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DOAÇÃO
MANDATO
NULIDADE DO CONTRATO
VONTADE DOS CONTRAENTES
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário
I - A doação, como contrato que é, exige o acordo de duas vontades: a do proponente-doador e a do aceitante-donatário; Faltando a primeira não existe doação, se faltar a segunda aquela caducou. II - A aceitação, embora possa ocorrer em momento diferente da proposta, tem que ocorrer em vida do doador. III - O contrato de doação é na essência gratuito. Se o donatário tinha direito para exigir a coisa, já deparamos com uma dação em pagamento ou noutro contrato oneroso. IV - A doação tem carácter pessoal, não permitindo a Lei que um terceiro possa substituir-se à vontade do doador. Um terceiro pode surgir para executar a vontade do doador, previamente determinada. V - A lei só fere uma declaração no caso de falta de consciência e não com a sua diminuição.
Texto Integral
PROCESSO Nº 560/98 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA *
1-
Os Autores "A" intentaram a presente acção contra os Réus "B" e "C" pedindo que se declarem nulas as escrituras de doação, outorgadas, respectivamente, em 15/05/92 e em 1/10/92, aquela no 1º Cartório e esta no 2º Cartório Notarial de ... e se declarem, consequentemente, nulos todos os registos que hajam sido feitos com base nas identificadas escrituras, com o fundamento de que a expressão “a presente procuração é passada no interesse do mandatário que poderá ser o próprio donatário” colide com o carácter pessoal da doação para além de que os mandantes não tiveram consciência da declaração emitida na procuração e, ainda que, por hipótese, tivessem tido consciência da declaração, esta estava em divergência com a sua vontade real.
X
Os Réus foram devidamente citados mas não contestaram.
Nos termos do artº 484º nº2 C.P.C., consideram-se confessados os factos alegados pelos autores.
X
Na douta sentença, decidiu-se julgar parcialmente provada e procedente a presente acção, declarando-se a nulidade da escritura pública de doação outorgada em 1/10/92 no 2º Cartório na totalidade, e a nulidade da escritura pública de doação outorgada no 1º Cartório Notarial de ... no que concerne às doações dos prédios nela identificados sob os números um, dois, três e cinco e ordenado-se, em consequência, o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos sobre os prédios acima mencionados na sequência dos factos enunciados nas ditas escrituras públicas excepto no que se refere ao prédio descrito, na escritura datada de 15/05/92, sob o número quatro ou seja, o prédio rústico, aí identificado, sito na ..., freguesia de ... 1.1.
Não se conformando com a sentença, na parte em que se decidiu que as procurações outorgadas pelos doadores "C" e "D" eram eficazes para produzir efeitos no tocante à doação do prédio denominado “F”, vieram os Autores "A" dela interpor recurso, finalizando as suas doutas alegações com as seguintes conclusões:
1. A expressão a “presente procuração é passada no interesse do mandatário que poderá ser o próprio donatário“ colide com o carácter pessoal da doação contemplado no artº 949º C.C.
2. O mandato conferido, nesses termos, possibilita a nomeação de terceiro como beneficiário da doação pelo que tal mandato é ineficaz para produzir qualquer efeito ainda que não tenha sido utilizado em benefício de terceiro.
3. Os factos provados constantes da douta sentença e os restantes, igualmente provados e que nela não foram enumerados, demonstram que os declarantes não tinham consciência da declaração contida nas procurações que lhes são atribuídas.
4. A doação do prédio denominado “F”... é nula por serem ineficazes as procurações utilizadas para a sua feitura.
5. A douta sentença recorrida não atendeu ao disposto nos arts. 949º, 246º e 261º todos do Código Civil. 1.2.
Os apelados não contra - alegaram.
2.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2.1.
Pretende os recorrentes "A" que a sentença seja revogada na parte recorrida, decidindo-se a nulidade da doação também no que respeita ao prédio “F”.
Na verdade, por se haver entendido, por um lado, que, nas aludidas procurações, fora devidamente identificada a pessoa do donatário e determinado o objecto da doação, no que concerne ao aludido prédio rústico, e por outro, que os doadores haviam entendido o alcance da sua declaração, decidiu-se que as procurações outorgadas pelos doadores "C" e "D" eram eficazes para produzir efeitos no tocante à doação do prédio denominado “F”.
