INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário


I – A competência do director geral de Viação é uma competência originária ou directa, no sentido de competência adquirida por força da lei ou por acto por ela habilitado, e não uma competência derivada ou indirecta, no sentido de competência delegada pelo órgão a que a lei primariamente a tenha reconhecido.

II - Tendo o Director Geral de Viação delegado a sua competência originária ou directa em matéria de aplicação de sanções às infracções das disposições do Código da Estrada, no director de serviço da Direcção Regional de Viação do Alentejo, dando-lhe competência para proferir decisões, incluindo a aplicação de coimas e sanções acessórias, bem como condenação em custas no processo de contra-ordenação, com possibilidade de subdelegação, após autorização do director geral, nos chefes de divisão as competências delegadas, o que este fez na pessoa do chefe de divisão da Delegação de Viação de Beja, a decisão proferida por este último, que condenou o arguido pela prática de uma contra-ordenação ao disposto no artigo 27 n.º1 e 2, alin. a) do Código da Estrada, porque se trata de acto praticado por delegação de poderes, emanou de entidade competente para o efeito.

III - Os condutores profissionais e aqueles que para exercer a sua actividade profissional têm de utilizar frequentemente as vias públicas, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais, e por serem os que utilizam as vias públicas com mais frequência, criando assim maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir.

Ribeiro Cardoso

Texto Integral

Processo nº 1322/03-1


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
I
1. Nos autos de contra-ordenação n.º..., por decisão de 30 de Agosto de 2002, do Chefe da Divisão da Delegação de Viação de ..., foi o arguido A. ..., melhor identificado a fls.3, condenado na sanção acessória da inibição de conduzir pelo período de 60 dias, pela prática da contra-ordenação prevista e punida no artigo 27.º n.º1 e 2, alin. a) do Código da Estrada.

2. O arguido impugnou judicialmente a decisão administrativa, insurgindo-se contra o facto de lhe ter sido aplicada tal inibição, apesar de aceitar ter praticado a infracção cuja coima já liquidou, pedindo lhe fosse suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 6 meses e sem que seja condicionada à prestação de caução de boa conduta, revogando-se, nessa parte a decisão recorrida.

3. O recurso foi remetido ao Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde, como recurso de contra-ordenação recebeu o n.º ...

4. Por mero despacho, de harmonia com o disposto no art.64.º n.º2 do R.G.C.O., foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a decisão recorrida.

5. Inconformado, o arguido veio interpor recurso da decisão, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões:

1.ª - A decisão administrativa em causa nos presentes autos foi proferida por entidade que não era competente para o efeito. Efectivamente,

2.ª - O acto de subdelegação de poderes conferido ao Senhor Chefe de Divisão da Delegação de Viação de ... não era permitido ao Senhor Director de Serviços da Direcção Regional de Viação do Alentejo, nem formalmente (por a tal se opor o acto de delegação do Senhor Director Geral de Viação) nem materialmente (por não ter cabimento nos invocados art. 27° e 30°, da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho).

3.ª - A competência para a prática do acto pertencia ao Senhor Ministro da Administração Interna, que, aliás, apenas tomou posse muito depois das datas dos despachos invocados (cf. o disposto no art. 34° do D.L. n.º 433/82, de 27/10, e no art. 40° do Código do Procedimento Administrativo), os quais caducaram com a cessação de funções do anterior titular da pasta.

4.ª- Por outro lado, não se conhece nem foi invocado nenhum acto de designação e/ou de delegação válido de competência por parte do Senhor Ministro da Administração Interna titular à data da decisão administrativa - 30 de Agosto de 2002.

5.ª- Verifica-se, assim, um caso de incompetência, que é de conhecimento oficioso (cf. o disposto no art. 41° do R.G.C.O. e no art. 32° do C.P.P.), e que implica a anulação da decisão administrativa recorrida. Caso assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, mas sempre sem conceder,

6.ª- O ora recorrente aceitou a prática da infracção, tendo efectuado voluntariamente o pagamento da coima, pelo mínimo legal.

