ENDOSSO
Sumário

1. Havendo sucessão de endossos num cheque, o sacado tem a obrigação de verificar a sua regularidade, para se certificar da legitimidade formal do respectivo portador. Mas, não tem o dever de verificar as assinaturas dos endossantes. Apresentando-se formalmente regularizado o endosso, o banco não pode deixar de efectuar o pagamento do cheque.
2. O cliente de um banco tem a obrigação, por força do contrato ou convenção de cheque, de acautelar a vigilância da caderneta ou módulos de cheques, evitando que, até ao seu preenchimento e entrega ao beneficiário, eles possam ser objecto de furto, extravio ou falsificação.
3. A autora deveria ter feito uma identificação completa do destinatário do cheque e nunca enviar este por correio simples, correndo os previsíveis riscos de perda ou extravio. Ao ter utilizado o correio simples, dever-se-ia ter acautelado, através da inclusão no cheque da cláusula não à ordem, prevenindo eventuais furtos, extravios ou falsificações – artigo 14º, da
Lei Uniforme. Com uma conduta diferente, a sacadora poderia ter evitado a falsificação do cheque.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


A..., Lda, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra a Caixa Geral de Depósitos, S. A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 2.249,02 euros, acrescida de juros legais, desde 11.11.2002.

A fundamentar alega, em síntese, que a autora é titular da conta nº 00028761030 junta à Ré, aberta em dependência desta em Braga e em 06/11/2002, enviou a S..., S.A., para a sua sede na Rua da Boavista, Porto, um cheque com o nº 0559877165, sacado sobre a sua conta nº 00028761030 da Caixa Geral de Depósitos, da agência de Braga, com data de emissão de 06/11/2002, emitido nominativamente à ordem de S..., S.A, do valor de €2.249,02, cruzado para pagamento das facturas emitida por esta firma.
Em 3 de Março de 2003, a Autora recebeu uma chamada da dita S..., S.A, a solicitar o pagamento das facturas, o que a surpreendeu porque não só tinha enviado o cheque, como o mesmo tinha sido pago pela Ré, no dia 11/11/02.
No referido cheque foi aposto no seu verso, um carimbo com os dizeres “S..., S.A, Lda, a gerência”, sobre o qual foi aposto uma assinatura ilegível, sendo que contactada em 06/03/03 a S..., S.A, com envio da copia do verso do cheque, negou esta utilizar um carimbo idêntico ao aposto no cheque, tanto mais que se trata de uma sociedade anónima e não uma LDA, ter levantado ou recebido o dito cheque e desconhecer a assinatura aposta sobre o carimbo, que não era de qualquer representante legal seu.
Por forma que não foi possível apurar, um indivíduo de nome J... Costa entrou na posse do referido cheque e depositou-o, no dia 11 de Novembro de 2002, para cobrança, na sua conta de que é titular na Caixa Geral de Depósitos, com o nº 0721014519700, e procedeu ao pagamento do cheque.
As condições de movimentação/movimentos, saldos da conta do J... Costa na Ré, situação financeira e profissional, idade, problemas com a sua conta, eram conhecidos da Ré e, antes de proceder ao pagamento do cheque do valor de €2.249,02, o empregado (caixa) da Ré que procedeu ao seu pagamento, fez a consulta dessa conta e dos seus movimentos e saldos e dos demais dados constantes do ficheiro do cliente. Nenhuma razão havia, não era de todo razoável e normal, que um rapaz de 17 anos, com um saldo na conta inferior a €5,00, impedido de usar cheques, desempregado ou identificado como empregado de balcão, surgisse junto a um caixa de uma instituição bancária, para proceder ao imediato levantamento de uma elevada importância, de um cheque nominativo passado à ordem de uma empresa de dimensão nacional, sem que fosse estabelecido qualquer ligação entre aquela empresa e o apresentante do cheque.

Conclui que a ré agiu com culpa, na forma de negligência grave e que a autora procedeu a novo pagamento à S..., S.A, do valor de €2.249,02, estando desapossada do valor correspondente ao cheque pago pela CGD.

