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BALDIOS
PROPRIEDADE
ÁREA FLORESTAL
Sumário
- As parcelas de terreno baldio destacadas deste para efeitos de edificação das denominadas casas florestais e respectivo logradouro, não passam a propriedade do estado. - Tais terrenos (parcelas) estão abrangidos na devolução ao uso, fruição e administração dos respectivos compartes a que alude o nº 3 do D.L. 39/76 de 19/1.
Texto Integral
Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
O Estado Português, representado pelo MºPº, intentou a presente acção declarativa sob forma sumária contra Conselho Directivo do Baldio…, representado pelo junta de freguesia…, pedindo a sua condenação a reconhecer que a casa florestal …e o prédio onde aquela se insere…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de… sob o artigo 356 é propriedade do Estado Português.
Alega, em suma, que a Direcção Geral do Património solicitou ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira a inscrição a favor do Estado Português da casa florestal acima referida construída em 1955 num baldio sujeito ao regime florestal. Mas no âmbito do processo de justificação administrativa a Junta de Freguesia … na qualidade de representante do Conselho Directivo do Baldio … veio reclamar a propriedade da parcela de terreno onde está implantada a casa florestal em apreço.
A ré contestou impugnando a matéria alegada pelo autor, designadamente quanto à composição da casa e negou a propriedade do Estado sobre aquela parcela de terreno. Mais reconveio pedindo que:
- Se declare que o universo dos compartes dos baldios da freguesia …, representado pela Junta de Freguesia…, são proprietários comunitários do baldio da freguesia…, em parte do qual foi construída a casa do guarda florestal de Posto de Vigia …;
- Condenar-se o autor Estado Português a reconhecer esse domínio do universo dos compartes dos baldios da freguesia… sobre o baldio…;
- Condenar-se o autor a restituir ao universo dos compartes dos baldios da freguesia…, a faixa de terreno baldio ocupada pela casa do guarda florestal do Posto de Vigia, sem prejuízo do regime decorrente da submissão do baldio em causa ao regime florestal parcial.
Realizado o julgamento o Mmo juiz respondeu à matéria constante da base instrutória e proferiu sentença decidindo nos seguintes termos:
“Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a reconhecer que a casa florestal … (Posto de Vigia) é propriedade do Estado Português, do mais a absolvendo.
Julgo a reconvenção totalmente procedente e:
- Declaro que o universo dos compartes dos baldios da freguesia …, representado pela Junta de Freguesia…, são proprietários comunitários do baldio…, em parte do qual foi construída a casa do guarda florestal de Posto de Vigia, freguesia de …;
- Condenar-se o autor Estado Português a reconhecer esse domínio do universo dos compartes dos baldios da freguesia de … sobre o baldio…;
- Condenar-se o autor a restituir ao universo dos compartes dos baldios da freguesia de…, a faixa de terreno baldio ocupada pela casa do guarda florestal do Posto de Vigia, sem prejuízo do regime decorrente da submissão do baldio em causa ao regime florestal parcial.”
Inconformado com o decidido interpôs o autor recurso de apelação admitido com efeito devolutivo.
Conclusões da apelação:
1. Ao proferir sentença de fls. 132-137, de 18 de Junho de 2007, na qual declarou que o universo dos compartes dos baldios da freguesia de Loivo, representado pela Junta de Freguesia de …, são proprietários comunitários do baldio da freguesia de … constituído pelo denominado Monte …, em parte do qual foi construída a casa do guarda florestal de Posto de Vigia e, em consequência, condenou o Estado Português a reconhecer esse domínio e a restituir àquele universo a faixa de terreno ocupada pela casa do guarda florestal de Posto de Vigia, o Mmo. Juiz a quo violou o preceituado na Base VI da Lei n." 1971, de 15 de Junho de 1938.