7.ª- Da sua conduta, que foi meramente negligente, não resultou qualquer perigo para a segurança rodoviária. Além disso,

8.ª- O ora recorrente tem sido um condutor consciencioso e, por norma, respeitador das regras de trânsito. Acresce que,

9.ª - O ora recorrente é viúvo, tem um filho menor a seu cargo e exerce a profissão de Controlador de Tráfego Aéreo na empresa "NAV – Navegação Aérea Portuguesa", no Aeroporto de Faro, funções que desempenha em regime de turnos, tendo, por isso, absoluta necessidade de conduzir a sua viatura.

10.ª- Do registo de condutor do ora recorrente apenas consta, nos últimos três anos, a prática de uma única infracção.

11.ª - Desde a prática da infracção, o ora recorrente redobrou os seus cuidados de condução, não tendo praticado, desde então, qualquer outra infracção.

12.ª- A mera censura do facto e a ameaça da sanção têm constituído punição e prevenção suficientes para o ora recorrente, alcançando as mesmas, no caso concreto, os fins de prevenção geral e especial da norma.

13.ª - 0 ora recorrente encontra-se, pois, nas circunstâncias previstas no art.142°, n.º 1, do Código da Estrada e no art. 50° do Código Penal para que lhe seja suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de seis meses e sem que seja condicionada a prestação de boa conduta.

14.ª- O que tudo se requer que seja decretado por esse Distinto Tribunal, com as legais consequências.

15.ª - Motivo por que deve ser revogada a douta sentença recorrida, que condenou o ora recorrente na sanção acessória de inibição efectiva de conduzir, pelo período de sessenta dias.
6. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, apresentou resposta o Ministério Público sustentando doutamente o não provimento ao recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
    v O art. 34.°, n.º 2, do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, estabelece uma competência própria do membro do Governo cujo conteúdo consiste na designação dos serviços competentes para aplicar as contra-ordenações, que não se confunde com a competência para aplicar contra-ordenações, não se podendo, assim, falar em delegação de competências.

    v Através do Despacho n.º 521/98, de 12/12/1997, publicado no Diário da República, II Série, de 09/01/1998, o Ministro da Administração Interna não transferiu para os governadores civis e para o director-geral de Viação o exercício de uma competência cuja titularidade, primária ou originária, lhe pertencia, mas antes atribuiu-lhes competência, definindo-a material e territorialmente, em conformidade com a definição da competência subjectiva e objectiva para a sua emissão constante do aludido art. 34.º, n.º 2.

    v A competência dos governadores civis e do director-geral de Viação será, assim, uma competência originária ou directa, no sentido de competência adquirida por força da lei ou por outro acto por ela habilitado, e não uma competência derivada ou indirecta, no sentido de competência delegada pelo órgão a que a lei primariamente a tenha reconhecido.

    v O Despacho n.º 521/98, de 12/12/1997, publicado no Diário da República, II Série, de 09/01/1998 encontrava-se em vigor à data da decisão administrativa.

    v Resulta do conteúdo do ponto n.º 2 do Despacho n.º 521/98, de 12/12/1997, publicado no Diário da República, II Série, de 09/01/1998, conjugado com o teor dos pontos n.º 2, al. h) e n.º 4 do Despacho n.º 6.723/2001, de 10 de Março de 2001, publicado no Diário da República, II Série, de 02/04/2001, do Despacho n.º 15.697/2001, de 09/07/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 30/07/2001, e do Despacho n.º 15.782-B/2001, de 9 de Julho de 2001, publicado no Diário da República, II Série, Suplemento, de 30/07/2001, que o chefe de divisão da Delegação de Viação de Beja possuía competência material para proferir a decisão administrativa nos presentes autos.