A ré contestou, dizendo, em síntese, que desconhecia que o portador do cheque fosse pessoa "pouco recomendável" que tivesse antecedentes designadamente em sede de furto e falsificação de cheques; que a autora omitiu cuidados que qualquer homem médio tomaria, pois, qualquer pessoa mediamente diligente, cuidadosa e apta a gerir convenientemente o seu património, teria enviado o cheque em causa por outro meio que lhe garantisse a segurança na entrega ao destinatário (e assegurasse o direito a indemnização em caso de perda), quer através de correio registado com valor declarado, quer através de uma das muitas empresas de transportes de valores conhecidas no mercado, quer através de transferência bancária ou teria inserido no cheque a expressão "Não à ordem".

Procedeu-se a julgamento e, a final, a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se a ré do pedido formulado pela autora.

Inconformada com esta decisão, a autora recorreu para esta Relação, formulando, em resumo, as seguintes conclusões:
1.A súmula da questão a decidir é saber se a ré é responsável pelo pagamento efectuado a J... Costa, na sequência de falsificação de endosso, pois que, tal quantia saiu da conta da autora e esta teve de pagar a mesma quantia à sua credora.
2.Da factualidade provada, resulta que a acção do réu é ilícita: debitou na conta da autora 2.249,02 euros, titulados por um cheque com um endosso falsificado e não o devia ter feito, atenta a falsidade do endosso no cheque apresentado: existe, pois, a chamada desconformidade entre a conduta devida (não devia descontar um cheque cujo endosso estava falsificado) e o comportamento observado (debitou na conta da autora um cheque com endosso falsificado), ou seja, está aqui perfeitamente desenhada a ilicitude da acção recorrida.
3.A conduta da recorrida, in casu, foi culposa, atenta a factualidade provada e, nos termos do nº 1, do artigo 799º, do C. Civil, impende sobre ela (recorrida) uma presunção de culpa, devendo o banco réu arcar com os prejuízos decorrentes de ter debitado um cheque com endosso falsificado.
4.Nada nos autos permite obter o resultado que o banco recorrido agiu sem culpa e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para irregular pagamento verificado.
5.Outrossim, resulta que a recorrida não agiu com o cuidado a que estava obrigada, ou seja, não usou de toda a diligência que é exigida a uma pessoa normal, tendo como padrão a conduta de uma pessoa normal, tendo como padrão a conduta de uma pessoa “medianamente cuidadosa, atendendo à especialidade das diversas situações”.
6.É absolutamente anormal, fora de toda a cogitação, na perspectiva de um cidadão médio, diligente e comum, que um jovem de 17 anos de idade, nas condições supra referidas, se apresentasse a receber licitamente um cheque emitido por uma sociedade de dimensão nacional e o levantasse directamente à boca do caixa!!!
7.Tal situação não deveria ter passado desapercebido ao caixa do banco.

8.Por outro lado, vem ainda dado como provado que a ré/recorrida nunca informou a recorrente que podia fazer constar do cheque a cláusula «não à ordem», que até à data dos factos em causa nos autos, a ré nunca disponibilizou à autora cheques, contendo a cláusula «não à ordem», apenas lhe fornecendo cheques do tipo «cruzado».
9.Deveres estes que, enquanto entidade bancária e parte que devia estar mais esclarecida, cumpria à ré ter dito à autora, aquando da requisição de cheques.
10.Com efeito, sendo a relação em causa nos autos uma relação contratual, para além da obrigação principal, na prestação da ré incluem-se outros deveres, entre muitos outros, o do aconselhamento no modo de melhor envio de cheques, designadamente, mediante envio por correio registado e com a indicação que a carta tinha valores e, sobretudo, que podiam ou deviam fazer constar dos cheques a cláusula «não à ordem».
11.A sentença recorrida violou e interpretou erradamente o disposto nos artigos 3º, 14º e 35º, da LUCH, 74º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Instituições Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31/12, 798º e 799º, do C. Civil.

A recorrida apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1.A autora dedica-se à actividade de venda e promoção de viagens turísticas – artigo 1º da petição inicial aceite por acordo.
2.A ré é uma instituição financeira bancária – artigo 2º da petição inicial aceite por acordo.
3.A Autora é titular da conta nº 00028761030 junta à Ré, aberta em dependência desta em Braga – artigo 3º da petição inicial aceite por acordo.