2. Do referido preceito decorre que o Estado tornou-se titular de um direito real, sujeito à disciplina do direito público, sobre os baldios submetidos ao regime florestai Pelo que, as casas dos guardas florestais edificadas pelo Estado nesses baldios ficaram afectadas aos fins de interesse e utilidade pública implicados no regime florestal As parcelas de terreno dos mesmos baldios em que foram implantadas as casas de guarda tornaram-se indissociavelmente participantes da destinação pública a que estas foram afectadas, dai que tenham sido exceptuadas da devolução ao uso, fruição e administração dos baldios aos compartes, nos termos do artigo 3. ° do Decreto-Lei n. ° 39/76, de 19 de Janeiro.
3. Assim sendo, o Estado é titular de um direito real sobre o baldio submetido ao regime florestal com características de exclusividade e oponibilidade a terceiros, resultante da afectação da casa florestal aos fins de utilidade e interesse públicos implicados no regime florestal, de que a parcela ao tempo se tornou, por natureza, indissociavelmente participante da destinação pública a que aquela fora afectada.
4. Deste modo, a parcela de terreno em causa nos autos, onde foi construída a Casa Florestal de Posto de Vigia, perdeu a natureza original de baldio, passando a constituir domínio privado do Estado.
Nas contra-alegações a recorrida defende a manutenção do julgado.
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Vêm considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal ““a quo””:
1 - Por ofício datado de 20/05/1997 a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira informou a Direcção Geral do Património que a Casa Florestal de…, moradia A-109, construída em 1955 e implantada num baldio sujeito ao regime florestal, se encontrava devoluta.
2 - A referida Casa Florestal é composta por uma casa de habitação, de pedra, tijolo e cimento, de um pavimento, coberta a telha mourisca, 6 divisões, com área coberta de 100 m2, confrontando de todos os lados com baldio e que tem uma dependência destinada a arrumação.
3 - A Direcção Geral do Património solicitou ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira o registo do imóvel em causa a favor do Estado Português, encontrando-se o mesmo registado como prédio sito no Lugar de …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 356.
4 - No âmbito do processo de justificação administrativa a Junta de Freguesia de …, na qualidade de representante do Conselho Directivo dos Baldios de …, veio reclamar a propriedade da parcela de terreno onde está implantada a Casa Florestal em apreço – cfr. doc. junto a fls. 12 e segs. como doc. n.º 1 da p.i. que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os legais efeitos.
5 - A Administração dos Serviços Florestais de Viana do Castelo foi quem decidiu, por sua iniciativa, inscrever o prédio na matriz no ano de 1988, declarando que o mesmo se encontrava omisso à matriz e que tinha um recinto com 1.600 m2 – cfr. doc. junto a fls. 36 e segs. como doc. n.º 7 da p.i., que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os legais efeitos.
6 - O custo da construção da casa de habitação do guarda florestal referida nos presentes autos foi suportado pelo Estado.
7 - A Casa Florestal em causa tem actualmente o aspecto visível pelas fotografias juntas aos autos a fls. 54 A 68, como doc. 1 a 10 com a p.i., que aqui se dão por reproduzidas e integradas para todos os legais efeitos.
8 - Teor do Termo de Entrega da Casa Florestal junto a fls. 33 e 34 dos autos , como doc. 8 com a p.i., que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os legais efeitos.
9 - A Casa Florestal é composta para além dos elementos referidos em 2) tinha um recinto.
10 - O prédio urbano em causa era a casa do guarda florestal de Loivo, da freguesia de Loivo, e foi construído sobre o baldio da freguesia, num monte que se destinou, essencialmente à produção de mato.
11 - Esse monte tem uma extensão de vários hectares.
12 - Desde há mais de 1, 10, 20, 30, 50 e mais anos que excedem a memória dos vivos, que os moradores da Freguesia de … vêm usando colectivamente os terrenos que compõem esse monte para apascentação de gados e corte de matos e lenhas.
13 - Esse Monte está integrado no perímetro florestal das Serras de Vieira e Monte Crasto, submetidas a regime florestal parcial pelo Decreto de 12.05.1944, publicado no Diário do Governo, n°. 113, II Série, n°. 113, de 17.05.1944.