    v A conduta do recorrente ao ter ultrapassado em cerca de 35 km/h o limite máximo de velocidade estabelecido para o local é em si mesma considerada potencialmente perigosa para a vida, integridade física das pessoas que circulam com o condutor ou na via pública e para os bens patrimoniais de outras pessoas, dado que o limite máximo de velocidade imposto existe para garantir a segurança das pessoas e dos bens que circulam nas estradas ou se encontram próximo delas, sabido como é que a velocidade de marcha de um veículo tem notória e, normalmente, perniciosa – quando excessiva - influência na sua possibilidade do seu controlo, concorrendo para isso que mais facilmente se dêem acidentes.

    v As finalidades da punição da sanção acessória de inibição de conduzir visam salvaguardar, não só, fins de prevenção especial, mas sobretudo, fins de prevenção geral relacionados com o alto grau de sinistralidade rodoviária que existe nas estradas portuguesas.

    v A negligência, só por si, não fundamenta a aplicação da suspensão da execução da sanção acessória, e muito menos em sede de ilícitos de natureza estradal, atento a que a observância dos deveres de cuidado em causa estão associados às especiais finalidades de prevenção geral já atrás mencionadas.

    v Não se vislumbra razão para a aplicação da suspensão da execução de tal sanção acessória no presente caso, tendo em conta o repetido comportamento ilícito do arguido, com prática de outra contra-ordenação grave da mesma natureza em período anterior não superior a um ano, e o facto de o recorrente, apesar de ter beneficiado da suspensão da execução relativa à anterior infracção, não ter adequado a sua conduta às regras estradais, denotando alguma indiferença pela advertência contida na anterior decisão.

7. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente veio responder nos termos constantes de fls.98 a 101 dizendo, em resumo, não concordar com o douto parecer no que diz respeito à posição defendida a propósito do membro do Governo responsável pela tutela, remetendo para o sentido do acórdão proferido por este Tribunal no âmbito do proc.com o n.º 806/02, onde alega ter sido perfilhada a orientação que a competência para a decisão dos processos de contra-ordenação estradais competem, em primeira linha, ao Senhor Ministro da Administração Interna em exercício de funções à data em que é proferida a decisão; que o parecer não explica como é que se ultrapassa a ilegalidade decorrente do despacho de delegação de poderes do Senhor Director Geral de Viação ter sido proferido no uso da faculdade que lhe é conferida pelos art. 27.º e 30.º da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho, disposições inaplicáveis aos casos de processos de contra-ordenações estradais e que, do ponto de vista material, se reportam a outro tipo de competências, nem explica que a subdelegação de poderes, que só pode ser conferida, após autorização do director geral, não mencione no respectivo despacho essa condição, o que faz pressupor que essa autorização não existe.
9. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir:
II

1. No caso este tribunal conhece apenas de direito (artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-ordenações [Alterado pelos Decretos-Leis n.º 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro]).

De acordo com as conclusões da motivação, que delimitam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), as questões trazidas à discussão neste tribunal consistem em saber se o acto de aplicação da sanção acessória é inválido, por incompetência material do Chefe de Divisão da Delegação de Viação de Beja, com a consequente anulação da decisão administrativa, ou, não procedendo o invocado vício, se deve suspender-se a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir aplicada ao recorrente.

2. Com antes se referiu, a decisão de aplicação da sanção acessória ao recorrente foi proferida pelo Chefe de Divisão da Delegação de Viação de Beja. A primeira questão que cabe decidir, tal como emerge das conclusões da motivação, é a referente à eventual nulidade do acto administrativo que aplicou ao recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir, porque alegadamente proferido por quem não detinha competência para o efeito, questão de conhecimento oficioso, nos termos do art.32.º do CPP, aplicável por força do disposto no art. 41.º n.º1 do RGCO.

2.1. Nos termos do artigo 33.º do Decreto-lei n.º 433/82, o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas competem às autoridades administrativas.

Na definição da competência em razão da matéria, dispõe o artigo 34.º que «a competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações» (n.º 1) e que «no silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover» (n.º 2).

