INVENTÁRIO
DÍVIDA DE CÔNJUGES
PAGAMENTO
Sumário

1º- Para que um depósito de dinheiro feito num banco por um cônjuge casado em comunhão de bens possa ser considerado bem próprio dele e, por isso, excluído da relação de bens no inventário é necessário alegar e provar que foi feito com dinheiro dele.

2º- Tratando-se de dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, dentro do regime de comunhão geral de bens, respondem por essas dívidas, apenas e tão só os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.

3º- O inventário não se destina apenas à partilha de bens, mas à liquidação definitiva das responsabilidades dos cônjuges para com terceiros e das responsabilidades entre os próprios cônjuges.

4º- Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens deixados por morte de A... Oliveira, veio a interessada E... Maciel reclamar, a fls. 108, da omissão da relação de bens relativamente ao crédito titulado pela herança, sobre a cabeça de casal, no montante de € 24.771,00, depositado que esteve numa conta titulada pela irmã da cabeça de casal.

Notificada, a cabeça de casal respondeu, a fls. 111, sustentando que do património a partilhar não faz parte qualquer quantia em dinheiro, designadamente no montante de € 24.771,00.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas oferecidas, com gravação dos respectivos depoimentos.

Foi proferido despacho que julgou procedente a reclamação apresentada, determinando o relacionamento da quantia de esc: 4.433.636$00, na posse da cabeça de casal, como activo do património do casal constituído por ela e pelo inventariado.

Inconformada com este despacho, dele interpôs recurso de agravo a cabeça de casal, terminando as sua alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“lª - Da matéria provada no douto despacho recorrido (depósito de quantias em dinheiro, em 1999 e 2000 que, nessa altura, a recorrente tinha consigo), só por si, não resulta a existência dessas à data do óbito do inventariado (19 de Novembro de 2003).
2ª- Ainda que porventura se possa vir a concluir que tal quantia existia à data do óbito de inventariado (o que, como já se disse, não resulta dos factos provados pelo que apenas por cautela se admite), os autos não demonstram que essa quantia se encontra na posse da recorrente.
3ª- O Tribunal a quo deveria ter indeferido a reclamação relativa à falta de relacionamento de dinheiro, como património do casal, na posse da recorrente, por falta de suporte fáctico.
4ª - Caso se entenda o contrário, não existem nos autos elementos suficientes para decidir, com segurança e de forma definitiva, a reclamação apresentada.
5ª- Dos autos não consta certidão de casamento e do douto despacho recorrido nada consta sobre a proveniência do dinheiro em questão, sobre a existência desse dinheiro à data do óbito do inventariado e sobre a posse desse dinheiro pela recorrente, designadamente, a partir de 1999/2000.
6ª- O Tribunal a quo podia e devia ter remetido os interessados para os meios comuns, abstendo-se de decidir, em definitivo, a questão relativa à falta de relacionamento de dinheiro, como património comum do casal, na posse da recorrente.
7ª- O douto despacho recorrido violou o artigo 2031°, do Cód, Civil e o artigo 1350°, do Cód. Proc. Civil”.

A final, pede seja revogado o despacho recorrido.

Não houve contra-alegações.

Foi proferido despacho de sustentação.

Através de requerimento junto a fls. 384 e segs, veio a cabeça de casal, F... Oliveira, requerer a rectificação do despacho determinativo da partilha constante de fls.325 e 326, bem como do subsequente mapa informativo de fls. 370 dos autos, de forma a ser considerado que:
- conforme resulta da acta de conferência de interessados de fls.300 e 301, a cabeça de casal apenas licitou a verba nº6, pelo valor de € 38.000,00 ( e não bens no valor de € 38.132,79);
- ao valor da herança, devem subtrair-se as dívidas da responsabilidade da herança, concretamente as dívidas relacionadas sob as verbas nºs 6 e 7 do passivo, sendo apenas estas que devem ser repartidas por todos os herdeiros, na proporção do seu quinhão na herança (5/8 para a cabeça de casal e 1/8 para cada um dos restantes interessados);
- as dívidas constantes das verbas 1 a 5 do passivo de que a cabeça de casal é credora, devem ser deduzidas apenas e só da meação do inventariado, uma vez que são dívidas da sua inteira responsabilidade, ex vi art. 1692º, al. b) do C. Civil, sob pena de a cabeça de casal ser duplamente prejudicada;
- mesmo a entender-se que a responsabilidade da cabeça de casal é de 5/8 da totalidade do passivo, 5/8 de € 16.908,92 é € 10.568,07 e não €11.412,03;
- à interessada E... Oliveira, foi lançado o valor de € 9725,21, a receber de tornas, sem abater nenhum montante do passivo, sendo, por isso, o seu quinhão de apenas € 7.626,55 ( € 9740,17 - quinhão hereditário e € 2113,61 de 1/8 passivo);
- o interessado J... Oliveira licitou bens no valor de € 15.000,00 e que o seu quinhão é de € 7626,55, este não excede apenas em € 5.359,83, mas sim em € 7473,45.

