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INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
REENVIO
NEGLIGÊNCIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
Sumário
A sentença proferida em recurso de contra-ordenação enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art. 410º nº2 al. a) do CPP, quando na mesma não constam, nos factos provados ou não provados, factos que constavam como provados na decisão administrativa referentes ao elemento subjectivo da infracção, relevantes para a decisão da causa.
Chambel Mourisco
Texto Integral
Processo nº 2490-03-3
Acordam, em audiência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
A Delegação do I.D.I.C.T. de ... levantou auto de notícia a A. ..., por infracção ao art. 10º nº1 do DL nº 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 398/91, de 16 de Outubro, em virtude de, no dia 5/11/2001, pelas 17.10 h, ter ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção e no exercício das respectivas funções os trabalhadores ..., sem que tivesse efectuado o registo prévio desse trabalho no livro próprio.
O auto de notícia foi confirmado em 11/01/2002 pelo Inspector Delegado da Delegação Regional de ... do I.D.I.C.T., tendo sido instruído o respectivo processo de contra-ordenação, no termo do qual foi proferida decisão, que considerou que a arguida cometeu a contra-ordenação prevista no art. 10º nº1 do DL nº 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 398/91, de 16 de Outubro, imputável a título de dolo e reincidência, e aplicada em concreto a coima no montante de € 19.000.
A arguida interpôs recurso de impugnação judicial desta decisão para o Tribunal do Trabalho de ..., que negou provimento ao recurso.
Inconformada com a decisão daquele tribunal, a arguida interpôs o presente recurso, tendo nas suas motivações formulado as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida ignorou totalmente a prova produzida nos presentes autos (designadamente, os depoimentos das testemunhas arroladas pela ora Recorrente e a prova documental junta aos autos) e não aplicou correctamente o direito à matéria de facto provada e há matéria de facto que nem sequer foi considerada na sentença recorrida. 2. A sentença recorrida não se pronunciou, nem analisou, a questão da violação por parte da decisão da autoridade administrativa dos princípios da legalidade, proporcionalidade e culpabilidade. 3. A decisão objecto presente recurso encontra-se, assim, viciada por omissão de pronúncia, pelo que a sentença objecto do presente recurso é nula, nos termos do artigo 379° n.° 1 al. c) do C.P.P.. 4. Acresce que, o Auto de Notícia que originou os presentes autos é nulo, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. 5. Com efeito, a notificação a efectuar pelas autoridades administrativas para efeitos do disposto no artigo 50° do Decreto-Lei n.° 433/82de 27 de Outubro (doravante, R.G.C.O.), para além dos factos objectivos integradores da contra-ordenação, deve fazer referência aos factos que traduzem a imputação subjectiva bem como aos que podem influir na determinação concreta da sanção a aplicar, uma vez que o pleno exercício do direito de defesa previsto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 50° do R.G.C.0. pressupõe que, aquando da comunicação efectuada ao arguido para que este se pronuncie sobre a violação que lhe é imputada, essa comunicação contenha os factos respeitantes aos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável. 6. O Auto de Notícia que originou os presentes autos limita-se, de forma vaga e genérica, a afirmar que os trabalhadores identificados na visita inspectiva "se encontravam a prestar trabalho suplementar". 7. Tendo em conta os elementos constantes do Auto de Notícia, não é possível determinar se, à hora em que se iniciou a visita inspectiva, os trabalhadores identificados se encontravam a trabalhar e quais as tarefas que, concretamente, estariam a desempenhar. 8. A prestação de trabalho suplementar não é, por si só, um facto, é, antes uma consequência de determinados factos e condutas. Ora, os factos e condutas que poderiam levar à conclusão de que os trabalhadores identificados se encontravam a prestar trabalho suplementar não constam do Auto de Notícia, nem foi efectuada qualquer prova de que os mesmos estivessem a trabalhar. 