O Código da Estrada, que prevê e pune a contra-ordenação em apreço, não contém nenhuma norma de competência para a decisão de aplicação das contra-ordenações ali previstas, estabelecendo no seu art. 150.º a aplicação das normas gerais que regulam o processo das contra-ordenações às contra-ordenações previstas naquele Código.

Assim sendo, e no silêncio da lei, rege o disposto no art. 34.º n.º2 do RGCO, que atribui ao membro do governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover a competência para designar os serviços competentes para aplicar as contra-ordenações.

O Ministro da Administração Interna, pelo despacho n.º 521/98, de 12.12.97, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Janeiro de 1998, em vigor à data da prática dos factos, atribuiu a competência para aplicação de sanções por infracção às disposições do Código da Estrada ao Governador-Civil do distrito em que se tiver consumado a infracção ou ao Director-Geral de Viação.


O n.º 2 desse despacho é do seguinte teor:

«2 – A decisão sobre aplicação das sanções por infracção às disposições do Código da Estrada compete às seguintes entidades:
a) Ao governador civil do distrito em que foi cometida a infracção, se se tratar de uma contra-ordenação muito grave, e em todos os casos em que tenha sido apresentada defesa, nos termos do n.º 3 do artigo 155.º do Código da Estrada;
b) Ao director-geral de Viação, nos restantes casos.

Se bem interpretamos o n.º 2 do artigo 34.º, aí não se verifica uma atribuição da competência para o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias ao membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover; do que se trata é de habilitar o membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover a definir, no silêncio da lei, os serviços competentes para o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias.

A ser assim, como nos parece que é, o despacho antes referido do Ministro da Administração Interna não consubstancia um despacho de delegação de poderes (o artigo 34.º, n.º 2, não lhe atribui a competência para o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias) mas um despacho de atribuição de competência.

O Tribunal Constitucional no seu aresto de 18 de Junho de 1997, publicado no BMJ n.º 468, pag. 7 e ss, a propósito de questão similar, entendeu também que “o acto de designação dos serviços competentes (que, aliás, não se confunde com a designação individualizada dos respectivos dirigentes) traduz o exercício de uma determinada competência do membro do Governo que não se confunde com a competência para aplicar contra-ordenações, não se podendo, assim, falar em delegação de competências. Apenas haveria delegação de competências se o membro do Governo delegasse noutra entidade a competência para designar os serviços competentes para aplicar as contra-ordenações. Uma situação de delegação de competências desse tipo é, aliás, a que se prevê no n.º 3 do art.34.º, aditado pelo DL 356/89, de 17 de Outubro”. [1]

A delegação de poderes (ou de competências), concebida como instrumento da desconcentração administrativa, é, no Código do Procedimento Administrativo (artigo 35.º, n.º 1) o acto pelo qual um órgão, legalmente habilitado para o efeito, permite que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria. «Ou seja, e segundo a doutrina hoje mais generalizada, trata-se de um acto pelo qual um órgão transfere para outro o poder de exercício normal de uma competência cuja titularidade lhe pertence (primária ou originariamente).» [Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 210, Paulo Otero, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, 1992, paa.142].

Assim, de acordo com esta noção, para que se possa falar em delegação de competências é necessário, desde logo, que o órgão delegante seja normalmente competente para decidir em determinada matéria.

Nos termos do artigo 29.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, a competência é definida por lei ou por regulamento. Assim, a competência administrativa é fixada por lei ou por acto por ela habilitado.

Ora, o artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, habilitou, justamente, o Ministro da Administração Interna a, no silêncio da lei, designar competentes os governadores civis para o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias no âmbito do Código da Estrada; o despacho referido foi emitido em conformidade com a definição da competência subjectiva e objectiva para a sua emissão contida no artigo 34.º, n.º 2.

Pelo despacho referido, o Ministro da Administração Interna não transferiu para o director Geral de Viação exercício de uma competência cuja titularidade, primária ou originariamente lhe pertencia.

