um único despacho recorrido, o que indeferiu o pedido de declaração de caducidade da providência ordenada..
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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O teor do despacho recorrido é o seguinte (v. fls 301): “Os requeridos vieram, a fls 283 dos autos, pugnar pela declaração de caducidade do procedimento cautelar. Antes de mais, convém salientar que ao proferir decisão nestes autos se esgotou o poder jurisdicional para conhecer desta questão que, na nossa opinião, deveria ser levantada em sede de recurso. Contudo, dir-se-á que se concorda inteiramente com a argumentação dos requerentes expendida no requerimento de fls 298, pelo que se dá por inteiramente reproduzida. Improcede assim a pretensão dos requeridos”.
Os agravantes, na conclusão 10ª, entendem que o despacho recorrido está errado quando afirma que a questão sub judice deveria ser levantada em sede de recurso.
Têm manifesta razão.
Desde logo, o despacho recorrido é algo ininteligível, pois que não explica de que se recurso se trataria. Se acaso se quis aludir ao recurso interposto contra a decisão que decretou a providência, então cabe dizer que tal entendimento é anacrónico. Pois que o que está em causa é um incidente (o incidente de declaração de caducidade da providência decretada) suscitado depois de proferida a decisão que decretou a providência e do recurso que contra ela foi interposto. E, por outro lado, a matéria de tal incidente nada tem a ver com a matéria do recurso que foi interposto contra a decisão que deferiu a providência. O incidente teria que ser suscitado (como foi) nos autos de providência e aí decidido (v. Ac da RP de 14.4.1994, disponível em www.dgsi.pt) antes de ser objecto de qualquer recurso. Portanto, o que atinentemente consta do despacho recorrido carece de sentido.
De igual forma, o assunto nada tem a ver com o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal. Efectivamente, do que se trata não é de reincidir decisoriamente sobre o objecto de decisão já tomada (no caso, a que decretou a providência) – e isto é que seria inadmissível face ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional –, mas sim de, supervenientemente, incidir decisoriamente sobre o incidente de declaração de caducidade da providência, nos termos do artº 389º do CPC. Assunto este que, como acaba de ser dito, teria que ser suscitado nos autos de providência e aí decidido como fosse de lei.
Clarificado este aspecto, cabe então ver se o pedido de declaração de caducidade da providência que foi decretada nestes autos deveria ter sido deferido ou indeferido.
A decisão recorrida entendeu que não podia ser deferido, embora, no plano substantivo, não venha fundamentada, limitando-se a remeter para os fundamentos da oposição dos requerentes da providência . Violando-se assim o artº 158º do CPC. Do que decorre que a decisão seria de ter por nula (artºs 668º, nº 1 b) e 666º, nº 3 do CPC). Não há porém que extrair daqui quaisquer consequências, na medida em que neste recurso não vem suscitada a nulidade da decisão, nem tal é de oficiosa actuação (v. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, pág. 144 e 145)..
Ter-se-á decidido bem ao indeferir o pedido dos requeridos?
Terão estes razão ao quererem ver decretada a caducidade da providência e levantada esta?
É o que passamos a decidir.
Lendo-se o requerimento inicial apresentado pelos ora agravados neste procedimento cautelar, vemos com toda a clareza que estes vieram requerer a restituição provisória da posse, alegando serem titulares de um direito de servidão e terem a posse sobre o objecto desse direito, um caminho. Mais alegaram que se viram esbulhados pelos ora agravados.
O tribunal recorrido entendeu que não cabia ao caso o procedimento cautelar especificado indicado no artº 393º do CPC, mas sim o procedimento cautelar comum, conforme o estabelecido no artº 395º do CPC.
Mas, como é óbvio e está pressuposto nesta última norma legal, do que se tratou sempre foi de defender cautelarmente a posse invocada.
E, a final, o tribunal deferiu a providência solicitada, o que significa que reconheceu a posse dos requerentes e que estes foram esbulhados no seu exercício. Este entendimento resulta até mais explícito no acórdão desta Relação supra aludido, confirmatório da decisão que deferiu a providência.
Entretanto, a acção de que o presente procedimento cautelar é dependência foi proposta em 23 de Fevereiro de 2007. Da leitura da respectiva petição inicial vemos que os aí autores (ora agravados) visam, para além de outros efeitos marginais, que se reconheça que gozam da posse que invocaram neste procedimento cautelar e que aqui lhes foi cautelarmente reconhecida e de que foram esbulhados pelos réus (ora agravantes). Trata-se portanto de uma acção que visa, além do mais, efectivar (rectius, defender) a posse dos autores, mediante a sua restituição (artº 1277º do CC).
