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JOGO DE FORTUNA E AZAR
REENVIO PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
É de suspender a instância, nos termos do art. 7.º do CPP, quando tenha sido colocada uma questão (prejudicial) ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para apreciação de disposição legal invocada na acusação com relevância para a caracterização do crime que lhe foi imputado ao arguido
Texto Integral
Proc. n.º 832/02-1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A. …, interpôs recurso do despacho judicial proferido no âmbito do processo comum nº…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, que indeferiu o seu requerimento para suspensão da instância penal até que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se pronuncie acerca da questão prejudicial de interpretação do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia e a consequente ilegalidade dos DL nº 422/89, e 10/95.
Apresentou as seguintes conclusões: 1. O Mº Juiz do Tribunal "a quo" no douto despacho recorrido, violou os art.°s 158º do C. P. C. e o nº2 do art. 7. do C.P.P.. 2. O M° Juiz do tribunal "a quo"' não fundamentou o douto despacho recorrido, limitou-se a indeferi-lo, com fundamento na falta de base legal. 3. O Estado Português, fazendo parte da União Europeia e tendo subscrito os seus tratados, não pode contrariar ( pela sujeição a autorização especial a comercialização do tipo de máquinas de jogo em causa neste processo) através de acto legislativo ordinário, o art. 30° do Tratado Institutivo da União Europeu, que preceitua serem proibidas entre os Estados Membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeitos equivalentes a contrariar a citada norma, o que torna os artigos 1 °, 3°; 4°, n° 1, al. g) e 108º, do DL nº 422/89, de 2/12, inaplicáveis por violadores, do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia. 4. Nos termos do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia, que preceitua serem proibidas entre estados membros todas as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente... 5. ... não tendo aplicação o referido no art. 36º do Tratado Institutivo da União Europeia, por as empresas ligadas ao ramo das máquinas de jogo, não necessitarem de autorização da Inspecção-Geral de Jogos para fabricar, montar, importar, publicitar, expor, vender, explorar material e utensílios destinados a jogos de fortuna ou azar entendimento este também da Associação Portuguesa de Empresas de Diversão, de que o recorrente é filiado. 6. O Estado Português, fazendo parte da União Europeia e tendo subscrito os seus tratados, não pode contrariar através de normas internas ordinárias o citado art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia... 7. ... o que torna o art. 108º do DL nº 422/89 na redacção do DL nº 10/95, inaplicável face aos art. 8º da CRP e 30º do já identificado Tratado Institutivo da União Europeia. 8. A interpretação do art. 30º desse Tratado deve ser feita pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a título prejudicial, conforme o que aconteceu no processo que sob o nº 1058/97, que corre seus termos pela 2ª secção da 15ª Vara Cível da Comarca de Lisboa. 9. Enviada questão prejudicial para aquele Tribunal Europeu, acerca da interpretação do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia e relação com os DL nº 422/89, e 10/95, coloca-se a questão de se saber se está preenchido o elemento objectivo do tipo de crime por que o recorrente vem acusado. 10. Estamos em face de uma verdadeira questão prejudicial, pois a qualificação das normas dos DL nº 422/89 e 10/95, como legais ou ilegais, porquanto é fundamental a interpretação do art. 30º do já identificado tratado, para que se descortine que existe ou não o tipo legal de crime imputado ao recorrente. 11. A suspensão da instância penal é uma verdadeira questão essencial ou necessária, no sentido de a sua resolução ser essencial para apuramento de um elemento constitutivo da infracção ( o elemento objectivo do tipo de crime). 12. A questão prejudicial só poderá ser resolvida no Tribunal de Justiça das comunidades Europeias, porquanto necessário se torna interpretar normas do Tratado Institutivo da União Europeia... 13. ... que não pode ser resolvida pelo Tribunal “ a quo” nos presentes autos de processo crime e que podem condicionar a existência ou não do tipo legal de crime por que o recorrente vem acusado. 14. Invocada a aplicação de normas comunitárias em detrimento de normas internas e pretendendo-se o afastamento destas últimas, só o Tribunal de Justiça das comunidades Europeias poderá proceder à interpretação das normas comunitárias e à emanação de uma decisão que possa afastar a aplicação dos DL nº 422/89 e 10/95, normas que prevêem o tipo legal do crime imputado ao recorrente. 