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CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Sumário
O crime de condução sem a legal habilitação, p. e p. pelo artº 3º do DL n.º 2/98, de 3JAN, não é punível com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, no Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido A condenado, como autor de um crime de condução de veículo automóvel, sem a legal habilitação, p.e p. pelo artº 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3JAN, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 4 (quatro euros), o que totaliza € 480 (quatrocentos e oitenta euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do artº 69º, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal.
Inconformado, interpôs recurso o arguido, encerrando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1ª O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução ilegal previsto e punido nos termos do artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro [certamente por lapso, escreveu-se Março].
2ª O Tribunal "a quo" formou a sua convicção na confissão do arguido.
3ª Foi aplicada ao arguido uma pena de 120 dias de multa à razão diária de € 4 (quatro euros), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros), bem assim como na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por um período de quatro meses.
4ª Não decorre da prática do crime de condução sem habilitação legal a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, por via do artigo 69º, al. b) do Código Penal. Esta norma prevê a aplicação da inibição de conduzir seja aplicada a quem cometa crimes com a utilização de veículo e cuja execução tenha sido por este facilitada de forma relevante,
5ª Sendo estes dois requisitos cumulativos por via da conjunção coordenada copulativa E
6ª Ora no crime de condução sem habilitação legal, a utilização do veículo não facilita a prática do crime, é tão só um elemento constitutivo do próprio crime.
7ª Decidindo-se assim de modo diferente da douta sentença recorrida, por não caber no dispositivo legal do artigo 69º, n.º 1 al. b) a aplicação de inibição de conduzir a quem tenha cometido crime de condução sem habilitação legal.
Nestes termos, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser revogada a sanção acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido.
Contramotivou o MP junto do tribunal a quo, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º, n.º 2 do CPP, o arguido reiterou a posição anteriormente assumida.
Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
II.1- Com base na confissão integral e sem reservas do arguido e depoimento das testemunhas indicadas na sentença recorrida, deu o tribunal a quo como provada a seguinte factualidade, tida por definitivamente assente (pois que nenhum vício ou nulidade vêm arguidos e não se divisa a existência de qualquer vício ou nulidade de conhecimento oficioso):
1. No dia … de … de …, cerca das … horas, na E.N…., ao Km …, área da freguesia de …, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-….
2. Fazia-o sem que fosse titular de licença de condução que o habilitasse a conduzir tal tipo de veículo.
3. O arguido agiu consciente e deliberadamente, fazendo-o com plena liberdade de actuação, bem sabendo que não podia conduzir veículos daquele tipo na via pública sem documento que o habilitasse a fazê-lo.
4. Sabia que a sua conduta era proibida por lei.
5. O arguido é vigilante, auferindo € 416, a título de ordenado mensal e € 100, a título de ajudas de custo.
6. Vive com os pais em casa destes, contribuindo com uma quantia mensal para os gastos da casa.
7. Está a pagar um empréstimo à Cofidis, obtido para a compra de um veículo automóvel, no valor de € 70 mensais.
8. Tem o 6° ano de escolaridade.
9. O arguido não tem antecedentes criminais.
10. O arguido é bem visto na comunidade em que vive.
II.2- Nas conclusões que extrai da motivação do recurso (e são elas que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum, conforme jurisprudência pacífica do STJ) o arguido insurge-se somente contra a sua condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Esta a questão que reclama solução.
Na vigência do texto do artº 69º do CP, resultante da revisão operada pelo DL n.º 48/95, de 15MAR, que introduziu a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, suscitou-se a questão de saber se a norma da al.a) do n.º 1 daquele artº - que sancionava com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 1 mês a 1 ano, o agente de “crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário” - comportava a inclusão do crime de condução de veículo a motor sem a legal habilitação.
Com a nova redacção da al. a) do n.º 1 daquele artº, introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13JUL (que levou a efeito a sexta alteração ao CP), deixou de colocar-se tal questão uma vez que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deixou de ser aplicável “por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário”, para passar a ser aplicável “por crime previsto nos artigos 291º [condução perigosa de veículo rodoviário] ou 292º [condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas]” [1] .
A cit. Lei n.º 77/2001 deixou, porém, incólume a redacção da al. b) do n.º 1 do artº 69º (ao abrigo da qual foi imposta ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados) continuando, assim, plenamente actual a questão de saber se ao crime de condução de veículo sem a legal habilitação (questão essa também surgida no domínio do texto introduzido pelo mencionado DL n.º 45/95) é ou não aplicável a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Reza assim o cit. artº 69º, n.º1, al. b):
“1- É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
(...)
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante” [2] .
Tal como se decidiu no acórdão desta Relação, de 23NOV99 (Proc. n.º 670/98), do qual também foi relator o do presente acórdão, o crime de condução sem a legal habilitação, p. e p. pelo artº 3º do DL n.º 2/98, não se enquadra na previsão da al. b) do n.º 1 daquele artº 69º, uma vez que a utilização de veículo, naquele crime, constitui elemento essencial do respectivo tipo legal e não um meio de execução do crime.
Sendo assim, não há que indagar se a execução do crime foi pelo veículo “facilitada de modo relevante”, por esta dupla ordem de razões: por um lado, como resulta, com nitidez, do emprego da copulativa e em vez da disjuntiva ou, para a aplicação da pena acessória, nos termos daquela al. b) não basta que o crime tenha sido cometido “com utilização de veículo” (v.g., atropelamento com o veículo, sendo este instrumento do crime) ou que a execução do crime tenha sido pelo veículo “facilitada de modo relevante” (v.g., rápida deslocação para o local do crime para que a vítima pudesse ser surpreendida, transporte de coisas furtadas que por outro modo não poderiam ser deslocadas, etc.) [3]. O mesmo é dizer que é indispensável a verificação cumulativa daquelas condições (crime praticado com utilização de veículo ecuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante) para que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor possa ser aplicada, nos termos da al. b) do n.º 1 daquele artº 69º.
Por outro lado, não tendo o crime sido cometido com utilização de veículo, nem sequer se coloca a questão de saber se a sua execução foi pelo veículo facilitada uma vez que a verificação deste segundo pressuposto da aplicação da pena acessória em questão não é pensável sem a existência do primeiro.
III- Face ao exposto:
a) Na procedência do recurso, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados;
b) Mantém-se, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Sem custas.
Honorários da ilustre Defensora Oficiosa nos termos da tabela anexa à Portaria nº 150/2002, de 19FEV.
Évora, 29 de Outubro de 2002
(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Manuel Nabais
Sérgio Poças
Orlando Afonso
Ferreira Neto
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[1] A substituição da cláusula “crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário” por “crime previsto nos artºs 291º ou 292º ” veio corroborar o entendimento de que a condução de veículo motorizado sem a legal habilitação não cabia no conceito de grave violação das regras do trânsito rodoviário. [2] No texto da al. a) do n.º 1 do artº 69º do Projecto da Comissão de Revisão do CP (1991), empregava-se a disjuntiva ou em vez da copulativa e. [3] Exemplos retirados de Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 8ª ed., p. 351).
No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, p. 31.