9. Nos termos do artigo 21° da Lei n.° 116/99 de 04 de Agosto (R.G.C.O.L.1, o Auto de Notícia tem que "mencionar especificadamente os factos que constituem a contra--ordenação, o dia, hora, local e as circunstâncias em que foram cometidos ". 10. No caso em análise nos presentes autos e tendo em conta os elementos constantes do Auto de Notícia, não é possível determinar se, à hora em que se iniciou a visita inspectiva, os trabalhadores identificados se encontravam a trabalhar e quais as tarefas que, concretamente, estariam a desempenhar. 11. Caso a comunicação ao Arguido, ora Recorrente, não contenha - como não continha no caso em análise nos presentes autos - os factos referidos no parágrafo precedente e sendo tais factos considerados na decisão condenatória da autoridade administrativa, esta e os demais termos do processo serão nulos. 12. Esta matéria já foi objecto de fixação de Jurisprudência no Assento n.° 1 /2003 (Diário da República I Série-A de 25.01.20031, tendo o Supremo Tribunal de Justiça considerado que: "Quando em cumprimento do disposto no artigo 50° do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matéria de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado pelo vício da nulidade ...". 13. Atenta a nulidade do Auto de Notícia, todo o processo terá que se considerar nulo e nenhuma coima poderá ser aplicada à Recorrente. 14. Na fixação da matéria de facto provada, o Tribunal "a quo" fundou a sua convicção no depoimento da testemunha "...”, inspector do trabalho pelo conhecimento directo que revelou dos factos e pelo modo isento, objectivo e conciso como depôs", não fazendo qualquer referência à prova produzida pela Recorrente, designadamente a prova testemunhal produzida. 15. O Tribunal fundou a sua convicção numa testemunha que referiu expressamente que a visita havia ocorrido em Novembro de 2000 (e não em Novembro de 2001 como veio a ser considerado como provado na sentença recorrida) e de ter referido que não sabia quais as tarefas que cada um dos trabalhadores estava a fazer ou mesmo se os mesmos se encontravam ainda a trabalhar (não obstante, o Tribunal "a quo" deu como provado que quando a visita inspectiva se iniciou todos os trabalhadores estavam a trabalhar). 16. À hora em que se iniciou a visita inspectiva ainda não existia a obrigação de proceder ao registo de trabalho suplementar uma vez que tal visita ainda se iniciou dentro do período de tolerância previsto no artigo 5° n.° 3 do D.L. 409/71 de 27.09. 17. A hora constante do Auto de Notícia (17h 10m) é, como é reconhecido na Proposta de Decisão (v. fls. 53 dos autos), a hora da conclusão da visita inspectiva e não a hora em que tal visita se iniciou. 18. Da prova testemunhal efectuada pela ora Recorrente (v. depoimentos prestados pelas testemunhas ... do IDICT de ...), ficou demonstrado que a visita inspectiva se iniciou cerca das 16 horas e 45 minutos do dia 05.11.2001. 19. À hora em que se iniciou a visita inspectiva os trabalhadores identificados já se preparavam para abandonar as instalações da Recorrente uma vez que já tinham as suas tarefas concluídas e nesse dia não havia intenção nem necessidade de recorrer à prestação de trabalho suplementar (v. a este propósito as declarações prestadas pelo Director da A. .... 20. Não obstante a prova inequívoca produzida, quer na fase administrativa do processo (v. depoimentos escritos), quer em sede de audiência de discussão e julgamento (depoimentos estes que foram totalmente ignorados na sentença recorrida), quanto à hora de início da visita inspectiva, tal prova não foi tida em conta na sentença recorrida. 21.A visita inspectiva iniciou-se ainda dentro da tolerância permitida por Lei, pelo que o Balcão de ...da Recorrente não violou o disposto no artigo 10° do Decreto-Lei n.° 421/83 de 02.12, não tendo, por isso, sido praticada qualquer infracção. 22. A sentença recorrida considerou como provado que "à data da visita inspectiva estava pendente para apreciação pelo IDICT um pedido de isenção de horário de trabalho relativamente ao trabalhador .... o qual foi deferido pelo prazo de um ano no dia 12-11-2001. Porém já auferia esc. 155.580$00 mensais de isenção de horário de trabalho", ou seja, a isenção de horário de trabalho veio a ser autorizada ao trabalhador ... sete dias após a realização da visita inspectiva que originou os presentes autos. 