15. Um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades, pode tout court determinar a inaplicabilidade das normas constantes dos DL nº 422/89 e 10/95, em detrimento da aplicabilidade do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia, com a consequente queda da previsão legal do tipo de crime imputado ao recorrente. 16. O acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que declare inaplicáveis as normas dos DL nº 422/89 e 10/95, vem produzir efeitos erga omnes, pois a instituição donde emana o acto ( aqueles decretos leis) deverá substituí-los ou corrigir a ilegalidade conhecida, impossibilitando o Tribunal nacional de aplicar essas normas ( Dec. Leis 422/89 e 10/95), e mais o acórdão emanado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem efeitos retroactivos. 17. A questão objecto de apreciação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, traduz-se na necessidade de interpretar o art. 30º do Tratado Instituvivo da União Europeia e a eventual “ desaplicação” dos DL nº 422/89 e 10/95, que prevêem o tipo de crime imputado ao recorrente... 18. ... por não serem legais face à contradição existente com as normas comunitárias, e por conseguinte se se está perante um tipo legal de crime, maxime a exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar. 19. Em ordem ao princípio da economia processual e da Segurança Jurídica, deveria o Mº Juiz do tribunal “ a quo” ter suspendido a instância penal, até decisão por parte do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sobre a interpretação do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia e a contradição existente com os DL nº 422/89 e 10/95, originando a ilegalidade destes e a consequente não aplicabilidade. 20. O douto despacho recorrido, viola o artº 158º do CPC e o nº2 do art. 7º do CPP.
O Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta ao recurso defendendo que: 1. O art. 158º do CPC não é aplicável por ter o processo penal uma previsão específica – art. 97º nº4 do CPP- relativamente à obrigação naquele prevista; foi, ainda assim, plenamente respeitado o imperativo legal relativo à obrigatoriedade de fundamentação de todos os despachos decisórios; 2. A acção a correr na 15ª vara cível da comarca de Lisboa não é prejudicial em relação aos autos porquanto o seu resultado não impede uma legal decisão nestes nem com eles poderá vir a colidir e, por conseguinte, ofender o princípio de coerência de julgamentos, em razão da autonomia e diversidade das questões a decidir; 3. O art. 7º nº2 do CPP não foi violado porquanto não existe qualquer questão prejudicial que requeira a aplicação daquele dispositivo.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º nº2 do C.P.P..
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar e decidir:
O despacho recorrido é do seguinte teor: “ O arguido … veio requerer a suspensão do processo nos termos dos artºs 276 nº. 1 c) e 279º do CPC aplicáveis ex vi do artº 4º do CPP, alegando, em síntese que se encontra pendente em Tribunal Cível acção intentada por várias empresas do ramo de exploração de jogos, contra o Estado Português, acção que, também ela foi suspensa até que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias decida ou melhor, se pronuncie sobre várias questões atinentes à interpretação de normas do tratado da CEE e harmonização da legislação Nacional, designadamente, do regime estabelecido no DL 422/89 de 2/12 com aquele mesmo tratado. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a requerida suspensão. Antes de mais há que notar que o arguido não refere expressamente que o julgamento daquela acção é prejudicial em relação a este autos. efectivamente, não cremos que o seja já que essa acção presente, acima de tudo, provocar alterações legislativas tendo em conta as normas vigentes atinentes à actividade de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar (como decorre dos pedidos nelas formuladas, sintetizadas a fls. 225). O artº 7º do CPP estabelece que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa só se suspendendo quando para conhecer da existência de um crime for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal. Assim, em face a tal norma - que regula a matéria - a suspensão do processo penal só é possível quando do conhecimento de outra acção esteja dependente a existência do crime e não por quaisquer outros motivos V. G. de maior conveniência para o processo penal, donde as normas citadas pelo arguido e ao abrigo das quais requereu a suspensão não têm aplicação ao processo penal. E no caso concreto não entendemos que o conhecimento da existência do crime esteja dependente da decisão que venha a ser tomada na referida acção, cuja decisão ainda que venha a ser favorável aos A.A. não terá a virtualidade de dispor sobre factos ocorridos no passado e no período de vigência das normas penais cuja violação é imputada ao arguido nestes autos. Pelo exposto, indefere-se a requerida suspensão do processo.”