Foi proferido despacho, a fls. 390, que, entendendo que o passivo da herança tem, na sua totalidade, de ser atribuído a cada um dos interessados na proporção dos respectivos quinhões, considerou estar o mapa da partilha correctamente elaborado e indeferiu o requerido, condenando a cabeça de casal nas custas do incidente.

Inconformada com este despacho, dele interpôs recurso de agravo a cabeça de casal, terminando as sua alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“ 1ª- Salvo o devido respeito por melhor e mais douta opinião, e levando-se em consideração o disposto nos artigos 1688º,1689º,1692º, alínea b) e art. 1696º todos do Código Civil, a partilha deverá operar da seguinte forma:
2ª - Somam-se o valor de todos os bens (dinheiro e imóveis), com os aumentos provenientes das licitações, sendo que o total constitui a herança.
3ª- A esse total subtraem-se as dividas da responsabilidade da herança, concretamente as dividas relacionadas sob as verbas n" 6 e 7 do passivo.(Artigo 1689° C.C.)
4ª.- O resultado divide-se em partes iguais, obtendo-se deste modo a meação do inventariado e da cabeça de casal.
5ª- Mas apenas e só da meação do inventariado se subtraem as dívidas da responsabilidade do inventariado para com a cabeça de casal, concretamente as verbas n" l a 5° do passivo a "ex vi" do disposto nos Artigos 1688°. 1689° n" 2 e 3. 1692° alínea b) todos do Código Civil.
6ª- Só depois de efectuadas essas operações, e deduzidos esses valores à massa da herança, se encontra o remanescente, do qual deverão ser efectuados os demais cálculos, de acordo com os quinhões que a cada um dos interessados cabe na herança do inventariado.
7ª- A cabeça de casal, tem direito a receber, o pagamento de tudo quanto o inventariado não lhe pagou e respeita à prática de crime de violação de alimentos e indemnização.
8ª- São dívidas incomunicáveis, e pelas quais a meação da cabeça de casal não pode responder, sob pena de esta se estar a pagar a si própria, de dívidas que eram da exclusiva responsabilidade do inventariado.
9ª- Ao não respeitar o supra exposto, o douto despacho recorrido violou, o disposto nos Artigos 1688°, 1689° n° 2 e 3, 1692° alínea b), 1696° e 1697° todos do Código Civil e o artigo 1375º do Código de Processo Civil”.

A final, pede seja revogado o despacho recorrido e a sua substituição por outro que contemple a forma a partilha e o pagamento do passivo de acordo com o supra exposto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho de sustentação.

Notificada do mapa de partilha, veio a cabeça de casal, ao abrigo do disposto no art. 1379º do C. P. Civil, reclamar do mesmo, pedindo seja o mesmo rectificado de forma a contemplar o seguinte:
a) Somam-se os valores de todos os bens (dinheiro e imóveis), com os aumentos provenientes das licitações, sendo que o total constitui a herança.
b) A este total subtraem-se primeiro as dívidas da responsabilidade da herança, concretamente as dívidas relacionadas sob as verbas nº 6 e 7 do passivo – art. 1689º C. C.
c) O resultado divide-se em partes iguais, obtendo-se deste modo a meação do inventariado e da cabeça de casal.
d) Mas apenas e só da meação do inventariado se subtraem as dívidas da responsabilidade do inventariado para como cabeça de casal, concretamente as verbas 1 a 5º do passivo a “ex vi” do disposto nos arts. 1688º,1689º, nº2, 1692º, alínea b) todos do Código Civil.
e)- Uma vez que a cabeça de casal tem direito a receber o pagamento de tudo quanto o inventariado não lhe pagou e respeita à prática de crime do violação de alimentos e indemnização.
f) são dívidas incomunicáveis e pelas quais a meação da cabeça de casal não pode responder, sob pena de esta se estar a pagar a si própria.