23. Não obstante a matéria de facto provada, a sentença recorrida entendeu não poder ser considerada como válida a situação de isenção de horário de trabalho de facto do trabalhador.... Para sustentar esta sua posição, a sentença recorrida transcreveu o Acórdão de STJ de 16.12.200 (CJ, STJ, 2000, 1 ° - 265). 24. O Acórdão citado pela sentença recorrida não traduz uma situação semelhante à ocorrida nos presentes autos. Com efeito, no Acórdão citado, a isenção de horário de trabalho veio a ser indeferida ("...e esta não foi autorizada... ") e, no caso em análise nos presentes autos, tal isenção veio a ser deferida pelo IDICT de Évora sete dias após a visita inspectiva. 25. O deferimento da isenção de horário de trabalho do trabalhador ... demonstra inequivocamente que este, à data da visita inspectiva, já reunia todos os requisitos necessários para a existência de tal isenção, tanto mais que já vinha recebendo a quantia mensal de Esc. 155.580$00 a título de complemento por isenção de horário de trabalho. 26. A Doutrina e Jurisprudência dominantes têm vindo a considerar válidas as situações de isenção de horário de trabalho de facto (v., entre outros, A. Menezes Cordeiro, in Isenção de Horário - Subsídios para a Dogmática Actual da Duração de Trabalho, Almedina, pág. 93 e seg.; Ac. do STJ de 03.07.1996, Ac. Dout., 419, pág. 1341 e segs.; Ac. do STJ de 27.05.1992, in BMJ, 417°-554 e Ac. do STJ de 08.02.2001 ). 27. Acresce que, a partir do momento em que o trabalhador assinou a Declaração de Concordância o mesmo passou a actuar na plena convicção de que já estaria abrangido pela isenção de horário de trabalho, pelo que depois do fim do horário normal de trabalho não teria que proceder a qualquer registo de trabalho suplementar. 28. Ainda que já existisse a obrigação de proceder ao registo do trabalho como trabalho suplementar, a Recorrente, relativamente ao trabalhador ..., não violou qualquer disposição legal porquanto este trabalhador já beneficiava de isenção de horário de trabalho. 29. Não existem nos autos quaisquer elementos, factos ou indícios que permitam concluir que existiu intenção ou propósito dos responsáveis do Balcão de ... infringir a disposição legal que impõe o registo do trabalho suplementar antes do início da sua prestação. 30. Os responsáveis e os trabalhadores do Balcão actuaram sempre na plena convicção de que não estavam a violar qualquer disposição legal relativa ao registo do trabalho suplementar (v. a este propósito os depoimentos escritos das testemunhas arroladas pela Recorrente aquando da sua inquirição na fase administrativa do processo - IDICT de ...). 31. O não cumprimento da norma legal teria resultado do facto de, de acordo com a interpretação da norma legal constante do artigo 5° n.° 3 do citado D.L. n.° 409/71 de 27.09, os responsáveis do Balcão e os próprios trabalhadores estarem convencidos que ainda não estariam obrigados a proceder ao registo do trabalho suplementar por ainda estarem dentro do período de tolerância permitido por Lei. 32. Os responsáveis do Balcão pelo registo do trabalho suplementar actuaram sempre na plena convicção de que estavam a cumprir todas as obrigações relativas ao registo do trabalho suplementar, pelo que os responsáveis do Balcão de ... não agiram com dolo, nem sequer com negligência. 33. Só sendo punível uma conduta dolosa ou negligente, e não se tendo verificado uma actuação sequer negligente, a conduta do Balcão de ... da Recorrente não é passível de aplicação de coima, nos termos do artigo 3° da Lei n.° 116/99 de 4 de Agosto, artigo 8° n.° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e artigo 13° do Código Penal. 34. Não se tendo verificado uma actuação dolosa, nem sequer negligente, a conduta do Balcão de ... da Recorrente não é passível da aplicação de uma coima. 35. A conduta do Balcão de ... da Recorrente foi considerada reincidente porquanto, a sentença recorrida considerou como provado que, entre 28 de Maio e 28 de Novembro de 2001 a Arguida foi condenada pela prática de 13 contra-ordenações, para tal consideração a sentença recorrida baseou-se única e exclusivamente no Registo Individual de Infracções elaborado pela Inspecção do Trabalho (fis. 6 dos autos). 