4.A autora faz parte de um grupo de facto denominado «Atlas», que tem como sócios maioritários ou únicos António da Cunha Rodrigues Guimarães e esposa, sendo aquele o único gerente de todas as empresas do grupo, que inclui, entre outras, além da Autora, as sociedades «Quinta M..., Empreendimentos Turísticos da C... V..., Lda.» e «Intercar, Aluguer de Automóveis sem condutor, Lda» – artigo 4º da petição inicial aceite por acordo.
5.Este grupo tem os seus serviços administrativos centralizados em Braga, onde é processada a contabilidade de todas as empresas e são passados e enviados os cheques para os diversos pagamentos, incluindo os emitidos pela Autora – artigo 5º da petição inicial aceite por acordo.
6.No dia 06/11/2002, a autora enviou a S..., S.A., para a sua sede na Rua da Boavista, Porto, um cheque com o nº 0559877165, sacado sobre a sua conta nº 00028761030 da Caixa Geral de Depósitos, da agência de Braga, com data de emissão de 06/11/2002, emitido nominativamente à ordem de S..., S.A, do valor de €2.249,02, cruzado, para pagamento das facturas emitida por esta firma com os nºs. 200209843 e 200209921 – artigo 6º da petição inicial aceite por acordo.
7.Tal como se passa com todos os cheques emitidos no grupo «Atlas», o procedimento da emissão deste cheque foi o seguinte: A factura referida foi enviada da contabilidade para o gabinete do gerente, onde foi emitido e assinado o cheque; após essa assinatura, foi reenviado para a contabilidade, para ser feita a carta que capeia o cheque, de que são tiradas duas cópias, ficando uma na contabilidade e outra para o arquivo; finalmente, a carta e o cheque a que estava agrafada, foi colocada no dia 06/11/2002 no cesto do correio, para serem fechados em envelope e entregues no correio – artigo 7º da petição inicial aceite por acordo.
8.O empregado da autora então afecto a esse serviço, R... Rodrigues, meteu em envelope o cheque e carta referidos, que retirou da caixa do correio, nesse dia 06/11, com o fim de o entregar nos CTT, para envio pelos correios da dita carta e cheque – artigo 8º da petição inicial aceite por acordo.
9.Em 3 de Março de 2003, a autora recebeu uma chamada da dita S..., S.A, a solicitar o pagamento das facturas supra aludidas, de €2,322,75, o que a surpreendeu, porque não só tinha enviado o cheque, como o mesmo tinha sido pago pela ré, no dia 11/11/02resposta ao artigo 9º da petição inicial.
10.Como a S..., S.A insistia que não tinha recebido o cheque a autora solicitou à Caixa Geral de Depósitos a cópia do cheque que lhe foi remetida no dia 06/03/02resposta ao artigo 10º da petição inicial.
11.Da cópia enviada, resulta que ao supra referido cheque passado pela autora, foi aposto no seu verso, um carimbo com os dizeres “S..., S.A, Lda, a gerência », sobre o qual foi aposta uma assinatura ilegível – artigo 11º da petição inicial aceite por acordo.
12.Contactada em 06/03/03 a S..., S.A, com envio da copia do verso do cheque, negou esta utilizar um carimbo idêntico ao aposto no cheque, tanto mais que se trata de uma sociedade anónima e não uma Lda, ter levantado ou recebido o dito cheque e desconhecer a assinatura aposta sobre o carimbo, que não era de qualquer representante legal seuresposta ao artigo 12º da petição inicial.
13.Foi aposta no verso do cheque o dito carimbo e assinatura sem conhecimento e contra a vontade da S..., S.A, que não chegou a receber o cheque em causa resposta ao artigo 14º da petição inicial.
14.Por forma que não foi possível apurar, um indivíduo de nome J... Costa, entrou na posse do referido cheque e depositou-o no dia 11 de Novembro de 2002, para cobrança, na sua conta de que é titular na Caixa Geral de Depósitos, com o nº 0721014519700 – artigo 15º da petição inicial aceite por acordo.
15.A Caixa Geral de Depósitos procedeu ao pagamento do cheque – artigo 16º da petição inicial aceite por acordo.