Na verdade, a competência do Ministro da Administração Interna resulta da Lei Orgânica do seu Ministério, aprovada pelo DL 55/87, de 31 de Janeiro, competindo-lhe promover, de acordo com as directrizes do Governo, a formulação, co-execução da política de segurança interna e protecção civil, entre outras.

No domínio da circulação e segurança rodoviária, a DGV é o órgão especialmente incumbido de, nos domínios da circulação e da segurança rodoviária, estudar, propor e executar as medidas adequadas ao planeamento e ordenamento do tráfego automóvel, bem como à uniformização e coordenação da respectiva fiscalização, além das atribuições e competências ditadas na respectiva lei orgânica (aprovada pelo DL 484/99, de 10/11).

Assim, o despacho do MAI consubstancia, antes, uma definição de competência, material e territorial, do governador civil do distrito (órgão desconcentrado do MAI) e do director geral de viação, em conformidade com a definição da competência subjectiva e objectiva para a sua emissão constante do aludido art. 34.º n.º2.

Neste entendimento, a competência dos governadores civis e o director geral de Viação é uma competência originária ou directa, no sentido de competência adquirida por força da lei ou por acto por ela habilitado, e não uma competência derivada ou indirecta, no sentido de competência delegada pelo órgão a que a lei primariamente a tenha reconhecido [Para mais desenvolvimentos sobre os conceitos referidos, cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Volume I, Lex, Lisboa, 1999, p. 186]. [2]




O referido despacho, como salienta o Ministério Público, foi expressamente revogado pelo ponto n.º5 do Despacho n.º 24.798/2002, de 28.10.2002, publicado no DR, II Série, de 21.11.2002, proferido pelo actual Ministro da Administração Interna.

Ora, tal declaração expressa de revogação não faria sentido se se entendesse que o despacho anterior configuraria uma situação de mera delegação de poderes, como sustenta o recorrente, uma vez que, com a cessação das funções do anterior ministro, teria cessado automaticamente a delegação, sem necessidade de ulterior declaração de revogação da delegação para o efeito.

Nos termos do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 433/82, os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo podem delegá-la nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.

Enquanto o n.º 2 se reporta à atribuição de competência, o n.º 3, esse sim, refere-se à delegação de competência.

A delegação de competência ou delegação de poderes, já antes definida, é uma das formas de aquisição da competência, como já aludimos.

De acordo com o artigo 35.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo: «os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria».

E o n.º 2 do mesmo preceito dispõe: “Mediante um acto de delegação de poderes, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto, pratiquem actos de administração ordinária nessa matéria.

Habilitado legalmente, o director geral de Viação pelo despacho n.º 6723/2001, de 10-3-2001, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 2001, delegou a sua competência originária ou directa em matéria de aplicação de sanções às infracções das disposições do Código da Estrada, prevista na alínea a) do n.º 2 do despacho n.º 521/98 do Ministro da Administração Interna, entre outros, no licenciado ..., director de serviço da Direcção Regional de Viação do Alentejo, dando-lhe competência para proferir decisões, incluindo a aplicação de coimas e sanções acessórias, bem como condenação em custas no processo de contra-ordenação cuja decisão cabe ao director geral de Viação (ponto n.º2, alin.h).

E no ponto 4 do despacho n.º6723/2001 é mencionado que “os directores de serviços podem subdelegar, após autorização do director geral, nos chefes de divisão as competências delegadas, sem possibilidade de nova subdelegação”.



Pelo despacho n.º 15.697/2001, de 9 de Julho de 2001, publicado no DR, II Série, de 30.7.2001, o director regional de Viação do Alentejo subdelegou no chefe de divisão da delegação de Viação de Beja, o licenciado ..., a competência que havia sido em si delegada pelo director geral de viação no ponto 2, alin.h) do citado despacho.

