INVENTÁRIO
LEGITIMIDADE ACTIVA
Sumário


I - Só os co-herdeiros e o cônjuge meeiro têm interesse directo na partilha.
II - Não é directamente interessado numa partilha, aquele que estiver casado, sob o regime de comunhão de bens, com uma filha do autor da herança e, consequentemente, não tem legitimidade para requerer o respectivo inventário facultativo.

Texto Integral

PROCESSO Nº 798/98
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1 - Alegando não ter conseguido que se procedesse a partilha extra-judicial das heranças abertas por óbito de seus sogros "B" e marido "C" e arrogando-se de interessado direito por ser casado com uma filha daqueles, sob o regime de comunhão geral de bens, veio "A" requerer a partilha judicial dessas heranças.
Admitido o inventário e prestadas declarações pelo cabeça de casal, veio "D" impugnar a legitimidade do requerente deste inventário, por não se poder considerar interessado directo e pediu que se declarasse extinta a instância, pois nenhum dos herdeiros dos autores das heranças se encontram interessados na partilha.
Cumpridas as pertinentes diligências, foi proferido despacho, considerando-se que o requerente do inventário, embora cônjuge de um dos herdeiros e casado sob o regime de comunhão geral de bens, não é directamente interessado na partilha e, por isso, não tem legitimidade para requerer inventário facultativo.
Assim foi julgado procedente o incidente de impugnação da legitimidade, ordenado-se o arquivamento dos autos.
1.1.
Inconformado com esta decisão, veio dela interpor recurso o requerente "A", finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- A Exmª Juiz veio dar razão à interessada "D", esposa do requerente, por entender que o ora requerente não tem legitimidade para intentar a acção de inventário facultativo, aferindo a legitimidade do recorrente face ao art. 2101º C.C. e ainda por o mesmo só passar a ser titular de um direito indivisível após a partilha.
2 - No entanto, o recorrente tem legitimidade para intentar a acção de inventário facultativo porque é interessado directo na partilha, apesar de não ser herdeiro, dado tratar-se de dois conceitos completamente distintos e o legislador ter preferido o conceito mais amplo de interessados que o de herdeiros, abrangendo obviamente o cônjuge meeiro do herdeiro.
3 - É impreterível que, para poder ter interesse directo na partilha, o cônjuge do herdeiro esteja casado com o herdeiro sob o regime de comunhão geral de bens pois só desta forma os bens a considerar são bens comuns e não bens próprios do herdeiro.
4 - Acresce ainda que a legitimidade do recorrente se reporta ao momento da abertura da sucessão, isto é, ao momento da morte dos autores da herança, sendo o cônjuge meeiro do herdeiro titular de um direito indivisível, muito antes da partilha. O meeiro tem, neste caso, tantos direitos sucessórios como o seu cônjuge, enquanto herdeiro.
5 - Finalmente, a própria tramitação do processo de inventário determina a intervenção de ambos os cônjuges, sendo o cônjuge meeiro do herdeiro citado para os termos do inventário, reconhecendo-se, mais uma vez, a legitimidade que tem como pessoa com interesse directo na partilha.
1.2.
A interessada "D" contra - alegou mas, porque as suas alegações foram extemporaneamente apresentadas, viram a ser desentranhadas.

2.Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
2.1. Delimitado o recurso pelas conclusões extraídas das respectivas alegações, a única questão que se nos coloca, consiste em saber se o cônjuge de um co-herdeiro, sendo o casamento sob o regime de comunhão geral de bens , tem legitimidade para requerer o inventário facultativo, visando proceder à partilha das heranças abertas por óbito dos seus sogros: indivisão é pretendida pelos herdeiros.