16.Para o efeito, o dito J... Costa dirigiu-se a balcão da Caixa Geral de Depósitos, em Braga e apresentou aquele cheque a pagamento no dia 11/11/02, junto a um empregado da ré do Caixa daquela agência, que foi no mesmo momento pago em numerário, ao dito J... Costa, pelo mesmo empregado da ré, à «boca do caixa», empregado da ré esse que se encontrava no caixa do balcão da agência, ao serviço, mando e por conta da ré – artigo 17º da petição inicial aceite por acordo.
17.J... Costa nasceu em 26/11/1984 – artigo 18º da petição inicial aceite por acordo.
18.J... Costa tinha aberto uma primeira conta na Caixa Geral de Depósitos, de que era único titular, com o nº 0721014519700 – artigo 21º da petição inicial na parte aceite por acordo.
19.Conta essa aberta por ele em Outubro de 2001 – artigo 22º da petição inicial aceite por acordo.

20.Quando a autora contactou os gestores da sua conta, em Braga, da ré e lhes contou o que se havia passado com o dito cheque e que havia sido o dito J... Costa a proceder ao levantamento do valor do cheque, imediatamente reconheceram tal indivíduo como ligado a contas a descoberto e a problemas com emissão de cheques e pagamentos e a cliente de risco – artigo 23º da petição inicial aceite por acordo.
21.À data dos factos, designadamente no dia 11/11/02, o dito J... Costa tinha aquela sua conta no banco réu, perto do valor zero, com apenas € 4,74 a crédito – artigo 24º da petição inicial aceite por acordo.
22.O saldo médio até aquela data dessa conta do dito J... Costa, era de valor próximo do zero ou, pelo menos, não superior a €150,00 – artigo 25º da petição inicial aceite por acordo.
23.Aquela conta do J... Costa tinha poucos movimentos a crédito e nunca com depósitos de valores como o do titulado no cheque em causa – artigo 26º da petição inicial aceite por acordo.
24.Nunca havia até então feito depósitos de valor superior a €350,00, ou movimentos a crédito superiores a esse montante – artigo 27º da petição inicial aceite por acordo.
25.Não possuía depositados no banco réu quaisquer outros valores – artigo 28º da petição inicial aceite por acordo.
26.O grupo a que a sua conta estava afecto, era o da “conta caixa jovem” – artigo 29º da petição inicial aceite por acordo.
27.Quando abriu a conta no banco réu, indicou como profissão empregado de balcão – artigo 30º da petição inicial aceite por acordo.
28.Nas condições de movimentação daquela sua conta, foi estipulado pela ré que não estava autorizado a ter cheques – artigo 31º da petição inicial aceite por acordo.
29.Cerca de duas semanas antes daquele dia 11/11/02, relativamente a cheque do valor de €2.322,75, com o nº 4208326560, cheque esse emitido pela sociedade «Quinta M..., Empreendimentos Turísticos da C... V..., Lda», pertencente ao grupo de facto do qual faz parte a autora, sacado sobre a sua conta no banco réu, passou-se o seguinte: tal cheque era destinado ao pagamento de factura de uma empresa denominado «R...», emitido cruzado e nominativamente à ordem desta e em que, por forma que não foi possível apurar, o mesmo J... Costa, entrou na posse do referido cheque e apresentou-o dia 28 de Outubro de 2002, para cobrança, em balcão na Caixa Geral de Depósitos, na loja do cidadão, em Braga e a ré procedeu ao seu pagamento – artigos 32º, 33º e 34º da petição inicial aceites por acordo.
30.Para o efeito, o dito J... Costa dirigiu-se a balcão da Caixa Geral de Depósitos, em Braga e após manuscrever o seu nome a seguir à indicação do beneficiário, subscrevendo-o de seguida no verso, logrou obter de imediato o seu pagamento pelo caixa do banco que o atendeu – artigo 35º da petição inicial aceite por acordo.
31.A ré, reconhecendo ter pago indevidamente o valor titulado nesse cheque, reembolsou a autora do montante respectivo. – Artigo 36º da petição inicial aceite por acordo.
32.A S..., S.A é uma conhecida operadora turística, de dimensão nacional – artigo 40º da petição inicial aceite por acordo.
33.A autora procedeu a novo pagamento à S..., S.A, do valor de €2.249,02, para pagamento das facturas emitida por esta firma com os nºs. 200209843 e 200209921, encontrando-se desapossada do valor de €2.249,02, correspondente ao cheque pago pela ré com o nº 0559877165 – resposta aos artigos 48º e 49º da petição inicial.