36. A sentença recorrida não poderia em caso algum ter considerado este registo como meio de prova para efeitos de reincidência da Recorrente uma vez que tal documento apenas se reporta a autuações não distinguindo quais os processos em que foi apresentada resposta escrita, quais os processos que já foram objecto de decisão transitada em julgado e quais os processos em que, eventualmente, se verificou o pagamento voluntário da coima. 37. Acresce que, não obstante de, nos termos do artigo 21° da Lei n.° 116/99 de 04 de Agosto (doravante, R.G.C.O.L.), o Auto de Notícia ter que mencionar especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, no Auto de Notícia que originou os presentes autos, os Senhores Inspectores Autuantes nada referiram quanto aos motivos que determinaram a aplicação da moldura da reincidência ao Balcão da Recorrente em causa nos presentes autos. 38. Como se disse, a notificação a efectuar pelas autoridades administrativas para efeitos do disposto no artigo 50° do R.G.C.O., para além dos factos objectivos integradores da contra-ordenação, tem que fazer referência aos factos que traduzem a imputação subjectiva bem como aos que podem influir na determinação concreta da sanção a aplicar. 39. Na verdade, o pleno exercício do direito de defesa previsto no artigo 32° da CRP e no artigo 50° do R.G.C.O. pressupõe que, aquando da comunicação efectuada ao arguido para que este se pronuncie sobre a violação que lhe é imputada, essa comunicação contenha os factos respeitantes aos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável. 40. Caso a comunicação ao Arguido (no caso, à Recorrente) não contenha os factos supra referidos e sendo tais factos considerados na decisão condenatória (como o foram na sentença recorrida), esta e os demais termos do processo serão nulos. 41. A notificação (Auto de Notícia, no caso em análise nos presentes autos) teria que conter - e não continha - os elementos necessários para que a Recorrente ficasse a conhecer os motivos relevantes que determinaram a aplicação da moldura da reincidência, tanto nas matérias de facto, como também nas matérias de direito - v. Assento n.° 1 /2003 (Diário da República I Série-A de 25.01.2003). 42. Por outro lado, para que se possa considerar a existência de reincidência num determinado comportamento, o agente que praticou o acto terá que, óbvia e necessariamente, ter sido o mesmo. 43. Atenta a autonomia orgânica existente, a reincidência apenas poderá ser analisada tendo em conta cada Balcão considerado individualmente e não a Instituição Bancária no seu todo, pelo que as condenações constantes do registo de infracções junto aos autos apenas poderão ser consideradas para efeitos de reincidência relativamente aos Balcões objecto de tais condenações e não em relação a qualquer outro Balcão da Recorrente. 44. A conduta do Balcão da Recorrente em causa nos presentes autos não poderá, pois, em qualquer caso, ser considerada como reincidente. 45. A decisão recorrida viola ainda o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18° n.° 2 da CRP, ao aplicar uma coima no valor de € 19.000,00 por uma alegada infracção cuja existência não se vislumbra, e que nenhum prejuízo, efectivo ou potencial, causou aos respectivos trabalhadores. 46. Assim, a norma constante do n.° 1 do artigo 11 ° do Decreto-Lei n.° 421/83 de 02 de Dezembro viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18° n.° 2 da CRP, o qual é plenamente aplicável ao caso sub judice. Como tal, esta disposição legal é inconstitucional, o que expressamente se invoca. 47. A decisão recorrida viola ainda o princípio da culpabilidade, decorrente do artigo 1 ° da CRP, porquanto pretende punir uma alegada infracção que terá resultado do facto de, tanto os responsáveis do Balcão como os próprios trabalhadores estarem convencidos que ainda estavam dentro do período de tolerância permitido por Lei e que nesse dia não havia necessidade nem intenção de recorrer à prestação de trabalho suplementar, não podendo, como tal, ter agido com culpa, nem sequer com negligência.
O Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta tendo concluído:
1. Não se verifica insuficiência da matéria de facto provada, justificando-se a condenação do recorrente pela prática do ilícito de mera ordenação social imputado; 2. Não se verifica qualquer vício de julgamento nem violação dos preceitos legais ou constitucionais indicados pelo recorrente. 3. Assiste razão ao recorrente quanto à invocada não comprovação nos autos de uma situação de reincidência. 4. Só nesta medida a decisão recorrida merecerá reparo e será passível de alteração.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento parcial ao recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º nº2 do C.P.P., não tendo a recorrente apresentado resposta.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar e decidir:
O Tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos: Factos provados. A. ... no exercício da actividade bancária e local de trabalho na Rua ... considerada como grande empresa: No dia 5 de Novembro de 2001, pelas 17 horas e 10 minutos, mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção, no desenvolvimento da actividade a que se dedica,, os trabalhadores... sem que tivesse registado, antes do início da sua prestação, em livro próprio, ou em qualquer outro suporte legal, o trabalho que estava a ser prestado pelos trabalhadores. Estes encontravam-se a prestar trabalho desde as 16h e 30m, hora a que tinha terminado o seu horário de trabalho normal. À data da visita inspectiva estava pendente para apreciação pelo IDICT, um, pedido de isenção de horário de trabalho relativamente ao trabalhador ... o qual foi deferido pelo prazo de um ano no dia 12-11-2001. Porém já auferia esc. 155.580$00 mensais de isenção de horário de trabalho. A arguida bem sabia que a sua conduta não era permitida por lei, objectivando com o não registo do trabalho que estava a ser efectuado proveitos de ordem económica em relação aos restantes trabalhadores, resultantes dos encargos com a prestação do trabalho suplementar, cujo não registo acarreta o seu não pagamento aos trabalhadores que o executam e resulta em beneficio económico para a recorrente. Entre 28 de Maio de 2001 e 28 de Novembro do mesmo ano o arguido foi condenado pela prática de 13 contra-ordenações previstas no art° 10° do DL 421/83, conforme consta a fls.6 dos autos cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. Factos não provados: Não resultaram provados os restantes factos alegados por oposição aos assentes.
O Tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma a decisão proferida sobre a matéria de facto: Basearam-se os factos assentes nos documentos juntos aos autos, nos depoimentos das testemunhas ..., inspector do trabalho pelo conhecimento directo que revelou dos factos e pelo modo isento, objectivo e conciso como depôs. Os factos não provados, mostram-se em oposição aos assentes.
O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do CPP, podendo sempre o tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida ou ainda os vícios referidos no art. 410º do CPP.
Nos termos do art. 75º nº1 do DL nº 433/82, de 27/10, a segunda instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
Assim, algumas considerações da recorrente, consignadas nas suas conclusões, referentes à apreciação da prova pelo tribunal recorrido, nomeadamente sobre a hora a que se iniciou a visita inspectiva, não podem ser apreciadas por este tribunal.
Nas suas conclusões a recorrente suscita as seguintes questões:
1. Nulidade da sentença recorrida por falta de pronúncia sobre a questão, suscitada na impugnação judicial, da violação por parte da decisão da autoridade administrativa dos princípios da legalidade, proporcionalidade e culpabilidade;
2. Nulidade do auto de notícia por falta da indicação de factualidade objectiva e subjectiva que integre a infracção bem como a que pode influir na determinação concreta da sanção a aplicar;
3. A recorrente tinha pendente no I.D.I.C.T. um pedido de isenção de horário de trabalho relativamente ao trabalhador ..., que veio a ser deferido em 12/11/2001, razão pela qual em relação a este trabalhador não havia que proceder ao registo de trabalho suplementar, não tendo sido violada qualquer disposição legal;
4. Os responsáveis pelo Balcão da recorrente não agiram com dolo, nem sequer com negligência, pois estavam convencidos que ainda não estavam obrigados a proceder ao registo do trabalho suplementar por estarem dentro do período de tolerância permitido por lei;
5. Não estão reunidos os pressupostos para a recorrente ser condenada como reincidente face à autonomia orgânica de cada um dos seus balcões;
6. Violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º nº2 da CRP, ao ser aplicada uma coima de € 19.000, por alegada infracção que não causou nenhum prejuízo, efectivo ou potencial, aos respectivos trabalhadores;
7. Inconstitucionalidade do art. 11 nº1 do DL nº 421/83, de 2/12, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º nº2 da CRP;
8. Violação do princípio da culpabilidade pela decisão recorrida uma vez que os responsáveis de balcão da recorrente não agiram com dolo, nem sequer com negligência.
Na audiência de julgamento, o Ex.mo defensor oficioso, nomeado à recorrente, suscitou a questão da extinção do procedimento contra-ordenacional, por ter ocorrido a prescrição.
O Ex.mo Procurador-geral adjunto pronunciou-se no sentido de que não se verifica a prescrição.