E os recorrentes discordam dessa decisão porque, persistindo na defesa da tese constante da petição inicial consideram que:
a) A expressão “a presente procuração é passada no interesse do mandatário que poderá ser o próprio donatário” colide com o carácter pessoal da doação (art. 949 Cod Civil) e torna a doação nula.
b) Os mandantes não tiveram consciência da declaração emitida na procuração, o que de igual modo, conduzirá à nulidade da doação.
c) Ainda que, por hipótese, tivessem tido consciência da declaração, esta estava em divergência com a sua vontade real.
As questões que importa dilucidar, sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões retiradas da motivação, consistem pois em saber se o mandato conferido, nos termos referidos, colidirá com o carácter pessoal da doação e, por outro lado, se os factos provados constantes da sentença e os restantes, igualmente provados e que nela não foram enunciados, permitirão concluir que os declarantes não tinham consciência da declaração contida nas procurações que lhe são atribuídas.
Esta segunda questão será decidida se, e apenas, a primeira improceder.
De qualquer modo e desde já, alerta-nos a questão de haverem factos provados, atento o disposto no artº 484º nº 2 C.P.C., que não foram enumerados na sentença e que serão relevantes para a decisão a proferir quanto à eventual procedência desta questão, consubstanciada na 3ª conclusão.
Assim, atendendo às disposições conjugadas dos arts. 484º nº1 e 712º nº1 C.P.C., consideram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 26/03/92, compareceu no 1º Cartório Notarial de ..., o ora 2º réu "C", e por ele foi dito que constituía seu bastante procurador o filho "B", o ora 1º Réu.
2. No dia 11/03/92, havia já comparecido, nesse mesmo Cartório, "D", esposa do 2º Réu "C", declarando constituir seu bastante procurador o filho "B", ora 1º Réu.
3. Estas duas procurações estão arquivadas no mesmo Cartório Notarial como documentos ns. 43 e 34 do ano de ..., no livro nº ... de registos de instrumento avulsos e de outros documentos que os interessados pretendem arquivar.
4. A procuração classificada como documento nº 43 tem a seguinte redacção: "C" /.../” constitui seu bastante procurador seu filho "B" /.../” ao qual concede os necessários poderes para proceder a quaisquer doações puras, condicionais ou onerosas, com ou sem encargos de quinhões hereditários, de quaisquer bens imóveis, nomeadamente de um prédio rústico, sito na freguesia de ..., concelho de ..., denominado “F”, inscrito na matriz rústica da freguesia de ... sob o artigo ... /.../ e mais se refere que “ a procuração é passada no interesse do mandatário que poderá ser o próprio donatário” /../” e consequentemente irrevogável e sem caducidade por morte do mandante”...
5. A procuração classificada como documento 34 cujo mandante é "D" esposa do mandante "C", acima referido, tem a mesma redacção nos pontos com interesse para a decisão da causa.
6. Em 15/05/92, na Secretaria Notarial do 1º Cartório .... foi lavrada a escritura de doação constante de fls. 130 do Livro ..., nela intervindo apenas o 1º Réu, "B" o qual outorgou por si, como donatário, e em representação dos doadores seus pais, "C" e "D".
7. Em nome dos seus representados "C" e "D", o 1º Réu "B" fez doação a si mesmo, por conta da quota disponível, dos seguintes bens: 1º - Prédio urbano, composto de casa de habitação, arrecadação e quintal, sito em ..., freguesia de ... - ..., descrito na C.R.P. (Conservatória do Registo Predial), sob o nº 32130 do Livro B-81 e inscrito na matriz urbana sob o nº 479. 2º- Metade de um prédio urbano, composto de casa de habitação e quintal, sito em ...., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desta cidade sob o nº 10103 do Livro B 26 e inscrito na matriz urbana sob o artº 480. 3º- Prédio rústico, composto de cultura arvense, figueiras, vinha, oliveiras, e outras árvores, sito na ..., na freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 33 993 do livro B 86 e inscrito na matriz sob o art 1º da secção BG. 4º - Prédio rústico, composto de cultura arvense, oliveiras, vinha e outras árvores, sito no ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o artº 33796 do livro B-5 e inscrito na matriz cadastral sob o artº 2 da secção AM (que tem vindo a ser referenciado como “F”) . 5º- Prédio rústico, composto de cultura arvense, sito em ... freguesia ..., omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz cadastral sob o artº 18 da secção S.
8. Estes bens doados correspondiam à totalidade dos bens imóveis do património dos doadores "C" e "D".
9. A doadora "D" faleceu em 6/10/92 e são seus sucessores o 1º autor (filho) "A" e os 1º réu (filho) "B" 2 º réu (marido) "C".
10. No dia 27/02/92, a mandante "D" sofrera um acidente vascular cerebral, tendo sido levada ao Hospital Distrital de ... para observação, após o que regressou à sua casa, em ...