Foi proferido despacho que indeferiu a referida reclamação com os argumentos contidos no despacho de fls.390.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso de agravo a cabeça de casal, terminando as sua alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1ª- Salvo o devido respeito, por melhor e mais douta opinião, o mapa de partilha deve operar da seguinte forma:
a)- Somam-se o valor de todos os bens (dinheiro e imóveis), com os aumentos provenientes das licitações, sendo que o total constitui a herança;
b)- A esse total subtraem-se as dividas da responsabilidade da herança, concretamente as dividas relacionadas sob as verbas n° 6 e 7 do passivo. (Artigo 1689° C.C.);
c).- O resultado divide-se em partes iguais, obtendo-se deste modo a meação do inventariado e da cabeça de casal;
d)- Mas apenas e só da meação do inventariado se subtraem as dívidas da responsabilidade do inventariado para com a cabeça de casal, concretamente as verbas n ° l a 5° do passivo a "ex vi" do disposto nos Artigos 1688°, 1689° n° 2 e 3,1692° alínea b) todos do Código Civil;
e)- Só depois de efectuadas essas operações, e deduzidos esses valores à massa da herança, se encontra o remanescente, do qual deverão ser efectuados os demais cálculos, de acordo com os quinhões a cada um dos interessados cabe na herança do inventariado.
2ª- A cabeça de casal, tem direito a receber, o pagamento de tudo quanto o inventariado não lhe pagou e respeita à prática de crime de violação de alimentos e indemnização.
3ª- Uma que se trata de dívidas incomunicáveis, e pelas quais a meação da cabeça de casal não pode responder, sob pena de esta se estar a pagar a si própria, de dividas que eram da exclusiva responsabilidade do inventariado.
4ª-Ao não respeitar o supra exposto, o douto despacho recorrido, mais uma vez, violou, o disposto nos Artigos 1688°, 1689° n° 2 e 3, 1692° alínea b), 1696° e 1697° todos do Código Civil e o artigo 1375° do Código de Processo Civil”.

A final, pede seja revogado o despacho recorrido e a sua substituição por outro que contemple a forma a partilha e o pagamento do passivo de acordo com o supra exposto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho de sustentação.

Foi proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa de fls. 407 e segs.

Não se conformando com esta decisão, dela, atempadamente apelou a cabeça de casal, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1ª- O Tribunal "a quo" no despacho de fls. 316 dos autos, além de reconhecer judicialmente a totalidade do passivo, devia ainda ordenar a forma do seu pagamento, a "ex vi" do disposto no nº l do Artigo 1354º do Código Processo Civil.
2ª- O Tribunal "a quo". no despacho determinativo da forma à partilha, omitiu não só o passivo relacionado, bem como a forma do seu pagamento.
3ª- Levando-se em consideração o disposto nos artigos 1688º, 1689º, 1692º, alínea b) e Art. 1696º todos do Código Civil, a partilha deverá operar da seguinte forma:
4ª- Somam-se o valor de todos os bens (dinheiro e imóveis), com os aumentos provenientes das licitações, sendo que o total constitui a herança.
5ª- A esse total subtraem-se as dividas da responsabilidade da herança, concretamente as dívidas relacionadas sob as verbas no 6 e 7 do passivo. (Artigo 1689º C.C.)
6ª- O resultado divide-se em partes iguais, obtendo-se deste modo a meação do inventariado e da cabeça de casal”.
7ª- Mas apenas e só da meação do inventariado se subtraem as dividas da responsabilidade do inventariado para com a cabeça de casal, concretamente as verbas nº.1 e 5º do passivo a "ex vi" do disposto nos Artigos 1688º. 1689º nº 2 e 3, 1692º alínea b) todos do Código Civil.
8ª- Só depois de efectuadas essas operações, e deduzidos esses valores à massa da herança, se encontra o remanescente, do qual deverão ser efectuados os demais cálculos, de acordo com os quinhões a cada um dos interessados cabe na herança do inventariado.
9ª- A cabeça de casal, tem direito a receber, o pagamento de tudo quanto o inventariado não lhe pagou e respeita à prática de crime de violação de alimentos e indemnização.
10ª- São dívidas incomunicáveis, e pelas quais a meação da cabeça de casal não pode responder, sob pena de esta se estar a pagar a si própria, de dividas que eram da exclusiva responsabilidade do inventariado.
11ª- Finalmente, se for considerado procedente o agravo de fls. 291 a flls. 294, aos respectivos cálculos devem ter em atenção a exclusão da verba número 5 do activo.
12ª- Ao não respeitar o supra exposto, o douta sentença recorrida violou, o disposto nos Artigos 1688º. 1689º na 2 e 3, 1692º alínea b), 1696º e 1697º todos do Código Civil e os artigos 1354º, nº l e 1375º do Código de Processo Civil”.
A final, pede seja revogada a sentença recorrida e a sua substituição por outra que contemple a forma à partilha e o pagamento do passivo de acordo com o supra exposto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.
Por outro lado, é consabido que a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição – art. 710º do C. P. Civil.