14 - Os moradores da freguesia aproveitaram os terrenos que integram o citado monte pela forma referida supra, na convicção de que os terrenos estavam afectos a logradouro comum dos moradores da freguesia de …
15 - A esse Monte sempre foi permitido o livre acesso de todos os compartes dos baldios, que, por ser entrecruzado por vários carreiros de passagem a pé e por caminhos que permitem o trânsito de carro, o utilizavam para acederem livremente aos mais diversos lugares da freguesia, inclusivamente com animais, e praticarem nele os mais variados actos de uso e fruição, tais como apascentação de gados, corte de matos e apanha de lenhas.
16 - Actos esses praticados à vista de toda a gente.
17 - E de forma ininterrupta e pacífica e sempre sem oposição de quem quer que fosse.
18 - A casa em causa nos autos foi construída pelo Estado sem autorização dos compartes de baldio e sem qualquer possibilidade de a comunidade local se opor à sua execução, já que o baldio estava sujeito ao regime florestal.
19 - A casa encontra-se devoluta desde 1987.
20 - A limpeza que é feita ao redor da casa, nomeadamente de silvas, matos e codeços, fica a dever-se, exclusivamente, à própria ré que, com os seus próprios meios e, por vezes, com o auxílio da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, desloca para a mesma pessoal e máquinas.
21 - Enquanto foi habitada, eram os serviços florestais que diligenciavam pela limpeza e conservação da casa.
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Conhecendo dos recursos:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A questão colocada prende-se com a propriedade da parcela de terreno onde está implantada a casa florestal referenciada nos autos. O baldio em que antes da construção da casa a referida parcela se inseria, foi submetido ao regime florestal parcial pelo Dec. de 12/5/44, DG nº 113, II s., de 17/5/44.
Está afastada a possibilidade de aquisição da propriedade da parcela por via da usucapião porque não invocada – sempre faltaria o tempo necessário á usucapião (aquisição prescritiva) e a invocação da inversão do animus. Por outro não compete neste processo apreciar a questão de eventual acessão imobiliária porque não faz parte da causa de pedir.
A questão volve-se consequentemente em saber se a parcela utilizada para construção da casa e a destinada a logradouro desta, assim destacada do baldio, comunga do mesmo destino da casa florestal, e se por esse simples facto se integrou no domínio privado do Estado.
A Lei do povoamento florestal, L. nº 1971 de 15/6/38, estipula que os baldios reconhecidos como mais próprios para a cultura florestal do que para qualquer outro, seriam arborizados pelos corpos administrativos ou pelo Estado (base I).
Na Base VI refere-se que os terrenos baldios, depois de submetidos ao regime florestal, entram na posse dos serviços à medida que forem arborizados ou a contar da respectiva notificação.
Os trabalhos construções e outras obras, refere-se, serão executadas pelo Estado se os corpos administrativos não possuírem recursos para isso, nem comparticiparem nas despesas, em conformidade com os projectos definitivos (base VII).
As casas foram construídas de acordo com o projecto, tendo em vista os fins de “utilidade e interesse público implicados no regime florestal” - veja-se a propósito do interesse público o artigo 26 do Decreto Orgânico dos Serviços Agrícolas, de 24 de Dezembro de 1901, in., Colecção Official de Legislação Portuguesa», Anno de 1901, Imprensa Nacional, Lisboa, 1902, págs. 1315/1359, referenciando o «Diário do Governo», n.º 296, de 31 de Dezembro - informação recolhida no parecer 6/99, in www.dgsi.pt/pgrp, parecer nº P000531997 -.
Ora, a área em que as casas foram implantadas, conforme previsto no projecto, não podem senão comungar dos mesmos fins de interesse público a que as casas estavam afectas, não relevando para a presente análise a actual não afectação a tais fins.
Mas tal conclusão nas basta para afirmar a aquisição da propriedade da parcela por parte do Estado. Não se vê qualquer norma que tenha atribuído tal direito ao Estado. E porquê 1600 m2, porque não 500 ou 2000, ou qualquer outro valor?