Ainda que no despacho de subdelegação não seja feita qualquer referência expressa a qualquer acto de subdelegação pelo director geral de Viação, tal acto consta do despacho n.º 15.782-B/2001, de 9 de Julho de 2001, publicado no DR, II Série, suplemento de 30.7.2001, no qual é referido que o director geral de Viação autoriza o director de serviço da Direcção Regional de Viação do Alentejo a proceder à subdelegação nos respectivos chefes de divisão, das competências delegadas no director de serviço pelo director geral através do despacho n.º 6723/2001.

E procedeu em conformidade com o que dispõe o artigo 35.º do Código do Procedimento Administrativo, obedecendo o acto de delegação aos requisitos especificados nos n.º 1 e 2 do artigo 37.º do mesmo Código.

A infracção em causa não é muito grave, nem o recorrente apresentou qualquer defesa na fase administrativa, nos termos do disposto no art. 155.º n.º3 do C. Estrada, pelo que a competência originária para decidir sobre a aplicação de sanções por infracção às disposições do C. Estrada, pertencia ao director geral da DGV, nos termos do despacho ministerial em vigor.

Pelo exposto, a decisão administrativa que, no uso de competência subdelegada, aplicou ao recorrente, pela prática da contra-ordenação estradal prevista no art. 27.º n.º1 do Código da Estrada, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 60 dias, não enferma do vício de incompetência material, nem de qualquer vício dos enumerados no art. 133.º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que improcedem as conclusões 1 a 5.

2.2 – Da 2.ª questão suscitada no recurso.
O recorrente requereu ainda, para o caso de não provimento do pedido de anulação da decisão administrativa, a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 6 meses e sem que seja condicionada à prestação de caução de boa conduta, salientando que aceitou a prática da infracção, tendo efectuado voluntariamente o pagamento da coima, da sua conduta não resultou qualquer perigo para a segurança rodoviária, que tem sido um condutor consciencioso e, por norma, respeitador das regras de trânsito, a absoluta necessidade de utilizar a sua viatura nas suas deslocações profissionais, por ter a profissão de controlador de tráfego aéreo na empresa NAV – Navegação Aérea Portuguesa, no aeroporto de Faro, onde trabalha em regime de turnos, além de ser viúvo e ter um filho menor a seu cargo.

O tribunal de 1.ª instância deu como assentes os seguintes factos:
    § No dia 16 de Março de 2002, pelas 15,12 horas, no IC 1, ao km 686,8, na Comarca de Ourique, o recorrente conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 51-59-BU, à velocidade de 125 km/h.
    § O recorrente, que sabia que a velocidade máxima permitida no local referido era de 90 km/h, imprimia a velocidade de 125 km/h sem se aperceber de que o fazia, por circular de forma desatenta e descuidada, não agindo com o cuidado que lhe era exigível e de que era capaz.

    § No Registo de Infracções do Condutor, ora recorrente, mostra-se averbada a seguinte decisão: condenado no processo de contra-ordenação n.º 317612662 em sanção de inibição de conduzir por 30 dias a qual foi suspensa na sua execução por decisão de 28.12.01 e relativa a factos praticados em 10.04.01 os quais consubstanciavam uma infracção ao art. 27.º -1-1 do Código da Estrada.

    § O recorrente procedeu ao pagamento voluntário da coima.
    § O recorrente presta serviço para a NAV – Navegação Aérea de Portugal, como controlador de tráfego aéreo no Aeroporto de Faro.
    §
***
Visto que do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não resulta qualquer dos vícios previstos no n.º2 do art. 410.º do CPP, de conhecimento oficioso, considera-se fixada a matéria de facto descrita.

Da factualidade dada como provada resulta que o recorrente praticou a contra-ordenação pela qual foi condenado em sede administrativa nos termos dos art. 27.º n.º1 e 2, alin. a), 135.º, 137.º, 140.º, 146.º, alin.b) e 144.º, todos do C. Estrada.