Importa pois apreciar, antes de mais, esta questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Os factos que deram origem ao auto de notícia que motivou o processo de contra-ordenação, cuja decisão é objecto do presente recurso, ocorreram em 5/11/2001, tendo o auto de notícia sido confirmado em 11/1/2002.
A contra-ordenação imputada à arguida prevista no art. 10º nº1 do DL nº 421/83, de 2 de Dezembro, eram consideradas muito grave pelo art. 11º, nº1 do referido diploma, e correspondia-lhes uma coima, em caso de dolo, de € 12.819,1 a € 44.891,8.
Esta legislação foi revogada pela al. i) do nº1, do art. 21º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.
Actualmente as referidas normas encontram correspondência no art. 204º do Código do Trabalho, que nos termos do seu art. 663º, nº2, qualifica a violação do referido preceito como contra-ordenação grave, à qual é abstractamente aplicável, no caso de empresa da dimensão da recorrente, coima, em caso de dolo de 55 UC a 95 UC ( € 4.389,42 a € 7.581,72 )- art. 620º nº3 al. e).
Esta legislação é mais favorável à recorrente pelo que lhe deve ser aplicada nos termos do art. 3º nº2 do DL nº 433/82, de 27/10.
Atento o valor máximo da coima aplicável ( € 7.581,72), o prazo de prescrição é de dois anos nos termos do art. 27º al. b) do DL nº 433/82, de 27/10, antes da versão introduzida pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, regime prescricional, vigente à data da prática dos factos.
Considerando que o auto de notícia só foi confirmado em 11/1/2002, a prescrição do procedimento contra-ordenacional esteve suspensa até essa data, nos termos do art. 27-A do DL nº 433/82, de 27/10.
Assim, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, começou a correr em 12/1/2002, dia seguinte à data em que o auto de notícia foi confirmado.
Vejamos então se já decorreu o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional:
No caso concreto a prescrição do procedimento contra-ordenacional interrompeu-se:
- Em 18/2/2002, quando a arguida foi notificada do auto de notícia e para apresentar resposta escrita ( art. 28º nº1 al. a. do DL nº 433/82, de 27/10);
- Em 10/3/2002, com a apresentação da resposta escrita pela arguida(art. 28º nº1 al.c. do DL nº 433/82, de 27/10);
- Em 4/9/2002, quando a arguida foi notificada da decisão administartiva que lhe aplicou a coima (art. 28º nº1 al.a. do DL nº 433/82, de 27/10).
Por outro lado a prescrição do procedimento contra-ordenacional só se suspendia quando fosse notificado à arguida a apresentação dos autos pelo Ministério Público ao Tribunal do Trabalho de Évora. Na verdade o Acórdão do STJ n.º 2/2002, publicado no DR 5/3/2002 veio fixar jurisprudência no sentido de que o regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no art. 27º-A do DL nº 433/82, de 17/10, na redacção dada pelo DL nº 244/95, de 14 de Setembro.
No caso dos autos não se verifica que tal notificação tenha sido feita, sendo certo que a arguida foi notificada do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa em 7/2/2003.
Por seu turno, o Acórdão do STJ n.º 6/2001, de 8/3/2001, publicado no DR n.º 76, série I-A, de 30/3/2001, fixou jurisprudência no sentido de que a regra do nº3 do art. 121º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do art. 32º do regime geral das contra-ordenações ( Decreto –Lei n.º 433/82, de 27/10, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro) ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional.
Assim, no caso concreto dos autos, tendo o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional começado a correr em 11/1/2002 o prazo da prescrição ( dois anos), acrescido de metade ( um ano), só terminaria, caso não houvesse suspensão, em 11/1/2005.
No regime do DL nº 433/82, de 27/10, com a versão introduzida pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, o prazo de prescrição é de três anos ( art. 27º al. b.), pelo que também não decorreu o prazo prescricional.
Assim, julga-se improcedente a invocada excepção da prescrição.
***
Apreciada a questão da prescrição e elencadas as questões a decidir importa frisar, como já se referiu, que este tribunal de recurso pode conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida ou ainda os vícios referidos no art. 410º do CPP.