34.No verso do cheque foi aposta o número da conta do beneficiário e a ré por intermédio do seu funcionário pagou o cheque – resposta ao artigo 6º da contestação.
35.Nessa data, não era ainda conhecido o facto referido em 29º e 30º – artigo 11º da contestação aceite por acordo.
36.No cheque referido em 29º) não foi falsificado o endosso, foi falsificada a parte relativa à identificação do beneficiário, onde foi acrescentado, para além do nome que lá constava " R..." simplesmente, o nome da pessoa que acabou por levantar o cheque face à observação macroscópica e visual do cheque essa alteração era, no mínimo, suspeita e por isso a CGD optou por indemnizar a sacadora – resposta aos artigos 13º e 14º da contestação.
37.Os factos referidos em 36º foram do conhecimento da ré após a ocorrência dos factos em causa nos presentes autos – resposta ao artigo 15º da contestação.
38.A autora preencheu o cheque apenas com “S..., S.A” quanto à identidade da beneficiária e remeteu-o por correio simples – resposta ao artigo 17º da contestação.
39.A autora tomou conhecimento do levantamento por J... Costa do cheque da R... referido em 29º) em 19 de Novembro de 2002 – resposta ao artigo 4º do articulado de resposta.
40.Em meados de Novembro de 2002, a autora recebeu uma chamada da R... a solicitar o pagamento duma factura de €2.322,75, o que a autora muito estranhou porque não só tinha enviado o cheque como o mesmo tinha sido levantado no próprio dia, embora debitado à firma no dia 28/10 – resposta ao artigo 6º do articulado de resposta.
41.Como a R... insistia que não tinha recebido o cheque a autora solicitou à ré a cópia do cheque que lhe foi remetida no dia 19/11/2002 – resposta ao artigo 7º do articulado de resposta.
42.A ré nunca informou a autora que podia fazer constar do cheque a clausula “não à ordem” – resposta ao artigo 18º do articulado de resposta.
43.Até à data dos factos em causa a ré nunca disponibilizou à autora cheques contendo a clausula “não à ordem”, apenas lhe fornecendo cheques do tipo “cruzado” – resposta aos artigos 19º e 20º do articulado de resposta.
44.A ré aconselhou a autora a emitir cheques com a cláusula “não à ordem” – resposta ao artigo 22º do articulado de resposta.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
A questão a decidir consiste em saber se a ré, na qualidade de sacada, quando efectuou o pagamento do cheque, na sequência de falsificação do endosso, procedeu com o dever de diligência exigível, face ao disposto nos artigos 19º e 35º, da Lei Uniforme sobre Cheques.
Nos termos do artigo 3º, daquela Lei Uniforme, o cheque é uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro que tenha fundos à ordem do sacador e em harmonia com uma convenção, expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque.
O cheque supõe a existência de fundos, num determinado banco, ao dispor do sacador; a existência de um acordo, pelo qual o banco permite ao cliente dispor dos fundos ao seu alcance, através de cheque; e a existência de um acordo, pelo qual se estabelece que a cobrança do cheque pelo seu possuidor se faça, através de um banco.
Àquela existência de fundos, num determinado banco, ao dispor do sacador, chama-se relação de provisão.
Mas, para além daquela relação, tem de existir o chamado contrato de cheque, ou seja, é necessário que entre o banco e o titular da provisão se celebre um novo acordo, pelo qual o primeiro acede a que o segundo mobilize os fundos, em relação aos quais detém um direito de crédito, por meio de emissão de cheques – citado artigo 3º, da Lei Uniforme.
«Há, na base da emissão de um cheque, duas relações jurídicas distintas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque.
A relação de provisão pode revestir diversas modalidades, desde que tenha por efeito pôr à disposição de alguém certos fundos que se conservam na posse do banco (um depósito, uma abertura de crédito, uma conta corrente, um desconto, etc.); mas não basta essa relação, é ainda necessário que entre o banco e o titular da provisão se celebre um novo acordo pelo qual o primeiro acede a que o segundo mobilize os fundos à sua disposição por meio de emissão de cheques (contrato ou convenção de cheques), convenção esta que pode ser tácita (celebra-se, na prática, mediante a requisição pelo cliente de um ou mais livros de cheques e a entrega destes pelo banco)». F. Correia e A. Caeiro, RDE, 1978, pág. 457.