2.2.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1 - Em 2/01/90, faleceu "B", casada que foi com "C" o qual veio posteriormente a falecer em 11/03/91.
2 - Deixaram três descendentes, sendo eles os filhos "E", "F" e "D".
3 - E todos casados sob o regime de comunhão geral de bens, sendo a "D" casada com o requerente do inventário.
4 - O "A" veio requerer o presente inventário para partilha daquelas heranças, sendo a sua legitimidade impugnada pela própria "D".
5 - Todos os herdeiros se encontram interessados em manter indivisas as heranças, como declararam nos autos.
6 - O incidente da impugnação foi julgado procedente, por ilegitimidade do "A" para requerer o inventário para se proceder à partilha daquelas heranças.
2.3.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Pretende o recorrente a revogação do despacho recorrido porque, ao contrário do decidido, se considera interessado direito, já que se encontra casado sob o regime de comunhão geral de bens com uma das herdeiras dos autores das heranças e, importando-lhe proceder à partilha, era o inventário facultativo a via adequada a prosseguir para se pôr termo à indivisão das heranças, não obstante todos os herdeiros pretenderem mantê-las indivisas.
Tal como se referiu, a questão a decidir é pois a da legitimidade do requerente ou seja, apurar se ele é (ou não) um interessado directo na partilha, porque a lei confere a legitimidade para requerer o inventário aos directamente interessados.
2.3.1.
Preceitua o nº1 do art. 2101º C.C, que “qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem direito de exigir partilha quando lhe aprouver”, para efeitos de fixação dos bens que, em concreto, preencherão a respectiva quota hereditária ou meação.
Isto acontece quando, havendo dois ou mais designados herdeiros que sejam efectivamente chamados (art. 2932º C.C.) e aceitem a sucessão, pretendam fazer cessar a indivisão mas o mesmo ocorre quando haja cônjuge meeiro que não seja ele o único herdeiro do de cujus.
O direito que cabe a qualquer dos herdeiros ou ao cônjuge meeiro de exigir partilha é, nos termos do nº1 do art. 2101º, exercível a qualquer momento, após a abertura e aceitação sucessórias, sendo tal direito irrenunciável (art. 2101º nº2 C.C.).
Prevê-se apenas uma limitação: “ é lícito convencionar-se que o património hereditário se conserve indiviso durante certo tempo que não exceda cinco anos, sendo ainda lícito renovar-se esse pacto uma ou mais vezes” (art.2101º nº2) vide Oliveira Ascensão, Sucessões, p. 540)
O disposto neste artigo, facultando a qualquer dos co-herdeiros ou ao cônjuge meeiro requerer a todo o momento (quando lhe aprouver) a partilha da herança, significa que o co-herdeiro não tem apenas o direito de exigir a todo o momento a sua saída da comunhão hereditária mas pode impor a partilha ou a divisão a todos os demais, mesmo que eles constituam maioria.
“ Quer isto dizer que a herança só se manterá indivisa quando, findo o prazo máximo legalmente prescrito para a indivisão e convencionalmente estabelecido por todos os interessados, não surja uma única voz, entre todos os interessados, a requerer a partilha” (vide A.Varela, C.C. Anotado, VI, 164/165, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões pp. 127 e ss, Oliveira Ascensão, Sucessões p. 539)
A partilha é pois um meio de divisão do património hereditário comum entre os herdeiros, ou, como diz Galvão Teles ( in Direito das Sucessões, 2ª ed., p. 206), o acto destinado a fazer cessar a indivisão de um património. Na verdade, sempre que um património pertence na sua unidade a duas ou mais pessoas e se pretende pôr termo a essa situação, é por meio da partilha que se sai dela. Sucedendo os co-herdeiros no património do de cujus como universitas de que fica cada um com sua quota assiste-lhe naturalmente o direito de partilha, que tanto pode obter-se por via judicial como por instrumento extrajudicial .
Não sendo caso de inventário judicial obrigatório (art. 2102 nº2 C.C.), a partilha pode realizar-se extrajudicialmente se houver acordo de todos os interessados (directos) . Se faltar acordo de algum deles, terá de se recorrer ao inventário judicial para se sair da indivisão.