Analisando a sentença recorrida, constata-se que a mesma descreve os factos provados e quanto aos factos não provados refere que “ Não resultaram provados os restantes factos alegados por oposição aos assentes”
Nos factos provados não é feita qualquer referência ao elemento subjectivo da infracção, sendo certo que no auto de notícia e na decisão administrativa do I.D.I.C.T., que assumiu a proposta de decisão, a infracção foi imputada à recorrente a título de dolo, tendo, de alguma forma, sido descrita a factualidade para assim se concluir.
Face à redacção da sentença no que respeita aos factos não provados “ Não resultaram provados os restantes factos alegados por oposição aos assentes”, temos de concluir que os factos referentes ao elemento subjectivo não estão incluídos nos factos não provados, pois apenas se faz referência ao factos alegados ( pela recorrente na sua impugnação).
Assim, estamos perante uma situação em que factos que constavam como provados na decisão administrativa não constam nos factos provados ou não provados na sentença recorrida.
Esta omissão, consubstancia o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício, previsto no art. 410ºnº2 al.a., consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tornando-se necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. É necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Como se refere no Acórdão do STJ, de 13/2/91, AJ, nºs 15/16, pág. 7 , este vício traduz-se na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, coisa bem diferente.
No caso concreto dos autos estamos perante uma contra-ordenação laboral em que a negligência é sempre punida nos termos do art. 3º da Lei nº 116/99, de 4 de Agosto.
No entanto, para que se possa imputar a contra-ordenação à arguida é preciso que se prove que esta actuou com dolo ou negligência ( art. 8º nº1 do DL nº 433/82, de 27/10).
Note-se que o DL nº 244/95, de 14 de Setembro, eliminou o nº2 do art. 1º do DL nº 433/82, de 27/10, que tinha a seguinte redacção: “ A lei determinará os casos em que uma contra-ordenação pode ser imputada independentemente do carácter censurável do facto.”
Face a esta alteração legislativa parece que temos de concluir que o legislador continua a considerar como um dos pressupostos da punição a vontade ou determinação de praticar o acto.
Como já se referiu a matéria de facto dada como provada é completamente omissa quanto ao elemento subjectivo, o mesmo acontecendo com a fundamentação da decisão preferida sobre a matéria de facto.
Tal matéria é absolutamente essencial, tanto mais que o recorrente centrou a sua impugnação judicial sobre a mesma.
Assim, torna-se importante averiguar, e fazer constar nos factos provados ou não provados, toda a matéria de facto de onde se possa concluir que a arguida, no caso concreto, agiu com dolo ou negligência ao não efectuar, nas referidas circunstâncias, o registo do trabalho prestado pelos referidos trabalhadores, para além do horário normal de trabalho.
Para além da enumeração dos factos provados e não provados a lei impõe, para além do mais, a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal ( art. 374º nº2 do CPP).
No caso concreto dos autos a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto limita-se a indicar as provas não tendo sido efectuado o mínimo exame crítico das mesmas no diz respeito aos factos que integram os elementos objectivos e subjectivo da infracção.
A omissão apontada, quantos aos factos integradores do elemento subjectivo da infracção integra o vício do art. 410º nº2 al.a. do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - e determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a essa questão, podendo sempre o tribunal apurar outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
Por outro lado, no que diz respeito à reincidência, importa que na factualidade provada, constem relativamente às infracções praticadas anteriormente, todos os elementos referidos no art. 13º da Lei nº 116/99, de 4 de Agosto, para se poder concluir se estamos ou não perante uma situação de reincidência.
Estes elementos podem ser recolhidos através de certidões das respectivas decisões, sobretudo quando o registo individual elaborado pela Inspecção-Geral do Trabalho, nos termos do art. 16º da Lei nº 116/99, de 4 de Agosto, não contém todos os elementos necessários, como acontece com o documento junto aos autos, a fols. 6..
Por todo o exposto, na secção social do Tribunal da Relação de Évora acorda-se em: 1. Julgar improcedente a excepção da prescrição do procedimento contra-ordenacional; 2. Determinar o reenvio do processo para novo julgamento com vista à indagação da factualidade referida. Sem custas. Fixa-se os honorários ao Exmo defensor nomeado, nos termos da tabela anexa à Portaria 150/2002, de 19/2, sem prejuízo do disposto no art.4 nº1 do mesmo diploma legal.
( Nota: processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas- art. 94 nº2 do CPP).
Évora, 2004/3/16
Chambel Mourisco Baptista Coelho Acácio Proença Gonçalves Rocha