A construção da casa inseriu-se no projecto como parte de um todo não cindível, tendo em vista o objectivo visado, a arborização do baldio. Necessário se tornava – como necessárias eram as restantes obras previstas na base VIII – providenciar a guarda e vigia das florestas, e consequentemente a construção de casas para habitação e postos de vigia.
A construção das casas teve em vista fornecer aos respectivos guardas habitações dentro da área florestada ou nos limites desta, porquanto a estes competia a vigia de dia e de noite, como conta do artigo 305 do regulamento para a Execução do Regime Florestal, aprovado por decreto de 24/12/1903. Foram esses os fins e não outros.
O Estado ao intervir nos baldios tendo em vista o florestamento, assumiu para si em atenção a tal fim, o ónus de por si proceder às construções necessárias ao florestamento, em que as casas se inserem, como consta da base VII e VIII. Fê-lo contudo sem transferência de propriedade como resulta da base VI, reservando-se tão somente a posse dos terrenos, através dos correspondentes serviços, o que constitui aliás a essência do regime florestal parcial, mantendo-se os terrenos na “titularidade” dos respectivos “donos” – municípios, freguesias, associações, estabelecimentos pios, particulares…-.
O Decreto que submeteu o baldio em causa ao regime florestal parcial não constitui qualquer acto de alienação do direito de propriedade respectivo a favor do Estado, como se refere no ac. RP de 23/3/06, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0630356, citando a primeira instância.
Tanto assim que o § único do artigo 403 do Cód. Adm. garante aos compartes determinados aproveitamentos. As bases IV e XVI da L. 1971 mandam ter em atenção determinados interesses dos povos do concelho ou freguesia a que pertencem os baldios, e as Bases X s XI estabelecem o modo de dividir os rendimentos das matas e florestas, assentando o critério no pressuposto da manutenção do direito de propriedade no originário detentor.
O Estado baseia o seu pedido na Base VI, mas esta não atribui como vimos, qualquer direito de propriedade. No parecer nº 151/78, do Conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, de 30-8-1978, in BMJ, 284º-72, e noparecer 6/99 do mesmo conselho, in www.dgsi.pt/pgrp, parecer nº P000531997, refere-se que a ref. Base atribui em favor do Estado “um direito real sujeito a um regime de direito público, cabendo ao estado, a posse dos imóveis correspondentes a esse direito”. Tal regime de direito público revelar-se-ia em diversos aspectos, conforme o seguinte extracto deste último parecer:
“Em primeiro lugar, a submissão dos baldios ao regime florestal, nos termos da Lei n.º 1971, operava-se por decreto «em que se estabeleciam os poderes do Estado a eles relativos, a participação das autarquias nos rendimentos da exploração e as condições em que os moradores podiam utilizá-los».
Em segundo lugar, «a arborização, a exploração e a conservação corriam por conta do Estado».
Em terceiro lugar, actividades do tipo «corte de arvoredo, a roça de matos, desvios de água e seu aproveitamento, assim como outros trabalhos, dependiam de prévia autorização dos serviços florestais».
Acrescente-se, por último, que, na ressalva e harmonização dos usos, costumes e regalias dos povos com o regime florestal, prevaleciam os interesses públicos gerais da arborização neste regime implicados (cfr. v.g., as Bases IV e V da Lei n.º 1971 e o § único do artigo 403º do Código Administrativo; além das disposições oportunamente recenseadas dos diplomas de princípios do século).
O regime esboçado aponta, pois, no sentido de um direito real do Estado sobre os baldios sujeitos ao regime florestal funcionalmente dotado de grande estabilidade e de vincadas características de exclusividade e oponibilidade a terceiros, cujo conteúdo se aproxima, quando não se identifica, em certos dos seus vectores, com o complexo de poderes e direitos próprios do titular da propriedade.