I- Assim, conhecendo do 1º AGRAVO interposto pela cabeça de casal, diremos que a única questão a decidir traduz-se em saber se a quantia de € 24.771,00 deve, ou não, ser relacionada como activo do património do casal constituído pelo inventariado e pela cabeça de casal.

Sustenta esta que o Tribunal a quo deveria ter indeferido a reclamação relativa à falta de relacionamento de dinheiro, como património do casal.
Isto porque da matéria provada, não se pode concluir que tal quantia existia à data do óbito de inventariado nem que a mesma encontra-se na posse da recorrente.
E porque, mesmo que assim não seja entendido, não existem nos autos elementos suficientes para decidir, com segurança e de forma definitiva, a reclamação apresentada, pelo que o Mmº Juiz a quo devia ter remetido os interessados para os meios comuns, abstendo-se de decidir, em definitivo, tal questão.

Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
Senão vejamos.
Dispõe o art.1349º do C. P. Civil que, quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens e se o cabeça de casal não confessar a existência dos bens cuja falta foi acusada, o juiz decide da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Estipula o art. 1350º, n.º1 do mesmo diploma que “Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº2 do artigo 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns”.
Por sua vez, dispõe o citado art. 1336º, n.º2 que “Só é admissível (...) a remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes”.
E constitui entendimento seguido na nossa jurisprudência o de que “ Em processo de inventário, as questões relativas à relação de bens que demandem outras provas, além da documental, só devem ser objecto de decisão definitiva quando for possível a formulação de um juízo, com elevado grau de certeza, sobre a existência ou inexistência desses bens. Na falta dessa prova, devem os interessados ser remetidos para o processo comum ou deve ser ressalvado o direito às acções complementares” Ac. do STJ, de 11-01-2000, in, Sumários, 37º, pág. 15..
No caso dos autos, resulta das certidões juntas a fls. 4 e 5 dos autos, que o ora inventariado e a cabeça de casal casaram um com o outro no dia 4 de Novembro de 1962, sem convenção antenupcial, e, por isso, segundo o regime de comunhão geral de bens - cfr. art.1098º do C. Civil de 1867 O regime de bens de um casamento é o do tempo da sua celebração. Neste sentido, vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, de 12.11.1996, in, CJ/STJ, ano 1996, tomo III, pág. 88..
De harmonia com o disposto no art. 1732º do C. Civil, no regime de comunhão geral, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.
Por seu turno, o art. 1733º, nº1 exceptua da comunhão os seguintes bens:
“a) Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade;
b) Os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou fideicomissária, (…);
c) O usufruto, o uso ou habitação (…);
d) As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios;
e) os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios;
f) Os vestidos (…);
g) As recordações de família (…).”
Mas, prescreve o art.1734º que “são aplicáveis à comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à comunhão de adquiridos”.
Por isso, pertencem também à categoria dos bens excluídos por lei da comunhão, os bens constantes da alínea c) do art. 1723º do C. Civil, ou sejam, “os bens adquiridos (…) com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”.
A interpretação deste artigo gerou a formação de duas correntes doutrinais e jurisprudenciais.
Para uma, determinado bem só é próprio de um dos cônjuges, se tiver havido menção da proveniência do dinheiro com que foi adquirido no documento de aquisição ou equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges. Se não se verificarem estes requisitos, tal bem não pode ser exceptuado da comunhão, sendo de qualificar como comum Neste sentido, vide, Pires de Lima e Antunes Varela, in,”Código Civil, Anotado”,Vol. IV, 2ª ed.,pág. 425 e Acórdão do STJ, de 25.05.2000,in,CJ/STJ, ano VIII, tomo II,pág.76..
Para outra, seguida entre muitos outros pelo Acórdão do STJ, de 15.05.2001 In,CJ/STJ, Ano IX,tomo II,pág.75 , há que interpretar restritivamente a citada alínea c), aplicando-se a sua disciplina apenas nas relações dos cônjuges com terceiros.