Nos termos do artº 1282º do CC, é certo que a acção de restituição da posse caduca se não for intentada dentro de um ano subsequente ao facto do esbulho. E é igualmente certo – neste sentido se tem pronunciado a doutrina e a jurisprudência . v. Ac da RE de 26.10.00, Col Jur, 2000, IV, pág. 270; Ac do STJ de 22.7.82, BMJ 319, pág. 260; Menezes Cordeiro, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3ª ed., pág. 144; Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 2ª ed., pág. 360. – que o procedimento cautelar de restituição provisória de posse, requerido antes da acção tendente à restituição da posse, não impede tal caducidade. É ainda certo que o prazo de caducidade não se interrompe nem se suspende senão nos casos em que a lei o determine (artº 328º do CC), que o prazo começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido (artº 329º do CC) e que, em princípio, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo (artº 331º do CC).
Dir-se-ia então, como fazem os agravantes, que se extinguiu por caducidade o direito acautelado, na medida em que a acção foi proposta para além do prazo de um ano sobre a data do esbulho fixado na lei. E, como assim, que deveria ser declarada a caducidade da providência, nos termos do artº 389º, nº 1 e) do CC.
Mas tratar-se-ia de uma abordagem simplista. Na realidade, esta não seria a maneira juridicamente correcta de ver as coisas.
Justificando:
A caducidade em causa não é de conhecimento oficioso (v. artº 333º do CC).
Portanto, para saber se a caducidade a que alude o artº 1282º do CC procede, não há apenas que verificar se a acção foi proposta para além do prazo de um ano sobre a data do esbulho. É ainda necessário que a caducidade seja invocada pela parte a quem aproveita.
E onde é que se faz essa invocação?
É na contestação – e só nesta – da acção possessória.
Se tal não suceder, não se verifica a caducidade em causa e, como assim, a extinção do direito.
Deste modo, saber se o direito que os ora agravados pretenderam acautelar se extinguiu, é uma questão que está intrinsecamente ligada ao que se passar e decidir na acção possessória, e não podemos sair disto. Não é uma questão que possa ser autonomamente decidida nestes autos de providência cautelar em face da singela demonstração de que a acção foi proposta para além de um ano sobre a data do esbulho. Basta, de resto, pensar no absurdo que seria de aqui se reconhecer que operava a caducidade a que alude o artº 1282º do CC (considerando-se assim extinto o direito acautelado) e na acção principal, se entender diversamente, designadamente pelo facto da acção não ter sido contestada ou de não ter sido invocada a caducidade (o que levaria à subsistência do direito acautelado). Em que ficaríamos então? O direito ter-se-ia extinto ou não?
Esta é a forma que julgamos a juridicamente correcta para abordar a questão sub judice e que, aliás, colhe todo o apoio na letra do nº 4 do artº 389º do CPC. Aí se diz, com efeito, que o levantamento da providência tem lugar quando “se mostre demonstrada nos autos [de procedimento cautelar] a ocorrência do facto extintivo”. Quer dizer, é sem dúvida nos autos de procedimento cautelar que deve ser reconhecida e declarada a caducidade da providência e ordenado o seu levantamento, mas isso depende de haver demonstração prévia nesses autos da ocorrência do facto extintivo. O procedimento cautelar não é a sede própria para se formar o facto extintivo quando este, como aqui sucede, está dependente de ocorrências que só na acção possessória podem ter lugar e aí sopesadas. Ora, no caso vertente essa demonstração está por fazer, justamente porque só na acção possessória é que cabe decidir se a caducidade a que se refere o artº 1282º do CC se verifica. Neste momento, nestes autos de procedimento cautelar, não sabemos, nem podemos saber, se a caducidade da acção foi suscitada e, como assim, se procede.
Portanto, embora por razões jurídicas totalmente divergentes das implícitas no despacho recorrido, entendemos que o recurso não pode ser provido. Pois que sendo embora exacto o que os agravantes dizem nas conclusões 1ª, 2º, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª, não estão correctas as inferências que fazem nas conclusões 7ª, 9ª e 12ª.
** Decisão:
Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao agravo. Regime de Custas:
Os agravantes são condenados nas custas do recurso.
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