Sendo o objecto de um recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do CPP., no caso dos autos colocam-se as seguintes questões:
1º Falta de fundamentação do despacho recorrido. 2º A existência de questão prejudicial em relação aos presentes autos.
Nas suas conclusões o recorrente alega que o despacho recorrido carece de fundamentação, razão pela qual viola o disposto no art. 158º do CPC.
O nosso sistema processual penal sendo conforme aos valores do estado de direito democrático impõe que as decisões sejam fundamentadas.
A exigência de fundamentação que tem assento constitucional ( art. 205º do CRP) está também consagrada no art. 97º nº4 do CPP, quando estatui que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
No caso concreto dos autos o despacho recorrido explica as razões pelas quais se indeferiu a suspensão da instância.
Com efeito, o Mº Juiz, entendeu que na acção que corre na 2ª secção da 15ª vara cível da comarca de Lisboa, não se suscita questão prejudicial susceptível de impedir o conhecimento da existência do crime de que o recorrente foi acusado.
No referido despacho refere-se expressamente que o conhecimento da existência do crime imputado ao recorrente não está dependente da decisão que venha a ser tomada na referida acção cível, cuja decisão ainda que venha a ser favorável aos A.A. não terá a virtualidade de dispor sobre factos ocorridos no passado e no período de vigência das normas penais cuja violação é imputada ao arguido nestes autos.
Assim, não nos parece que o despacho recorrido careça de fundamentação, pelo que não foram violadas as normas que impõem a fundamentação das decisões judiciais.
No que diz respeito à segunda questão,existência de questão prejudicial em relação aos presentes autos, importa referir o seguinte:
O recorrente está acusado em co-autoria pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo p.p. no art.108º nº1, conjugado com os art. 1º, 3º e 4º al. g), todos do DL nº 422/89, de 27/12, alterado pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro e art. 26 do C.Penal.
Nos referidos autos o arguido requereu a suspensão da instância penal até que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se pronuncie acerca da questão prejudicial de interpretação do art. 30º do Tratado Institutivo da União Europeia e a consequente ilegalidade dos DL nº 422/89, e 10/95.
Nos autos consta uma certidão emitida pela 2ª secção da 15ª vara cível de Lisboa, onde consta que na acção nº 1058/97 em que são A.A. Anomar- Associação Nacional de Operadores de Máquinas Recreativas e outros e R. o Estado Português, foi suspensa a instância, nos termos dos art. 276º, nº1, al.c) e 279º, nº1, do CPC, até que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões: 1) Os jogos de fortuna ou azar constituem ou não uma "actividade económica", na acepção do artigo 2° do Tratado CE ? 2) Os jogos de fortuna ou azar constituem ou não uma actividade relativa a "mercadorias" e que está abrangida, como tal, pelo artigo 30° do Tratado CE ? 3) As actividades relacionadas com a produção, a importação e a distribuição de máquinas de jogos têm ou não autonomia relativamente à actividade da exploração destas máquinas e, portanto, é ou não aplicável àquelas actividades o princípio da livre circulação de mercadorias instituído nos artigos 30° e 34° do Tratado CE? 4) A actividade de exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar está ou não excluída do âmbito de aplicação do artigo 37° do Tratado CE, visto esta disposição não abranger os monopólios de prestação de serviços? 5) A exploração de máquinas de jogo de fortuna ou azar constitui uma actividade de "prestação de serviços" e, como tal, está abrangida pelos artigos 59° e segs. do Tratado CE? 6) Um regime legal (como é o instituído nos artigos 3°, n° 1, e 4°, n° 1, o Decreto-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro) segundo o qual a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar (definidos pelo artigo 1° daquele diploma como "aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte") - entre os quais estão incluídos (ex vi do cit. art. 4°, n° 1, alíneas f) e g), do Decreto-Lei n° 422/89) os jogos em máquinas que paguem directamente prémios em fichas ou moedas e os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte - apenas é permitida nas salas dos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei - constitui ou não um entrave à livre prestação de serviços, na acepção do art. 59° do Tratado CE? 7) Constituindo, embora, um entrave à livre prestação de serviços, na acepção do art. 59° do Tratado CE, o regime restritivo supra descrito em 6), na medida em que é indistintamente aplicável a cidadãos ou empresas nacionais e a cidadãos ou empresas doutros Estados membros e, por outro lado, se funda em razões imperativas de interesse geral (protecção dos consumidores, prevenção da delinquência, protecção da moral pública, limitação da procura dos jogos a dinheiro, financiamento de actividades de interesse geral), é, ainda assim, compatível com o ordenamento jurídico comunitário? 8) A actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar rege-se pelos princípios da liberdade de acesso e exercício duma qualquer actividade económica e, por isso, a eventual existência de legislações de outros Estados membros que estabeleçam condições menos restritivas de exploração das máquinas de jogo inquina, por si só, a validade do regime jurídico português descrito em 6)? 9) As restrições estabelecidas na legislação portuguesa à actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar respeitam o critério da proporcionalidade? 10) O regime legal português de autorização sob condição jurídica (celebração com o Estado dum contrato administrativo de concessão, mediante concurso público: artigo 9° do cit. Decreto-Lei nº 422/89) e logística (limitação da exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar aos casinos das zonas de jogo: art. 3° do mesmo diploma) constitui uma exigência adequada e necessária ao objectivo prosseguido? 11) A utilização, pela legislação portuguesa (artigos 1°, 4°, n° 1, al. g) e 169° do cit. Decreto-Lei n° 422/89 e artigo 16°, n° 1, al. a), do Decreto-Lei n° 316/95, de 28 de Novembro) do vocábulo “fundamentalmente", a par do termo "exclusivamente", para definir os jogos de fortuna ou azar e para traçar a distinção legal entre "máquinas de fortuna ou azar" e "máquinas de diversão", não põe em causa a determinabilidade do conceito segundo os métodos próprios da interpretação jurídica ? 12) Os conceitos jurídicos indeterminados de que se socorre a definição legal portuguesa do que sejam "jogos de fortuna ou azar" (citt. arts. 1° e 162° do Decreto-Lei n° 422/89) e "máquinas de. diversão" (cit. art. 16° do Decreto-Lei n° 316/95) demandam uma interpretação, para efeitos de qualificação das diversas máquinas de jogo, que integra ainda a margem de livre apreciação reconhecida às autoridades nacionais ? 13) Ainda mesmo que se considerasse não estabelecer a referida legislação portuguesa critérios objectivos de distinção entre os temas das máquinas de fortuna ou azar e os temas das máquinas de diversão, a atribuição à Inspecção-Geral de Jogos duma competência discricionária para a classificação dos temas dos jogos não violaria qualquer princípio ou regra de Direito Comunitário ?
Considerando o teor das questões suscitadas junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias impõe-se determinar se nos presentes autos a instância penal deve ou não ser suspensa.
O art. 7º do CPP dispõe:
“ 1. O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.
2. Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.”
Por sua vez o Tratado da União Europeia, no seu art. 177º obriga que se submeta a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, mas não impõe a suspensão do respectivo processo.
Tem-se entendido que a decisão sobre a suspensão da instância compete exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional, em conformidade com o seu direito nacional.
O facto de a questão ter sido já suscitada junto do Tribunal de Justiça, no âmbito da acção nº 1058/97, do 2ª secção da 15ª vara cível de Lisboa, torna desnecessário, face ao precedente, que o recorrente volte a colocar a questão com referência aos presentes autos. Esta solução está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a obrigação do reenvio é afastada caso se verifique uma identidade material entre a questão controvertida e uma questão que tenha sido previamente objecto de apreciação por aquele Tribunal.