Nas relações entre os cônjuges, não são de exigir as sobreditas formalidades, tendo aquele normativo o valor de mera presunção iuris tantum.
Daí ser consentida, para efeitos de qualificação do bem como próprio de um dos cônjuges, a prova por qualquer meio de que o mesmo foi adquirido com dinheiro ou valores próprios desse cônjuge-adquirente.
É este também o entendimento que perfilhamos na esteira dos ensinamentos de Pereira Coelho In,”Curso de Direito de Família”,1986, págs.488/489. e Castro Mendes In, “Direito de Família”,1990/1991,pág. 170. , segundo os quais a exigência das mencionadas formalidades é manifestação exclusiva de protecção de terceiros, deixando de ter sentido nas relações entre os cônjuges.
Daqui decorre inexistir qualquer obstáculo a que, no âmbito da relação de bens com vista à partilha dos bens comuns do casal, qualquer um dos cônjuges possa demonstrar que determinado bem não é comum, mas próprio dele.
Mas se assim é, cabe, então, de harmonia como disposto no art. 342º, nº1 do C. Civil, ao cônjuge que pretende ver determinado bem excluído da relação de bens, o ónus de alegação e da prova de que aquele bem é próprio dele ou foi adquirido só com dinheiro dele, uma vez que tal alegação e prova reportam-se a factos constitutivos do seu direito de ver considerado determinado bem como bem próprio.
No caso dos autos ficou provado que nos dias 22 de Março de 1999 e 22 de Março de 2000 respectivamente, foram depositados, a pedido da cabeça de casal F... Oliveira, os seguintes valores de que a cabeça de casal tinha consigo: esc.: 4.000.000$00; e esc.: 433.636$00.
Por outro lado, é consabido, que o depósito bancário é uma operação de banco, de natureza passiva, que, nos termos conjugados dos arts 363º, 406º e 407ºdo C. Com. e 1142º do Cód. Civil, constitui um contrato de mútuo ou empréstimo em que o cliente é o mutuante e o banco, o mutuário.
Mercê deste contrato, fica o depositário obrigado a restituir ao depositante o montante que se encontra em depósito.
Sendo assim e porque a cabeça de casal nem sequer alegou (ficando, por isso, impedida de provar, tal como lhe competia nos termos do citado art. 342º,n.º1) que aquele depósito foi constituído com dinheiro exclusivo dela, nem qual o destino que teve o montante depositado, dúvidas não restam que o mesmo, de harmonia com o disposto no citado art. 1732º, não pode deixar de ser considerado como um bem comum, na posse da cabeça de casal.
E nem se diga, como o faz a agravante, que não existem nos autos elementos suficientes para decidir, com segurança e de forma definitiva, a reclamação apresentada, pelo que o Mmº Juiz a quo devia ter remetido os interessados para os meios comuns.
Desde logo, porque não se vê que a matéria de facto subjacente à questão a decidir evidencie grande complexidade justificativa de uma maior indagação no processo comum, tornando inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias dos interessados.
E ainda porque não se pode confundir insuficiência de matéria de facto com a falta de prova positiva sobre determinada factualidade, a qual não pode deixar de ser resolvida contra a parte sobre quem recai o ónus da prova.
Daí nenhuma censura merecer o despacho recorrido ao determinar o relacionamento da quantia de esc: 4.433.636$00 como activo do património comum do casal, na posse da cabeça de casal, o qual será, por isso, de manter.

Improcedem, pois, todas as conclusões da agravante.


II- Conheceremos, porém, em simultâneo dos 2º e 3º AGRAVOS e da APELAÇÃO, posto que a única questão a decidir traduz-se em saber se as dívidas relacionadas sob os nºs1 a 5 do passivo devem ser subtraídas apenas à meação do inventariado.

Dos elementos constantes dos autos, verifica-se que as dívidas relacionada sob as verbas nº1 a 5 do Passivo, correspondem aos montantes em dívida pelo inventariado à cabeça de casal, a título de pensão de alimentos e de indemnização cível, fixada em processo crime .

Relativamente a estas dívidas, defende a cabeça de casal que as mesmas devem ser subtraídas apenas e tão só à meação do inventariado uma vez que se trata de dívidas incomunicáveis, e pelas quais a meação da cabeça de casal não pode responder, sob pena de esta se estar a pagar a si própria, de dívidas que eram da exclusiva responsabilidade do inventariado para com ela.