11. Em 4/03/92, sofreu novo acidente vascular cerebral.
12. Esteve vários dias internada no Hospital Distrital de ..., após o que regressou a casa, levada pelo 1º Réu "B".
13. Ficou hemiplégica, com perturbações a nível da fala.
14. Essas perturbações foram-se agravando progressivamente até ter deixado completamente de falar.
15. A partir do acidente sofrido, em 4/03/92, não mais deixou o leito, não se alimentava sozinha e sofria de incontinência urinária.
16. Desde há alguns anos que sofria de arteriosclerose, com vertigens e lapsos de memória.
17. A "D" nunca soube ler nem escrever.
18. Não via televisão nem ouvia rádio.
19. A falecida mantivera sempre bom relacionamento com o Autor "A" por quem nutria grande estima.
20. Sempre fizera saber aos que a rodeavam que jamais prejudicaria o filho "A".
21. Em consequência dos acidentes a capacidade intelectual da falecida "D" ficou fortemente diminuída manifestando confusão e desorientação no tempo e no espaço.
22. “O mandante” "C" nunca soube ler nem escrever.
23. Sempre trabalhou no campo, não via televisão nem ouvia rádio.
24. Não convivia com outras pessoas, mantendo-se em grande isolamento.
25. A "D" faleceu, no dia 6/10/92 com 83 anos de idade e o mandante "C" tinha à data da outorga da procuração 85 anos . 2.2.
Delimitado o recurso pelas conclusões extraídas das respectivas alegações, a primeira questão a decidir prende-se com a interpretação a dar à aludida expressão “a presente procuração é passada no interesse do mandatário que poderá ser o próprio donatário”, procurando determinar-se se terá havido, in casu, violação do carácter pessoal da doação.
Vejamos:
Em 15/05/92, foi lavrada a escritura da doação do prédio rústico, denominado “F”, sendo doadores "C" e "D" e donatário "B". Nessa escritura, interveio, apenas, o 1º Réu, "B" o qual outorgou por si, como donatário e em representação dos doadores seus pais "C" e "D"(doc. fls. 16 a 20).
A qualidade de procurador do 1º Réu "B" adveio-lhe das duas procurações juntas aos autos (fls 22/23 e 25/26), pelas quais os referidos doadores, "C" e "D" ora constituintes, lhe haviam concedido os necessários poderes para proceder a quaisquer doações puras condicionais ou onerosas/.../, nomeadamente do mencionado prédio rústico “F”.
Sendo a doação o contrato pelo qual uma pessoa por espírito de liberalidade e à custa do seu património dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação em benefício do outro contraente (art 940º nº1 C.C) exige, como contrato que é, o concurso e acordo de duas vontades: a do proponente-doador - e a do aceitante-donatário. Se não houver proposta não há doação se não houver aceitação a proposta caduca (artº 945º C.C.).
Assim, para que se conclua o processo constitutivo do contrato de doação, torna-se necessária a aceitação do donatário, pois o acordo de vontades é sempre elemento essencial da formação de qualquer contrato (art.232º C.C)
“A aceitação deve ter lugar, sob pena de caducidade da proposta, durante a vida do doador, não sendo necessário, porém, que ocorra no mesmo momento em que é feita a declaração do doador “ ( Vide A. Varela in R.L.J. 103,89).
“É da essência da doação ser gratuita, pois se o donatário tinha direito para pedir a coisa doada, ou o seu equivalente então degenera em dação de pagamento ou em outra espécie de contrato oneroso (Coelho da Rocha, citado por Albano Cunha e Abranches Serrão, Manual das Doações, I,31).
Sendo contrato gratuito, dele só nascem, em principio, obrigações para uma das partes. Assim só o doador fica obrigado a entregar a coisa doada, não havendo prestação correlativa do donatário.
A doação tem, na verdade, como móvel primário e essencial o espírito de liberalidade do doador, ideia que implica a generosidade ou espontaneidade, oposta à necessidade ou de dever (vide Pires de Lima e António Varela, Código Civil Anotado, Vol II, 4ª edição, p.p 239e ss).
O doador dá para beneficiar o donatário, num acto expontâneo, isto é, não determinado por uma obrigação jurídica anterior (vide Vaz Serra, B.M.J. 76.86)
É o animus donandi, o intuito de fazer uma liberalidade, enriquecendo o donatário por vontade do doador, que verdadeiramente caracteriza o contrato, o que é ou se presume sempre feito espontaneamente, sem nenhuma obrigação, nullo jure cogente, e só com o fim de locupletar o donatário (vide A. Varela, Noções Fundamentais de Dtº civil, Vol.I. pg. 448, edição 1954).