Dito isto, vejamos, então, se a apelada omitiu algum dever emergente do contrato ou convenção de cheques.
O artigo 74º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, impõe que a recorrida, nas suas relações com os clientes, tem o dever de proceder com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses confiados.
Na sequência da celebração do contrato de cheque, o banco deve pagar os cheques emitidos pelos clientes, quando forem utilizados os impressos próprios e haja provisão. Mas, para além deste dever principal, há outros que aquele também deve cumprir: «O sacado deve, antes de proceder ao pagamento do cheque, tomar algumas precauções, respeitantes umas ao próprio cheque em si, outras à provisão e outras ao portador.
Em relação ao cheque, o sacado deve verificar a sua regularidade, mediante: o exame do impresso e todos os requisitos do cheque; a averiguação da regular sucessão de endossos (não sendo obrigado a verificar a assinatura dos endossantes – artigo 35º, da Lei Uniforme); a conferência da assinatura do sacador, comparando-a com o espécime existente no banco.
Quanto à provisão, o sacado deve verificar a sua existência, através do saldo da respectiva conta bancária.
O sacado deve, pelo menos, em situações em que a segurança o aconselhe, identificar o portador». J... Pires, Direito Bancário, 2º Volume, pág. 333.
O cheque emitido pela sacadora/recorrente podia ser objecto de endosso e, por isso, ser transmitido pela beneficiária a favor de qualquer outra pessoa.
Nos termos do artigo 19º, da Lei Uniforme, o detentor de um cheque endossável é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco.
Por sua vez, o artigo 35º, do mesmo diploma legal, estabelece que «o sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos, mas não a assinatura dos endossantes».
No verso do cheque, foi aposto um carimbo com os dizeres “S..., S.A, Lda, a gerência”, seguido de uma assinatura.
Depositando esse cheque na conta bancária de que era titular, o J... Costa conseguiu receber o valor titulado pelo mesmo.
O funcionário da ré não era obrigado a verificar a autenticidade da assinatura do ou dos endossantes, mas apenas a regularidade dos endossos.
O endosso mostra-se regular: o carimbo com os dizeres “S..., S.A, Lda, e a menção à gerência com uma assinatura, não sendo de exigir ao referido funcionário da ré que duvidasse de tal endosso. Estava em causa um endosso em branco, onde o endossante não fez constar o nome do beneficiário, limitando-se a assinar o cheque, no verso.
A imposição legal decorrente do facto de o cheque ter sido cruzado também foi respeitada pelo mesmo funcionário, dado que só permitiu o seu pagamento a quem era titular de uma conta à ordem na ré e nela procedeu ao seu depósito.
Ora, não podendo ser posto em causa o cumprimento da obrigação de verificação da regularidade do endosso, à apelada não podia exigir-se diferente diligência, pois, «não podia adivinhar que o cheque se tivesse extraviado.
Ainda que se possa admitir a frequência do extravio de cheques, mais facilmente se terá de admitir que o endosso ainda constitui uma operação bem mais frequente». Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.5.2005, in wwwdgsi.pt.
Inexiste, deste modo, culpa por parte da ré/apelada.
O mesmo não se poderá dizer da actuação da autora/apelante.
É que, por vezes, deve entender-se que «o sacador pode ser responsabilizado – v. g., se não acautelou a vigilância da caderneta, se deu origem à falsificação por força de um preenchimento pouco cuidadoso do cheque ou se conhecia a falsificação e não informou o banco.
De acordo com a moderna teoria das esferas, deve, nessas situações, imputar-se o dano ao cliente. A acção ou omissão deste explicam a produção do resultado. Com uma conduta diferente, poderia ter sido evitada a falsificação. E, assim, nestes casos, a tutela da aparência, inerente à circulação dos títulos, funciona a favor do banco já que, em princípio, o cliente (privado ou de negócios) tem aqui uma importante possibilidade de controle. O cliente domina, ou tem possibilidades de dominar, o curso dos acontecimentos e, nessa exacta medida, deve ser responsabilizado». Sofia Sequeira Galvão, Contrato de Cheque, pág. 69 e 70.