Entendimento diverso tem o Mmº Juiz a quo, defendendo que, por fazerem parte do passivo da herança, tais dívidas têm de ser pagas por todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões.

Quanto a nós, julgamos estar a razão do lado da cabeça de casal.
É que se é verdade que, de harmonia como disposto no art. 2068º do C. Civil, a herança responde pelo pagamento da dívidas do falecido, também não é menos verdade, estabelecer o art. 1732º do mesmo Código que no regime da comunhão geral de bens, o património comum é constituído pelos bens de ambos os cônjuges.
Daqui decorre, desde logo, que estando em causa dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, dentro do regime de comunhão geral de bens, respondem por essa dívida, apenas e tão só os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.
Ora, o que acontece no caso dos autos é que as dívidas relacionadas sob as verbas nºs 1 a 5, para além de serem da responsabilidade exclusiva do inventariado, nos termos do disposto no art. 1692º, al. b ) do C. Civil, correspondem a créditos que a cabeça de casal tem sobre o inventariado, ou seja, tratam-se de dívidas do inventariado à cabeça de casal.
E sendo assim, inquestionável se torna que, na situação dos autos, não só a meação da cabeça de casal ( cônjuge credor ) nos bens comuns não responde por tais dívidas, como também há que proceder ao seu pagamento pela meação do inventariado ( cônjuge devedor) no património comum, pois que, como é consabido, o inventário não se destina apenas à partilha de bens, mas à liquidação definitiva das responsabilidades dos cônjuges para com terceiros e das responsabilidades entre os próprios cônjuges.
De resto, é isto mesmo que resulta do disposto nos arts.1688º e 1689º, nº3 do C. Civil, os quais estabelecem, para além do mais, que, cessando as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum.
Significa tudo isto que não podem ser mantidos os despachos recorridos nem, nesta parte, o despacho determinativo da forma à partilha proferido pelo Mmº Juiz a quo, o qual deverá ser substituído por outro despacho que tenha em consideração o seguinte:
“O acervo a partilhar é constituído pela totalidade do somatório dos valores dos bens relacionados com o aumento proveniente das licitações.
A esse total subtraem-se as dívidas relacionadas sob as verbas no 6 e 7 do passivo, da responsabilidade da herança.
O resultado obtido, divide-se em partes iguais, obtendo-se deste modo a meação do inventariado e da cabeça de casal.
Ao valor da meação do inventariado subtraem-se as dívidas relacionadas sob as verbas nº 1 a 5 do passivo, que, deste modo, serão pagas à cabeça de casal.
Divide-se o total obtido em quatro partes iguais, sendo uma delas atribuída à cabeça de casal e cada uma das outras três a cada um dos interessados Estela, Manuel F... e José A....
Observar-se-á, quanto aos preenchimentos, as licitações havidas.
O passivo da herança será pago por todos os interessados na proporção dos seus quinhões.

Nesta conformidade, procedem todas as conclusões da agravante e as 1ª a 10ª e 12ª conclusões da apelante, improcedendo a 11ª .


CONCLUSÃO:

De tudo o que se deixou dito pode extrair-se que:

1º- Para que um depósito de dinheiro feito num banco por um cônjuge casado em comunhão de bens possa ser considerado bem próprio dele e, por isso, excluído da relação de bens no inventário é necessário alegar e provar que foi feito com dinheiro dele.

2º- Tratando-se de dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, dentro do regime de comunhão geral de bens, respondem por essas dívidas, apenas e tão só os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.

3º- O inventário não se destina apenas à partilha de bens, mas à liquidação definitiva das responsabilidades dos cônjuges para com terceiros e das responsabilidades entre os próprios cônjuges.

4º- Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum.


DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em:

I- Negar provimento ao 1º agravo interposto, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas a cargo da cabeça de casal, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

II- Conceder provimento aos 2º e 3º agravos interpostos, revogando-se os despachos recorridos.
As custas devidas por cada um destes agravos ficam a cargo da herança .
III- Julgar procedente a apelação, revogando-se parcialmente o despacho determinativo da partilhe e, consequentemente todo o processado subsequente, incluindo a sentença homologatória da partilha, devendo ser proferido novo despacho determinativo da partilha em conformidade com o que se deixou dito.
Custas da apelação a cargo da herança.