Tudo isto faz compreender o carácter pessoal da doação não permitido, por isso, a Lei que a vontade de terceiro possa substituir a vontade do doador, embora se admita que a vontade de terceiro possa completar ou executar a vontade do doador, encontrando-se esta já determinada nos seus aspectos fundamentais (vide Pires de Lima e A. Varela, Cod. Civil Anotado 2º vol., p 252 ,4ª ed.). Assim resulta que o doador haja de designar a pessoa do donatário ou indicar as pessoas de entre as quais há - de ser escolhido o donatário (art. 949º e 2182º nº 2 al. b) C.C.).
Não esqueçamos, porém, que a aceitação da doação pode ocorrer em momento posterior àquele em que é feita a declaração do doador.
Como ficou provado, "C" e "D" eram pais do 1º Réu "B" e do Autor "A".
Parece ser inquestionável que ao outorgarem as aludidas procurações, pretendiam, além do mais, fazer a doação do prédio denominado “F”.
Atribuíram ao filho "B", voluntariamente, poderes representativos e naturalmente que explicaram ao ajudante do notário qual seria o beneficiário daquela liberalidade .
Será em função desta manifestação de vontade que o ajudante de notário redige a procuração .
Admitamos que os doadores referiam ser sua vontade que o donatário fosse o filho "B", igualmente seu representante. Nesse caso, o notário perspectivava, desde logo, que o ora 1º réu "B" iria celebrar um contrato consigo mesmo, importando, por isso, que os representados consentissem especificadamente na celebração.
É, neste contexto, que nasce a aludida expressão, redigida pelo ajudante de notário, mas que traduz, de modo mais ou menos perfeito, a vontade expressa pelos constituintes do seu procurador.
Assim aquelas procurações eram também conferidas no interesse do procurador e, por isso, não podiam ser revogadas, sem acordo deste (interessado). Por outro lado, porque a pessoa a quem os doadores confiavam a realização do acto era aquela a quem pretendiam beneficiar e porque a aceitação da proposta de doação não tem de coincidir cronologicamente, com esta, referiu-se nas procurações que “ o mandatário poderá ser o próprio donatário”, o que equivale a dizer ”o mandatário será o donatário, se aceitar”.
Trata-se de uma procuração in rem suam. O procurador realiza um negócio alheio, pratica-o em nome alheio e no interesse próprio.
A procuração assegura a possibilidade de o negócio produzir os seus efeitos na esfera dos verdadeiros interessados e portanto aceitação da outra parte a realizar o acto com o procurador. Simplesmente à procuração acresce um outro negócio que permite ao procurador fazer seu o resultado prático do acto representativo (vide Pessoa Jorge, o Mandato sem Procuração, p. 248/249).
A citada expressão é um reflexo dos cuidados que o ajudante de notário pretendeu tomar, pois por força da qualidade de procurador dos doadores ou melhor, dos promitentes doadores, e por ser também a pessoa a quem aqueles queriam beneficiar com a liberalidade, o aludido "B" ir-se-ia apresentar a celebrar o contrato consigo mesmo.
Por isso que, para obviar à proibição do negócio consigo mesmo, se explicitou o consentimento dos representados - consentimento que tinha de especificar o negócio a realizar, mencionando-se expressamente o artº 261º nº1 C .C., nessas procurações, imediatamente à seguir às mencionadas expressões.
Estando os constituintes a proceder a uma disposição gratuita daquela sua propriedade, por espírito de liberalidade e merecendo-lhes aquele filho a confiança para a realização do acto, isso corrobora o entendimento perfilhando, na sentença, no sentido de que os mandantes quiseram inequivocamente designar o donatário (vide arts. 236 nº 1 e 238 nº 1 C.C.).
Aliás, se a "D" sempre fizera saber aos que a rodeavam que jamais prejudicaria o filho "A" em detrimento do filho "B", é porque as pessoas que consigo conviviam suspeitavam que houvesse qualquer inclinação ou tendência a favor do ora Réu "B", não se colocando a questão de um terceiro, estranho aos filhos, a merecer tal liberalidade.
Daí que não faça sentido, salvo o devido respeito, pretender interpretar aquela declaração no sentido de a mesma possibilitar ao mandatário, filho dos mandantes, a escolha de um donatário qualquer para receber aquela doação pura.