Determinadas coisas, inclusive, aí existentes, encontram-se inequivocamente no domínio (privado) do Estado; a floresta, plantada pelos serviços florestais…; as construções de várias espécies aí edificadas e custeadas pelos serviços estaduais, com relevo para as casas de guarda, cuja propriedade não suscita na consulta sombra de dúvida de que se encontra na titularidade do Estado….”
E continua-se para sustentar a conclusão de que as parcelas em que as casas florestais foram implantadas foram exceptuadas da devolução a que se reporta o artº 3 do D.L. 39/76:
“ Sucede, ademais, neste caso que o direito real do Estado sobre o baldio, considerado estritamente como objectivado na parcela de terreno em que a casa está implantada, se revela particularmente intenso nos apontados caracteres da exclusividade e da oponibilidade, fruto, assim pensamos, da afectação ou destinação da casa aos fins de utilidade e interesse público implicados no regime florestal, de que a parcela se tornara, por natureza, indissociavelmente partícipe.
…Propende-se por isso mesmo a pensar que essas parcelas não ficaram abrangidas na devolução, ao uso, fruição e administração dos compartes, dos baldios submetidos ao regime florestal, em conformidade com o artigo 3º do Decreto–Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro.
A conclusão resulta até obviamente reforçada na medida em que se possa afirmar a aquisição do domínio das parcelas a favor do Estado pela usucapião hipotizada na consulta.
Tratando-se, na verdade, de um modo incontroverso de constituição do domínio privado do Estado…, a carência dos elementos factuais necessários torna, todavia, neste momento improfícuo o seu estudo...”
Do referido não resulta contudo que o Estado tenha adquirido a propriedade das parcelas.
Por mais próximo que o direito real a que se alude seja do direito de propriedade, é contudo, no âmago central deste – a pertença - dele distinto. O Estado não passa a “dominus soli”. O que o aproxima do direito de propriedade (as referenciadas características de exclusividade e oponibilidade a terceiros) é também o que dele o afasta, pois se trata de um conjunto de características atribuídas à posse a que se refere a base VI, em função exclusiva do interesse público perseguido. E o facto de o referido direito real do Estado sobre o baldio, na parte relativa à parcela de terreno em que a casa está implantada, se revelar “particularmente intenso nos apontados caracteres da exclusividade e da oponibilidade”, não o transforma por magia num direito de propriedade.
Tais características de exclusividade e a revelada intensidade do aludido direito real do Estado sobre elas têm como justificação os fins que visaram. Tais fins, sendo justificação, na falta de norma que lhe atribua a propriedade, constitui destarte também um limite.
A posse que a base VI implica, em função do interesse público associado à florestação, não pode ver-se como “afectação do baldio à utilidade pública”, enquanto forma de aquisição do domínio, pois tal circunstância é contrariado por todo o regime traçado na lei. Por outro, o que se declara de interesse público é o “regime florestal” e não o solo do baldio.
Mas, ainda que se concluísse de tal modo, sempre teria ocorrido desafectação. A propósito o Ac., deste Tribunal, nº 2068/07-2 de 29/11/07, onde se refere:
“ … Sucede que, mesmo que a referida Base VI da L nº 1971 possa conduzir à tal “afectação” enquanto meio administrativo de aquisição da dominialidade pública - o que nem sequer se concede - o facto é que, tal como a administração tem o poder de “afectar”, também tem o poder de “desafectar”.
Diz a respeito da “desafectação”, Marcelo Caetano, obra citada, p 956: “ A dominialidade cessa por virtude do desaparecimento da coisa, ou em consequência do desaparecimento da utilidade pública que as coisas prestavam, ou de surgir um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime”.
Ora, terá sido esta terceira situação – e, se tiver chegado efectivamente a ocorrer, com a referida Base VI, a “afectação” dos baldios sujeitos ao regime florestal, ao domínio público – que terá ocorrido após o 25 de Abril, com o regime decorrente do DL 39/76 de 19/1. Foi óbvio objectivo desse diploma, como resulta do seu preâmbulo, na concretização de “uma intenção repetidas vezes anunciada pelos vários Governos que se têm sucedido depois do 25 de Abril de 1974”, o de entregar os “terrenos baldios às comunidades que deles foram desapossadas pelo Estado fascista”, enquanto “reivindicação antiga e constante dos povos”.