Nas questões colocadas pela Vara Cível da Comarca de Lisboa ao Tribunal de Justiça consta a apreciação dos art. 3º nº1 e 4º nº1 al.g) do DL nº 422/89,de 2/12.
Estas disposições legais constam da acusação deduzida contra o arguido e são relevantes para a caracterização do crime que lhe foi imputado.
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é o Tribunal competente para se pronunciar sobre tais questões.
A decisão do Tribunal de Justiça por não ser de um caso concreto, mas caracterizada pela generalidade e abstracção dos seus termos, implica que valha para todas as situações a que seja aplicável, incluindo as que se constituíram anteriormente à fixação da sua interpretação ( sobre os efeitos no tempo do acórdão prejudicial- Guia prático do reenvio prejudicial- Miguel Almeida Andrade, pág. 116 e seguintes).
No entanto, o Tribunal de Justiça sempre poderá optar por não atribuir à sua interpretação eficácia retroactiva como aconteceu no caso Defrenne ( Ac. 8/4/76, Recueil 1976, pág. 455).
Assim, a posição que o Tribunal de Justiça venha a tomar sobre as questões suscitadas pode assumir importância para a posição do arguido/ recorrente, justificando-se o uso da faculdade da suspensão da instância que cabe ao órgão jurisdicional nacional.
A suspensão da instância nestas situações parece-nos a solução mais prudente e adequada sendo a mais conforme às garantias do processo criminal consagradas constitucionalmente.
Não nos podemos esquecer que o direito comunitário chamou a si a regulação de certo tipo de relações jurídico-económicas que anteriormente eram objecto de regulamentação interna. O direito comunitário passou, ele próprio, a definir a natureza dessas relações com as ordens jurídicas nacionais.
Temos pois de ter sempre presente o efeito directo do direito comunitário na perspectiva de que, em certas condições, a vigência na ordem interna das normas comunitárias não fica dependente de qualquer acto de recepção ou transposição a cargo das autoridades nacionais. As normas comunitárias vigoram internamente por força própria, conferindo aos particulares direitos e deveres que eles poderão fazer valer, através do recurso aos tribunais nacionais, quer em relação ao Estado quer nas suas relações com outros particulares.
A par do princípio do efeito directo temos também de não esquecer o princípio da primazia do direito comunitário que se traduz na prevalência hierárquica deste sobre o direito nacional.
Por força dos mencionados princípios, do efeito directo e do primado do direito comunitário, este insere-se na ordem jurídica interna dos Estados membros, incumbindo assim aos tribunais nacionais a sua aplicação aos litígios que lhe sejam submetidos, o que se traduz no chamado princípio da autonomia.
As jurisdições nacionais têm assim competência para aplicar o direito comunitário às relações jurídicas que lhes são submetidas.
O sucesso da construção comunitária depende em muito da aplicação correcta do direito comunitário pelos órgãos jurisdicionais nacionais.
O mecanismo do reenvio prejudicial surge tendo em vista essa aplicação correcta, e mais não é do que um esquema de colaboração entre jurisdições nacionais e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Estamos perante uma verdadeira relação de cooperação, assente numa repartição de funções e no respeito mútuo entre as duas jurisdições, não havendo lugar a qualquer relação de dependência hierárquica.
A questão prejudicial suscitada junto do Tribunal de Justiça, no âmbito da acção nº 1058/97, do 2ª secção da 15ª vara cível de Lisboa, poderá ter repercussões na situação processual penal do arguido o que a transforma desde logo numa questão que colide com direitos liberdades e garantias, que de acordo com as elementares regras da prudência urge salvaguardar.
Nesta linha, decide-se revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro a conhecer da aludida questão prejudicial e consequentemente a ordenar a suspensão da instância.
Por todo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que conheça da aludida questão prejudicial e que consequentemente ordene a suspensão da instância.
Sem custas . ( Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas – art. 94 nº2 do CPP).