Poder-se-á criticar a perfeição da redacção, no entanto, sendo o sentido decisivo da declaração negocial aquele que seria apreendido por um declamatório normal ou seja, medianamente instruído e diligente, em face do comportamento do declarante, outra conclusão se não podia retirar diferente daquela que, na sentença, se retirou.
Concluindo:
A Procuração em causa não está redigida de modo a possibilitar a nomeação pelo procurador de um terceiro como beneficiário da doação mas, pelo contrário, evidência que a vontade dos doadores se manifesta no sentido de atribuírem ao filho "B" os poderes de os representarem na prática do acto jurídico a que as mesmas se referem e bem ainda de pretenderem que este faça seu o resultado prático do acto representativo, enquanto donatário. 2.2.2.
Têm capacidade para fazer doações todos os que podem contratar e dispor dos seus bens (art. 948º nº1 C.C..), ou seja, podem doar todos aqueles que tenham capacidade geral de exercício ao tempo da declaração negocial (art. 948º nº2 C.C.).
Deste modo, se atingidos por uma incapacidade natural acidental - não entendimento, por qualquer causa, do sentido da declaração negocial ou falta do livre exercício da vontade - a doação não é provida de eficácia.
É por isso que os apelantes sustentam que as declarações, contidas nas procurações emitidas, em particular no que toca à declarante "D" são desprovidas de eficácia, porque não houve consciência dessas declarações.
Cremos não assistir, nesta parte, razão aos apelantes.
É certo que no dia 27/02/92, a mandante "D" sofrera um acidente vascular cerebral, tendo sido levada por via disso ao Hospital de ... para observação, após o que regressou a sua casa.
Ficou também provado que, desde há alguns anos, sofria de arteriosclerose, com vertigens e lapsos. Nunca soube ler nem escrever, não via televisão, nem ouvia rádio.
Em 4/03/92, sofreu um novo acidente vascular cerebral, ficando, agora, internada, no hospital, durante vários dias, após o que regressou a casa.
Ficou hemiplégica, com perturbações a nível da fala, que se foram agravando progressivamente até ter deixado completamente de falar.
A partir deste último acidente vascular, não mais deixou o leito, não se alimentava e sofria de incontinência urinária.
Em consequência destes acidentes, a capacidade intelectual da "D" ficou fortemente diminuída, manifestando confusão e desorientação no tempo e no espaço, até que veio a falecer, no dia 6/10/92.
A procuração foi lavrada, no dia 11/03/92, em sua casa, perante o ajudante de notário.
Daqui resulta que, depois de estar internada, na pior das hipóteses, uma semana regressou a casa, havendo manifestado a vontade de emitir aquela declaração. Assim, porque impossibilitada de se deslocar ao cartório compareceu o ajudante notário em sua casa.
Se é certo que o seu estado de saúde se foi degradando após os acidentes vasculares cerebrais nada nem ninguém nos diz se, em 4/03/92, ela se encontrava já sem consciência da declaração que emitia.
Pelo contrário, garante-nos o Autor que, à data em que, interpelada por terceiros, afirmava que jamais prejudicaria um filho em benefício do outro, estava lúcida.
Ora a lei só recusa à declaração qualquer efeito, não no caso da diminuição, mas, tão só, no caso da falta de consciência.
Reconhece-se que quer a "D" quer o marido, "C" tal como a generalidade dos cidadãos deste País, teriam dificuldade em esclarecer, perante terceiros, o significado e o alcance dos vocábulos utilizados, na procuração. Acresce que tinham idade avançada, eram analfabetos e não ouviam rádio nem viam televisão.
Todavia esses factos não permitem inferir que os outorgantes não soubessem que, com aquele acto, constituíam o filho "B", seu procurador e lhe davam poderes para proceder à doação do prédio “F” a si próprio.
As procurações valem desde datas bem anteriores ao aparecimento da rádio e da televisão, sendo utilizadas por pessoas de diferentes idades e com vários graus de cultura. 2.2.3.
Embora os apelantes não o refiram expressamente, dão a entender que se as declarações surgem contra a corrente de pensamento e de vontade dos declarantes, terão sido os mandantes coagidos a fazê-lo, ou seja, a emiti-las.
Ora a lei, no caso de coacção física, também recusa à deliberação qualquer efeito (artº 246º C.C.).
Sucede, porém, que os casos de coacção física são de difícil verificação, tanto assim que, in casu, nem sequer foram alegados factos cuja prova permitisse retirar tal ilação.
Improcedem assim as conclusões dos apelantes.
3.
Termos em que, julgando improcedente a apelação, se confirma a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.