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EXECUÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Sumário
No âmbito da Convenção de Lugano que reproduz, praticamente, a Convenção de Bruxelas, as decisões proferidas num Estado Contratante e que nesse Estado tenham força executiva, podem ser executadas em outro Estado Contratante depois de nele terem sido declaradas executórias. O processo de reconhecimento e execução é simplificado (cfr. título II da Convenção) e só pode ser indeferido nos casos taxados dos artºs 27º e 28º da referida Convenção.
Texto Integral
PROCESSO Nº 2529/03
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
“A” intentou contra “B”, acção de reconhecimento dos pressupostos de executoriedade de sentença francesa, pedindo se declare executória a sentença condenatória proferida em 20/1/99 contra o requerido, no âmbito do processo registado sob o nº ..., pelo Tribunal de Comércio de ..., em França.
O Tribunal a quo, considerando mostrarem-se reunidos os requisitos dos artºs 27º e 28º da Convenção de Genebra, autorizou o reconhecimento da exequibilidade da sentença estrangeira e determinou a citação do Requerido nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 36º da citada Convenção.
Verificando-se, entretanto, que o Requerido falecera, teve lugar o incidente de habilitação de herdeiros, julgando-se habilitada sua filha “C”.
Notificada daquela decisão, veio esta interpor recurso nos termos de fls. 87 e segs., invocando a nulidade da citação e a incompetência territorial dos Tribunais Portugueses para a execução da sentença.
Conhecendo do recurso, veio esta Relação a fls. 115 e segs. a julgar procedente o recurso “determinando a repetição da citação da recorrente para os termos dos autos de execução com observância dos termos e prazos legais, seguindo-se a ulterior tramitação processual legal”.
Cumprido o determinado, de novo recorreu a Requerida habilitada, alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal Judicial de ... é territorialmente incompetente, pois a) a dívida foi contraída em França e aí tinha de ser cumprida; b) a decisão foi proferida por um tribunal francês; por isso a execução tinha que ser instaurada em tribunal francês; não tendo isso acontecido violaram-se os artºs 5º da Convenção de Bruxelas e 74º nº 1 do C.P.C..
2 - O Requerido, pai da ora recorrente não residia nem se encontrava domiciliado em ..., concelho de ..., o mesmo acontecendo com a ora recorrente, pelo que o Tribunal Judicial de ... é territorialmente incompetente para decidir da presente execução tendo por isso sido violado o artº 2º da Convenção de Bruxelas.
3 - Por último, não deve proceder o argumento do artº 5º da douta p.i., uma vez que o Requerido e sua herdeira não eram nem são proprietários de bens situados na área de competência do Tribunal Judicial de ..., sendo por isso, mais uma vez incompetente “em razão do foro territorial dos bens” tendo sido violado o artº 94º nº 3 do CPC.
4 - Assim, não se encontram preenchidos os requisitos para que a recorrida obtenha a declaração de exequibilidade da decisão proferida no estrangeiro.
A Requerente apelada contra-alegou nos termos de fls. 165/166, concluindo pela confirmação da decisão.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artº 690º nº1 do C.P.C.), verifica-se que a questão a decidir é, apenas, a de se saber se se verificam ou não os requisitos para que a Apelada obtenha a declaração de exequibilidade da sentença estrangeira.
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Em face dos documentos constantes dos autos mostra-se provado que:
1 - Por sentença de 4 de Abril de 1997, da 6ª Vara do Tribunal do Comércio de ... (França), rectificada em 20/01/99, “B” foi condenado a pagar à requerente “A”, na sua sucursal de Paris, a importância de FF 100.312,49, acrescidos dos juros à taxa legal a partir de 17/09/91 - docs. de fls. 5 a 19.
2 - Tal sentença transitou em julgado em 16/07/97 - docs. de fls. 20 a 22.
3 - “B” faleceu no dia 16/7/1998 em ..., França - doc. de fls. 91.
4 - Por sentença de 18/02/02, proferida no processo apenso, foi habilitada, como sua herdeira, sua filha “C”.
Conforme resulta do artºs 31º da Convenção de Lugano, publicada no DR I Série-A, nº 250, Suplemento de 30/10/1991, que reproduz, praticamente na íntegra a Convenção de Bruxelas, as decisões proferidas num Estado Contratante e que nesse Estado tenham força executiva, podem ser executadas em outro Estado Contratante, depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.
