PENA DE MULTA
TAXA
Sumário

I – Nos termos do nº 2 do artigo 47º do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
. II – Conforme se salientou no douto Ac. do STJ de 2-10-1997 (Col. De Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184) “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”.
III – Também o Prof. Taipa de Carvalho assinala em termos incisivos que “a multa enquanto sanção penal não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é, por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a “sentir na pele” (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in, Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. Do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol.II, pág. 24).
IV – Já antes o Prof. Figueiredo Dias, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (Direito Penal Português – As Consequências · Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, § 123)
V – Mas neste domínio – como, de resto, em tudo na vida – há que ter o sentido das proporções, impondo-se critérios de razoabilidade e de exigibilidade. VI – Assim, considerando que:
- quanto à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, apenas se provou que tem o 6º o ano de escolaridade, vive em casa dos pais, aufere cerca € 500 mensais e não tem filhos;
- que a alteração introduzida no nº 2 do artigo 47°, do Código Penal, pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro que elevou a taxa mínima diária da pena de multa que se mantinha inalterada desde 1982, de 1 euro para 5 euros, teve em conta as alterações sócio-económicas entretanto verificadas na sociedade portuguesa, em que o salário mínimo de 1982 era sensivelmente 1/5 do actual;
- e que o quantitativo diário de 5 euros apenas deverá ser aplicado aos condenados de mais baixos rendimentos, designadamente àqueles que nem sequer ganham o suficiente para fazer face às necessidades mais elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas entre os condenados;
afigura-se-nos mais ajustada à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, a taxa diária de € 8 ( oito euros) que, por isso, se fixa em substituição da de €5 que lhe vinha fixada na sentença recorrida.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

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I- Relatório
No processo sumário nº 440/07.4GBFLG do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença de 1 de Outubro de 2007, o arguido P... Dias, com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º e 69º, n.º1 alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), o que perfaz o quantitativo de €300 (trezentos euros) e na inibição de conduzir pelo período de 3 (três) meses.
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Inconformado com tal sentença, o Ministério Público dela interpôs recurso, pedindo a sua revogação parcial e a sua substituição por outra que condene o arguido numa pena de multa, numa dosimetria superior a 60(sessnta) dias , num quantitativo diário da pena de multa superior a €5 euros e numa sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor superior ao período de 3 (três) meses.
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O arguido não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 43.
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Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência pelo que cumpre conhecer.
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II- Fundamentação
1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:

A) Factos provados (transcrição):
«1. No dia 30 de Setembro de 2007, pelas 04h e 01m, no lugar de Pinhal Basto, Macieira da Lixa, nesta comarca de Felgueiras, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 60-89-T..., com o teor de álcool no sangue de 1,72 g/l, de acordo com a detecção efectuada pelo aparelho Drager, modelo 7110 aprovado pela DGV.
2. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir veículos a motor na via pública sob a influência de álcool.
3. E que tal conduta era proibida por lei.
4. Confessou integralmente e sem reservas os factos por que vinha acusado e mostra-se arrependido.
5. Tem o 6.º ano de escolaridade.
6. Não tem hábitos alcoólicos. Protagonizou acidente de viação.
7. Não tem antecedentes criminais.
8. Vive em casa dos pais.
9. Aufere cerca € 500 mensais. Não tem filhos.»
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B) Matéria de facto não provada (transcrição):
«Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.»
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C) Motivação da decisão de facto (transcrição):
«No apuramento dos factos o Tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção com base nos seguintes elementos:
a) nas declarações confessórias do arguido quanto a todos os factos por que vinha acusado; declarações do mesmo quanto à sua situação económica, familiar e habilitações literárias;
b) no teor do documento de fls. 5, bem como no teor do CRC de fls. 15.»
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2. Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98)
Neste recurso, são três as as questões a apreciar:
· Numero de dias da pena de multa;
· Quantitativo diário da multa aplicada ao arguido;
· Medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
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3. A questão do número de dias da pena de multa anquantitativo diário da pena de multa
§1. O crime de condução de veículo em estado de embriaguês, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, é cominado em abstracto com a “pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
O tribunal a quo optou pela imposição de multa, opção com a qual se concorda.
Conforme é sabido o Código Penal (artigo 47º) utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas: na primeira determina-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas (cfr. artigos 40º 71º, ambos do Código penal) e na segunda fixa-se o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica e financeira do agente. Fixada a pena, em caso de a precária situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal decide se o pagamento da multa pode ser autorizado em alguma das modalidades que o n.º 3 facilita (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, págs. 126-127 §143, Simas Santos e Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, 2ª ed, Lisboa 2003, pág. 187, Maia Gonçalves, Código Penal Português, 17ª ed., Coimbra, 2005, pág. 194, e Ac. do S.T.J. de 3 de Novembro de 2003, proc.º n.º 3366/03-5ª).
Importa, porém, deixar consignado que a fixação da multa - como de resto em qualquer processo de aplicação do direito – não constituiu uma operação puramente lógica, mas “(…)um processo que há-de, em último termo, visar o tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e às intenções da lei”(Figueiredo Dias, cit., pág. 135, §158).
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§2. No caso presente, as necessidades de prevenção são prementes dado o elevado nível de sinistralidade registado no nosso país, daí decorrendo significativos custos em vidas e sofrimentos humanos, sendo que muitos acidentes têm as suas causas directas no estado de embriaguês dos condutores.
As exigências de prevenção especial – necessidade de induzir o arguido a evitar a prática de futuros crimes e a adoptar um comportamento correcto na condução estradal – revelam-se medianas uma vez que se o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido social e profissionalmente, não é menos verdade que “protagonizou acidente de viação”.
O grau de ilicitude do facto tem-se por elevado atenta a TAS apurada de 1,72 g/l, considerando o do limite (1,2g/l) a partir do qual o comportamento é punido como crime.
Como bem se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-11-2007: “com uma TAS de 1,5 a 3,0 gr/l surge normalmente o fenómeno da diplopia ou visão dupla e muitas pessoas neste estado já não conseguem conduzir e os que conduzem tornam-se extremamente perigosos, proc.º n.º 2031/07-1, rel. Fernando Monterroso, in www.dgsi.pt).
Tudo ponderado, sem esquecer a situação pessoal do arguido, nomeadamente a sua idade (20 anos), a sua inserção familiar e profissional e a confissão integral e sem reservas, não vislumbramos razões para alterar a pena que lhe foi aplicada: 60 (sessenta) dias de multa.
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4. A questão do quantitativo diário da pena de multa
No que respeita à segunda operação, quanto à fixação do quantitativo diário da multa em €5,00 (cinco euros), já não podemos acompanhar a sentença recorrida.
Nos termos do n.º 2 do artigo 47º do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Conforme se salientou no douto Ac. do STJ de 2-10-1997 (Col. de Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184) “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”.
Também o Prof. Taipa de Carvalho assinala em termos incisivos que “a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele’ (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol II, pág. 24) e já antes o Prof. Figueiredo Dias, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, §123).
Mas neste domínio – como, de resto, em tudo na vida - há que ter o sentido das proporções, impondo-se critérios de razoabilidade e de exigibilidade.
Quanto à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, a factualidade apurada é de uma pobreza franciscana.
Com efeito, a este respeito apenas se provou que o arguido, que tem o 6.º ano de escolaridade, vive em casa dos pais, aufere cerca € 500 mensais e não tem filhos.
Assim, considerando:
a) o apurado rendimento do arguido (€500) e a circunstância de viver em casa dos pais;
b) que a alteração introduzida no n.º2 do artigo 47°, do Código Penal, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro que elevou a taxa mínima diária da pena de multa que se mantinha inalterada desde 1982, de 1 euro para 5 euros, teve em conta as alterações sócio-económicas entretanto verificadas na sociedade portuguesa, em que o salário mínimo de 1982 era sensivelmente 1/5 do actual.
c) que o quantitativo diário de 5 euros apenas deverá ser aplicado aos condenados de mais baixos rendimentos, designadamente àqueles que nem sequer ganham o suficiente para fazer face às necessidades mais elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas entre os condenados.
Tudo ponderado, afigura-se-nos mais ajustada à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, a taxa diária de € 8 (oito euros) que, por isso, se fixa.
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5. A determinação da medida da pena acessória
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 69º do Código Penal na sua actual redacção (conferida pela lei n.º 77/2001, de 13 de Julho), a pena acessória pode ser determinada por um período fixado entre três meses e três anos.
A medida da pena acessória obedece aos mesmos factores da pena principal, isto é, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Para a sua determinação concreta aquela pena acessória encontra-se, deste modo, sujeita às finalidades da pena enunciadas no artigo 40º e aos critérios estabelecidos no artigo 71º, ambos do Código Penal (cfr. neste sentido Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários Lisboa, 1ª ed., 1996, pág. 28, António Casebre Latas, A pena acessória da proibição de conduzir, in Sub Judice, vol. 17, Jan/Març de 2001, pág. 93 e 94; e, na jurisprudência, v.g. Acs. da Rel. do Porto de 29 de Novembro de 2000, Col. de Jur., ano XXV, tomo 5, pág. 229 e da Rel. de Évora de 19-9-2000, Col. de Jur. ano XXV, tomo 4, pág. 282 e da Rel. de Lisboa de 15-2-2003, proc.º n.º 5627/2003-5, rel. Filomena Lima, disponível na base de dados do ITIJ).
Assim, tudo ponderado, sem esquecer as condições pessoais do agente, reputa-se ajustada a fixação de um período de proibição de conduzir por 7 (sete) meses.
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III- Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida no que respeita à taxa diária da multa e à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos moldes supra mencionados.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
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Sem tributação
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Guimarães, 7 de Abril de 2008