Uma vez que se trata de uma infracção grave, a mesma é cominada para além da coima com a sanção de inibição de conduzir pelo período de 1 mês a 1 ano.

Considerando que o recorrente praticou em 10 de Abril de 2001 uma contra-ordenação do mesmo tipo (excesso de velocidade) pela qual lhe foi aplicada a sanção de inibição de conduzir por 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias, por decisão de 28.12.01, foi considerado reincidente.

Defende o recorrente que deve ser-lhe suspensa a sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 6 meses.

O art. 142.º n.º1 do C.E. dispõe que “pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas.

O art. 50 n.º 1 do CP dispõe que Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso, interessa pois, a verificação do pressuposto material - o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido e se convença que a simples censura do facto e a ameaça da sanção, acompanhadas ou não da imposição de deveres, bastarão para afastar o delinquente da prática de contra-ordenações de índole rodoviária.

Como já se referiu o arguido praticou em 10 de Abril de 2001 uma contra-ordenação da mesma natureza, pela qual lhe foi aplicada a sanção de inibição de conduzir por 30 dias, suspensa por 180 dias.

As circunstâncias da infracção e a conduta do arguido anterior à mesma, não nos permitem concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido e que a simples censura do facto e a ameaça da sanção, mesmo acompanhadas da imposição de deveres, bastarão para o afastar da prática de contra-ordenações rodoviárias.

Como se refere, e bem, na decisão recorrida " o recorrente, apesar de ter beneficiado da suspensão da execução relativa à anterior infracção, não adequou a sua conduta às regras estradais, denotando alguma indiferença pela advertência contida na anterior decisão…”.

Os tribunais perante este quadro não podem assumir uma posição permissiva nomeadamente perante situações de reincidência, como é o caso dos autos.

O argumento invocado, de que o recorrente necessita de conduzir para exercer a sua actividade profissional, não pode ser atendido sob pena se abrir um precedente nada motivador do cumprimento das regras estradais, nomeadamente em relação àqueles condutores que mais utilizam a vias públicas e que consequentemente criam maior risco aos restantes utentes das mesmas.

Os condutores profissionais e aqueles que para exercer a sua actividade profissional têm de utilizar frequentemente as vias públicas, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais, e por serem os que utilizam as vias públicas com mais frequência, criando assim maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir.

Como refere o Ministério Público na sua resposta “ as finalidades da punição da sanção acessória de inibição de conduzir visam salvaguardar, não só, fins de prevenção especial, mas sobretudo, fins de prevenção geral relacionados com o alto grau de sinistralidade rodoviária que, facto notório, existe nas estradas portuguesas.
(…)
Proceder à suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir de cada vez que a mesma pudesse contender com o exercício da actividade profissional do agente, ou mesmo com a sua vida pessoal, seria o mesmo que considerá-la automática, dependendo da profissão ou das condições pessoais do agente, e negar a existência dos pressupostos que configuram a sua admissibilidade nos termos penais gerais (vide art. 142.°, n.º 1, do Código da Estrada), determinando a impunidade para os infractores.

Assim, não nos parece que estejam preenchidos os pressupostos para suspender ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir que lhe foi aplicada.
III
Nos termos expostos, acordam os juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e consequentemente manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cfr. art. 82.º e 87.º n.º1, alin.b) e n.º3 do CCJ e 93.º n.º2 do RGCO).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado).

Évora, 2003.11.18

F.Ribeiro Cardoso
Onélia Madaleno
Gilberto Cunha




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[1] -A constitucionalidade do despacho n.º521/98 do Ministro da Administração Interna foi apreciada e confirmada nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 237/2003, de 14 de Maio de 2003, e 387/2003, de 15 de Julho de 2003, in www.tribunalconstitucional.pt/acórdãos”.
[2] - No Ac.Rel.Porto de 20.11.2002, in www.dgsi.pt, de que é relatora a Ex.mª Juiz Des. Drª Isabel Pais Martins, é sustentada a posição acima expressa.