Haverá, pois que atribuir àquele art 3º - repete-se, se tiver havido prévia “afectação” nos termos acima referidos - o carácter de lei que, declarando sem utilidade pública os baldios sujeitos ao regime florestal, procedeu à sua “desafectação singular”…”
O Estado invoca sobre a parcela um direito de propriedade de natureza privada. O direito do Estado não se configura no entanto com as características plasmadas no artigo 1305º do CC. nos termos do qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas - Dominium est jus utendi fruendo et abutendi re sua quatenus juris ratio patitur -, nem em qualquer figura de domínio público, cabendo-lhe apenas a posse e posse limitada aos fins exclusivos para a qual foi concedido conforme L. 1971 e Dec. de 12/5/44.
Repare-se que ao longo do tempo, divergindo-se embora na doutrina e jurisprudência quanto à natureza do “direito de propriedade” alusivo ao baldio, e quanto à sua titularidade, certo é que nunca a propriedade desta foi atribuída ao Estado “central”.
Não curando de ir mais longe quanto às origens dos Baldios, estes foram concedidos aos povoadores para “os haverem por seus ou por seus os coutarem e defenderem em proveito dos pastos e criações e logramento de lenha e madeira para as suas casas e lavouras”, pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas (Vd. informação no parecer 6/99 já referido.
Era-lhes apontada a natureza de propriedade comunal. Tal natureza foi recolhida no Cód. Seabra, que no seu artigo 381 define as coisas comuns (do domínio comum – artº 379), em que os baldios se integram, como as coisas não individualmente apropriadas, das quais apenas é possível tirar proveito guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
Mesmo aqueles que no âmbito deste diploma, propendiam a considerar os baldios como propriedade das autarquias, certo é que nunca defenderam que tal propriedade pertencesse ao Estado “Administração central”.
Com o Cód. Civil de 66, deixando de se prever o “domínio comum”, conquanto alguns continuassem a defender a natureza de propriedade comunal, veio a consolidar-se o entendimento de que os baldios pertenceriam à propriedade das autarquias, o que se altera com a revolução do 25 de Abril – Programa da Reforma Agrária – L. 203-C/75 de 15/4, D.L. 39/76 e finalmente com a Constituição da República de 76 – artigo 89. Nunca a propriedade dos baldios foi atribuída ao Estado Administração Central.
Devolvidos os baldios, cessa a justificação de tal direito real atribuído ao Estado (posse atribuída pela base VI), cessando o mesmo.
Não se vê razão para não se considerar a parcela abrangida na devolução a que o nº 3 do D.L. 39/76 de 19/1, se reporta, pois tal parcela não foi expressamente excluída e não descortinamos outro título que justifique a manutenção da parcela na esfera do estado. A propriedade sobre a casa não autoriza a conclusão da transferência da propriedade do terreno.
O argumento que subjaz àquele entendimento justificaria então, porque similares são as situações, que todo a área do baldio que tivesse sido objecto de construções e mesmo a área arborizada passasse para as mãos do Estado (por virtude da propriedade deste sobre a floresta implantada).
No sentido de que o terreno onde foi construída uma casa florestal não passa a pertencer ao estado o Ac. RP de 23/3/06, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0630356. no entanto em sentido contrário, da mesma relação, o Ac. de 22/2/05, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0426749.
Sendo manifesto não se encontrar a casa actualmente afecta a qualquer interesse público, de molde a justificar a concomitante afectação da parcela, e não se colocando no presente processo qualquer questão de acessão ou usucapião (possível anteriormente ao D.L. 40/76 conforme artigo 388, § un. do Cód. Adm., e já antes admitido pela jurisprudência), cabendo apenas pronúncia quanto à propriedade da parcela e sua devolução, é de reconhecer o direito dos compartes à devolução da parcela, improcedendo a apelação. DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.