Assim, desde que algum dos interessados directos queira fazer cessar a indivisão, contanto que não haja acordo de todos esses interessados em fazer a partilha extrajudicialmente, é o inventário facultativo o meio adequado para a concretização de tal desiderato.
2.3.2.
Destinando-se o processo de inventário a pôr termo à comunhão hereditária, decorre que qualquer uma das pessoas directamente interessadas na partilha pode requerer o inventário facultativo ao tribunal com competência legal para o efeito (art. 1326 nº2 C.P.C.).
É evidente, por tudo quanto se deixou exposto, que este interesse na partilha tem de ser apreciado face à relação jurídica substancial, ou seja, face ao estatuído no art. 2101 C.C.
Para o recorrente poder verificar o infundado da sua tese, explicitaríamos um aspecto já anteriormente aflorado.
Permite a lei que o património se conserve indiviso por certo prazo que não exceda cinco anos, sendo lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes por nova convenção.
Tal negócio que estabeleça a indivisão durante certo prazo ou a sua renovação, quando a herança abranger coisas imóveis está sujeito a escritura pública (art.89º al.a) Cod. Not.).
Se para tal negócio se exige o acordo de todos os interessados na partilha, permanecendo então a herança indivisa pelo prazo convencionado, não faria sentido que quaisquer outras pessoas distintas das que convencionaram na indivisão da partilha, durante um certo prazo, pudessem exigir a partilha, não obstante a convenção.
Ora se o autor - requerente não poderia jamais ser parte na convenção porque não é herdeiro, também não poderá ser parte directamente interessada na partilha.
À mesma conclusão se chegará, partindo das normas que regulam os termos do inventário.
A fase preliminar inicia-se por um requerimento das pessoas directamente interessadas na partilha ou do M.P. (nos casos em que o inventário é obrigatório).
Se o juiz não tiver motivos para indeferir liminarmente tal requerimento designa no processo o cabeça- de -casal e manda citá-lo para prestar juramento assim como para produzir as declarações previstas no nº3 do art. 1327º C.P.C. e destinadas a apurar se há lugar a inventário bem como a identificar “ as pessoas directamente interessadas na partilha” bem como os legatários, donatários quando haja herdeiros com direito a legítima e credores do autor da herança.
Que as pessoas directamente interessadas na partilha não compreendem os respectivos cônjuges, ressalta do nº2 do art. 1329º onde, além das pessoas com interesse directo na partilha , se mencionam outros intervenientes, entre os quais os cônjuges dos herdeiros.
Com efeito, se o processo dever prosseguir, são citados para os seus termos o M.P., “as pessoas com interesse directo na partilha” e “ os seus cônjuges”, “os legatários”, “os credores da herança “ e os “donatários” (art. 1329º, nº1 C.P.C.)
Se a lei exige a citação dos cônjuges dos interessados directos na partilha, tal como dos legatários, dos credores da herança e dos donatários, decorre desta própria exigência (art. 228 nº1 Código de Processo Civil) que embora também interessadas na causa, não se pode contudo, pretender que se confundem com pessoas directamente interessadas na partilha, pois em tal conceito se não incluem.
Se continuássemos a analisar a tramitação do processo de inventário, continuar-se-ia a verificar a distinção entre interessados directos e outros intervenientes no inventário - Estes são o M.P., os cônjuges dos interessados directos, os legatários, os credores da herança e os donatários que devem ser citados para o inventário (vide Oliveira Ascensão, Sucessões p.529) e intervêm nos actos a que a lei os chama . Os interessados, ou pessoas com interesse directo na partilha, como se exprimem os arts. 1329º nº1 e 1326º nº2 são os co-herdeiros e o cônjuge meeiro.
Sendo, como se viu, o requerente do inventário cônjuge de uma das herdeiras, não pode ser considerado interessado directo na partilha e, por isso, não tem legitimidade para o requerer.

3 - Termos em que, negando, provimento ao recurso se confirma o douto despacho recorrido.

Custas pelo agravante.

Évora, 23/03/99