Como se vê do ponto 38, da matéria de facto provada, a autora preencheu o cheque apenas com “S..., S.A” quanto à identidade da beneficiária e remeteu-o por correio simples.
O cliente de um banco tem a obrigação, por força do contrato ou convenção de cheque de, como se referiu, acautelar a vigilância da caderneta ou módulos de cheques, evitando que, até ao seu preenchimento e entrega ao beneficiário, eles possam ser objecto de furto, extravio ou falsificação.
De facto, identificar o destinatário apenas como “S..., S.A” facilitou a falsificação de qualquer carimbo e endosso do cheque. A identificação completa do destinatário, por certo, dificultaria tal falsificação.
Portanto, a autora deveria ter feito uma identificação completa do destinatário do cheque e nunca enviar este por correio simples, correndo os previsíveis riscos de perda ou extravio. Ao ter utilizado o correio simples, dever-se-ia ter acautelado, através da inclusão no cheque da cláusula não à ordem, prevenindo eventuais furtos, extravios ou falsificações – artigo 14º, da Lei Uniforme.
Com uma conduta diferente, a sacadora poderia ter evitado a falsificação do cheque.
Nem se invoque o argumento, como faz a autora/apelante, de que a ré/apelada nunca a informou de que podia fazer constar do cheque a cláusula não à ordem, nem lhe disponibilizou cheques, contendo esta, apenas lhe fornecendo cheques do tipo cruzado.
Não incumbia à ré a obrigação de, aquando da celebração da convenção de cheque ou, posteriormente, dar a conhecer à autora aquela possibilidade legal de inclusão no título da referida cláusula não à ordem. Era à autora que competia informar-se, para se salvaguardar da possibilidade de fazer com que o cheque não fosse endossável.
Finalmente, a autora/apelante invoca diversos factos relacionados com a dimensão nacional da “S..., S.A”, a idade do portador J... Costa Rodrigues da Costa, o montante do cheque e os valores dos depósitos que habitualmente eram efectuados na conta daquele.
Como se refere na sentença recorrida, nenhum destes factos seria impeditivo e nem legitimava a ré a não proceder ao pagamento do cheque se o carimbo fosse, efectivamente, da autoria da beneficiária daquele. Pelo que, não se pode concluir dos mesmos e sem mais que, no caso concreto, uma vez verificada a regularidade do endosso, o funcionário da ré não procedesse ao pagamento do cheque.
Por conseguinte, havendo apenas culpa da autora/apelante, está afastada a responsabilidade da ré/apelada pelo pagamento do cheque, na sequência do endosso falsificado, ao J... Costa. À ré apenas lhe competia certificar-se da regularidade do endosso e já não verificar a assinatura (carimbo e assinatura) do endossante, o que se compreende, na medida em que o sacador tem a faculdade legal de se acautelar, através da inclusão da cláusula não à ordem, nos termos do citado artigo 14º, da Lei Uniforme, prevenindo eventuais furtos, extravios ou falsificações.
Deste modo, e em conclusão, dir-se-á o seguinte: havendo sucessão de endossos num cheque, o sacado tem a obrigação de verificar a sua regularidade, para se certificar da legitimidade formal do respectivo portador. Mas, não tem o dever de verificar as assinaturas dos endossantes. Apresentando-se formalmente regularizado o endosso, o banco não pode deixar de efectuar o pagamento do cheque.
O cliente de um banco tem a obrigação, por força do contrato ou convenção de cheque, de acautelar a vigilância da caderneta ou módulos de cheques, evitando que, até ao seu preenchimento e entrega ao beneficiário, eles possam ser objecto de furto, extravio ou falsificação.
A autora deveria ter feito uma identificação completa do destinatário do cheque e nunca enviar este por correio simples, correndo os previsíveis riscos de perda ou extravio. Ao ter utilizado o correio simples, dever-se-ia ter acautelado, através da inclusão no cheque da cláusula não à ordem, prevenindo eventuais furtos, extravios ou falsificações – artigo 14º, da Lei Uniforme. Com uma conduta diferente, a sacadora poderia ter evitado a falsificação do cheque.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.



Guimarães, 24.1.2008