O processo de reconhecimento e de execução é unificado, sendo extremamente simplificado, como resulta das disposições constantes do seu Título III.
Com efeito, o tribunal em que for apresentado o requerimento decidirá em curto prazo, não podendo a parte contra a qual a execução é promovida apresentar observações nesta fase do processo.
E o requerimento para reconhecimento e autorização de execução só pode ser indeferido por qualquer dos motivos previstos nos artºs 27º e 28º da Convenção não podendo as decisões estrangeiras, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito (cfr. artº 34).
Sendo autorizada a execução, a parte contra a qual é promovida pode interpor recurso da decisão, restrito à matéria de direito, para o Tribunal da Relação (cfr. artºs 36º, 37º e 40º).
Assim sendo, o recurso interposto da decisão de reconhecimento e autorização de execução de sentença estrangeira, restrito a matéria de direito, apenas pode ter por fundamento a violação do disposto nos citados artºs 27º e 28º da Convenção.
Ora, dispõe o artº 27º da Convenção de Lugano, que reproduz o mesmo artº da Convenção de Bruxelas, que “as decisões não serão reconhecidas: 1 - Se o reconhecimento for contrário à ordem pública do Estado requerido; 2 - Se o acto que determinou o início da instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir-lhe a defesa; 3 - Se a decisão for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado requerido; 4 - Se o tribunal do Estado de origem, ao proferir a suadecisão, tiver desrespeitado regras de direito internacional privado do Estado requerido na apreciação de questão relativa ao estado ou à capacidade das pessoas singulares, aos regimes matrimoniais, aos testamentos e às sucessões, a não ser que a sua decisão conduza ao mesmo resultado a que se chegaria se tivessem sido aplicadas as regras de direito internacional privado do Estado requerido; 5 - Se a decisão for inconciliável com outra anteriormente proferida num Estado não contratante entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reuna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado requerido”
Por sua vez, dispõe o artº 28 da citada Convenção que “As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções III, IV e V do Título II, ou no caso previsto no artº 59º.
O reconhecimento de uma decisão pode ainda ser recusado num dos casos previstos no 3 do artº 54º-B ou no nº 4 do artº 57º”
Conforme resulta das conclusões da sua alegação, a apelante não invoca a verificação de qualquer dos pressupostos de não reconhecimento da decisão previstos nos referidos artºs 27º e 28º, pretendendo apenas que “não se encontram preenchidos os requisitos para que a recorrida obtenha a declaração de exequibilidade da decisão proferida no estrangeiro”, alegando “a incompetência territorial do Tribunal Judicial de ...” com base nos artºs 2º e 5º da Convenção de Bruxelas e 74º nº 1 e 94º nº 3 do C.P.C..
Certamente que a referência à incompetência territorial se deverá a lapso da apelante já que tal questão não pode aqui ser suscitada, uma vez que nos encontramos no âmbito de aplicação de convenção internacional que tem por fim determinar a competência dos Tribunais dos Estados contratantes na ordem internacional e, por conseguinte, o que poderá estar em causa é a competência internacional dos tribunais portugueses.
Ora, os artºs 2º e 5º invocados pela apelante não se inserem em nenhuma das mencionadas Secções III, IV e V do Título II, mas sim nas secções I e II daquele Título (que se destinam a regular a competência internacional da acção declarativa em que sejam demandados os domiciliados nos Estados Contratantes, respectivamente disposições gerais e competências especiais).
Acresce que, nos termos ainda do citado artº 28º, na apreciação das competências nele referidas, “a autoridade requerida estará vinculada às decisões sobre a matéria de facto com base nas quais o tribunal do Estado de origem tiver fundamentado a sua competência”, não podendo proceder-se ao controlo da competência dos tribunais do Estado de origem (salvo nos casos taxados), e esclarece-se ainda que as regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o nº 1 do artº 27º.
Assim sendo, não se verificando, in casu, qualquer dos fundamentos de indeferimento previstos nos artºs 27º e 28º da Convenção citada, preceitos que, como se referiu, não contemplam os invocados artºs 2º e 5º da mesma Convenção e, portanto, não resultando da referida sentença que os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes, impõe-se a confirmação da decisão recorrida.
DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juizes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas (artº 3º do Protocolo nº 1 anexo à Convenção).